Plinio Corrêa de Oliveira

 

Como alguém escolhe seu próprio vocabulário?

Este depende da observação, análise e classificação do que se vê

 

"Santo do Dia", 5 de novembro de 1983

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Como escolhe alguém o seu próprio vocabulário, de tal sorte que seja amplo, abundante, bem ordenado e que possa empregar nas várias circunstâncias da vida?

A resposta, eu a estou compondo à medida em que vou falando. O vocabulário se escolhe a partir do momento em que se observam as coisas da vida. Mas a própria palavra “observação” é superficial. Se ela contém apenas o conceito do mero esforço por onde descrevemos algo, teremos observado pouco, pois isso constitui apenas o primeiro degrau da observação. Porém esta cresce de grau quando se transforma numa análise. Ao me apresentar a pergunta esta noite, um dos srs. disse muito bem que “quem analisa, ama e analisa para mais amar”. A análise visa o amor. Aquilo que se ama, a gente analisa. E quanto mais analisa, tanto mais quer amar.  Quanto mais se ama, por sua vez, tanto mais se quer analisar.

Mas ainda aí a noção não está completa, porque não basta a idéia de amor, é preciso uma outra: a de aversão. Não há análise que não seja em função do ponto extremo por onde uma coisa pode ser amada. De outro lado, do ponto extremo onde, sendo defeituosa, ela pode ser execrada. Apenas quem, ante qualquer coisa, conhece o que ela seria se fosse ideal e o que seria se fosse supinamente mal feita é capaz de situar no quadrante do amor o peso da preferência aonde exatamente se situa. Portanto, isto supõe um espírito desejoso de classificar e analisar todas as coisas porque aspira esta forma perfeita de ordem e de verdade, pela qual tudo é analisado em função de sua própria afirmação ou de sua própria negação.

Consideremos um exemplo concreto: um dos senhores perde o relógio. Vai e percorre algumas relojoarias. A pessoa instintivamente comprará um relógio segundo um critério próprio, condicionado naturalmente pela amplitude maior ou menor da verba de que dispõe, bem entendido. A pessoa forma desde logo, instintivamente, uma idéia do relógio ótimo que cabe dentro daquele orçamento, e do relógio péssimo que cabe no nível mínimo daquele valor. Procurará tanto quanto possível aproximar-se do relógio ótimo e fugir tanto quanto possível do péssimo. Isto orienta o relógio bem comprado.

Um indivíduo que seja hesitante, indeciso, flutuante, que quando recebe uma indicação a respeito de comprar um relógio não tem idéias e precisa antes conversar com outros, é o bobo que não tem noção de como o relógio deve ser! Viu relógios em seu próprio pulso ao longo de sua vida, viu no de outros, tem uma vaga idéia das coisas, mas não sabe como comprar o relógio. Ele nunca fez a fixação interna do que seja um relógio perfeito ou desastrado para um certo padrão, pois vendo um mostrador de relógio monstruoso, não teve horror; vendo um mostrador de relógio bonito, não se encantou. Porque não era dele, não se preocupou. Resultado: na hora em que necessita procurar para si um relógio, não sabe com que critério fazê-lo...

O bobo, o homem de horizontes restritos, pergunta-se: “qual é o relógio que mais pode me convir?” E vai formando uma idéia do relógio ideal que haveria para ele.

O homem de horizontes muito mais largos tem outros critérios: o mundo dos relógios de pulseira... E vai formando, sem essa preocupação definida, só porque ele classifica todas as coisas e é um classificador permanente, sério e sábio de tudo quanto vê. Ele folheia uma revista, vê um relógio e lhe vem à mente: “O relógio ideal deve comportar tal coisa”. Mais adiante, vê um anúncio de relógio num jornal e pensa: “Para um relógio ideal, também convém que comporte tal outra coisa”.

Qual desses elementos é mais importante para um relógio de pulseira? Um relógio muito bonito, mas que tem poucas indicações práticas, ou o relógio super-prático, mas com poucas indicações belas? O que escolher?

