Revista "Catolicismo", nº 467, novembro de 1989 (
www.catolicismo.com.br)ELEIÇÃO-89
"O Brasil merece muito mais"
CATOLICISMO - Prof. Plinio, o que o Sr. pensa a respeito do quadro eleitoral brasileiro?
PCO - Na realidade, o quadro eleitoral parece renovar, em alguma medida, o que já descrevi pormenorizadamente em meu livro "Projeto de Constituição Angustia o País", no qual analisei, entre outros temas, as eleições para a Assembléia Constituinte, realizadas em 1986.
Por certo, é elemento vital da democracia que todos conheçam o candidato cuja opinião confere com a sua. Que cada eleitor tenha uma idéia clara dos problemas do Estado e uma noção definida a respeito do que deseja cada candidato a cargo eletivo. Isto é a própria nervura vital da democracia.
Ora, uma vez chegado o período de preparação eleitoral, como expliquei naquele livro, começou um estilo de propaganda, o mais lamentável possível. Em vez de ser a propaganda dos programas dos candidatos, era a propaganda da cara dos mesmos. Lembro-me de ter visto, naquela campanha para a Constituinte, um desses cartazes de propaganda com a cara enorme de um homem, e apenas os dizeres: "Fulano de tal, é federal". Então, votava-se nele por causa da cara!
Alguns candidatos achavam que o próprio rosto aparentava ser o de um homem simpático, afável, acolhedor, e que tem o jeitinho de arranjar emprego para todo mundo que pedir. Para isso, sorriam à maneira de máquina de dizer sim, que já fosse dando tudo o que se lhes pedisse, inclusive coisas improváveis, coisas que seriam do interesse do Estado não conceder.
Outros candidatos julgavam que o partido que podiam tirar de sua cara era dar a impressão de serem homens estudiosos, compenetrados com os interesses nacionais. Arranjavam um penteado convencional de homem estudioso, faziam-se fotografar com uma pastinha debaixo do braço, ou então com uma pilha de livros diante de si.
Mais interessante era o candidato milagreiro. De vez em quando aparecia um homem, tirado de repente do nada, ou pior, de um passado negativo. Assim "selecionado" o candidato, dizia-se: este é o homem! Vai resolver todos os problemas do Brasil. E havia uma multidão de otimistas que já iam admitindo: ah, é esse, é? Então vou votar nele. Criava-se uma espécie de corrente quase magnética de simpatia reciproca, e a mídia começava a repetir que fulano ia resolver isso e fazer aquilo. Sobre o passado dele, discrição, porque no passado... Conforme o dinheiro que corria na campanha, ele vencia. E vencia - coisa mais extraordinária - como se tivesse sido eleito pela massa, quando a pobre massa fora manuseada por um certo capital. A massa dizia que ele era a solução, porque a maior parte da mídia inculcava ser ele a solução. Então, sucedia que o macro-capitalismo publicitário pesava de modo decisivo na opinião pública. Esta não era formada pelo estudo, nem pela reflexão, nem por uma tradição doméstica ou por uma tradição cultural, adquirida em alguma universidade, onde se tivesse estudado, não era formada por nada, mas pela apresentação publicitária magnética e repentina do "salvador".
O que se podia esperar como resultado de uma eleição que tinha como raiz a irreflexão? Pode-se esperar que de um copo vazio saia a água para matar a sede? Não. De um voto vazio de pensamento não pode sair uma solução bem pensada.
CATOLICISMO - Bom, tudo isso diz respeito ao passado, um passado relativamente recente, é verdade, mas enfim, é o passado. A entrevista que o Sr. está me concedendo deve versar sobre o presente. A respeito deste presente que está aí, vivo e palpitante, o que me diz o Sr.? Em termos concretos, peço-lhe que me fale sobre as eleições presidenciais de 15 de novembro. Sobre o ponto-chave por excelência, que é sua apreciação acerca dos presidenciáveis...
PCO - Ao longo de toda minha vida, sempre evitei questões pessoais. Só as questões doutrinarias têm sido tema de meus pronunciamentos.
Nessa perspectiva, evitei de tratar das próximas eleições, pois, a bem dizer, na presente campanha, quase só estão pondo em foco temas pessoais, acusações recíprocas de uns candidatos contra outros.
Mas, precisamente nisso, as próximas eleições estão se revelando uma reedição das eleições para a Assembléia Constituinte, em 1986. Só que em plano mais alto. Pois visam eleger o Chefe de Estado. Ou seja, o personalismo trivial e rasteiro do pleito de 86 se repete, quiçá ainda mais acentuado, na campanha eleitoral de 89. Para constatá-lo, basta lembrar aqui o debate entre presidenciáveis travado na TV Bandeirantes, no dia 17 de outubro.
Por isso, estendendo-me sobre as eleições de 86, pretendi falar implicitamente do pleito de 89.
"Para bom entendedor, meia palavra basta"...
E os "bons entendedores" enxameiam no público brasileiro.
CATOLICISMO - Mas, em última análise, há alguns candidatos que são um pouco melhorzinhos do que outros. Não valeria a pena saber quem são eles?
PCO - De imediato, é possível que alguns candidatos sejam melhorzinhos do que outros, mas o bem do País não consiste em nos contentarmos com tão pouco. O Brasil merece muito mais, incomparavelmente mais do que essa situação.
E, portanto, é preciso exigir absolutamente, dado que estamos numa democracia, que o jogo democrático se cumpra, e se cumpra com a mídia ajudando o público a formar correntes de opinião que exprimam as tendências a que os diversos segmentos geográficos ou sociais delas são propensas. O maior bem do Brasil não consiste em escolher o melhorzinho ou o piorzinho - escolha aliás duvidosa - mas consiste em dizer: nós queremos tudo, em outras palavras, queremos para o Brasil que se escolha o melhor, que se escolha o ótimo, conhecidas bem as idéias de todos.
E concedendo a todo mundo a liberdade de se exprimir, dever-se-ia repudiar quem pleiteasse votos sem ter programa, ou que apresentasse um programa que não fosse - para usar uma palavra moderna - abrangente. Isto é, um programa que tratasse do conjunto das questões nacionais, e que expusesse as razões de cada proposta. É preciso que os partidos políticos ofereçam ao público ideais definidos, baseados em argumentação, apresentada com seriedade. Só assim pode-se esperar algo de bom.
Por isso, sem recomendar a abstenção de voto, parece-me conveniente que os homens públicos situados fora da política não alimentem o presente debate eleitoral por sua participação nele. Seria alimentar um pernicioso fogo de palha.
Esse alheamento à controvérsia eleitoral desprestigia os pleitos vazios e prepara o público para exigir, dos partidos políticos, futuros pleitos substanciosos e à altura do País.
CATOLICISMO - O Sr. já enunciou tais propostas através de órgãos da grande imprensa diária?
PCO - Tenho escrito na "Folha de S. Paulo", que é um jornal de larga circulação nacional, mais de um artigo a esse respeito. E o tenho feito argumentadamente, exprimindo meu pensamento, que sei constituir também o modo de pensar bastante generalizado entre quantos têm consonância com a TFP.