Plinio Corrêa de Oliveira
Explicitar: significado e importância para a vida intelectual – Como fazer? Exemplo de explicitação
Santo do Dia, 22 de julho de 1974, Segunda-feira |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério
tradicional da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Explicitação é algo de que se falava relativamente pouco nos cursos que eu fiz e é uma das mais importantes operações mentais, sobretudo para nós, brasileiros. O que é uma explicitação? É o trabalho pelo qual uma pessoa consegue definir uma ideia ou noção rica em seu espírito, mas que se achava confusa porque não se sentia capaz de exprimi-la. Então, a explicitação é o trabalho pelo qual a pessoa atua sobre essa noção implícita e a transforma em uma formulação clara, precisa, definida, explícita. Os prefixos "in" e "ex" significam isso: "in" é para dentro, "ex" é para fora: exterior, explosão, explicitação. A noção implícita é a que está apenas no nosso espírito e não sabemos externar. Ela se torna explícita quando passa do "in" para o "ex", tornando-se bastante clara para pormos em palavras e saber dizer para os outros. * O brasileiro possui uma grande capacidade de captar a realidade, mas não tem o hábito de explicitar O brasileiro especialmente é muito intuitivo: vê uma coisa e “pesca” algo, mas tem dificuldade em explicitar. Quando se pergunta para ele: – Você viu tal coisa? – Vi. – Entendeu? Ele faz um comentário por onde se nota que entendeu algo. A gente lhe pergunta o que entendeu, ao que nos diz: – Ah... enfim... como é... você sabe... etc., etc. E a resposta não sai. Quer dizer, é um povo que tem muita captação implícita das coisas e pouco hábito de explicitar, talvez até uma certa dificuldade de o fazer. E isso é uma característica que não está na raça. Está no ambiente. Porque os que não têm sangue brasileiro e que vêm morar aqui, na segunda ou na terceira geração ficam assim também. De maneira que não se trata de algo racial, mas sim um fenômeno cultural. Está em nossa atmosfera e as coisas se passam assim. É próprio, por exemplo, ao brasileiro, prestar atenção em três ou quatro coisas ao mesmo tempo... Os senhores estão rindo, porque percebem que algo é verdade. Eu estou ajudando os senhores a explicitarem. Então, os senhores prestam atenção no que digo, no modo como digo e em mim enquanto dizendo essas coisas. Isso forma como que três lentes através das quais o brasileiro vê a realidade. E, durante uma mesma conferência, olha uma coisa, olha outra, pega adiante novamente o "bonde" da exposição, perde uma parte porque pensa noutro assunto, e volta de novo... Seria muito exagero chamar isso de ordem. Seria talvez amável, mas certamente seria muito exagerado. Não seria muito amável, mas seria muito veraz chamar a isso de desordem. * Exemplo de trabalho de explicitação Quando me dei conta disso – tinha, talvez, uns 25 ou 30 anos – compreendi que o melhor de minha vida de intelectual não consistia tanto em aprender coisas que não sabia, quanto encontrar os conceitos para exprimir o que eu tinha percebido. Nesse sentido, como exemplo do trabalho de explicitação, os senhores podem procurar em "Catolicismo", uma seção chamada "Ambientes, Costumes, Civilizações". Aquilo tudo são impressões confusas que uma pessoa tem diante de um quadro, ou diante de uma cena, e que foram explicitadas. Não fui ler nenhum livro para escrever aqueles artigos. Mas “li” dentro de mim e procurei explicitar e colocar no papel. Se não me enganei – e senão me engano – tirei bom fruto desse sistema. É natural, pois, que deseje que os senhores tirem proveito dele também e queira ensiná-los a explicitarem. Ocorreu-me, então, fazer um pequeno exercício de explicitação. * A ideia que não é capaz de se traduzir adequadamente em palavras está em gestação, não nasceu ainda Esse exercício é para que? Não se trata dos senhores explicitarem apenas uma coisa, pois isso não adiantaria nada. Mas é para dar aos senhores a vontade, o gosto de explicitar, o que é muito necessário para nosso feitio de espírito. Vejo aqui dois filhos de argentinos. Provavelmente haverá outros argentinos ou chilenos ou outros hispano-americanos no auditório. Ficam compreendendo por aí um pouco como é o estilo do brasileiro. É uma vantagem porque somos todos irmãos e tratados todos juntos. Outra vantagem: perguntar para que serve a explicitação. É um problema interessante: o hispano-americano e a explicitação... Não tem o mesmo papel que para o brasileiro – isso é certo –, mas uma importância tem. Então, vamos tratar de fazer a explicitação. Os senhores acompanharam a reunião de sábado passado com interesse. Quando alguém se interessa por uma exposição, isto significa que compreende – pelo menos de modo difuso – que há um motivo para se conhecer aquilo. Caso contrário, é difícil que o assunto desperte atenção. Então os senhores compreenderam que havia um certo motivo para acompanharem a exposição feita sobre a guerra de Chipre (naqueles dias, a Turquia invadiu Chipre desencadeando uma guerra civil na ilha, n.d.c.). Há até vários motivos para acompanharem o assunto. Entretanto, não sei se os senhores saberiam escrever num papel por que se interessaram e qual é o motivo pelo qual os senhores têm que conhecer a guerra de Chipre. Sobretudo, que relação possui tal tema com nossa vocação. Dizer claramente: "É tal a relação com nossa vocação", ou então, "há uma, duas, três ou 47 relações desse tema com minha vocação e por isso eu devo saber". Acho que haveria certa hesitação... Entretanto, na medida em que se fosse dizendo as várias razões, é possível que comentassem: "É verdade. É verdade isso também". Quer dizer, eram coisas que estavam implícitas e que para a boa ordenação da vida intelectual devem se tornar explícitas. Porque, do contrário, também não se possui