Entrevista para a BBC de Londres – 11 de maio de 1993
Tradutor - Ele [repórter da BBC] gostaria de saber se o Sr. poderia dar uma idéia do que é a TFP, brevemente.
PCO -
Brevemente ela é uma sociedade – como diz o título – fundada para a defesa da tradição, da família e da propriedade dentro do contexto do Brasil atual em que, na crise interna do País e na crise externa do mundo, esses três valores estão sendo muito abalados.Tradutor - Qual é o papel da família, tradição e propriedade, desses três itens, na economia atual brasileira?
PCO - Qual é aqui o sentido da palavra "economia"? É o conjunto da vida ou na produção e consumo econômicos?
Tradutor - No sentido de produção.
PCO - A família ocupa um papel primordial na vida do homem, e como a produção e o consumo são fenômenos da vida humana não podem deixar de ser influenciados a fundo pela família.
Em termos diversos, quando a família está bem ordenada, a produção é ordenada, regular e fecunda. Quando a família está desordenada, a produção e o consumo são desordenados e pouco fecundos.
Tradutor - Existe uma corrente de pensamento que diz que a economia brasileira precisa mudar para se desenvolver, e que a tradição e a família também precisariam mudar junto com isso. Qual é a idéia do Sr. sobre isso?
PCO - Isso é bem verdade. Existe uma tradição que vem das raízes do País – portanto, da colonização portuguesa e católica – que tem uma concepção própria da família. Essa concepção deve ao mesmo tempo ser contínua e estar em desenvolvimento. Enquanto contínua ela é fixa, mas enquanto ela está no contínuo progresso, ela muda também. Resta saber no que consiste o progresso da família.
Continuidade não quer dizer estagnação. Este é o ponto que eu quero frisar.
Tradutor - Que tipo de mudanças o Sr. e a TFP gostariam de ver no Brasil desenvolvido?
PCO - Nós entendemos que do ponto de vista social a família deve continuar cada vez mais unida, cada vez mais entrelaçada, portanto, por laços de afeto, de mútua compreensão e de colaboração. Mas, de outro lado, também cada vez mais fecunda.
Neste sentido nós vemos uma desproporção entre os nascimentos do Brasil e a extensão do território, e desejaríamos um aumento muito grande de população.
Nós lamentamos que o nosso território seja grande demais para a nossa população. Mas achamos que a primeira emigração que deve haver no Brasil é a emigração dos brasileiros, quer dizer, que se deve dar grande liberdade aos nascimentos. É com a família prolífera que o Brasil crescerá.
Tradutor - Mas não poderia se dizer que, apesar do Brasil ter um grande território e grandes recursos, a economia não suportaria um crescimento de população? Não há recursos e riqueza para sustentar essa população?
PCO - Diga que não, que eu acho que, pelo contrário, bem conhecido o nosso País, bem analisado, ele surpreenderá qualquer pesquisador pelos recursos ainda não conhecidos que aparecerão.
Tradutor - O que a TFP pode fazer para colaborar, para ajudar nessa reorganização da economia, para que esses recursos apareçam?
PCO - Fundamentalmente é preciso, a meu ver, reintegrar a economia privada e a iniciativa privada na plenitude de seu papel, que foi muito comprimida nas últimas décadas da vida do País.
Eu sou um entusiasta da economia liberal, e acho que a economia estatal dirigida só tem produzido fracassos entre nós.
Diga que a TFP, por iniciativa minha, desde os primeiros projetos da reforma agrária, a combateu, julgando que ela representa uma estatização do campo.
A esse respeito eu gostaria de dar um pequeno esclarecimento, porque o modo pelo qual um observador europeu vê o problema não corresponde bem exatamente às condições do Brasil.
Diga que em duas palavras o que se dá é o seguinte: nós temos uma dimensão territorial que é mais bem continental do que de um país apenas, e que é preciso um grande empuxe de iniciativa para que o território todo se aproveite desde logo pela iniciativa individual.
A reforma agrária se apresenta com preocupações que não correspondem efetivamente aos problemas brasileiros. Por exemplo, impedir que falte terra para os plantadores que trabalham com as suas próprias mãos.
