21 de junho de 1990

Entrevista à Rádio Uruguaiana (Rio Grande do Sul)

(Excertos)

Repórter - O que o Sr. pensa do casamento e da família?

Plinio Corrêa de Oliveira - Não sou casado. Não adoto, entretanto, de nenhum modo a definição que o velho Bismark dava do casamento. Ele dizia que o casamento era como uma praça sitiada: os que estão fora querem entrar; os que estão dentro querem sair.

O casamento é uma instituição de direito natural, que Nosso Senhor Jesus Cristo elevou à condição de Sacramento, e que realiza as condições ideais para que a missão do casamento se alcance bem. A missão essencial do casamento é a reprodução do gênero humano, para obedecer ao Mandamento Divino: "ide, e povoai toda a Terra". É preciso para isto que os filhos tenham as condições de educação normais. E para a educação normal do filho, nada melhor do que a conjugação do afeto paterno, materno e do amor fraterno, com seus vários matizes que constituem o ambiente perfeito, para a formação mental, temperamental e cultural da prole. O casamento, bem entendido, indissolúvel. Eu sou antidivorcista.

R.: Qual é a qualidade que o senhor mais preza em si mesmo?

PCO - A qualidade que mais prezo em mim mesmo é ser filho da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Abaixo disso, mas com que raízes no meu coração, é a condição de brasileiro.

R.: E o defeito?

PCO - O defeito que eu mais prezo?

R.: Que o Sr. tem...

PCO - De que mais me acuse? É a minha péssima memória. Tive-a má, desde o tempo de criança. Naturalmente, com o decurso dos anos, não pode ter senão piorado.

R.: O ideal do Sr. qual é?

PCO - Servir com todas as minhas forças até o meu último alento de vida a Igreja, a Civilização Cristã, especialmente no meu querido Brasil.

R.: O que o Sr. acha do sonho?

PCO - Quem tem verdadeiro ideal não sonha, no sentido que eu presumo que o senhor emprega a palavra sonho: o sonho de olhos abertos, dos homens sonhadores, que vivem imaginando coisas impossíveis. Quem tem verdadeiros ideais não sonha. Quem sonha não tem verdadeiros ideais.

R.: O lazer do Sr. ?

PCO - De preferência leituras históricas. Entre estas, de preferência, biografias.

R.: O Sr. tem medo?

PCO - Sim, de Deus.

R.: De música, quais as que o Sr. gosta?

PCO - Eu gosto da música gregoriana, da música polifônica e de músicas militares de bom quilate.

R.: Dr. Plinio, queríamos saber a opinião do Sr. sobre o cinema, teatro, TV e rádio.

PCO - Tenho a vida terrivelmente ocupada e, por isso, não tenho tempo de acompanhá-los. Devo acrescentar que, desde meu tempo de moço, de mocinho até, pareceu-me que a vida era muito mais interessante de ser observada e analisada, do que esses meios de diversão. Por isso, eu me empenho muito em ser observador da vida, dos homens e das coisas. Tudo isso parece-me muito mais interessante do que o cinema, o teatro etc.

R.: Como o Sr. vê a velhice?

PCO - Como ela é: uma preparação próxima para o Juízo de Deus. Encanecendo, o homem vai-se preparando para ser julgado por Deus. E para isso estou-me preparando eu.

R.: E a ecologia, o que pensar dela?

PCO - Que é uma palavra elástica, com significados variáveis e quase todos reprováveis.

R.: E as drogas?

PCO - Constitui um dos maiores flagelos da humanidade contemporânea.

R.: E da superstição?

PCO - Como católico apostólico romano, não as tenho. Não tenho superstição alguma.

R.: O que o Sr. acha do governo Collor?

PCO - Face a ele, inscrevo-me na maioria dos perplexos e apreensivos.

R.: O que pensar da violência?

PCO - Sou contrário a toda a qualquer forma de violência que não seja conforme a lei.

R.: E o problema da moradia?

PCO - Deve-se fazer uma distinção entre o problema da moradia urbana e a rural. Quanto à moradia rural, a Reforma Agrária não faz senão agravá-lo. A revista da TFP, "Catolicismo", tem publicado várias reportagens muito bem documentadas a respeito da favelização de áreas em que se têm aplicado, no Brasil, a Reforma Agrária.

