20 de julho de 1990

Entrevista à Rádio Capital, Montevidéu (Uruguai)

Repórter: Estamos entrevistando o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, e mentor ideológico das vinte TFPs nos cinco continentes. É Tradição, Família e Propriedade-TFP, uma organização religiosa, política ou de que classe? Se não é organização política, por que se permite dar mensagens a favor ou contra partidos?

Plinio Corrêa de Oliveira: A TFP é uma organização constituída de católicos, porém não é uma organização especificamente religiosa. Explicitando melhor essa afirmação, pode-se dizer que a TFP é uma organização constituída por católicos, fundada por católicos, mas não é dirigida pela Hierarquia eclesiástica. É uma modalidade de associação que é definida como inteiramente correta pelo Código de Direito Canônico, e não tem, nesse particular, a menor dificuldade com as autoridades eclesiásticas.

A TFP é uma organização extra-partidária, e que se permite verdadeiramente ditar mensagens aos partidos políticos. Porque a missão do verdadeiro partido político é de ouvir a sociedade, escutar as diversas vozes que emite a sociedade num sentido e noutro, e segundo a escolha dentro das várias orientações da sociedade se orienta um partido. Um partido que fosse surdo a qualquer voz que não fosse a de outro partido político, contribuiria com isso para formar um clã político, que seria uma oligarquia fechada à sociedade e, portanto, à população. Não seria um verdadeiro partido.

Repórter: Considera que a nova tendência do comunismo internacional é meramente um "lavado de cara", ou um câmbio sincero que tende à social-democracia?

PCO: Não me parece que o comunismo tenda, com a sua "cara lavada" como disse o sr., tenda sinceramente à social-democracia. Parece-me que o caminho do comunismo é diferente. Ele tende à desagregação da sociedade, para chegar ao que se pode chamar uma sociedade verde. Quer dizer, uma sociedade que se desfaz, para se transformar em pequenos núcleos, talvez melhor não urbanos do que urbanos, o que seria o ponto final da evolução da atual civilização. Neste programa há erro sobre erro. E nesta afirmação está contida a probabilidade de que esse seja o verdadeiro rumo do comunismo, porque no comunismo não há nada que não tenda ao erro.

Repórter: Os regimes democráticos se consolidaram na América Latina. Crê que existem hipóteses nas quais é preferível uma ditadura de direita do que um governo democrático? O que opina da queda de Allende e do golpe de Estado no Uruguai?

PCO: A pergunta que o sr. faz parece-me supor que a democracia em sua pureza, ou pelo menos o espírito do verdadeiro democrata em sua pureza não pode conceber outro governo que o democrático.

Isto não é a minha convicção. Disse Santo Tomás de Aquino, o Doutor máximo da Igreja Católica, que há três formas de governo. E nisso ele segue Aristóteles. São a monarquia, a aristocracia e a democracia. Depois de ter explanado bem sobre cada uma dessas formas, Santo Tomás mostra como essas formas não têm nada de ilícito em si mesmo, e que podem ser adotadas pelos diferentes povos, segundo a índole a idiossincrasia do povo, e das circunstâncias do momento, da conjuntura nacional e internacional, etc.

A fixidez absolutamente imóvel do mundo inteiro em torno de um erro chamado democracia, do qual o mundo não pode afastar-se jamais, jamais, me parece uma forma de ditadura democrática. Seria como se o mundo estivesse cravado num ponto, por uma clave imensa chamada democracia, e a humanidade seria uma coleção de bonecos que não podem fazer outra coisa senão girar em torno dessa clave. É uma concepção da qual eu não participo.

Pelo contrário, a sociedade deve ser livre de escolher essa ou aquela forma de governo. No Brasil, por exemplo, em pleno século XX, na última década do século XX se vai realizar, por deliberação da última Assembléia Constituinte, terrivelmente esquerdista, um plebiscito para saber se o povo quer a democracia ou a monarquia. Isso mostra ao sr. uma concepção democrática com mais ar, com mais liberdade, do que seria aquela de uma fixidez democrática absoluta. Por onde me parece indiscutível que a democracia pode ter alternativa. E me parece que é necessário que as tenha. A ditadura pode ser uma dessas formas.

Há uma evidente diferença entre a ditadura e a monarquia. A ditadura é a forma de governo improvisada, na qual um homem sem títulos especiais para isso, e baseado na força, se faz dono do governo e dirige uma nação.

O sr. me perguntará: pode essa forma servir a um país em determinadas circunstâncias?

