Plinio Corrêa de Oliveira

 

Padre Bourdaloue S.J., pregador na Corte de Luís XIV:
“Separemo-nos do mundo antes que o mundo se separe de nós”

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 18 de março de 1974

  Bookmark and Share

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Padre Louis Bourdaloue (1632-1704). Estátua no museu parisiense do Louvre. Foto By Jastrow (Own work), CC BY 3.0, Wikipedia

Material tirado do Padre Bourdaloue, a respeito do mundo e da atitude que se deve tomar em relação a ele:

“O Padre Bourdaloue é um pregador célebre do tempo de Luís XIV, de família nobre, nasceu em Bourges, na França, em 1632, filho de um notável orador que o encaminhou para a Companhia de Jesus, para a qual tinha querido entrar; o próprio pai dele já tinha querido ser jesuíta.

“Louis Bourdaloue desde logo se destacou nos estudos por sua seriedade e aplicação. Foi nomeado pelos superiores para ensinar filosofia e depois teologia moral. Tendo se destacado na pregação, finalmente, foi designado para essa função, que exerceu por mais de 30 anos. Era, portanto, pregador.

“Sua fama se propagou e ele foi convidado a pregar na Corte de Luís XIV, que fez dele seu pregador oficial. Nas Cortes antigas havia [comemorações da] Quaresma, do Advento, grandes festas religiosas etc. Os castelos tinham suas capelas próprias. E ali, para o rei, ou para o potentado daquele castelo e para sua Corte, o pregador dirigia a palavra. Então, cada Corte tinha um, dois ou três pregadores oficiais. Bourdaloue era pregador oficial de Luís XIV – o que não é um pequeno elogio. Por sua vida de piedade e fervor, ele atraiu grandes da Corte que passaram a ser seus dirigidos espirituais.

“Destacou-se como diretor espiritual e confessor. Antes dos sermões da Corte, preparava-se com exercícios espirituais – o que é um bonito exemplo. Antes de pregar, por exemplo, a série de sermões do Advento, a série de sermões da Quaresma, ele se preparava fazendo os exercícios espirituais de Santo Inácio, para que o pregador estivesse à altura da pregação.

“É chamado o pregador da convicção, porque ele procurava inculcar nos ouvintes essa convicção, desfazendo com cuidado todos os sofismas opostos à moral e à doutrina católica. Seus sermões formam doze tomos”.

Reparação feita a Luís XIV pelo doge de Gênova Maria Lercari Imperiale, 15 de maio de 1685, pintura de Claude Guy Hallé

Realmente, ele é tido como um dos maiores oradores da língua francesa. Não só orador sacro, mas entre oradores sacros e profanos ele é considerado como dos maiores da língua francesa. De maneira que é, realmente, um grande nome e uma grande pessoa.

Ele viveu no próprio foco do mundanismo, porque se há uma Corte que tenha gozado do prestígio mundano ao longo de toda a História, essa foi a Corte de Luís XIV. Desde que entendamos como “espírito mundano” o esplendor da vida social, que era a decorrência do poder, da riqueza, mas, sobretudo do alto grau de inteligência, de distinção, de elevação de maneiras de uma Corte. A Corte de Luís XIV foi modelo de todas as Cortes que vieram depois. Foi modelo já de todas as Cortes de seu tempo. E enquanto houve na terra reis dignos de serem chamados reis, eles procuraram ter qualquer coisa de “Luís quatorziano”, do lado do esplendor. Ele foi um arquétipo do que é rei: o tipo perfeito que supera o tipo; o arquétipo.

Então, Bourdaloue pregava na Corte de maior esplendor de vida social que houve no mundo, ou ao menos no Ocidente católico. Esse homem tinha como tarefa quebrar esse espírito mundano e atrair os cortesãos para uma vida de piedade, que se coordenasse com o esplendor da vida de Corte, mas que não fosse marcada por aquela fascinação da glória mundana, por aquela escravização às considerações puramente terrenas, que era o lado obscuro da Corte da Luís XIV. Ele queria que a Corte continuasse com seu esplendor, mas que ela fosse vista como uma escala para a Corte mais alta, que é a Corte do Céu, e não como uma coisa que toldasse as vistas do homem para o Céu, de maneira que o homem só pensasse na terra.

