Plinio Corrêa de Oliveira
O cavaleiro das Mil e uma Noites
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O guerreiro da foto é um guerreiro fabuloso, perfeitamente das "Mil e uma noites" (1). O beduíno, no dourado, perde tudo. Vou dizer mais: o beduíno só pode ser visto num fundo branco-de-arrebentar do deserto, ou de negro noturno. A casa dele é o camelo e também o descanso dele é estar sentado nessa montaria. Ele está relacionado com esse animal de tal maneira que no camelo come, bebe, dorme, pode fazer qualquer coisa. É um homem estavelmente posto na aventura e em correr o risco vertiginoso. Ele vê panoramas sempre novos, sempre diferentes e faz proezas que sempre se renovam também.
Um sedentário que não pára nunca Ao contrário do que uma análise superficial poderia fazer imaginar, ele é um grande sedentário. Ele carrega dentro de si sua estabilidade, sua distância com relação às coisas. O espírito dele habita numa região que fica nos confins entre o tempo e a eternidade. Ele vive aquela situação em que a cada momento se faz uma coisa tão bela que a vida parece uma maravilha, ou tão arriscada que ameaça sumir. Nessa fímbria ele habita, sem arrepio e sem medo. A morte e a aventura São expressivos o branco do deserto, e o negro da tez dele. O branco da vida “éclatante” (do francês, reluzente, radiante), de heroísmo em heroísmo, de aventura em aventura, e o negro da morte diante da qual ele pode afundar mas que é o adorno da vida. Ele anda dentro do branco e preto normalmente, à procura do risco, daquela fímbria, daquela hora em que a vida atinge o seu auge e ameaça precipitar-se dentro do vácuo. Para os inimigos ele parece dizer: "Você não tem razão nem quando diz a verdade".
A Verdade, o Bem e o Belo Essa posição dele, constantemente entre a vida e a morte, é uma posição metafísica* em face do verum*, do pulchrum* e do bonum*. Eu a exprimiria da seguinte maneira: a vida em si é muito boa, na medida em que esteja completamente voltada para algo que não é ela e que ele não sabe bem o que é. A dignidade dela está nesse holocausto (8) contínuo. O cavaleiro do holocausto Ele poderia ser chamado "o cavaleiro do holocausto". A contínua preparação para o holocausto daria, a meu ver, a definição deste homem. É uma raça feita para o holocausto, nascida para o holocausto e que tira toda a sua possibilidade de existir do holocausto. Para compreender o Roland que existe nesse homem, é preciso admitir que, assim como existem na Igreja certas ordens religiosas que fazem coisas raríssimas que o comum das pessoas não deve fazer, mas que devem existir — o silêncio perpétuo, por exemplo — assim também no mundo deve haver uns povos que são, por exemplo, simplesmente o holocausto, e que levam essa vida de frugalidade que é a do beduíno. A pergunta errada seria: "O que se deveria fazer para tornar esse berbere civilizado?" Certamente a situação dele comportaria certos progressos. Mas não seria a entrada no contexto, naquilo que chamamos civilização tal qual é. Seria, nas fímbrias da civilização, manter um certo valor, sem o qual ele degenera. Um missionário deveria dar a ele uma formação que, tirando o lado celerado, favorecesse o aspecto cavaleiresco, como soube fazer o missionário medieval com os bárbaros.
São Luís IX, Rei de França, na batalha de Taillebourg (pintura do sec. XIX) A Humanidade então assistiria ao nascimento de uma cavalaria A pregação não deveria consistir no seguinte: - "Vocês matam por uma bagatela, portanto deixem de lutar". Mas deveria ser outra: - "A luta é bela. Não tendo uma verdadeira causa, vocês encontram bagatelas para guerrear. Compreendam que toda essa ferocidade seria uma beleza a serviço de outro ideal". O que seria um povo destes, se convertido? Eu o imaginaria guerreiro, a serviço de um Papa ou de um Imperador para o que desse e viesse. Uma espécie de Legião Estrangeira (3).
As quintessências do beduíno Os povos pequenos, pelo menos muitos deles, têm missões especiais e grandes quintessências. Sinto-me inteiramente eu, sabendo que há Bruges (4) com seus canais, com suas flores, onde nunca nada se move. Tenho vontade de entrar num lugar onde nunca nada se mova e ficar parado ali. E me apetece ir para o deserto dos beduínos, tratar com essa gente e vê-la se mexer e fazer sua vida! São os tais contrastes harmônicos do universo, nos quais me sinto sustentado na minha necessidade de plenitude, de polimorfía, de cores, de variedades, de lances, de movimento. O jogo harmônico dessas unilateralidades dá plenitude à vida.
Jazigo dos zuavos pontifícios que o Papa Pio IX mandou que fosse construído para os soldados que morreram pelo Papado (séc. XIX – cemitério do Verano, em Roma). A música que acompanha este vídeo é o hino pontifício, interpretado pela fanfarra e por membros da valorosa TFP norte-americana Notas: (1) Mil e uma noites: contos árabes, em parte de origem persa. Os mais célebres são os de Aladim ou a Lâmpada Maravilhosa, Aventuras de Ali-Babá e os Quarenta Ladrões, e As incomparáveis Peregrinações de Sindbad, o Marujo (século X). (2) Holocausto: aqui com o sentido de imolação, de disposição de dar a vida por uma Causa, se necessário. (3) Legião estrangeira: legendário regimento francês de infantaria, com sede na Argélia colonial, e cujo efetivo era obtido pelo recrutamento de voluntários estrangeiros. (4) Bruges: linda cidade da Bélgica cortada por canais. Dada a impressão de paz que ressuma de suas tranqüilas águas, foi cognominada por alguns de "Bruges, la Morte". O presente texto foi transcrito da obra "A CAVALARIA NÃO MORRE", Capítulo V - Pequena galeria de tipos guerreiros, O beduíno, pag. 124-133, Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1998, Coleção "Canticum Novum" - Excertos do pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, coletânea de Leo Daniele. |