Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Os Novíssimos: morte, juízo,

 

Céu ou inferno

“Meditai nos vossos novíssimos e não pecareis jamais” (Ecli. VII, 40)

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 23 de julho de 1983, sábado

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

 

Os Novíssimos do homem! O que quer dizer Novíssimos?

A pergunta nos interessa no mais alto grau, porque Nosso Senhor Jesus Cristo teve sobre os Novíssimos a seguinte promessa: "Medita nos teus Novíssimos e não pecarás eternamente". Quer dizer, quem meditar neste assunto que nós designamos por Novíssimos, este não pecará. E eternamente não pecará, nunca pecará! O que quer dizer esse eternamente? Quer dizer, enquanto ele for assíduo, correto e fervoroso na meditação dos seus Novíssimos, ele não cometerá pecado.

Qual é esse tema tão excelso que Ele poderia dizer isso de qualquer outro tema, poderia dizer da Eucaristia, poderia dizer da Igreja, poderia dizer da Mãe dEle! Ele não disse. Ele disse: "Medita nos teus Novíssimos e não pecarás eternamente"!

Não pecarás eternamente quer dizer: irás para o Céu; quer dizer, evitarás o Inferno; quer dizer que em relação àquele que medita nos seus Novíssimos, em relação a esses se cumprirá a promessa que Ele fez; Ele nos disse, a todos os homens, até o fim dos tempos essa palavra: "Serei Eu mesmo -- disse Ele -- a vossa recompensa demasiadamente grande"! Quer dizer, Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele próprio, será a recompensa de quem medita nos seus Novíssimos.

O que é Novíssimo? A expressão desconcerta um pouco. Porque, o que é coisa novíssima? Se diz de algo de novo à coisa que começa apenas a existir. Tanto mais ela é nova quanto menos tempo a separa do momento em que ela começou a ser. Uma criança é novíssima no primeiro instante que ela nasceu. Ela pode, ao longo de sua vida, aprimorar toda espécie de qualidades, pode chegar até cento e tantos anos e ser um santo, um sábio, ser não sei quanta coisa. Uma coisa ela nunca mais será: tão nova como no primeiro momento em que ela nasceu. Para isto vai ser preciso outra coisa: é a ressurreição.

Porque quando nós ressuscitarmos dentre os mortos, nós, para todo o sempre teremos a vida e teremos uma vida íntegra, que nunca mais se destruirá, que nunca mais cessará de ser por toda a eternidade. Mas até lá a velhice nos dominará, se a morte não vier antes; a doença nos arruinará; o fardo da vida nos estragará. Se nós vivermos muito, cairemos de velhos dentro da sepultura; mas novíssimos nós não seremos.

Se diz de um automóvel novo, que ele é novíssimo se ele está saindo da fábrica; se diz de um jornal que ele é novíssimo quando ele está saindo da rotativa. O que são os tais Novíssimos? O que é novíssimo aí, a respeito de cuja consideração nós nunca mais pecaremos?

A resposta é: Novíssimos é aqui tomado, não no sentido português da palavra, ou no sentido das línguas vivas de hoje em dia, das línguas que os Srs. falam, que todos nós falamos, não é tomado neste sentido, mas é tomado no sentido latino da palavra. E, em latim, o novissimus quer dizer, as ultimíssimas coisas. Novus é último. É o contrário do que é na nossa língua, é o último. E novissima diaes são o último dia. E os teus novíssimos são as últimas coisas que te acontecerão. Medita nas últimas coisas que te acontecerão e não pecarás eternamente. 

* Nós não sabemos quantas coisas podem acontecer a um homem ao longo da vida. Quais são as últimas coisas?

Quais são as últimas coisas que nos acontecerão? Nosso espírito se perde. Nós não sabemos quantas coisas podem acontecer a um homem ao longo da vida. Como a vida é cheia de imprevistos! Como a morte é cheia de imprevistos! Quais são as últimas coisas?

A Igreja, mãe sábia e infalível, a Igreja nos ensina: as últimas coisas que acontecerão ao homem, não tem por onde escapar, aquelas coisas que encerram a sua existência terrena, que são o fim de sua história, são quatro:

- Morte: Todos os homens morrerão.

- Juízo: Ato contínuo depois da morte, todos serão julgados.

- Inferno: Para os que morrerem impenitentes, em estado de pecado mortal, ou:

- Paraíso: Para os que morrerem na graça de Deus.

Assim se encerra a vida de um homem. Nesta terra ele será mendigo ou rei, milionário, potentado do 1°, 2°, 3°, 4° ou 5° poderes, ou poderá enfeixar todos esses poderes mais ou menos na sua mão; ele poderá ser o homem mais deslumbrante ou o mais miserável da terra, pouco importa; poderá ter a vida mais nhonhô, ou a mais cheia de aventuras e mais cheia de imprevistos, pouco importa; a sua vida se encerrará no momento em que ele fechar os olhos.

Bem, mas quando ele fechar os olhos, quando essa vida deixar de ser para ele, então aí é que vem o resultado da vida, ele tem que apresentar a Deus. E o resultado dele qual é? Segundo o quê ele vai ser julgado? Ele se apresenta a Deus e diz: "Assim sou eu! Senhor, aceitai-me ou rejeitai-me, porque eu morri assim e não me altero mais. Se sou bom, ficarei bom eternamente; se sou mau, ficarei mau eternamente. Mas este sou eu!"

E Deus julgará: "Tu és o contrário do que sou Eu! Tu tiveste outras cogitações e outras vias! As tuas obras, Eu as reprovo, Eu as rejeito. A tua vida foi desenrolada num sentido oposto ao que Eu queria de ti, ao que Eu deixei expresso pelos meus Mandamentos: Inferno!"

Ou o contrário: O olhar de Deus pousa sobre aquele, amorosamente, e diz: "Filho, tu foste criado à minha imagem e semelhança; reconheço em ti um espelho de mim mesmo, mas um espelho vivo de mim mesmo. Tu és meu filho, senta-te à minha direita. Senta-te na linha em que está Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, que está sentado à direita de Deus Padre. A esquerda, para os réprobos, vão todos ser mandados para a esquerda. À direita vão os eleitos”. 

* Se o homem foi bom em vida, praticou os mandamentos, morreu na graça de Deus, a sua vida deu certo 

Então aí a vida humana se completou, porque se o homem foi bom em vida, praticou os Mandamentos exatamente, morreu na graça de Deus, a sua vida deu certo. Tenha acontecido nessa terra o que for, a sua vida deu certo e deu certo por toda a eternidade.

