Plinio Corrêa de Oliveira
Jacaré e beija-flor: dois modos de ser
Catolicismo, N° 576 - Janeiro de 1999 (*) |
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Não se poderia imaginar contraste mais chocante do que o existente entre o jacaré e o beija-flor, também conhecido como colibri. Se é verdade que o colibri é habitualmente encantador e o jacaré hediondo, Deus, próvido, não privou o jacaré de uma certa beleza: o seu couro, arranjado e lustrado, serve para a confecção de bolsas de senhoras, de carteiras para homens importantes, destinando-se também a várias outras finalidades. É uma beleza - com isto de diferente - que exige, segundo os planos do Criador, ao engenho do homem descobrir. Deus mostra-se assim o modelo de toda formosura, seja criando o beija-flor, seja o jacaré, mas sobretudo criando o homem, a cujo serviço se ordenam tanto o pássaro quanto o réptil.
O que faz o jacaré? É antes de tudo lento. Ele possui umas perninhas que não são próprias a grandes percursos. Comparem-nas com as pernas de um veado, e logo compreender-se-á qual dos dois é apto para correr e qual dos dois é habilitado a ficar parado. É próprio à vitalidade do jacaré, é inerente ao princípio vital que o anima, andar pouco e sem pressa. A seguinte regra, tanto quanto pude observar, é verdadeira: todo aquele que se move pouco, o quanto ele não é feroz para agredir, tanto mais é feroz para defender-se. E todas as energias que não gasta, atacando, consome-as defendendo-se. Os muito estáveis são assim. O jacaré, quando agredido, é feroz: defende-se com a bocarra, com o rabo e daí para fora. Introspectivo, tanto quanto analogicamente isto se pode dizer de um bicho, ele fica com a bocarra meio aberta, respirando e sentindo-se, a si próprio, viver. Gosta de sentir-se vivendo. E, por causa disso, é estável. Compreende-se que se mova pouco, que sua natureza não exija dele muito movimento, porque não precisa. Ele tem dentro de si aquilo que outros procuram fora de si. Fica arfando de boca semi-cerrada, como que dizendo “Deixe-me viver”, tomando sol, até o momento em que algo interior lhe comunica: “Chega”. Então, ele vai, afunda na água e desaparece do olhar humano. É um símbolo animal da hipertrofia da introspecção.
A música escolhida para o vídeo poderia combinar mais com essas pequenas e encantadoras aves... O beija-flor, dir-se-ia, não sente a si próprio. Enquanto o jacaré é um individualista de primeira categoria, o beija-flor é um ser essencialmente voltado para o relacionamento com outros entes. Ele percebe, com enorme vivacidade, o que está em torno de si. De longe, ele vê a flor que deseja bicar, traça vôos indecisos, parecendo até que não observou o que almeja. Mas tanto viu que, ao chegar junto ao objetivo, vai em cima, tira com o bico o que lhe interessa e depois retoma seu vôo. Após a dança inicial, terminada a agressão, ele vai embora à procura de outras coisas. Ele é todo voltado para relações. Só pára quando precisa dormir. Mas, logo após acordar, começa a manter contatos, esvoaçando. É assim que ele se deleita. É um erro imaginar que o colibri só aprecia a flor. Ele gosta enormemente de ar e vento. É evidente que voa na euforia de voar. Assim como o jacaré regozija-se em ficar derramado à beira da água, o beija-flor, esvoaçando pelo ar, desfruta a alegria de fendê-lo. Uma impressão que ele me causa: a cada centímetro que voa, desprende-se para o beija-flor uma forma diferente de energia proveniente da terra, não apreciando ele ficar sujeito muito tempo à mesma energia. O colibri gosta de mudar, mudar, e sentir em si a harmonia das energias que se alteram. O que é eminentemente próprio à capacidade de se relacionar. O beija-flor preza o vento. Não o tufão, pois ele é pequenino e pode ser lançado para onde não deseja. Deleita-se em provocar mini-ventania, cria um ventinho... As reações que o homem tem quando está agradavelmente exposto ao vento, são análogas às do colibri. O prazer do ar o inunda, o satisfaz, o encanta... (*) Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP em 21 de março de 1981.Sem revisão do autor. |