Plinio Corrêa de Oliveira

A Realeza de Nossa Senhora e o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 31 de maio de 1975 

Excertos e gravação da conferência (*)

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é a transcrição de exposição verbal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para sócios e cooperadores da TFP, acompanhado do arquivo de áudio, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

 

Eu gostaria de dizer uma palavra a respeito do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.

Em primeiro lugar, eu devo lembrar aos Srs. que hoje não é propriamente a festa do Imaculado Coração de Maria. Hoje é a festa de Nossa Senhora Rainha.

Entretanto, eu creio que com toda legitimidade nós podemos festejar o Imaculado Coração de Maria no dia de hoje. E isto por uma razão muito simples, é que um dos modos pelos quais Nossa Senhora torna efetivo o seu domínio na terra é exatamente o seu Coração Imaculado e Sapiencial. E há até uma invocação muito bonita de Nossa Senhora, Regina Cordium, Nossa Senhora Rainha dos Corações, que pode ser vista na perspectiva desses dois atributos ou invocações de Nossa Senhora. Primeiro, Nossa Senhora Rainha e em segundo lugar o Imaculado e Sapiencial Coração de Maria.

Como é que tudo isso se coloca, como é que tudo isso se vê e se entende?

Nós sabemos que Nossa Senhora, de direito, é a rainha do céu e da terra. Ela o é de direito por duas razões: em primeiro lugar porque Ela é a Rainha-Mãe de toda a criação, Ela é Mãe de Deus e Ela tem, portanto, na criação, uma situação parecida com a que tem as rainhas-mães nos países de estrutura monárquica. Mas de outro lado também, porque Deus Nosso Senhor entregou a Nossa Senhora a regência efetiva do céu e da terra. Nossa Senhora manda — porque Ele entregou esse poder — Nossa Senhora manda sobre os anjos, Nossa Senhora manda sobre os santos, Nossa Senhora manda sobre todas as almas que estão no purgatório, Nossa Senhora manda sobre todos os homens que estão no mundo. Ela manda até sobre o inferno.

Tudo está completamente e inteiramente sujeito a Ela pela vontade de Deus.

Uma rainha-mãe não é propriamente uma rainha reinante. Ela tem as honras da realeza, mas ela não é a rainha reinante. A rainha Mary, da Inglaterra, por exemplo, é rainha-mãe. Ela foi rainha, esposa — ela nunca foi rainha reinante, ela nunca exerceu a realeza, ela teve as honras da realeza, foi esposa do rei Jorge VI, depois faleceu o rei, a realeza passou para a filha dela, a rainha Elisabeth II e ela passou a ser a rainha-mãe. Ela passou a vida inteira, portanto, cercada das honras da realeza, não portanto do mando da realeza. A rainha Elisabeth II é a rainha reinante, porque na pequena medida de poder que tem uma rainha da Inglaterra, nessa medida ela reina. De maneira que ela é a rainha reinante.

Nossa Senhora não é só a rainha-mãe porque é Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas Ela é rainha reinante porque Deus Nosso Senhor confiou a Ela esse poder.

Agora, esse poder que Ela tem, de direito, como é que ela exerce? Como Ela transforma em fatos esse poder de direito que Ela tem?

No céu Ela exerce de dois modos: em primeiro lugar, porque Ela tem o direito de mandar e sendo todas as almas que estão no céu confirmadas em graça, elas não fazem senão a vontade de Deus. De maneira que é certíssimo que Nossa Senhora mandando nelas em nome de Deus, Nossa Senhora tem o direito de se impor a elas e elas obedecem.

Mas é também verdade que ainda que Deus não tivesse mandado, elas quereriam obedecer a Nossa Senhora. E quereriam pelo extremo amor que elas tem a Nossa Senhora, pelo conhecimento que elas tem de todas as virtudes de Nossa Senhora, da superioridade de Nossa Senhora. Porque toda superioridade confere um mando, ainda que não houvesse essa ordem de Deus, eu estou certo que todos os anjos e todos os santos do céu pela expressão de uma leve, tênue vontade de Nossa Senhora, eles se moveriam todos nessa direção.