Agora, se ele for ruim e morrer fora da graça de Deus, a sua vida errou e foi catastrófica de ponta a ponta. Ele vai para o Inferno, não tem por onde escapar. Quer dizer, tudo se mede pela disposição da alma no momento da morte.

Essas são as ultimíssimas coisas, encerram a vida do homem. Não há mais história para um homem depois dele ter sido julgado e ocupar um lugar no Céu ou no Inferno, que a justiça de Deus lhe determinar. Porque depois é para todo o sempre aquele lugar. Na eternidade não há mais história; há apenas, para os bem-aventurados, deleite e amor; ou, na ordem exata, amor e deleite. E para os que forem para o Inferno há horror, geena e maldição! Não há por onde escapar.

E, Deus dispôs as coisas de tal maneira em relação ao homem que se nós quisermos olhar de frente as coisas, estamos o tempo inteiro andando em cima do fio de uma navalha, podendo a qualquer momento, ir para o Céu ou cair no Inferno.

Por que? Porque o homem, enquanto está vivo nesta terra, ele está entre a virtude e o pecado. A graça de Deus opera no interior dele; Nossa Senhora reza por ele; os anjos, os santos rezam por ele; ele sente as solicitações da graça. E, nas solicitações da graça, ele sente um apelo para ser bom. Aí está o papel da graça e de Nossa Senhora. Aí está a possibilidade dele ir para o céu de um momento para outro. Porque a morte a todos nos espreita e, a qualquer momento, ela nos colhe.

Os senhores imaginem a seguinte situação: que nós estivéssemos aqui, os senhores ouvindo esta conferência, e houvesse um terrorista nesse teto e nós soubéssemos disso. E ele dissesse o seguinte: "Eu, de vez em quando, darei um tiro e matarei um dentro deste auditório."

Como é que os senhores preparariam as suas almas para morrer?

[Burburinho geral]

Com que cuidado, com que atenção os senhores preparariam suas almas para morrer? Porque, de repente, o tiro cai num dos senhores. E podemos passar longas horas tranqüilas, falando de vários assuntos bonitos, de repente: pam! Alguém cai. Todo o mundo se lembra: "Ah, tem esse terrorista, é verdade, não me lembrava". Afervora-se de novo. 

* Ao longo de minha vida, quanta gente moça eu vi morrer! 

Resultado: alguns podem ir para o Inferno. Basta ter cometido um pecado mortal, e nesta hora a bala do terrorista tocar no indivíduo que ele vai para o Inferno.

Bem, nós estamos nessa situação. Porque qualquer um de nós - eu pela idade, muito mais provavelmente do que os Srs., mas os Srs. também. Quanta gente moça eu vi morrer! Ao longo de minha vida, quanta gente moça eu vi morrer! Quanta gente eu, ao longo dos meus 73 anos e meio, deixei pelo caminho e que era mais moça que eu! A morte pegou de repente.

De vez em quando era uma doença, de vez em quando um acidente, de vez em quando algo que os médicos não explicam, chamam "parada cardíaca". -- Mas, porque parou o coração? - Ah, parou. - Estou vendo, está esticado aqui. Parou. Mas, por que parou? - Não se sabe, parou o coração.

Quantos sustos o indivíduo tem!

Às vezes eu vou a um consultório médico e fico olhando para as caras das pessoas que estão, como eu, sentadas ali. E estou pensando o seguinte: Esses que estão aqui, eles se dão bem idéia das incertezas da vida? Quanto indivíduo vai a um consultório médico e diz: "Doutor, eu tenho uma dorzinha aqui". E pensa que o médico vai lhe dar um remediozinho. O médico olha para ele: "Você precisa tirar uma radiografia."

"-- É, é, é... está bom."

Vai ao radiólogo. No dia seguinte, o radiólogo entrega para o cliente uma carta fechada destinada ao médico. Ele vem se abanando com aquilo. O médico abre a radiografia e diz ao indivíduo: "O senhor sabe, o senhor está com uma doença que exige tratamentos. O senhor está com câncer."

E daí? Quantas possibilidades de morrer! E quão fracas as possibilidades de sobreviver! E que operações! De repente tudo começou numa dorzinha aqui. A gente olha para as caras das pessoas, ninguém está pensando nisso. Um está lendo uma revista humorística, outro está bocejando, dois outros estão cochichando e um outro está fazendo o que a gente vê que ele faz a vida inteira: nada! Rezando, ninguém. Se preparando para alguma má notícia, algum mau encontro no médico, ninguém. É de repente! Vem, pam! É a morte que bateu na porta! "Vou entrar!"

Mas às vezes ela arromba a porta!

Contaram-me uma vez um caso apavorante do que é o império da morte, quando ela pega alguém. Uma pessoa "x" que eu não conheço, começou sentir alguma pequena perturbação na vista. E foi ao oculista. O médico assestou aquele negócio e diz a ele o seguinte: - "Olha, o Sr. sabe, o Sr. está com um câncer em cada olho!” Acabou-se. Quer dizer, está liquidado, está cego desde logo. Mas, se ficasse só nisso. Esse câncer progride, vai para o cérebro e mata o indivíduo, está acabado! 

* Os Srs. já imaginaram a que decadência chegaria a Humanidade se não houvesse mortes repentinas?

Quer dizer, "o Sr. tem uma cegueira como passo imediato, é o primeiro passo dentro da morte e depois o Sr. tem a própria morte. E não tem mais cura". Porque ali não tem cobalto, não tem nada, está liquidado. "Agora, boa-noite, sua conta é tanto, seu diagnóstico é tal, quando o Sr. começar a sentir dores, o Sr. tome tal novalgina". O sujeito vai embora, desce, está na rua com um diagnóstico no bolso e uma situação criada. Como é que é?

Dos que estavam na sala do consultório, quantos pensaram que lhes podia acontecer isto? São pessoas que não pensam nos seus Novíssimos. Não pensam na facilidade com que a morte espreita um e chama. E chama às vezes nas ocasiões em que o indivíduo menos quer. Ele está executando um plano, ele tem um desígnio, ele tem uma coisa qualquer que ele conquistou a duras penas e que ele está começando a gozar. A morte vem a ele e diz: - "Venha! Acabou-se! Está acabado"!