Um songamonga dirá: “Eu gostaria de um meio termo...” Eu tenho vontade de lhe dizer: “Como és morno, não entras com o pé certo nem no pequeno mundo dos relógios!” Por que? Porque este não formou uma idéia do relógio perfeito. Este não tem uma idéia, nem sequer instintiva, de qual a proporção em que se deve combinar o aspecto prático e o estético num relógio. Concretamente, uma vez que não vai comprar o relógio para amarrar numa estátua, mas para seu próprio pulso; depois, para si, o que lhe convém? Ele não tem a respeito de tudo isso senão idéias das mais borradas, das mais vagas, porque é um espírito indefinido

 

Pormenor da "pupitre" utilizada para as conferências na Sala do Reino de Maria, na Sede da Rua Maranhão, decorada pelo Prof. Plinio. O leão à esquerda está lutando contra uma serpente bicéfala simbolizando o orgulho e a sensualidade, as duas molas propulsoras da Revolução. E o da direita está enfrentando uma serpente com três cabeças, em recordação das três Revoluções. Ao centro, a frase "Residuum revertetur - O resto voltará". O ano de 1571 evoca a vitória da Cristandade em Lepanto.

Como é que podemos esperar que um indivíduo desses se exprima bem? O seu vocabulário pode não ser borrado, quando o seu espírito é borrado? Se ele não tem conceito de como um relógio deve ser, o que dirá sobre relógios na hora de falar? Só pode dizer bobagem... Mas, se pelo contrário, a todas as coisas que vê, ainda que muito sumariamente, as julga e classifica, ele forma então uma idéia do relógio ideal, da sineta ideal, da bandeja ideal, como do relógio péssimo, da sineta péssima, da bandeja péssima. Os Srs. vêm uma noção muito mais alta aflorar em seu espírito: Revolução e Contra-Revolução!

Ele compreende que nos nossos dias, e desde há séculos isto é assim: há uma luta de uma força miserável que quer levar à destruição de tudo quanto é bom e dos restos de bem que há nas coisas que não são boas. E, de outro lado, ela quer evitar que as coisas no seu curso normal cheguem até à perfeição; quer introduzir a desordem, o hediondo, o inadequado no mundo. Esta é a Revolução.

Mas ele, por agere contra, segundo o princípio de Santo Inácio de Loiola, à medida que vai vendo, vai detestando. À medida que detesta e nega, ele afirma o contrário daquilo. Porque a Revolução é muito sábia ao ver o pior possível e, portanto, se nós sempre dissermos “Revolução, onde estás? Pois eu quero tomar contrapartida da posição que tu tomastes!”, já terei caminhado notavelmente para saber para onde eu devo ir. E compreendo que o centro de todas essas classificações não é meramente teórico, tirado das nuvens, mas que isto gira de fato em doutrina, em torno da Revolução e da Contra-Revolução.

Se quero verdadeiramente ser da Contra-Revolução, eu vou procurar nos verdadeiros exemplos da verdadeira Igreja e da verdadeira civilização cristã, vou formando critérios, por exemplo, dos relógios ideais. É evidente!

Se quero me situar no sentido oposto e entender para onde é que marcha a Revolução, devo ver como são os relógios que ela vai sucessivamente engendrando. Por esta forma terei compreendido tudo o que presta e o que não presta no mundo dos relógios. 

Relógio com figuras que se movem, relativas à história da Baviera (Marienplatz, Munique) 

Para não mencionar apenas os relógios pulseiras, mas os monumentais das grandes cidades européias: Big Ben, de Londres; os famosos e magníficos relógios representando artesãos que batem horas das torres das igrejas alemãs, uma obra-prima, um encanto! Relógios ornamentais como jóias das antigas igrejas francesas, dos da Espanha, Portugal, Itália, o que quiserem... Se se recorre a tudo isso, que mundo de idéias sobre relógios se poderia fazer!

De outro lado, que maravilha se soubermos comparar com relógios quão mais modestos, porém dignos, bem apresentados, sérios, capazes de fixar a nossa atenção como o respeitável, provinciano, preciso e digno relógio da Estação da Luz. E para fazer as comparações, compará-lo com o relógio da torre da Igreja do Coração de Jesus, com o relógio da Estação Sorocabana. Se eu não estivesse resfriado e se isto não desse numa balbúrdia, eu os convidaria agora e iríamos ver juntos esses três relógios! Mas para tomar assim ao vivo, como seria interessante compará-los! 

 

Estação da Luz, no começo do século XX

Não é uma corrida difícil de ganhar, mas o primeiro desses três relógios é o da Estação da Luz, em que se diria que a torre existe para mostrá-lo, o que é um nobre uso para uma torre, ainda mais uma torre de estação, naquele tempo em que os trens partiam com muita pontualidade, chegavam com muita pontualidade também, e nos quais era necessário que o público chegasse também pontualmente.

