Plinio Corrêa de Oliveira
Comentários ao filme "Le ballon rouge"
Santo do Dia, 28 de novembro de 1979 |
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A D V E R T Ê N C I A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
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NOTA DO SITE:
[“Le ballon rouge” (o balão vermelho) é um filme francês de curta
metragem, difundido a partir de 1956, dirigido pelo cineastra Albert
Lamorisse. O filme (de 34 minutos) mostra diversas atitudes de um menino
que, um dia, encontra um balão vermelho que ficara enroscado em um poste
de iluminação do bairro de Ménilmontant, em Paris.
[Para um idealista, ou seja para um verdadeiro católico,
apostólico, romano, o filme pode ser especialmente formativo se se
considera o balão como um símbolo do ideal, do chamado que cada um recebeu
da Divina Providência para realizar uma determinada vocação.
[O filme ganhou numerosos prêmios, entre os quais o “Oscar” de
melhor roteiro e a “Palma de ouro” à melhor curta metragem no festival de
Cannes. Lamorisse fez participar a seus próprios filhos na produção. Seu
filho, Pascal Lamorisse, interpreta o personagem principal, enquanto sua
filha Sabine aparece em uma cena conduzindo um balão azul.
[Os comentários do Prof. Plinio foram feitos à medida em que o
filme ia se desenrolando. Na impossibilidade de entrecortar aqui a
projeção com as análises feitas, cada um obviamente pode optar entre
assistir primeiro o filme e depois ler os comentários ou vice-versa]
+ [Este sinal indica a seqüência da projeção.] Acho esse começo fenomenal! A grandeza que tem Paris... Daqui a pouco é apresentado o aspecto lamentável de certas zonas de Paris. Mas observem a grandeza como está bem apanhada... A lâmpada de rua... É uma coisa fenomenal!
Essas grades na escadaria como são pitorescas!
O menino representa muito bem. Parece o menino que está olhando
maravilhado a Rainha da Inglaterra que passa em uma carruagem.
Que balão lindo!
+
Observem o contraste do menino como é engraçadinho e a lepra do
bairro.
Vocês notam que o balão está crescendo um pouco?
Olha essa parte vazia (no bonde) atrás: que pitoresco!
+
[quando menino corre para ir à escola] Só esses barulhos dos passos é que acho muito poca, porque dá a impressão que está andando por cima de pedra oca e não de chão.
[Na escola]
A porta (de entrada) está ensebada no ponto justo! Os avisos
horrendos, o vidro fosco...
+
Essas folhas caem um pouco de repente demais, todas juntas.
+
Isso é expontâneo hein! Nada disso é artista. Mas considerem a
explosão de “gaminerie” (brincadeiras, vitalidades infantis).
+
Este senhor idoso (que protege o balão sob o guarda-chuva) poderia
ser um direitista francês dessa
época (década de 50). +
[cena das duas freiras vestidas com hábito religioso e modos
conservadores]
Isso é que me dá mais saudades do que tudo!
A ponte e... +
[quando passa o trem]
A poluição da grande cidade...
+
Que grade linda!... Essa velha é homaça! O cortiço... Mas dentro do
cortiço tem qualquer coisa de vida do burguesinho bem instalado.
+
[no apartamento do menino]
Ele agora põe fora o balão, teve uma infidelidade em relação ao
balão. +
Agora ele consegue pegar o balão. Mas o balão quase que excita o
ato de amor ao menino não se entregando inteiramente. É tal qual o
papel da graça conosco. O sentido é o homem com a graça. +
Esse cachorro como está bem achado!
Agora o menino defendeu o balão. E depois está fazendo N-A-N-E
(indiferente) para o balão. E o balão, o que faz com ele...
+
Estão observando a infidelidade que há nesse estado de espírito?
Mas é ou não é o jogo de alguns com a vocação?
+
Ele não sabe viver com o balão, nem sem o balão.
+
O movimento pequeno na rua como é agradável!... +
[cena em que tenta entrar no bonde com o balão, mas não consegue]
O balão atrapalha a vida prática. É o mundo moderno: o sujeito não
pode viajar com o balão. O ideal atrapalha a vida prática. Então o menino
solta o balão. Mas o balão tem
pena dele e o segue. É impressionante! Ele largou o balão e tem saudades
do balão.
+ Isso é a graça que vai atrás de nós.
+ O balão não se entrega com facilidade.
+ Olha a indiferença dele. Agora está formando contra ele a opinião
pública.
+ Observem a vivacidade desses francesinhos. Não é misto, aí não
tem uma menina.
+
(O filme aqui) acentua a relativa indiferença dos adultos com o
balão enquanto a criança ainda tem (esse maravilhamento)... + Ele é um ator fenomenal!
+ (o diretor do colégio) Homem prático. Prendeu o menino! + Aliás, a musiquinha é mais bem escolhida possível para o caso.
+ Que cena bonita! É o homem [diretor do colégio] que vai
andando e o ideal atrás dele, mas o homem não é capaz de pegar o ideal. Já
não tem nem movimento para isso, fica incomodado, com birra e respeito
humano.
+ Notem como ele é isolado da multidão.