É ou não é verdade que a nossa situação é parecida com a de um homem que tivesse um terrorista no teto?

Os Srs. dirão: - "Mas então o Sr. está comparando Deus a um terrorista?" Eu disse bem diferente disso. Eu estou considerando a misericórdia que Deus deu ao homem, colocando-o nessa situação e, de vez em quando colhendo um, entre outras coisas com a intenção de que mil se assustem e entrem nas vias da virtude!

Os Srs. já imaginaram a que decadência chegaria a humanidade se não houvesse mortes repentinas? Se todo homem tivesse certeza que a morte só o colherá depois dos 80 anos, quantos pecados ele cometeria antes dos 80? É incontável. Quer dizer, é efeito da bondade de Deus colocar essa espada sobre a cabeça de todos nós, para nos dar juízo, nos convidar a pensar na morte e compreender que todas as coisas dessa vida só valem alguma coisa na medida em que elas contribuírem para nós morrermos bem. Porque morrendo bem, nós temos a eternidade; morrendo mal, nós temos também a eternidade, mas que eternidade! Nós, daqui a pouco falaremos de uma e falaremos da outra, e compreenderemos bem do que é que se trata.

A morte. Quantas variedades de morte há! Eu já vi gente morrendo aos poucos, morrendo com doenças horrorosas; eu já vi gente morrer sem doença, morrer de velhice, com o cérebro em condições tão arruinadas que apresentava continuamente fantasias para a pessoa, coisas que não tinham proporção com a realidade. E essa pessoa sofria tanto, porque gemia e gritava, não se sabe o que a pessoa via, mas percebia-se que estava diante de coisas horríveis, era uma pobre senhora idosa, simpática e respeitável. Foi preciso amarrá-la com cordas para ela não se contorcer demais e não morrer. E ela vivia nesses delírios horríveis, horríveis, horríveis, de uma vida que não acabava mais. 

* Uma senhora que teve uma vida muito dura, lutou muito e que por misteriosos desígnios, teve morte mais terrível do que a vida 

Uma senhora que teve uma vida muito dura, foi pobre a vida inteira, lutou muito. Por misteriosos desígnios, teve uma morte mais terrível do que a vida. Misteriosos desígnios de Deus. Que morrer tremendo! No meio dos delírios, dos desvarios. O que essa pessoa pensaria? O que estaria acontecendo? Pode ser que nossa morte seja assim.

Pessoas morrerem de doenças que vão assim: dá uma doença aqui, corta; dá aqui, corta; corta, corta, é um calendário. Quando chega aqui, morreu.

Uma vez fui à casa de um alfaiate mandar fazer uma roupa. Achei a casa dele simpática, interessante e disse a ele: - "Que construção interessante, simpática". Era uma construção modesta. Ele me disse: - “É, eu morava aqui com meu padrasto e minha mãe”. Eu achei curioso ele falar do padrasto dele com tanta simpatia. Então perguntei... ele havia dito que a mãe dele ainda estava viva. Eu perguntei: - "Seu padrasto morreu então". Ele disse: - "Sim, morreu de uma doença que cada ano ele cortava um pedaço de uma das pernas. Quando chegou em cima morreu, porque não tinha mais o que cortar". Os Srs. já pensaram isso? O que é um sistema de morrer desses?

Mas, os Srs. já pensaram numa outra coisa: o que é cair morto de repente, pam, pam?

Os Srs. dirão: - "Não. Este pelo menos não sofreu".

Que ilusão! Que ilusão!

Eu não posso me esquecer da impressão que eu tive, quando eu estava estudando no colégio São Luiz, eu era menino e um padre fez o seguinte raciocínio para preparar a mentalidade dos alunos para a morte. Eu olhei com olhos assim! Ele disse: - "Nunca ninguém voltou da morte para contar o que é que custa morrer". E realmente há algo de tão respeitável na morte que os pouquíssimos homens que conheceram gente que ressuscitou, gente que Deus ressuscitou, esses, não consta que tivessem coragem de perguntar a eles: - "Como aconteceu com você depois que você morreu? O que você sentiu enquanto você morria?"

Há um mistério tremendo na morte que o indivíduo não tem coragem de perguntar e o outro não tem coragem de responder.

Mas, dizia o padre: -"Apesar desse tremendo mistério, uma coisa é certa. Se eu tomar aqui - eu vou adaptar o que disse o padre - se eu tomar aqui a ponta desse dedo e arrancar, eu terei dores crudelíssimas. E julgarei que o homem que me expôs a isso, que este homem foi um carrasco".

Eu me lembro que li uma vez nas memórias de uma mulher, tida como uma das mulheres mais vigorosas do seu século, o século XVIII, Catarina, imperatriz da Rússia. Ela teve uma dor de dente muito forte e, naquele tempo não havia anestesia, nem nada, os dentistas arrancavam dente no alicate e arrancando mesmo. Ela conta nas memórias dela, em que ela conta os fatos mais importantes da política do tempo dela - ela foi, se assim se pudesse dizer, uma potentada, ela conta todos os fatos e no meio ela conta essa doença que teve: uma dor de dente. Veio o dentista e disse que era preciso arrancar o dente. Ela resolveu arrancar o dente. Ela era alemã, imperatriz da Rússia, mas alemã, e era uma alemã decidida - resolveu arrancar o dente, sentou e o dentista meteu mãos à obra. Ela contou que depois de arrancado o dente se sentiu de tal maneira desvairada de dor que ela acabou sentada embaixo de uma mesa gemendo e chorando. 

* O indivíduo pode agonizar longamente, mas ele morre num instante. Isso não é nada em comparação com o que vem depois 

Isso é para arrancar, do todo humano, um dente! Seria para arrancar uma falange. Agora vem o raciocínio do meu jesuíta: -"Imaginaram o que é que sente o corpo no momento em que ele é arrancado de fora da alma? Que coisa tremenda é?"

Eu sei bem que o morto ... cai. Isso eu sei. Mas, nesse momento em que a alma deixou o corpo, o que ele sentiu? Quem poderá dizer? Está bem, ele sente, é terrível, mas passa! O indivíduo morre num instante. Ele pode agonizar longamente, mas ele morre num instante. Isso não é nada em comparação do que vem depois.

O que vem depois?