Quantas vezes fui tomar o trem, olhava para o relógio e ia depressa pegá-lo. Era o austero, sério e ornado relógio da Estação da Luz que estava sobretudo indicando: “Preste atenção: a hora está chegando!” Ao pé desse relógio se poderia colocar um dístico que os Srs. “apreciam”: “Fugit irreparabile tempus – O tempo foge irreparavelmente”. Os Srs. prestem atenção no estilo sério e correto do relógio que avisa: fugit, fugit, fugit, irreparabile, irreparabile, tempus, tempus, tempus... Pom! Pom! Pom!...

Não tenho certeza de qual dos dois relógios é o mais antigo: se o da torre do Coração de Jesus ou o da torre da Estação da Luz. 

 

Torre da igreja do Sagrado Coração de Jesus (São Paulo)

O fato é que o relógio da torre do Coração de Jesus encontra-se ali a título secundário. A finalidade daquela torre não é mostrar o tempo, mas mostrar a eternidade. Secundariamente mostra o tempo. É um pedestal para o Coração de Jesus, todo dourado e com os braços abertos, olhando para a imensidade da cidade que não tinha naquele tempo arranha-céus e, portanto, era visível longe, longe, longe, com os braços abertos para atrair tudo para o Coração dEle. Poder-se-ia dizer que aquele relógio canta algo? Enuncia alguma coisa à maneira do “fugit irreparabile tempus” da Estação da Luz? Sim! Uma coisa máxima, um princípio amadíssimo a nós, pelo qual daríamos a nossa vida e é: Ad Jesum per Mariam!

Naquela torre, onde está acima de tudo o Sagrado Coração de Jesus, está instalado um bonito carrilhão, o qual, ao meio-dia e às 18 hs., toca o Angelus e também a música do hino “Povo fiel, a voz repete de São Gabriel: Ave, Ave Maria!“ No tempo em que naquele bairro havia construções apalaciadas, com famílias sérias, compostas, cerimoniosas, aquele som descia e ia baixando, baixando, baixando... E as melodias da “Ave-maria” entravam por tantas casas sérias, também já uma ou outra casa sem seriedade que começava a aparecer pelo bairro, confirmando uns, encantando outros e procurando trazer à razão aqueles que iam se afastando e que infelizmente eram os chefes de fila de um mesmo movimento infeliz que levava a todos embora. 

O relógio da torre da estação Sorocabana é muito diferente. A torre foi construída bem depois. Se a minha memória não me trai, ela foi construída mais ou menos em 1924 a 1928, mais ou menos. A seriedade tinha passado dos costumes. A torre não é mais séria. É ornamental. Aliás, ornamenta mal: carregada de frutos e flores de cimento, bojudonas... O relógio é festivo, sem seriedade nem beleza e que está lá porque era costume, ainda naquele tempo, colocar-se um relógio numa estação. Mas não atrai a atenção, não marca a hora, não vale de nada. Eu acho que muitos dos Srs. não se deram conta muito claramente de que havia um relógio na torre da Estação Sorocabana...

Assim, aspectos de relógios podem indicar aspectos da alma humana, de estados de espírito revolucionário ou contra-revolucionário, cuja mais alta expressão deste último estilo se encontra em certos grandes relógios europeus, produzidos numa época em que a Contra-Revolução tinha outra intensidade do que tinha a São Paulinho dos anos de 1920, 1928, 1930, ou uma coisa assim.

Os Srs., por detrás da idéia suprema da beleza ou da feiúra do relógio, os Srs. encontram muito mais do que isso: os Srs. encontram a idéia de Revolução e a de Contra-Revolução. É uma coisa evidente!

Se a pessoa é inteiramente revolucionária ou inteiramente contra-revolucionária, classifica tudo. A prova disso é que dos contra-revolucionários, os revolucionários não toleram nada. Qualquer coisa que façamos, por pequena que seja, desde que tenha alguma nota contra-revolucionária, os revolucionários sentem logo e protestam. De nosso lado, infelizmente, há um desinteresse, uma falta de atenção, uma falta de paixão por onde não se tem o “feeling” aguçado. O que faz dos que deveriam ser autenticamente contra-revolucionários uns psy-soldados catacegos, incapazes de lutar adequadamente porque vêem mal a poucos inimigos. Enquanto os revolucionários são uns linces que vêem qualquer traço de bem, em qualquer ponto, e já caem em cima para destroçar...

Agora, meus caros, dessa atitude de alma nasce, floresce o vocabulário. Porque quando se procura ser ainda mais lince do que o revolucionário e notar, até nas coisas admiráveis por alguns aspectos, como é que a Revolução andou, no que ela já tem algo de censurável, mas também no que tem algo de belo; quando se tem a atenção feita desta forma, no fundo é a idéia de Reino de Maria em oposição ao de Satanás que está presente. É evidente!

