Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Natal, três variedades de

 

contemplação

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 21 de dezembro de 1973, Sexta-feira

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A D V E R T Ê N C I A

Transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

(Há uma fita preparada, com música de Natal. Seria o caso de passar?)

Ahh! Ahh!... Vamos ver se desejam... Os que desejam levantem o braço...

Eu faço o comentário antes. O comentário é, evidentemente, uma interpretação do Natal vista pelo alemão. Mas muito bem vista porque o alemão viu o Natal com uma categoria extraordinária.

 

A idéia, para o temperamento... há vários descendentes de alemão aqui, que podem falar a esse respeito com mais autoridade do que eu, mas há uma coisa que não é muito própria ao latino, e que é muito própria ao alemão é conceber as coisas de tal maneira que tudo aquilo que vêem é muito sacral, vem acompanhando de muita calma e de muito recolhimento.

Vamos dizer, por exemplo, se os senhores imaginam um presépio elaborado em certas partes da Itália –  não em qualquer parte da Itália, mas em certas partes da Itália; eu não especifico, fiquemos assim em linhas gerais...  –  um presépio elaborado em certas partes da Itália, os senhores podem imaginar as figuras todas tomando atitudes muito enfáticas. Então, o Menino Jesus deitado na manjedoura, estendendo os braços a Nossa Senhora; Nossa Senhora debruçada sobre o Menino Jesus numa atitude de profunda ternura, mas uma ternura borbulhante, que tende a se manifestar em gestos, que só falta falar. E se o artista conseguir dar a Nossa Senhora e ao Menino Jesus uma impressão por onde alguém diga o seguinte: “só falta falarem!” o artista fica encantado, porque o falar e o se manifestar é o auge da realização da cena.

São José também, que está perto, ao qual cabe naturalmente, no diálogo entre Nossa Senhora e o Menino Jesus um papel mais modesto porque ele apenas é o pai jurídico do Menino Jesus, mas ele não é o verdadeiro pai do Menino, bem, em todo caso, São José também numa atitude que se não falta apenas falar, falta apenas chorar ou sorrir, conforme a interpretação. Mas está todo ele se exprimindo.

Os senhores estão vendo que a idéia é que a emoção religiosa deve exprimir-se por meio de grande vivacidade, e que essa vivacidade como é própria à toda vivacidade, deve exprimir-se, por sua vez, por pensamentos, por palavras, e que esses pensamentos devem ser vivos e que a palavra deve ser enfática, deve ser calorosa.

É exatamente o contrário a concepção alemã da noite de Natal. A noite de Natal, para ser bem sacral, tem que produzir nas almas uma impressão profunda –  isso é conforme à sensação, a impressão de todos os povos tem que ser uma impressão profunda – mas essa impressão profunda, porque é profunda, em certas partes da Itália se entende que deve manifestar-se exteriorizando-se. Mas para a mentalidade alemã, porque é profunda, não deve expandir-se; porque ela fica muito no fundo da alma, ela deve ter uma expressão exterior cujo melhor, é o silêncio, é o recolhimento e a calma.

Enquanto para uns a palavra e o gesto são o auge da expressão, para outros, pelo contrário, o auge da expressão está numa forma de silêncio e de inação, que dão a conhecer profundidades insuspeitadas da alma humana. E que pelo próprio silêncio indicam a impotência da alma para exprimir tudo quanto ela pensa. Indica uma posição da alma menos exclamativa do que meditativa, elocubrante –  eu diria quase filosófica ou teológica –, recolhida. Uma calma que não é, entretanto, uma calma meramente científica, mas é uma calma profundamente enternecida. Uma ternura que indica a posição de alma de um afeto tão grande que prefere calar-se, a falar.

Então, uns tem a eloquência da palavra e do gesto; os outros tem a eloquência do silêncio e do recolhimento. São duas posições diferentes. Muitas vezes as coisas grandiosas para o alemão começam na imparcialidade, na serenidade, “pian, pianinho”, devagar, para acabar na barulheira wagneriana, muitas vezes. Enquanto no temperamento latino de que o italiano é, por alguns aspectos –  ao menos o italiano de certas partes da Itália  –  é a expressão mais caraterística, a coisa começa logo no grande estilo.

Qual das duas coisas é melhor? Eu compreendo que os italianos achem uma coisa, e que os alemães achem outra. Qual seria a posição brasileira perante a coisa? Era de compreender perfeitamente ambas as posições e degustar tão bem uma quanto outra. Essa é bem a posição brasileira e é o que eu sinto em mim. A perfeita compreensão de uma coisa e de outra. Eu, como brasileiro, falaria um pouco menos, e me calaria um pouco menos; ainda mais brasileiro nordestino e tendo, portanto, a loquacidade do nordestino nas minhas veias, eu certamente falaria mais do que o alemão. Eu certamente estaria um pouco aquém do italiano. São variedades regionais com que Deus quer ser adorando por cada povo. Não se trata aqui de escolher. Trata-se aqui de contemplar a beleza das variantes.