A alma se sente separada do corpo. E ela vê o próprio cadáver, ela vê os que estão em volta, que estão chorando ou que estão pensando na herança, ou que estão contentes pensando que aquele trambolho vai para o cemitério, ela vê tudo. Ela vê tudo quanto ela deixou e que já não lhe adianta de mais nada. A bonita casa, o bonito automóvel, a bonita situação, os filhos queridos, o esposo, a esposa, ela vê tudo, não lhe adianta mais nada, não tem possibilidade de comunicação, não tem nada, ela está numa outra esfera, ela é um espírito. Espírito e ato contínuo depois da morte, comparece diante de Deus. Naquele instante em que o homem expira a alma aparece diante de Deus, é projetada diante de Deus!

Os Srs. querem ter uma fraca idéia, uma débil idéia do que é essa projeção perante Deus? Os Srs. imaginem que os Srs. agora, aqui, assim como estão, fossem transportados de repente, por uma mão misteriosa, diante de um tribunal constituído do homem mais sábio do mundo, que lhes fizesse um interrogatório para saber que cultura e que instrução os Srs. têm; depois, do homem mais fino do mundo, para saber que espécie de educação os Srs. têm; do homem mais elegante e bem vestido do mundo, para olhar os Srs. assim; do homem mais capaz do mundo, para ver o que é que os Srs. valem. E assim os Srs. passarem por um cenáculo de sumidades. Os Srs. não se sentiriam inseguros? Dizer: "Você está na fila e daqui a pouco vai ser recebido?"

- "O que essa gente vai pronunciar a meu respeito? Que sentença? Deixa ao menos eu me arranjar um pouquinho, reavivar um pouquinho minhas noções de geografia, de história, sei lá do que, tudo o que eu sei, tornar presente à minha cabeça, para não parecer tonto demais diante dessa gente aqui".

Comparece. Um homem me diz: - "Dou-te um raciocínio errado e simples. Responde! Papá, papá. - Onde está meu sofisma"? - Não encontro. -"Imbecil, vai para fora"!

Comparece diante do homem de melhores maneira do mundo, ele põe um teorema: - "Imagine um homem que esteja em tal situação assim, assim e que leve nessas condições uma afronta. Mas essa afronta lhe é feita por seu próprio rei. Como é que ele responde a essa afronta?"

- Nunca pensei nisso.

- "Tonto, para frente"! 

* Sinto os olhos de Deus que penetram em mim, "até os rins", e vai julgar-me. Qual será a sentença?

Por que? Porque nos comparamos com aquele que está nos julgando e nós sentimos nossa insuficiência radical, fundamental, nossa desproporção esmagadora, nós a sentimos.

Diante de Deus! Mas, diante de Deus, os maiores homens do mundo não são nada! Deus, Deus definiu-se a Moisés assim: "Eu sou aquele que é". Ele é! Ele é o criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis; no mistério de Sua Santíssima Trindade se desenrolam eternamente realidades que eu não posso nem sequer excogitar; e vai daí para fora; e Ele está como santidade, como sabedoria, como tudo, acima de mim a perder de vista. E eu sinto como que os olhos (dEle) que penetram em mim, para usar uma expressão da Escritura, "até os rins", não escapa nada! E eu me dou conta, de repente, de tudo o que eu tenho de errado. Também me dou conta daquilo que eu tenho de certo. Mas o que eu acho de mim já não importa. O que importa é o que Ele acha de mim. E, num instante, Ele me julga.

Instintivamente meu olhar procura Nossa Senhora. Mas, as cartas estão jogadas. Morreu, morreu! Vai ser julgado. E agora, como é que é?

Os Srs. podem imaginar que pode ser que, antes de eu acabar a frase que estou pronunciando, um dos Srs. ou eu pode, de repente, estar diante de Deus? E que Deus faz isto assim, para nós estarmos sempre em ordem para comparecer diante dEle?

Agora, como é o Céu, como é o Inferno?

Talvez seja mais fácil a gente compreender como é o Inferno e depois compreender como é o Céu. Vamos falar do Inferno.

O primeiro tormento que o homem tem no Inferno, e é o mais profundo que todos, não é o fogo, nem são todos os tormentos próprios ao Inferno, é o saber-se rejeitado por Deus. Esse é um tormento irremediável e é um tormento terrível, que é maior do que todos os outros tormentos.

Eu vou dar aos Srs. uma fraca imagem disso. Mas os Srs. imaginem que cada um dos Srs. seja quem é, e que, como tal, vive aceito no ambiente onde nasceu, onde viveu, vive comumente ali. Agora, imagine que por uma razão qualquer, fosse rejeitado por esse ambiente. E rejeitado como indigno. E assim fosse rejeitado como indigno por todos os homens. E tivesse que habitar numa tribo de selvagens, sem graça, monstruosos, dessas tribos da África, por ex., que põe um pedaço de pau circular aqui nos beiços, põem o beiço em volta assim e falam com a coisa assim, e dizem coisas elementares, não fazem nada que preste, vivem com danças e saracoteios horríveis, de vez em quando comem um homem. E eu ficasse reduzido a viver no meio deles, porque todo o resto do gênero humano me desprezou e não me quis. E não me quis por uma merecida atitude, eu fui indigno. Eu fiz uma coisa tal que causou horror a todos os homens. Só aqueles consentem em conviver comigo. 

* No Inferno, separado de Deus por toda eternidade

O fato de eu estar nessa situação, isolado de todos pelo horror, me é mais penoso do que tudo o que eu perdi, porque eu fui deslocado do meu ambiente natural.

Bem, se o homem é assim com seu ambiente natural, ele é incomparavelmente mais assim com Deus. Ele, quando morre, ele percebe que o fim dele é Deus, que a ordem dele é Deus, que a bem-aventurança dele é Deus. Ora, ele rejeitou essa bem-aventurança, e rejeitou por um mau olhar, por um mau pensamento, por um mau ato; rejeitou por qualquer outra coisa, e que por causa daquilo ele não tem mais nexo com Deus. Ele fica estraçalhado, fica completamente inexplicável. E ele tem a dor chamado dor do dano, em que ele percebe que é danado, quer dizer, está condenado. Damnatus em latim é isso, condenado e rompido com Deus. E que essa ruptura de Deus pesa sobre ele como uma garra que deitou nele eternamente, porque é assim.

Bem, se fosse só isso!