Isto, que é apresentado pelos propagandistas da reforma agrária como um dos aspectos mais interessantes dela, não corresponde à realidade brasileira. As terras sobram, os homens faltam. O que é preciso é dar aos homens o mais possível a liberdade de se lançarem sobre a terra e de a ocuparem.
Quando se faz a reforma agrária, entra o Estado com as suas preocupações pequenas e em geral mesquinhas. Ele quer quadricular a propriedade em pequenos fragmentos. Ele não compreende que quando um homem que está ocupando uma terra desocupada, está ocupando um pequeno fragmento, ao mesmo tempo se diminuem os horizontes e a capacidade de produção dele. E que quando ele ocupa uma extensão larga isto é um estímulo para ele, depois para os filhos dele, para os netos dele preencherem aquilo e fazerem produzir durante algumas gerações.
Não sei se fui claro.
Essa problemática no Brasil é fundamentalmente diferente do que foram as reformas agrárias nos vários países da Europa, inclusive em alguma medida na Inglaterra, ao longo do século XIX e do século XX.
Tradutor - Eles tiveram contato com algumas reportagens de que houve ocupações de terra no Brasil. Então parece haver uma necessidade de terra para essas pessoas.
PCO - Diga que é precisamente isso que é muito contestado.
Os que avançam pedindo terras são pessoas organizadas para exigir terras para promover uma espécie de revolução social. É, portanto, um movimento revolucionário, não é um movimento de verdadeiros trabalhadores.
Se ele quiser eu posso mencionar um fato que é uma demonstração da afirmação que eu estou fazendo.
Começa-se a falar de reforma agrária no Brasil nos últimos trinta anos, antes disso não se falava ou quase não se falava. Se um pesquisador paciente procurasse os jornais nos últimos trinta anos – é um trabalho de Hércules folhear a imprensa durante trinta anos – notaria uma coisa curiosa. De vez em quando fala-se de agressão de trabalhadores sem terra que querem entrar num determinado campo e querem dividir a terra entre si, trabalhadores, agressores.
Na realidade seria de se perguntar o seguinte: está uma terra, do lado de fora estão os agressores que querem entrar, que querem fazer uma reforma agrária lá dividindo entre si as terras e expulsando o proprietário; e depois tem um terceiro grupo de interessados, que são os trabalhadores rurais da própria fazenda que está sendo agredida. Seria natural que os trabalhadores dessas fazendas se solidarizassem com os invasores e que depois dividissem as propriedades rurais entre si, invasores e trabalhadores manuais da fazenda.
É raríssimo aparecer um fato dessa natureza, quase nunca isso aparece.
Quando as propriedades são agredidas por pretensos sem terra, o que sempre acontece é que os trabalhadores da fazenda estão solidários com os proprietários e não fazem nada para favorecer a ofensiva contra os proprietários feita pelos invasores. O que quer dizer que os trabalhadores estão contentes, estão solidários com os seus patrões, vivem normalmente. O que quer dizer, por sua vez, que na propriedade rural, considerada como tal, existe paz.
O que fazer desses trabalhadores que não têm terra?
O maior proprietário de terras do Brasil é o Estado. Chama-se isto o latifúndio estatal. A propriedade de terras não ocupadas, que não estão ocupadas desde Adão e Eva porque ninguém as ocupou e que pertencem ao Estado, isto sim o Estado devia distribuir. Deveria chamar esses sem terras e convidar, favorecer, dar dinheiro, dar recurso para que eles plantassem lá. O Estado não tem o direito é de favorecer a terra de particulares quando o maior proprietário é ele, Estado.
Tradutor - Quais seriam os prejuízos no caso de uma reforma agrária?
PCO - Os prejuízos seriam os seguintes: quando as terras são abundantes e as propriedades são grandes, naturalmente é preciso ter capital para acionar, para movimentar todo o trabalho na terra. Ainda mais hoje em dia com a industrialização da agricultura e com os recursos para o aproveitamento de terras cansadas, etc., a exploração de uma terra exige muito dinheiro. Esse dinheiro são os proprietários de muitos capitais que têm.
De maneira que nós ficamos numa alternativa: ou as propriedades têm um certo tamanho que corresponde ao movimento financeiro que elas exigem, ou é preciso pedir dinheiro ao Estado para que o Estado empreste aos proprietários e que, então, esses produzam alguma coisa.