E aí é um império que é o império de um coração sobre corações. Em que sentido isso?

O coração, os Srs. sabem – eu já tenho dito isso inúmeras vezes — coração é o órgão físico que é símbolo da mentalidade. Quer dizer, do modo pelo qual a pessoa vê as coisas, e do modo pelo qual quer as coisas.

O Sapiencial e Imaculado Coração de Maria é uma expressão da mentalidade sapiencial e imaculada de Nossa Senhora. E exprime, entre outras coisas também, a sua bondade inefável, sua doçura inefável, sua misericórdia inesgotável.

Por todas essas razões, os anjos e santos do céu, considerando Nossa Senhora, a amam com toda a intensidade — abaixo de Deus, mas a amam. Amam tanto quanto é dado a eles amar, mas a amam. E o resultado é que esse amor é tal que Ela reinaria sobre eles — o coração dEla sobre o coração deles, — quer dizer a mentalidade dEla sobre a mentalidade deles. Quer dizer, o modo dEla ver as coisas super sapiencialmente seria uma regra de sabedoria para eles. A vontade dEla, santíssima, sem mancha, imaculada, seria uma regra para a vontade deles ainda que não houvessem as ordens de Deus.

Quer dizer, simplesmente, de Coração a coração, Nossa Senhora domina o céu. Domina o céu e domina o purgatório, porque as almas que estão no purgatório também elas já não pecam mais. Também elas já estão garantidas de irem ao céu. Não há perigo de uma alma no purgatório, por exemplo, revoltar-se com os padecimentos extremos que no purgatório se sofrem. Por quê? Porque elas estão confirmadas em graça e elas vão para o céu. E por causa disso elas pensam como Nossa Senhora pensa, querem o que Nossa Senhora quer, vivem para Nossa Senhora. E por isso, quando Nossa Senhora de vez em quando aparece no purgatório, há para elas uma alegria sem nome. Elas todas cantam, satisfeitíssimas, de dentro de seus tormentos. E Ela leva sempre um número enorme de almas para o céu. E às que Ela não leva para o céu, Ela espalha em torno de Si como que um orvalho que diminui as penas, aumenta a esperança de chegar ao céu e alivia os padecimentos daquelas almas.

Mas é também de Coração a coração que Nossa Senhora domina aquelas almas e reina. E não só pela vontade de Deus.

Na terra, como é que são as coisas? Nós temos na terra, se os Srs. quiserem, a triste liberdade — que é de fato uma servidão, — a triste liberdade de não fazer a vontade de Deus. Em outros termos, nossas paixões nos arrastam. Elas são tiranas que nos levam muitas vezes a fazer o que nós não quereríamos, por pecado nosso, mas nos levam a fazer o que nós não quereríamos. E elas nos dão, assim, a triste liberdade de dizer “não” para Deus.

Uma triste liberdade que é uma escravidão porque se nós fossemos livres em nossas paixões nós nunca diríamos “não” a Deus. Mas essas paixões existem. E nós temos que lutar contra elas. De maneira que, em última análise, há essa servidão nossa: as paixões, que só com a graça de Nossa Senhora nós conseguimos sacudir, conseguimos limitar, e extinguir até. Sem isso, nós seríamos escravos de nossos defeitos.

E há na terra uma luta entre os que obedecem e os que não obedecem a Nossa Senhora. Nossa Senhora tem o direito de ser obedecida por todo o mundo. E nesse sentido, “de direito”, ela é rainha do mundo inteiro. Mas o mundo tem a possibilidade — se bem que não o direito — de desobedecer a Nossa Senhora. De onde, um número enorme de pessoas que desobedecem a Nossa Senhora.

Então, o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria como é que torna efetiva a sua autoridade jurídica e indiscutível sobre todo mundo? Torna efetiva de uma forma muito simples. Nossa Senhora, pelo seu Coração, Ela toca os corações, Ela toca as almas, e faz com que as almas recebendo graças muito abundantes, sigam a Ela.