Ele é atirado ao Inferno. Os Srs. não pensem... há gente que diz aí que a religião católica bem interpretada ensina que o Inferno não é um lugar, que o Inferno é um estado de espírito, que é um... Não é verdade. Essa afirmação é contra a Fé. O Inferno é um lugar material, existente, onde há um fogo material. E esse fogo material é tão terrível em relação ao fogo da terra que Santo Afonso de Ligório, o grande doutor dos Novíssimos, Santo Afonso de Ligório dizia que há uma regra de três: Os senhores tomem uma chama pintada num quadro, muito bem pintada. Essa chama não tem calor, ela produz a ilusão visual da chama, ela não tem calor. Os senhores tomem a chama de uma vela, essa tem calor.

Bem, a diferença que há entre a chama pintada e a chama da vela, é uma diferença muito menor do que entre o fogo da terra e o fogo do Inferno. Nós não sabemos que material alimenta o fogo do Inferno. Não sabemos o que é. Deus sabe, isto basta. Quem morre condenado não precisa saber o que é, ele sente nele o fogo. E, por um desígnio de Deus, se bem que a alma seja espiritual, o fogo dói na alma. E queima na alma como se queimasse o corpo.

De maneira que as almas atiradas ali sentem aquele fogo inteiramente. E, para usar a expressão de muitos que tiveram visões, santos que viram o Inferno -- São João Bosco é um deles -- a alma está num tal estado de calor no Inferno que ela não está como estaria um de nós, por exemplo, queimado de uma queimadura de 3° grau na superfície, não. Ela está como uma brasa. Ela é fogo!

Quer dizer, nada haverá na alma que não esteja em estado de combustão com o fogo maldito do Inferno. Uma combustão tremenda que não apaga um instante, que não cessa um instante, que não cede um instante, que é continuamente terrível e que não pára. Esse é o fogo do Inferno. 

* As almas são banhadas num fogo que não as deixa nunca. Seriam como brasas que são atiradas dentro de um fogareiro enorme 

Mas, há mais. O Inferno tem uma movimentação interna por onde ele tem rios de fogo e caudais de fogo. E essas almas são banhadas num fogo diferente do fogo que não as deixa nunca. Seriam como brasas que são atiradas dentro de um fogareiro enorme e que ali ainda queimam mais. Depois saem desse fogareiro, passam algum tempo fora e são jogadas noutro fogareiro. E há no Inferno -- a expressão é figurada -- como que lagos de fogo com ondas de fogo. E, de vez em quando, por ordem de Deus, eternamente esses malditos têm que ir para lá e têm que se banhar nas ondas de fogo.

Quando eles tiverem corpo, os seus corpos ressuscitarem, a partir do momento que o corpo se ligue à alma, começa a sofrer os horrores do Inferno. E quando Deus os mandar para o Inferno, no Juízo Final, o corpo cai também no Inferno, mas cai de maneira a não estar sujeito à lei da gravidade. E aquelas chamas fazem a pessoa rolar de um jeito, de outro jeito, de outro jeito, ao sabor das coisas, no meio das imprecações, das maldições e dos ódios recíprocos, porque eles se odeiam uns aos outros e se atracam, e se maltratam uns aos outros. É a cidade eterna do ódio e do desespero onde não tem remédio para nada. Nunca, nunca, nunca; eternamente, eternamente, eternamente!

Os senhores pensam que é só. Isso causa terror, e é terrível. Mas há mais.

É que toda essa movimentação do Inferno, eles terão no Inferno -- ao menos certos santos viram assim -- como que vermes que os corroem ainda, vermes horríveis, vermes leprosos, que os enchem de como que doenças, que não os matam, que não os consomem, mas que os atormentam ainda mais. No meio dessa dor tremenda, eles sabem que Deus é o autor de tudo isto, porque Deus é a causa primeira de todas as coisas. E se Ele é o criador do Céu e da terra, é o criador do Inferno. Não houve um outro ser que não Ele que criasse o Inferno. Ele criou o Inferno! Ele é o motor primeiro de todas as coisas. Todas as coisas se movem, em última análise, pelo movimento comunicado por Deus. E, portanto, todos os movimentos, todos os tormentos do Inferno, Deus é que está animando continuamente. 

* A alma sabe que é o próprio Deus que determina os tormentos 

E a alma condenada ao Inferno sabe que é o próprio Deus que está, portanto, continuamente, talvez, não sei bem, pelos seus anjos bons, ordenando aquilo e mexendo, de maneira que é o próprio Deus que ordena e determina os tormentos.

Há mais. É que do alto do céu, os bem-aventurados para louvarem a Deus, às vezes injuriam os que estão no Inferno. Isso está no meu querido e famoso Cornélio a Lapide. Para louvar a Deus, dizem a eles o que eles são. Eles ouvem isso e não podem fazer nada. Por que? É, foi, está sendo para todo o sempre. Este é o Inferno.

São João Bosco, nos famosos sonhos dele - foi pena, seria interessante um dia nós lermos juntos os sonhos de São João Bosco sobre o Inferno, seria até extremamente interessante – São João Bosco, num dos sonhos dele - os sonhos dele, no fundo, eram visões, eram revelações que se apresentavam sob a forma de sonho, mas eram revelações - ele conta que ele foi convidado por Deus... convidado, Deus deu ordem para ele descer e ver o Inferno. E ele, chegando perto, do lado de fora ele viu a muralha do Inferno. E um anjo deu ordem a ele para pôr a mão na muralha. E ele sentiu que a muralha estava quentíssima - a muralha mais externa, hein, mais fresca do Inferno - Ele sentiu que a muralha estava tremenda de quente e não quis pôr a mão porque ficou com medo. Mas o anjo deu ordem e ele encostou a mão. Passou vários dias com a mão queimada e inutilizada, porque tocou no ponto mais fresco do Inferno, no lado externo do Inferno.

Há santos que receberam a ordem de Deus de verem o lugar que estava destinado para eles no Inferno, caso eles não correspondessem à graça. E a grande Santa Teresa de Jesus viu. O Inferno dela era um lugar assim, que ela entrava, dobrada em dois e formava-se, de um lado e de outro dela, como uma prancha e os pregos atravessavam o corpo todo dobrado. E ela entrava numa espécie de forno, e ali ficava só sendo tirada para outros tormentos.