Mas o Estado, quando [se lhes] pede dinheiro emprestado, pretende invariavelmente dirigir a agricultura. Ele empresta só a quem plantar determinados produtos e não quem plantar outros produtos. Toma assim a direção da agricultura, e isto sob a pressão de interesses políticos nem sempre claros.
O Sr. está vendo bem pelos jornais a desordem da política brasileira e pode imaginar essa desordem invadindo a agricultura.
Qual é a vantagem que há em que essa desordem lance na agricultura o caos em que ela está lançando o Estado no terreno político?
Tradutor - A sua opinião sobre as reformas econômicas que tem se sucedido no país?
PCO - Que tem o quê?
Tradutor - Se sucedido no país até agora. Os planos econômicos, as reformas econômicas.
PCO - Eu sou muito céptico em relação a essas reformas precisamente porque elas todas são bafejadas pela iniciativa do Estado. E, como vê bem, eu acho que a experiência estatal se pode avaliar bem no terreno econômico, considerando o insucesso do Estado no campo político.
Tradutor - Considerando-se hoje a diferença social enorme que existe no Brasil entre os ricos e os pobres, qual é a função da tradição e da família em diminuir essa diferença social?
PCO - Diga a ele que eu tenho a impressão de que ele vai achar que há um certo liberalismo na minha opinião, mas que numa conversa com mais tempo eu poderia mostrar a ele estatísticas e tornar claro o que eu vou dizer.
O que eu vou dizer é o seguinte: é que os não-brasileiros julgam essa diferença através de algumas figuras estereotipadas difundidas no mundo inteiro pela mídia. Então o tipo do pobre brasileiro é o favelado, e o tipo do favelado é o tipo do indigente reduzido à última miséria – evidentemente de um modo injusto porque não pode ser justo reduzir uma criatura humana a uma tal miséria.
Para julgar assim um europeu imagina a diferença que há entre as encantadoras habitações populares de muitos lugares da Europa e a evidente feiúra das favelas, e pensa que a favela é uma espécie de vulcão que está para explodir a todo o momento. Nada disso corresponde exatamente à realidade.
De fato há uma tendência do povo brasileiro a se contentar com circunstâncias de vida muito elementares na aparência por causa das condições de existência do País. Com um clima muito ameno, uma produção muito fácil, uma tendência a se contentar com prazeres simples e às vezes até elementares, fazem com que os favelados vivam satisfeitos nas suas favelas considerando o lindo panorama, a linda vegetação, o lindo céu, o Cruzeiro do Sul no nosso céu e outras coisas, cantando e fazendo poesia, e recebendo muito cordialmente os visitantes que vão lá para entrar em conversa com eles, entendimento, etc.
Eu conversei, por exemplo, com dois príncipes da Família Imperial brasileira, Dom Bertrand e Dom Luiz de Orleans e Bragança, que tomaram muito contato com os favelados por ocasião desse último plebiscito no Brasil.
Eles iam por todas as favelas – às vezes também princesas da Família Imperial – dizendo quem eram e apresentando-se, conversando. Eles eram convidados imediatamente pelos favelados para entrar dentro de casa, para sentar, para tomar um rum, para tomar um pouco de "caninha", que é uma bebida nacional. Dentro da casa eles viam televisão, viam fogão, viam indícios de uma suficiência que por certo não é riqueza ,mas não é uma certa suficiência, e um indício de uma paz social da qual o observador estrangeiro nem sequer tem idéia.
Tradutor - Agradecer muito pelo tempo que nós tomamos do Sr. e por essa ótima entrevista.
PCO - Diga que eu tive muito gosto em recebê-los e que está me passando pela cabeça a idéia de lhe sugerir que visitem uma favela. Se quiserem ir com dois ou três membros da TFP que sirvam... O Sr. é um excelente intérprete, mas para tomar contato em alguma dessas favelas talvez isso possa organizar-se.
Tradutor - Coincidentemente nós já temos esse programa para amanhã de manhã.
PCO - Então vão ver.
Tradutor - É uma iniciativa de uma favela que está fabricando pão. É um programa que estão fabricando pão na favela. Parece ser interessante. O início de uma industrializaçãozinha.
PCO - É, é.
Tradutor - Nós vamos ver primeiro o que é que é. Dr. Plinio, muito obrigado pela...
PCO - Passe bem e muito gosto.