+ Notem que o menino não pega o balão, mas o negligencia... Largou
o balão...
Agora, a cena no “Marché aux Puces” (onde se vendem objetos usados)
é curiosíssima. + O menino pára diante desse quadro, fica encantado com ele e tem o balão.
+ Agora, o cortiço.
E a opinião pública que vai se montando contra o menino. Os
malfeitores...
+ Notem que ele vai embora sozinho. O balão gosta dele,
mas não da multidão.
+ Ele vai ser levado por uma senhora homaça à igreja. Como está
bonito o som do órgão! + Aliás, o modo como conseguem fazer movimentar esse balão é uma coisa do outro mundo! A cor é lindíssima!!
+ Expulso! A igreja é representada como recusando o balão.
+ [o que apresenta no filme é que] a vida é laica.
+ Agora são os deleites da vida. Ele vai ver o que fazer com o
balão para gozar a vida.
+ O menino esqueceu o balão e este se entregou a um outro. +
[os meninos pulando o muro para tentarem furar o balão] A (cena que lembra a) Revolução Francesa vem agora. Aqui, os revolucionários estão entrando pela “capela de Versailles”...
+ O aspecto revolucionário do corre-corre debandado desses meninos.
E as ruas vão se estreitando...
+ Chega o hallali final. Observem que pelo fim da fita o menino
está mais fiel um pouco (ao balão). Notem que o balão está menos luminoso.
Está engruvinhando.
+ Essa descida do balão é muito bem feita! +
[O menino que pisou no balão]
O ar de vencedor desse menino (que pisou no balão)... Agora, o
enterro desse balão que é o balão por excelência.
+ É muito interessante essa fita! Ela tem um aspecto tendencioso,
mas faz um bem enorme.
+
[cena dos numerosos balões que vão surgindo de diversos lugares]
É o idealismo em tese, representados por mil balões. Portanto uma
apoteose “balônica”. Porque um certo ideal foi furado, todos os balões
saem do mundo... +
[o menino que é levado aos ares pelos numerosos balões]
Eu interpreto esta cena da seguinte maneira: o idealista tem que
sair desta terra. Tem que abandonar o mundo, porque ele no mundo não vai.
O mundo fura os balões, ele tem que viver nas regiões do ideal.
[Fim da projeção] * * *
É ou não é uma fita que vale a pena a gente ver?
(Dr. Luiz Assumpção – Faz bem espiritual)
É.
(Como o senhor interpreta o aspecto tendencioso do filme?)
Em duas palavras interpreto assim: seria algo para dar desespero ao
idealista. Quer dizer, você é um menino idealista, você tem um ideal, você
quer seguir esse ideal. Esse ideal você – em primeiro lugar – vai
encontrar dificuldades porque freqüentemente você vai querer fazer outra
coisa e o ideal vai te perseguir. Então você se deixa confiscar pelo ideal
e acontece que todo mundo vai se pôr contra você.
Você não cabe no mundo prático, no mundo concreto, nos horários,
nos regulamentos, nas disciplinas, não cabe debaixo de certas autoridades,
você não faz dinheiro, você não entra nos negócios, você fica um isolado,
todos os colegas invejam o teu balão e por isso tem ódio de você e não
formam um com você. Te perseguem! E acabam furando o seu balão. E você é o
derrotado. O que acontece então? É que se você não se conformar e não
ficar um deles, você tem como única saída ir para o mundo do irreal e
viver isolado no mundo da fantasia.
O que o menino devia ter feito era fundar uma TFP: a “TFP do
balão”.
(Ali, aquela cena em que o menino é
levado para o céu dá um ar romântico, desligado da terra...)
Não é o céu-céu, é o irreal.
Outra coisa: entre as entidades que estão representadas como
rejeitando o balão está a Igreja. Antes disso tem aquela caricatura de mãe
que sem piedade e que vai com um passo (marcial) tan-tan-tan levando o
menino quase como um pacote... O balão entra e depois o menino é expulso
de lá porque é fiel ao balão.
Depois, a força incoercível da opinião selvagem que não tolera os
balões. Então, são os meninos que pulam, que saltam, que agridem daquele
modo. Aqueles meninos tem gestos e atitudes por onde se compreende melhor
a Revolução Francesa.
(O menino que dá a estilingada final...)
Um Robespierrezinho! Ódio ao ideal enquanto ideal!...
E aqui meus caros, “je vous quite!” (eu me despeço de vocês)...
[risos]
Realmente eu me despeço.
Agora vocês podem responder ao seguinte ponto: o que é melhor:
ouvir primeiro o comentário e depois ver o filme? Ou primeiro ver o filme
e depois ter o comentário? ...Mas, em todo caso, cada um de nós seria um menino do balão, com o balão furado, se Nossa Senhora não nos tivesse reunidos todos na TFP. Esse é o fato.
Roma, 10 de maio de 2015. Início da "Marcia per la vita", na Via della Conciliazione (ao fundo a Basílica de São Pedro). Entre as associações participantes dessa grande manifestação pelo direito sagrado à vida, encontravam-se representantes de diversas TFPs. Outros grupos levaram balões vermelhos. Mera coincidência. |