Eu lhe respondo: a definição que eu dei de ditadura é uma definição pouco democrática. Porque eu não tenho nenhuma simpatia pela ditadura enquanto tal. Porém, há circunstâncias em que o governo de um só é necessário para conter a extrema agitação da fermentação social, dos descontentamentos, da demagogia sobretudo. Se é necessário um para salvar o país, e se nesse país não há uma família reinante, ou ex-reinante, o que pode fazer esse país? Deixar-se ir ao fundo para não abandonar a democracia? A democracia existe para o país, ou o país existe para a democracia? Que coisa é essa?

Perdoe-me o sr. alguma ênfase com que falo, mas é próprio ao meu temperamento. Eu concluo disso que pode haver países para os quais, especialmente na nossa América Latina, algumas vezes a ditadura pode ser necessária. Eu vejo que é uma necessidade perigosa. Na Medicina há remédios que são perigosos, mas que são menos danosos do que a morte. Então se opta pelo remédio que é perigoso. Como também por uma operação. Alguém se faz operar no coração, é muito perigoso, mas pode ser muito bom para a saúde.

Assim também a ditadura: é como uma gravíssima operação cardíaca, às vezes indispensável.

O sr. me pergunta o que penso de Allende. Allende pertence hoje ao reino dos mortos. Há um princípio latino que diz: "De mortuis nisi bonum - Dos mortos não se fala, se não se fala bem". Isso é verdade, mas para os mortos que morrem na vida privada, que não participaram da vida pública. Para os que participaram da vida pública isso não é verdade. Eles penetram na História, e devem ser friamente julgados pelo historiador.

A meu ver, Allende foi um homem profundamente nocivo para o Chile, e ele se matou no momento em que ele deveria abandonar o Governo. Ele fez bem de abandonar o Governo. Ele fez mal de escolher o suicídio para libertar-se das responsabilidades do governo da nação.

Porém, esse governo não poderia ser pior. Ele criou a fome, a miséria. Todas as circunstâncias de que padecem os países por detrás da Cortina de Ferro, no Chile foram criadas de maneira não tão radical como em países como a Rússia, onde há 70 anos de aplicação de marxismo. Mas Allende, que até o último momento de sua via se manifestou marxista, ia levando o Chile para os horrores do marxismo.

Eu vejo que algum ouvinte de sua emissora dirá: "Esse homem é, portanto, pinochetista. Porque ele defende as ditaduras em tese, e combate Allende, que foi substituído por Pinochet. Então esse homem é um ditatorialista, e para o caso concreto do Chile é um pinochetista. De onde esse homem aprova os assassinatos, a violência que a voz pública de certas camadas sociais do Chile atribui a Pinochet".

Isso é um galope de hipóteses no ar, e num ar escuro, sem nenhuma luz. Não tem argumentos, não tem nada. Eu já lhe disse qual é a minha opinião a respeito da ditadura. A meu ver Allende foi, ele, um ditador, o comunismo conduz necessariamente à ditadura. Nós não conhecemos um só país que tenha sido comunista sem ter tido ditadura. E, portanto, os verdadeiros amigos da ditadura podem ser comunistas, mas os verdadeiros inimigos do comunismo, podem não ser ditatorialistas, e preferem qualquer solução à ditadura, exceto o comunismo.

Repórter: Quais são os únicos caminhos que aceita a TFP para combater a ideologia de outra organização? Que comentários lhe merece os esquadrões da morte no Brasil?

PCO: A TFP é uma organização que no Brasil tem 30 anos. Há organizações autônomas e co-irmãs da TFP - a brilhante TFP uruguaia é uma dessas organizações - que são muito mais novas. Mas no Brasil tem 30 anos de existência. Nesses 30 anos de existência jamais foi possível acusar a TFP de qualquer espécie de violência. Porque temos uma verdadeira oposição à violência. Nós cremos na persuasão, e nos parece que a persuasão é o primeiro meio de ação. E não há maneira de impor pela força suas idéias a outros. Pode-se pela força impedir que os aventureiros tomem conta do governo - o que é muito do gosto dos comunistas e dos socialistas. Mas não se pode usar da força para impor uma forma de governo, ou para exercer qualquer forma de pressão sobre a população.

A violência é aceitável em legítima defesa. Mas, graças a Deus, a TFP brasileira jamais teve a necessidade de exercer a violência em legítima defesa.

Repórter: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, agradecemos suas declarações à Rádio Capital!

PCO: Eu agradeço ao convite que me fez a Rádio Capital, e agradeço aos seus ouvintes o tempo que tomaram ouvindo-me.