A respeito do mundo – e o mundo se chama isso, quer dizer, aquele setor da sociedade dominado, sobretudo pelo gosto da pompa, da honra, do dinheiro, do poder enquanto bens meramente terrenos e considerados naturalmente –, ele tem algumas afirmações sobre os círculos mundanos daquele tempo.

Isso é apropriado a fortiori para os círculos mundanos de nosso tempo, em que não há mais, é verdade, uma vida de Corte, mas há uma vida de grande cidade, que é uma espécie de Corte de pé-rapado. Nessa espécie de Corte sem rei e de Corte de pé-rapado que é, debaixo de certos aspectos, o grande centro urbano de uma grande cidade, há um fascínio, não pelas coisas nobres e elevadas, mas pela “chispada” do nudismo [o Autor refere-se à onda que estava havendo na época de pessoas que se despiam de público e faziam uma corrida pelas ruas, de onde o nome “chispada”, n.d.c.], pela mecânica enquanto mecânica, pelo ouro enquanto ouro, pela matéria enquanto matéria, que está muito abaixo do requinte e da categoria das cortes antigas. E o espírito naturalista com isso vai afundando cada vez mais.

De maneira que a atração fascinante que essas coisas exercem sobre o homem de hoje, ainda é uma atração mais perigosa do que a da Corte de Luís XIV. Então, esses pensamentos do Padre Bourdaloue, que se referiam à Corte, também se referem ao mundo de hoje e podem ser analisados por nós com muito proveito.

Ele diz o seguinte:

1º ponto – “O verdadeiro cristão é um homem que por estado é separado do mundo”.

“Por estado” quer dizer, por definição, para abreviar um pouco. O cristão enquanto tal é um homem separado do mundo; separado, portanto, dos círculos onde se cultiva exclusivamente o prazer da vida terrena enquanto vida terrena. Ou se tem platonicamente uma tal ou qual fé, mas, de fato se vive como se tivesse só crença na vida terrena. E se a gente se sente bem, sente-se amigo, sente-se à vontade, faz “seu ligação” com os que são assim.

2º ponto – “Duas coisas, segundo São Tomás, são necessárias essencialmente para fazer um cristão: 1º) a graça ou a vocação, da parte de Deus; 2º) a correspondência da parte do homem”.

É bem evidente.

“3º) esses dois fatores pressupõem ou exigem a separação do mundo”. 

Quer dizer, quer a graça, quer a correspondência exigem a separação do mundo. Ele vai explicar porque.

“Essa separação do mundo é uma espécie de Sacramento pelo qual a graça da vocação é comunicada ao homem”.

Essa é uma afirmação importantíssima. Assim como a graça batismal nos é comunicada pelo Sacramento do Batismo, ou a graça da absolvição nos é comunicada pelo Sacramento da Penitência, assim também pela separação do mundo nos é comunicada a graça de ser católico. Na medida em que a gente se separa, tem verdadeiro espírito da Igreja; na medida em que a gente se junta ao mundo, o espírito da Igreja vai definhando, vai declinando.

Estar dentro do mundo às vezes é inevitável. Entregar sem reservas seu coração, sua alma, sua amizade a quem não é de Deus, isso é estar unido ao mundo. E isso é perder o espírito católico.

5º) “De onde Nosso Senhor, para significar que vinha chamar os homens à perfeição evangélica, dizia que vinha separar o pai do filho e o filho de sua mãe. Ele ligava a graça dessa perfeição ao espírito de separação”.

Quer dizer, nós não podemos viver nesse acordo, nessa amizade, nesse convívio contínuo, desprevenido, agradável, com quem é do mundo.

“Já não era assim no Antigo Testamento? Deus não escolheu um povo separando-o dos demais?”

E realmente, o povo judaico era o povo separado, era o povo isolado como ninguém, era marcado por todos, mal vistos por todos, lutando contra todos enquanto valeu qualquer coisa. Quando ele foi apostatando, ele foi exatamente se ligando aos estrangeiros e aos pagãos etc. e foi decaindo. A separação desapareceu.

“A vocação do cristão, enquanto procedendo e sendo inspirada por Deus, é uma graça de separação”.

Segundo o Padre Bourdaloue, a vocação do cristão em si é uma graça de separação.

“Logo, a correspondência do homem a essa graça deve consistir na separação”.

A coisa não podia ser mais clara, porque se a gente recebe a graça de se separar, a gente corresponde à graça separando-se. Não tem por onde escapar.

“Porque, como diz São Próspero, cabe ao cristão seguir a graça e não a graça seguir o cristão”.