Todos os sentidos do homem sofrem no Inferno. Os cheiros são nauseabundos; os espetáculos hediondos; os ruídos são o que pode haver de mais cacofônicos. A música moderna, por mais medonha que seja, não dá senão uma idéia do que é a música do Inferno, o ranger de dentes eterno do Inferno. Os paladares mas pútridos enchem a boca. O tacto é desolado pelo fogo. E daí para fora, os senhores podem percorrer, podem imaginar todo o resto, este é o Inferno. E isto, se nós pecarmos, pode, de um momento para outro, nos pegar.

Como é bom pensar nisso na hora da tentação! E como tinha razão -- como é que podia não ter razão Nosso Senhor Jesus Cristo... quanto nossa alma se dá conta de que tinha razão Nosso Senhor dizendo: "Medita nos teus Novíssimos e não pecarás eternamente!"

Se todo homem fizesse de manhã, ao levantar-se, uma meditação rápida de um ponto do Inferno, só isso. E depois passasse o dia de vez em quando lembrando desse ponto — os Srs. têm despertadores que dão horas. De duas em duas horas, priiiiiim, Inferno!

Eu li as revelações de Sóror Mariana de Jesus Torres — era uma santa, não está canonizada, era uma freira que morreu em odor de santidade, e à qual apareceu Nossa Senhora do Bom Sucesso em Quito e para quem Nossa Senhora revelou que viria a Bagarre, etc. etc. Bem, essa santa aceitou de que espiritualmente, ficasse no Inferno durante 5 anos padecendo para resgatar a alma, para pagar os pecados e evitar que se perdesse uma freira crioula que se revoltou contra ela, que era a superiora. O que ela sofreu durante esse tempo não tem palavras, mas não tem palavras. O Inferno de vez em quando dá uma lambida e com a ponta pega os que estão na Terra. Nesse sentido da expressão.

Bem, os senhores tomem os martírios mais cruéis que os imperadores romanos faziam sofrer aos mártires. Por exemplo, São Vicente, o grande general, que foi assado vivo e que sentia de vez em quando, por exemplo, de seu braço suspenso, a gordura que caía sobre seu peito em chamas. Causa horror! Ninguém agüentaria isso se não fosse uma graça especial de Deus. Isso não é nada em comparação com o Inferno. Isso não é nada! Campo de concentração, Dachau, sei lá que outros, Beltzem, não é nada em comparação ao Inferno.

Eu me lembro que eu tive um sobressalto quando li uma história de um conde de Staufenberg que atentou contra Hitler na 2a. Guerra Mundial. Ele deixou uma bomba perto do Hitler e saiu, uma bomba numa maleta. A bomba explodiu, não matou o Hitler. Mas a polícia agarrou nele. Entre outras coisas, ele foi suspenso num açougue, por aqui, por um gancho desses de pendurar carne, que saía pelo nariz. E é terrível dizer, mas ele levava surras nos órgãos mais sensíveis do homem. E não o matavam para fazê-lo sofrer. Depois acabaram matando. Isso não é nada em comparação com o Inferno. Nós não temos idéia do que seja o Inferno.

E a todo momento nós estamos a um fio disso. 

* Objeção: "À última hora vem uma graça e a pessoa se arrepende" É o caso de correr esse risco?

Os senhores dirão: "Não, não é bem verdade. Há tanta gente que peca e não vai para o Inferno. Deus, na sua infinita misericórdia, leva a maior parte dos homens para o Céu. À última hora vem uma graça e a pessoa se arrepende."

Conta-se a história de um santo que viu um pecador cair de uma ponte, talvez suicidar-se, sei lá o quê. Mas é uma ponte que eu presumo alta para a história ser verossímil. Então alguém disse -- era um pecador público --: "Ele vai para o Inferno". O santo respondeu: "Da ponte ao rio há um tempo. Nesse tempo, a graça de Deus pode ter intervido".

É verdade. Mas São Luiz Grignion de Montfort dá um princípio muito verdadeiro: estes são os casos excepcionais. Normalmente a pessoa no estado em que vive, ela morre. E essas graças de última hora são raras. Existem e são maravilhas da misericórdia de Deus, mas são raras. Nós queremos correr o risco?

Nós quereríamos correr o risco de apanhar câncer assim: "Não, mais provavelmente não dá, eu vou fazer tal coisa!" Quereríamos? Coisa de louco, não quereríamos. O Inferno é muito pior do que isso.

*    *    *

Agora, meus caros, viremos a página e nossas idéias, nossas cogitações vão para um campo completamente diferente, é o Céu. É o contrário. O que acontece com o Céu?

No Céu, a alma do eleito vê Deus face a face. Eu, sentado aqui, estou vendo esses estandartes suspensos ao teto e vejo um escudo com o leão rompante, eu vejo diretamente, conheço porque estou vendo. Está bem, eu estou vendo diretamente. Aqui na Terra eu não posso ver a Deus, a não ser que Ele por um fenômeno místico, mas que Ele reserva a quão poucos dos seus eleitos, Ele me aparecesse — e nunca aconteceu, Ele sabe a quem aparece — o homem não vê Deus face a face, não vê, não vê Nosso Senhor Jesus Cristo, ele recebe na Eucaristia, mas não vê. E ver a Deus face a face é a maior alegria e o maior contentamento que um homem possa ter. Literalmente, inunda o homem de um gáudio, de um gosto de que nós não podemos ter uma idéia, porque excede a tudo quanto podemos imaginar.

Nós podemos usar umas comparaçõezinhas para dar uma idéia; elas são de certa utilidade para nossos sentidos, para nossa fantasia, para nos ajudar a imaginar isso, mas nós sabemos desde logo que não há nenhuma comparação possível.

Os Srs. imaginem que uma pessoa fosse colocada num astro - quem sabe se há isso - uma pessoa fosse colocada num astro que fosse o ponto de todo o universo por onde ela pudesse ver o universo com maior beleza. Que esse astro tivesse dali um fulgor da beleza do universo como nós não podemos imaginar, pela ordenação, pelo brilho, pela graça, pela força, pela grandeza, pela sabedoria que o ordena; nós ficássemos pasmos. Os Srs. imaginem que esse astro fosse ele mesmo todo lindíssimo, imaginem um astro feito de cristal transparente, através do qual passariam os raios de luz de todos os astros luminosos, de maneira que, de vez em quando, nós, olhando para dentro dele, veríamos em ponto pequeno o jogo de luz que veríamos em volta. 