Entre outros elementos de desagregação agrária que esta reforma produz, a revista da TFP tem indicado claramente as péssimas condições de moradia dos trabalhadores agro-reformados.

Quanto à moradia urbana, sou de opinião que a pretensa reforma urbana, da qual, graças a Deus, se fala menos, também não fará senão agravar esse mal. Na medida em que o Estado mete a mão no problema da moradia, nessa medida o problema se acentua ao infinito. Basta notar o desastre das leis de inquilinato no Brasil. A tal ponto que, hoje em dia, a lei de inquilinato é muito menos exigente do que o foi durante a II Guerra Mundial.

R.: A quem, ou a que acontecimento o Sr. daria nota dez?

PCO - À aprovação pela Constituinte da revogação da cláusula pétrea, que impedia a propaganda monarquista no Brasil. Acho que foi um ato de justiça, que estabelece a coerência dentro do regime vigente, porque não se compreende que no regime monárquico fosse permitida a propaganda republicana, e no regime republicano fosse proibida a propaganda monárquica.

R.: E nota zero?

PCO - A quase todo o resto da atual Constituição.

R.: O que Sr. pensa da pena de morte?

PCO - Sou a favor dela, desde que regulamentada por uma lei ordinária judiciosa e prudente.

R.: E do aborto?

PCO - Sou absolutamente contra ele. Aliás, de acordo com a doutrina católica.

R.: O que o Sr. mais admira nas pessoas?

PCO - A coerência na fé católica.

R.: Conte-nos um fato pitoresco de sua vida.

PCO - O que me ocorre no momento é um fato acontecido ainda na minha infância. Eu tinha talvez uns quatro ou cinco anos, quando os meus pais foram passar uma temporada de lazer no Rio de Janeiro. Ali foram cumprir o dever de família de visitar o tio de meu pai, o Conselheiro João Alfredo.

João Alfredo tinha, nessa ocasião 84 anos. Estava coberto de todas as glórias que lhe provinham da libertação dos escravos. Era um personagem nacional, reputado além do mais por sua grande inteligência. Meus pais explicaram-me isso, que eu assimilei tanto quanto podia. Esperava encontrar diante de mim um grande homem.

Mas, quando cheguei ao escritório dele, que ficava no andar superior de sua residência, encontrei-me com surpresa com um ancião. Ancião tão velho que apenas três anos a mais do que tenho eu hoje. Encontrei um ancião vivo, inteligente, mas que me deu uma primeira surpresa, porque ele quis escrever um cartãozinho com umas palavras para mim e, para isso, pôs sucessivamente três óculos, uns juntos aos outros no nariz... Era porque o venerando conselheiro estava com a vista muito gasta. Porém, nunca tinha visto uma pessoa de três óculos, ficando muito surpreso.

Enquanto os meus pais conversavam com o conselheiro sobre outros assuntos, eu andei passeando pela sala, onde me acompanhava o olhar afetuoso e apreensivo de minha mãe, receosa que eu me saísse com algum dos muitos ditos inesperados de que eu era useiro e vezeiro. Em certo momento, eu parei junto a uma estante giratória que tinha no alto um monumentozinho de ouro, com um homem onde se via um brilhante posto no peito. Olhei para aquilo e não entendi quem seria ele...

Interrompi a prosa do conselheiro - primeira extravagância e infração às boas regras - e perguntei-lhe quem era aquele homem. O conselheiro, com aquela afabilidade que o caracterizava disse: "Meu filho, é seu tio!" Eu puxei um profundo suspiro e disse: "Ah! Mas não parece mais..." Esta afirmação acentuava a velhice do grande estadista.

Ele respondeu: "Um dia você passará por lá também..." Não estou longe disso...

R.: A bebida preferida do Sr.? E o prato preferido?

PCO - Champanhe francesa e gin tônica, de boa qualidade, inglesa.

R.: Os pratos preferidos?

PCO - São muitos. Entre eles, eu menciono com galhardia: vatapá, cuscuz e cozido. Precisaria dizer que também merece colocação aí um muito bom churrasco, quando ele é do Rio Grande do Sul.