É claro que isto não é automático. Uma pessoa pode resistir à graça. Mesmo a uma graça muito abundante, a pessoa pode resistir. Peca, mas pode resistir. Está bem, mas muitos não pecam por causa da abundância da graça. E por esta forma, recebendo graças caudalosas, servem a Nossa Senhora. Mas essas graças como é que são? É a graça que Ela dá a nossos corações de vermos o Coração dEla. De conhecermos e amarmos a sabedoria dEla, de conhecermos e amarmos a nota de Imaculada que existe em toda a Pessoa dEla. E é por esta forma que Ela se torna obedecida por nós.

De maneira que o Coração dEla é um cetro com o qual Ela governa todos aqueles que Lhe obedecem no mundo.

É claro que também, Nossa Senhora manda nos maus. O demônio obedece, absolutamente. E por isso também muitas vezes, na história, acontecem coisas desconcertantes para os bons ou para os que defendem o lado do bem, acontecem coisas desconcertantes em última análise porque Nossa Senhora mandou. E neste sentido, Ela pode também mandar. Mas não é um mandar que force o livre arbítrio pelo qual a pessoa diz “sim” à graça de Deus. Isso não. Força qualquer outra coisa, esse ponto não força.

Quer dizer, Nossa Senhora tem um império de direito sobre todos. Que às vezes Ela torna efetivo e ninguém pode resistir. Mas que muitas vezes é efetivo não por um império dEla mas pelo amor que Ela comunica às muitas almas.

Aí os Srs. tem a razão pela qual tantas pessoas se dedicam, tantas pessoas se imolam, tantas pessoas lutam etc., etc. É por causa do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.

Então, nessas condições eu tenho a certeza de que a festa de Nossa Senhora Rainha é a festa do Coração dEla. O que, aliás, está escrito em Fátima: Nossa Senhora disse “por fim o Meu Imaculado Coração triunfará”. Triunfará quer dizer reinar. O Coração de Nossa Senhora é um coração régio. Se eu pudesse representar o Imaculado Coração de Maria, eu gostaria de representá-lo encimado por uma coroa, para indicar bem o caráter régio do Coração Sapiencial e Imaculado de Maria.

A festa, portanto, tem toda a propriedade – ainda que seja a festa de Nossa Senhora Rainha – tem toda a propriedade para nós cultuarmos e venerarmos o Imaculado Coração de Maria.    

De que maneira? Fazendo nosso esse pedido: tornai meu coração semelhante ao Vosso. Semelhante não quer dizer vagamente parecido, não. Quer dizer parecido em tudo quanto está nos desígnios da Providência que pareça. “Tornai-me sapiencial, de uma sapiencialidade que seja uma participação da vossa; tornai-me puro de uma pureza que seja uma participação da vossa”. E, sapiencial e puro: é preciso ser contra-revolucionário.

Por que? Porque a Revolução é o auge da insensatez e da falta de pureza. É o contrário, de modo escandaloso, mas diretamente o contrário da sabedoria e da pureza, sobretudo da pureza imaculada de Nossa Senhora. Então, o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria é Nossa Senhora da Contra-Revolução. É por onde a Revolução mais odeia Nossa Senhora, é por onde nós, filhos da Contra-Revolução, mais nos afirmamos filhos dEla.

Os Srs. compreendem quantas razões há para nós aproveitarmos os últimos minutos desta festa para pedirmos graças para nós. Sobretudo essa transformação por onde nosso coração seja confiscado por Nossa Senhora, seja tomado por Nossa Senhora. Isso nós podemos dizer: “Minha Mãe, eu não sou bastante forte para me dar a Vós: dominai-me. Entrai na minha alma com graças tais que eu praticamente não resistirei. Esta porta, minha Mãe, que eu por miséria não abro, arrombai-a. Eu vos espero atrás dela com meu sorriso, meu reconhecimento e minha gratidão”.

Aqui está uma boa oração para a festa de hoje.

(*) Esta conferência, com mais alguns excertos que oportunamente postaremos, foi distribuída pela revista "Catolicismo" a seus assinantes em Outubro de 1996, no primeiro aniversário do falecimento do Prof. Plinio. Por brevidade eliminamos da mesma os trechos introdutórios do locutor.