* No céu, seremos inundados por um gosto que não podemos ter idéia, porque excede a tudo quanto podemos imaginar 

Para recorrer a uma fantasmagoria de Platão, os Srs. imaginem que o astro, girando, produzisse sons, e o que o giro dele fosse uma música inebriante. Os Srs. imaginem que este cristal desprendesse um pó que tivesse um perfume magnífico, que desse um sabor extraordinário e infatigável, e os Srs. imaginem que o homem se pudesse sentar numa elevação deste astro com uma comodidade tal como nenhum assento na terra lhe pode fornecer. O homem ficaria, durante, algum tempo, encantadíssimo! Mas encantadíssimo. Mas, ao cabo de algum tempo ele quereria outra criatura humana para conversar.

Olha que nós, homens, temos razões para estarmos fartos um do outro. Está bem. Postos num astro, nossa natureza é sociável e nós quereríamos um ser vivo, um ser inteligente para conversar.

Bem, vamos dizer que Deus misericordioso não nos enviasse um homem para nos aborrecer, mas nos enviasse um anjo para conviver conosco. Aparecesse num agitar de asas, encantador, um anjo magnífico. E nós nos puséssemos em oração diante dele. E ele, que é puro espírito, tomando uma forma pseudo humana para nós o vermos, sentasse perto de nós e dissesse: -"Vamos conversar".

Os Srs. sabem que a natureza angélica é tal que o menor dos anjos é mais inteligente, mais sábio, mais poderoso, em uma palavra mais majestoso e mais afável, mais íntimo e mais grandioso do que os mais perfeitos dentre os homens. Por natureza.

O anjo está lá e a gente começa a conversar, maravilhado. Ele diz isso, diz aquilo. De vez em quando ele canta louvores a Deus para nós ouvirmos. Ele nos dá jornais-falados do Céu. Nos conta - porque ele está no céu e está conosco – ele nos conta porque está vendo: - "A esta hora a gloriosa falange dos Serafins está desfilando diante de Nossa Senhora e está aclamando. E está acontecendo isso, está acontecendo aquilo, etc." E a gente vê nele o gáudio de tudo isso.

Nós pensamos: Eu posso passar uma eternidade conversando com esse anjo e tenho sempre tema com ele.

I-l-u-s-ã-o !

Ao cabo de mil anos que fosse, nós tínhamos conhecido o anjo. E a gente perguntaria com muito jeito para ele: "Não tendes um companheiro"? Com mais jeito ainda, com jeitinho brasileiro, perguntaríamos: - "Como é vosso superior?"

Está bem, vamos dizer que esse anjo, com muita bondade, nos obtivesse que viesse o superior dele. Quando baixasse o superior... Ao cabo de mais mil anos, outro tanto. Bem, vamos dizer que toda a fileira dos anjos fosse esgotada, no fim a gente diria: - "Como o Céu é enorme e está velho! Porque eu vi tudo e ainda não me saciei!" 

* Eu sinto o nexo com Deus, a semelhança com Ele, a carícia dEle e a glória dEle, sem cessar 

Deus não. Quem olhar para Deus, é absoluto, perfeito, eterno, Ele, sim, me sacia eternamente! Ele, só Ele, inteiramente, perfeitamente! E quando o beneplácito dEle desce sobre mim e ele me diz, e chama pelo meu nome: Plinio, Pedro, Antônio, o que for fulano, e que eu sinto o nexo com Ele, a semelhança dEle, e a carícia dEle e a glória dEle, o que acontece sem cessar, porque sem cessar Ele me glorifica, Ele me acaricia, Ele me ama, sem um minuto de interrupção, sem um minuto de diminuição de intensidade, aquilo é assim, é assim, é assim. Eu olho para Ele e vendo que Ele é infinito e absoluto, é totalmente insondável para mim. E que eu posso passar - se se pudesse dizer no plural a palavra eternidade, não se pode dizer no plural porque ela é uma só - eu poderia passar uma eternidade de eternidades olhando para Ele, Ele seria para mim inteiramente novo. Então, sim!

Não é só!

Deus se mostraria a mim assim, mas Ele me faria saber o que a Fé me ensina que é: se eu olhar para os outros bem-aventurados, eu verei nos bem-aventurados, nos outros, algumas coisas dEle que Ele não revela a mim. De maneira que olhando para Nosso Senhor Jesus Cristo na sua natureza humana, eu terei razões de encantamento inexcedíveis, inexcedíveis... Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, hipostaticamente unido à natureza humana. Se eu olhar para Nossa Senhora, eu terei o espelho perfeito de Deus. E depois eu tenho os 9 coros de anjos, e cada anjo, a seu modo, me diz mais alguma coisa de Deus. E eles estão continuamente se dando os jornais-falados, digamos diferente, os jornais-cantados de Deus. Isso para o elemento principal de meu ser, é minha alma.

Mas, há meu corpo.

Cornélio, o grande e incomparável Cornélio, ensina que além do Céu onde se vê Deus, há um local físico aonde ficarão os corpos dos bem-aventurados unidos às almas. E que, enquanto a alma vê Deus face a face, o corpo, o homem se encontra, ele totalmente se encontra vivo, ressurrecto, sem doenças, sem misérias, sem morte, num corpo que não produz mais podridão como produz o nosso, ele se encontra num lugar de felicidade perfeita. E que, para adestrar os seus sentidos e dar alegria aos seus sentidos, uma vez que os sentidos dos condenados tem tormentos é justo que os sentidos dos bem-aventurados tenham alegria, neste Céu empíreo há todo um mundo material que enche o homem de encantos mil, muito superiores ao paraíso terrestre, é o que se chama o Paraíso Celeste. 

* O auge da beleza para os olhos; o auge da harmonia para os ouvidos, o auge da delicadeza para o tacto, auge de tudo que se possa imaginar 

O paraíso terrestre é tão lindo! O paraíso celeste é incomparavelmente mais belo. E, ao mesmo tempo e continuamente, o sentidos do homem terão uma festa constante e perfeita, dentro da virtude mais inteira, da temperança mais exemplar, da satisfação mais inteira, a todo momento o auge da beleza para os olhos; o auge da harmonia para os ouvidos; o auge da delicadeza para o tacto; o auge de tudo que se possa imaginar existirá ao mesmo tempo inebriando o corpo, ao mesmo tempo que o homem olhar para Deus e o contemplar face a face.