firmeza nas ideias. Porque é verdadeiramente sólida a ideia que a gente é capaz de apresentar claramente para si próprio. E isto só se dá quando somos capazes de apresentá-las bem para os outros. A ideia que não é capaz de se traduzir adequadamente em palavras é uma ideia que está em gestação, ainda não nasceu. O nascimento completo de um pensamento se dá quando é tão claro que, apresentado a outros, estes o entendem. Essa é a elaboração completa da ideia. O homem é um animal racional. É mais racional do que animal. Deve, portanto, elaborar ideias e com clareza. Eu não estou muito certo de que a tendência principal da "geração nova" seja essa... De maneira que devemos remar juntos para alcançarmos esse objetivo. * Que motivos nos fazem interessar pelos acontecimentos internacionais Então, me ocorreu de fazer aqui um pequeno teste para perguntar por que razões – relacionadas com a vocação, com a vida espiritual etc. – os membros da TFP devem estar ao par da guerra de Chipre. Então, pergunto quem quer explicitar. (Seguem-se numerosas intervenções) Outro lado da questão é: independente da missão da TFP de combate à Revolução gnóstica e igualitária, existe um aspecto que toca um pouco no que um dos senhores disse. No Gloria Patri se reza: "Gloria Patri et Filio et Spirítui Sancto, sicut erat in principio et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen – Glória ao Padre, ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio, agora e sempre, por todos os séculos dos séculos. Amém.” Nós devemos querer saber agora, independente de nossa missão – porque Deus é Deus e é o Supremo Senhor de todas as coisas, nosso Rei e nosso Pai – nós queremos saber no que esse assunto toca ou não Sua glória. Todo verdadeiro católico deve se interessar pela glória de Deus em todos os sentidos, e agora também. Não só na eternidade. Ora, esse assunto pode tocar na glória dEle. Por exemplo: de que lado está a injustiça? Quem é que pecou? Que pecados e que atos de virtude estão sendo cometidos nessa guerra? Como é que Deus está sendo defendido ou servido nessa guerra? É uma coisa que nos interessa e que a esse título devemos acompanhar. Porque tudo quanto se passa sob o ponto de vista da glória de Deus nos deve interessar. À medida que cada um dos senhores foi falando, muitos concordaram: "ah! é! ah! é!" Outra consideração é a aproximação dos acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima e nossa vida espiritual. É um fato de observação corrente que toda pessoa que vai bem espiritualmente, tem a tendência a se entusiasmar com a realização daquelas palavras proféticas de Nossa Senhora. Faz parte, portanto, de nossa vida espiritual – já então individual – procurarmos saber se tal realização está longe ou próxima, para transformar isso em elementos de progresso da vida espiritual. Por outro lado, a coragem é uma virtude que se educa, porque todas as virtudes são objeto de uma educação. Nós nos educamos para a coragem lendo acontecimentos como esse do Chipre e nos perguntando: "Se algum dia acontecerem no mundo coisas dessas que possam desfechar em uma guerra mundial, teremos coragem de agüentar tal situação, tal outra?" À medida que se faz essa pergunta, com a graça de Deus, a gente vai tornando a fibra da alma mais rija e vai se preparando para essas circunstâncias. É uma coisa evidente. E assim, para nossa vida espiritual, é de um interesse muito grande. É de interesse até para aqueles que possam ter pânico em face de uma situação dessas. Porque esse pânico é, por vezes, um medo culposo e que se trata de combater habituando o espírito a considerar esses perigos. Outras vezes se trata de uma via espiritual excepcional, pouco comum, mas possível, em que a pessoa deve dizer: "Eu tenho pânico, mas eu espero que na hora do perigo Nossa Senhora me dê graças extraordinárias. Eu desde já vou rezar para ter coragem na hora das grandes dedicações". Nós não rezamos isso sempre na "Ave Maria"? "Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte". A hora da morte é a hora da maior conflagração individual. Isso de "nhonhô" pensar que não vai morrer é o maior engano que possa haver, porque todos somos mortais. E é necessário sermos heróis nessa hora também. Portanto devemos pedir a Nossa Senhora que nos dê a coragem para a hora da morte, e pedir desde já. Os senhores vêem que há, portanto, todo um filão de vida espiritual a acrescentar e que dá, mais ou menos, o global das razões pelas quais a gente deve conhecer a questão de Chipre. * Outra razão: adestrar a inteligência para bem servir a Deus Uma razão suplementar – já secundária, porque é de ordem indireta – é a seguinte: o estudo das coisas políticas ilustra muito o espírito. Toda aquela complicação política dá ao espírito destreza e robustez à inteligência. E então acompanhar esses acontecimentos faz a inteligência ficar ágil, é uma ginástica para o espírito. E posto que devemos servir a Deus Nosso Senhor com todos nossos recursos – intelectuais também, claro – é bom que a gente, sem pretensão de ser "intalacta" (ou seja "intelectual filosofesco" porém não filósofo, n.d.c.), procure, entretanto, exercer bem suas atividades intelectuais para que esta potência da alma (a inteligência) esteja em condições de prestar a Deus o maior serviço possível. Aí está uma súmula de razões. É ou não é verdade que valeu a pena nós explicitarmos tudo isso e que, terminado dia, ficamos com as ideias mais claras do que quando o começamos? É bem evidente. Observem isto de curioso: não foi dito nada que os senhores não soubessem. Entretanto, não se pode dizer que tenha sido uma reunião nem banal, nem inútil. Por que? Em tese, se repetimos coisas sabidas, foi inútil. Mas lembrar as coisas sabidas, formulá-las, ordená-las, é algo de grande utilidade intelectual. É explicitar... |