Não conheço coisa melhor articulada do que isso!

“Portanto, por mais que eu faça, não serei verdadeiramente um cristão enquanto não me separar do mundo”.

“Por mais que eu faça...” orações, novenas, leituras espirituais, sacrifícios etc., se eu não me separar do mundo, eu não serei um verdadeiro católico.

10º) “Não necessariamente do mundo em geral, mas, sobretudo de um certo mundo particular que vós conheceis como um perigo em relação a vós”.

Essa frase eu acho que é cheia de suco! Ela diz tanto… porque é uma coisa imbecil eu me separar de um mundo que não é perigo para mim: se há um mundo do qual eu me deva separar é daquele que me leva para o mal. Então, eu devo perguntar-me onde [está o perigo que] me leva para o mal e daí separar-me. Dois mais dois igual a quatro não é mais simples do que está dito aqui...

11º) “No que consiste essa separação? Separação interior do espírito e do coração; separação exterior, corporal”.

Pode dar-se o caso de uma pessoa estar separada do mundo, mas porque o mundo se afastou dela, e não porque ela se afastou do mundo, e ela, no fundo da alma, ainda acompanha o mundo.

No tempo em que eu era moço, havia uma certa categoria de senhoras que era chamada - eu acho que a expressão se perdeu - “bola preta”. Eram senhoras já idosas – 50, 60 anos ou mais - e que, portanto, já não freqüentavam a sociedade, porque a partir de uma certa idade não cabe mais. Mas, elas estavam a par de tudo quanto era fuxico que acontecia na sociedade; elas ouviam pelos filhos, pelos netos, pelas amigas e constituíam uma espécie de bolsa de informação a respeito da sociedade. Então, umas visitavam as outras e contavam os últimos casamentos, os últimos divórcios, os noivados, as fortunas que se perderam e que se ganharam, as brigas, as intrigas, as amizades, os objetos de luxo que um comprou ou perdeu, e tudo o que acontecia.

E quando havia festas, elas ficavam sentadas em cadeiras ao longo das paredes, olhando a festa e fazendo os pequenos comentários. Mas aquilo corria. Em geral elas eram melhores do que quem dançava, mas causava um certo mal-estar, para quem estava no centro dançando ou qualquer outra coisa, porque estavam se vendo comentados... e argutamente... De onde, naturalmente, revide, e o nome de “bola preta” indica bem a réplica dos examinados em relação ao examinador.

A “bola preta” estava separada do mundo, ou melhor, o mundo havia se separado da “bola preta”, mas a “bola preta” não se separava do mundo.

A gente pode ser da TFP, mas pode ser meio “bola preta”. Por causa da vocação etc. a gente se afastou do mundo, mas conserva um olhar atento e saudoso para as notícias mundanas e se interessa e gosta de qualquer coisa relacionada etc. É ser mundano; é levar o mundo dentro de si.

“A separação corporal exterior é um poderoso meio para ajudar a separação interior profunda”.

Isso é muito bom, porque eu estou vendo gente sofística dizer: “Agora o Bourdaloue disse uma verdade. A gente pode freqüentar o mundo, mas interiormente [há] uma separação”. O sujeito vai se separar do mundo e ele urra... Onde está essa separação interior? São os tais que dizem: “Eu vou pouco à Igreja, mas eu tenho uma piedade...” Vá plantar batata! Seja sério ou ao menos não faça a gente perder tempo.

Outro ponto:

“Separemo-nos do mundo antes que o mundo se separe de nós”.

Bela expressão! Vem de repente uma pessoa ultra-mundana... De repente um infortúnio qualquer, uma doença, uma perda de fortuna, qualquer coisa, e o mundo se separa da pessoa. E separa mesmo! Ainda mais hoje em dia, perdendo a fortuna, perde a situação mesmo. Ganhando fortuna, pode não ganhar situação, mas perdendo fortuna, perde e as relações mudam, o mundo vai embora.

Então, não é melhor nós nos separarmos do mundo antes que o mundo se separe de nós? Tanto mais que nós nos separando do mundo separamo-nos dele para nos unirmos a Nossa Senhora. E Ela jamais se separará de nós; Nossa Senhora nos acompanhará sempre. Ali nós temos o apoio constante, o apoio firme, a união. Firmes, com Nossa Senhora.

Fica então um convite aos senhores para terem isso muito em mente, e podemos encerrar.


Bookmark and Share