É só em função desses conceitos que o espírito humano adquire aquela ordenação fácil, natural, por onde o indivíduo classifica tudo, discerne tudo, procura e encontra palavras para tudo. Ele se põe a si próprio em ordem, porque amou a ordem e odiou a desordem. Quando o espírito não é assim, colocar em ordem, ter um vocabulário abundante para quê? Para dizer, para exprimir conceitos que não estão diferenciados dentro do espírito? Do que é que adianta isso?

Compreendo que no começo de nossa conversa, o que disse aos Srs. parecia estritamente insuportável. As coisas em geral da civilização correm o risco de serem insuportáveis quando a pessoa perde os pontos de referência.

Porque formar uma idéia a respeito de todas as coisas, do relógio, como do copo, como do vidro de água de Colônia, da sineta ou da jarra, ou de sei lá mais o quê, fazer uma idéia do que é pretensão do que não é...

Alguém poderia dizer: “Mas, Dr. Plinio, se eu viver 20 anos, eu não terei feito isso! E depois, eu tenho mil coisas práticas para fazer: não tenho tempo de sentar aqui e começar a pensar em relógio, em lenço... Não sei como é que o Sr. teve tempo de fazer isso! O Sr. a mim me desanima. O Sr. me aponta um ideal de ordenação do espírito que escapa ao meu. Eu fico assim mais ou menos sem saber o que dizer, desconcertado. Eu tenho vontade de sair à sorrelfa. Não vejo, Dr. Plinio, como é que isso possa funcionar. Tanto mais que, não contente com toda esta ordenação de coisas, depois o Sr. vem com toneladas de palavras que constituem a língua portuguesa! E o Sr. pretende que com aquilo se vai arranjar uma palavra para cada coisa... Quer dizer, depois de imaginar deslindada uma complicação sem fim, o Sr. pendura nela outra complicação: dar nome para todas as coisas. Assim, não se vive, Dr. Plinio! Não é vida! Eu começo a compreender o português elementar - para lhe dar o nome de “elementar” o qual quase não tem palavras para não dizer nada, porque não tem idéias para não pensar nada. Eu quase começo a compreender isso. Eu pelo menos devo dizer ao Sr.: como do lado do Sr. está a impossibilidade, eu fujo para aonde está a possibilidade! O Sr. pode me carregar com o seu desprezo: eu fujo para onde eu respiro!”

A resposta é a seguinte: eu assisti o tempo em que havia uma espécie de diálogo mudo – mas quão real, quão intenso e quão cheio de expressão! – entre a velha Europa e os três fragmentos da nova América: do Norte, Central e do Sul. Do lado da velha Europa, as coisas de lá pareciam sempre muito bonitas, muito alinhadas, muito dignas de aplauso, mas complicadas. Pelo contrário, do lado de cá elas pareciam simplificadas, arejadas, práticas e acabou-se. Então, os Srs. tomem o por onde cada nação americana difere da sua metrópole e os Srs. vão ver que foi uma simplificação.

Não sei se querem que eu me explique melhor ou se está bem? Querem que eu me explique melhor?  

(Responderam que sim. Pedem-se exemplos)

Vamos tomar, por exemplo, as regras de cortesia com as quais George Washington, fundador da nação e da independência norte-americana, saudava os seus contemporâneos, ele que tinha nascido súdito inglês e que tinha formado toda sua mentalidade na atmosfera inglesa. Ou as regras de cortesia com que um homem, um pouco parecido com George Washington por alguns lados, inclusive físicos, José Bonifácio de Andrada e Silva, o proclamador da independência brasileira, abaixo de D. Pedro I. Os dois são parecidos nisso: são homens que têm o ar do Ancien Régime.

Os Srs. comparem os modos deles serem - que ainda são europeizados - com os modos de ser de seus congêneres de nosso século. Os Srs. comparem, por exemplo, George Washington com Reagan, ou o José Bonifácio com o General João Batista Figueiredo. Os Srs. percebem que uma série de regras de “mantien”, de atitude, de cortesia, de formulação, de estilo, de pompa, etc. foram simplificados daquele tempo para cá. Houve um trabalho nos EUA como no Brasil de simplificação por onde se fugiu de tudo quanto é matiz e que foi achatando cada vez mais as coisas. 

Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel (1507-1582), chamado "el Gran Duque de Alba". Antes de iniciar suas batalhas, dirigia-se aos seus comandados com a expressão: "Senhores soldados..."

Os Srs. tomem a idéia mítica que se pode fazer de um “grand seigneur” francês, de um grande de Espanha - para exemplificar agora com a América espanhola -, como  de um Duque de Alba, que era um homem de um grande estilo e de um grande donaire.

De onde é que veio esta simplificação que tanto serve à Revolução? Veio, em última análise, do seguinte: é que essas maneiras, civilização, literatura, verdadeira arte, matizes, pensamento...  são coisas complicadas. Nada disso é simples. A vida de um menino de boa família antigamente era, até certo ponto, um martírio: “Não pode fazer isto; não pode fazer aquilo; faça aquilo outro; cumprimente assim; não senhor, não está bem, repita, vamos lá!” Mas daí emergia uma “douceur de vivre” (doçura de viver) que dava até um certo tônus para a hora de morrer! Era uma outra coisa, era outra coisa!...

Por quê isto foi decaindo de tal maneira?  (A noção de) absoluto, de erro radical, de bem absoluto, de mal total, de luta, de Revolução e Contra-Revolução foi se apagando na cabeça dos bons. Só os bons é que produzem os verdadeiros valores. Os maus produzem monstruosidades, não produzem a arte verdadeira. Por que? Porque tudo é complicado mesmo, desde que a gente perca o ponto de referência.

Quando se tem na alma inteiramente a noção e o amor da Verdade, noção e rechaço ao erro, Fé íntegra portanto; noção do Bem e do mal... Quando se tem verdadeiramente essa noção, pode ser que uma pessoa não saiba fazer uma obra de arte, mas ela é uma obra de arte!

Acima, pintura representando a entrada de Santa Joana d'Arc em Orléans.

Abaixo, estátua da mesma Santa na famosa Rue de Rivoli, em Paris

 

Os Srs. tomem uma figura muito simples: Santa Joana d’Arc, pastorinha em Domrémy, uma aldeia da Lorena. É uma pessoa a mais simples possível, meio analfabeta. Entretanto, ela foi uma obra de arte e inspirou não sei quantas obras de arte até nossos dias. Enquanto o mundo for mundo e a arte for arte, Santa Joana d’Arc vai ser um tema. Quando não é a arte, é a literatura; quando não é a literatura, é alguma forma de cultura, de educação, alguma dessas coisas superiores que supõe a abundância do vocabulário.

Os Srs. analisem os povos de civilização verdadeiramente católica: à medida que a Fé vai crescendo, o vocabulário vai florindo, vai se esmaltando, vai tomando matizes e precisão. Mas não é porque todo mundo vive com a gramática na cabeça e muito menos com o dicionário na cabeça... Mas é essa visão enorme e matizada das coisas, por onde o homem vê o Bem e o mal, a Verdade e o erro e classifica, pois é o fundo de sua alma que pede isso. Ele sente que viver é isso e que quem passa pela vida sem ter feito isto não fez nada. Quando se é assim, verdadeiramente utilizar o vocabulário é uma atividade a mais fácil do mundo.

A pergunta “como é que hei de fazer para ter um grande vocabulário?” seria mais ou menos como se uma pessoa que acordasse de manhã e pensasse o seguinte: “Bem, eu agora - vamos dizer, são oito da manhã - tenho que ficar acordado até à uma hora da manhã. Terei que ficar acordado quatro horas (das oito ao meio-dia), depois de meio-dia à meia-noite são doze horas, soma = 16 horas, mais uma dá 17 horas. Quantas vezes eu vou ter que piscar e respirar durante esse dia? E isto para manter em ordem meus olhos e meus pulmões? Já estou com preguiça!...”

Eu digo: você é gagá! Essas coisas fazem-se vivendo. O vocabulário faz-se pensando!

E pensar a gente sabe fazê-lo desde que se tenha Fé, se ame por inteiro as verdades ensinadas pela Igreja e se execre os erros contrários a tais verdades! O resto de si virá. Não há problema.

Então, meus caros, sejamos inteiramente contra-revolucionários, carregadamente contra-revolucionários e as nossas inteligências se abrirão enormemente. De algum modo e de alguma medida, posso dar testemunho disso. Eu sinto em mim que tenho uma certa abertura de inteligência pelo fato de ser contra-revolucionário. Se não o fosse, eu percebo que seria muito menos do que poderia ser na ordem intelectual. Por que? Porque tudo isto que eu disse se teria apagado.

Com isso, meus caros, fica encerrada a reunião.


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