Mais ainda, o Cornélio cita autores católicos, ortodoxos, que dizem que os anjos se comunicarão de maneira a serem percebidos pelos sentidos do homem. Então formarão jogos de cores, de nuvens, etc., que são mensagens deles para os homens. Porque o olho do homem não pode ver o puro espírito. Mas o anjo fará assim. E ele diz que assim como o músico comunica seu pensamento pelo som, os anjos por essas figuras comunicarão seu ser, comunicarão seu amor, e que nós estaremos continuamente inebriados de toda espécie de alegria possível.

Aí, meus caros, não haverá mais quem nos diga aquela frase que os senhores..., ninguém nos dirá o que agora eu vou dizer..., eu vou pronunciar a frase: fugit, irreparabile tempus"!

Pelo contrário, tudo cantará uma palavra maviosa: eternidade!

Então, na hora dos Srs. estarem convidados para um sacrifício, para um ato de virtude, pensarem o que isso vai lhes conquistar na eternidade.

Eu li um livro que tinha imprimatur, um livro do século passado - não sei o que a teologia diz, o que a sã teologia diz disso hoje, e eu me conformo com a sã teologia - mas é de um Abbé Debroille(?), francês que sustentava que o homem no Paraíso celeste tem circulação sangüínea, respiração, alimenta-se também e que se alimenta de vinhos e comidas deliciosas. Mas que o regalam sem depois se transformar em podridão, porque o corpo dele, de bem-aventurado, está na glória e não tem podridão.

Os Srs. podem, por aí, imaginar o auge das delícias que um homem tem.  

*     *    *

Bem, fatinho.

A minha recordação de mim mesmo, quando eu era menino e faziam diante de mim meditações sobre os Novíssimos. Naquele tempo ainda se fazia isso. E fazia-se até com certa abundância, com uma certa freqüência. E, naturalmente, muito salutar. Mas eu ficava pasmo comigo diante do seguinte: As meditações dos Novíssimos é tão lógica, ela arrasta o raciocínio à convicção de que, por amor de Deus, sumamente bom, infinitamente bom, por ódio ao mal, por desejo do Céu e por horror ao Inferno eu não devia praticar o mal e devia praticar o bem.

Mas, embora tudo isso me estivesse, com base na Fé, inteiramente firme na convicção, havia momentos em que eu me tornava átono para isso, indiferente. "É verdade, tal pecado me parece um absurdo eu fazer, mas eu estou tentado. E se eu não fizer um esforço, eu peco. Dir-se-ia que essas verdades seriam como esses vitrais aí atrás, se se desligasse a luz de repente: apagaram-se, o colorido deles apagou, e eu cai... Mas como posso eu, um ente racional, chegar a esse estado de irracionalidade, que no momento essas verdades não são suficientes para eu abandonar com horror essas hipóteses e, pelo contrário, eu me sentir propenso a cair no pecado? O que aconteceu em mim?

Entretanto, olhava em torno de mim e dizia: todo mundo é assim, porque eles todos sabem disso que eu sei e pecam à vontade, porque eu vejo o pecado de tantos e tantos deles escancarado, proclamado. Mais ainda, vejo dentre eles alguns que caçoam da virtude e glorificam o pecado; e são homens inteligentes, homens racionais. Como fazem uma coisa dessas?

E eu compreendi que não bastava entender. Que era preciso rezar. E que se eu não rezasse, eu não conseguiria pensar nos meus Novíssimos. Eles, de vez em quando, me fugiriam ou eu fugiria deles.

Rezar para quem? Eu me perguntava: Eu agora vou então comparecer diante de Deus e vou pedir. Meu Deus, aqui está Plinio Corrêa de Oliveira, vos venho pedir tal coisa.

E eu tinha a impressão de que a justiça de Deus me olharia e diria: "Ih! Está aí Plinio Corrêa de Oliveira, que horror! Com tal defeito, com tal outro!" Ninguém é homem para aparecer diante de Deus e dizer: aqui estou eu! Ninguém! Como é que eu vou me arranjar?

Essa pergunta se pôs de um modo cruel para mim uma vez que eu era menino e que eu estava rezando diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na Igreja do Coração de Jesus. E eu vi aquela imagem tão alva, tão branca, risonha, segurando o Menino num braço, um cetro noutro braço, uma coroa na cabeça, flores no altar, iluminada, inundada de felicidade. A imagem me dava idéia do que seria a situação dEla no Céu.

E alguma coisa me deu a conhecer o seguinte: Você saiba que Deus é tal que criou Nossa Senhora para ser sua advogada. E você que não merece comparecer diante dEle para nada, pedindo para Ela, Ela diz ao Filho dEla: "Meu filho, aqui está este. Ele não é senão o que ele é. Mas eu sou a Imaculada Conceição! Eu sou Vossa Mãe, e Vós já sabeis o que eu quero. Vós quereis que eu queira o que eu estou querendo. Vós me fizestes para salvar "n" Plinios soltos pela terra, "n" homens soltos por aí e que não seriam senão pecado e podridão se não fosse minha intercessão". Então eu rezei, pela primeira vez, com toda alma: "Salve Regina, mater misericordiae"!

Nunca mais olhei para uma imagem ou para uma estampa de Nossa Senhora em minha vida - eu estou com idade com que estou, tenho visto tantas imagens e tantas estampas, - sem que implícita ou explicitamente, direta ou indiretamente, esta convicção não aflorasse imediatamente. "Salve Regina, mater misericordiae".

Eu, — São Luiz Grignion de Montfort diz isso de todo homem, — não sou diante de Nossa Senhora - expressões textuais de São Luiz Grignion, ele dizia de si - "senão um vermezinho e um miserável pecador". Mas, pela intercessão dAquela que foi concebida sem pecado e que nunca fez uma ação que não contentasse a Deus perfeitíssimamente como Deus queria, nunca teve um pensamento, nunca teve uma volição, nunca teve nada que não fosse o ápice do que Deus queria. Além do mais é Mãe dEle, é Filha do Padre Eterno, é Esposa do Divino Espírito Santo, Ela pode. E Ela tem pena de mim. Tem pena de mim e de cada um dos que estão aqui. E por isso é o momento de dizermos: "Salve Regina, Mater misericórdiae"...

 


 

Nota: Para aprofundar o assunto, vide a obra "Guerreiros da Virgem – A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE – A TFP SEM SEGREDOS", Plinio Corrêa de Oliveira, EDITORA VERA CRUZ LTDA., Dezembro de 1985, Cap. VI, tópico 4 - A recordação das penas do Inferno, sempre oportuna em todos os tempos, pags. 172-177.

 


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