Nós temos uma variante alemã –  não sei se existe alguma canção de Natal italiana. As francesas não têm a beleza da alemã. Isso é positivo. Que “les  Noels” franceses são muito bonitos mas não são o “Stille Nacht”, que é, propriamente, a canção de Natal. Mas a nós nos compete apreciar a coisa como ela vai ser apresentada aqui, de uma noite de Natal alemã.

O que o alemão sente na “Noite sagrada”? Ele sente o seguinte: uma grande calma – sobretudo numa cidadezinha pequena da Alemanha, onde foi composta a “Noite de Natal”. Foi composta porque um professor secundário até, que compôs, houve uma encrenca qualquer na paróquia, por onde não puderam compor e cantar a música sacra tradicional. Então pediram ao professorzinho secundário desse lugarzinho, a pedido do vigarinho, compor uma musiquinha para a Noite de Natal. E ele, sem julgar estar compondo uma coisa genial, ele compôs uma canção que ficou a Canção de Natal do mundo. Foi só depois pela expansão que isso teve, é que ficou célebre.

Aí se conserva a casa dele, o interior é visto pelos turistas, eu vi fotografias muito boas, e a gente compreende o “Stille nacht, heilige Nacht” que os senhores vão ouvir daqui a pouquinho – compreende muito bem vendo a fotografia da cidadezinha. Os senhores imaginem uma aldeiazinha na neve, os tetinhos em forma de cone, branquinhos, as casinhas marrons, tudo parecendo feito de pão de mel para a gente comer, uma igrejinha feita de marzipã, era um brinquedo de criança como são as aldeias alemãs. Os senhores imaginem o caminho que conduz para a Igreja, um pouco em zigzag, bordejado de neve de um lado e do outro alguém abriu um caminho por cima da neve e entre a neve; imaginem as casinhas todas acesinhas, com suas janelinhas, com renda e bem cuidadinhas como os alemães fazem; imaginem o sininho que toca em certa hora e as famílias que aparecem todas agasalhadas, parecendo bolotas de lã cada indivíduo, criancinhas e tudo, que vão em fila carregando lanternas porque esses felizardos não tem iluminação pública para irem à igreja.

O que eles sentem, no silêncio da noite, onde nem a neve que cai faz barulho; cai em flocos ligeiros. Um imenso silêncio, recolhido, de uma noite sagrada; onde todo mundo pensa no silêncio que cercava a manjedoura, que cercava a gruta. Noite alta, meia-noite, Nossa Senhora e São José sozinhos no estábulo. São José recolhido, Nossa Senhora num altíssimo êxtase; em determinado momento, não se sabe como, Nossa Senhora e São José ouvem um vagido e o Filho de Deus entrou no mundo, conservando intata a Virgem, antes, durante e depois do parto.

E o maior fato da História até então acontecido, se deu naquela manjedoura. Nossa Senhora olha, pela primeira vez a cara de seu próprio filho, e se enternece, extasiada; adora. São José não sabe o que dizer. Mas tudo é silêncio. Eles não falam entre si, eles não comentam nada, mas mil Anjos têm revoadas insensíveis por lá; sem que se ouça uma nota de música, mil músicas tocam dentro desse silêncio. A união de alma de São José e de Nossa Senhora atinge seu auge em função do Menino que nasceu dEla, mas sobre o qual ele tem um verdadeiro direito de pai. Porque ele, como esposo, tem o direito aos frutos da entranha da esposa. De maneira que sem ser o pai, ele tem o direito. Depois, ele é da casa de Davi e aquele Menino é da Casa de Davi.

Os senhores podem imaginar a primeira vez que o Menino faz um gesto para São José, a adoração de São José e a afabilidade com que Nossa Senhora entrega a ele o Menino Jesus. Exercendo a primeira vez a sua função de Medianeira, entregando o Menino Jesus a uma criatura humana.

Os senhores podem imaginar o que isso, naquele silêncio... silêncio... silencio... interrompido por uma música para pastores. É a música dos Anjos, que no mais alto dos Céus aparecem e comunicam aos pastores que nasceu o Menino Deus.

Os senhores podem imaginar o que pode ser essa música para pastores. Ela tem que ser uma música pastoril, quer dizer, com a tranqüilidade, a candura, a inocência do ambiente pastoril. A gente imagina a luz, os Anjos que aparecem, os pastores inocentes que acordam: que beleza. Depois, segunda pergunta: O que será? Vem a explicação. Eles, então, começam a andar por aquelas extensões ligeiramente onduladas, quentes, daquelas noites brilhantes do Oriente Próximo; as estrelas aparecem num coruscamento quase excessivo para nossa sensibilidade de ocidentais; uma maravilha, um Céu mais de Paraíso do que de céu dessa terra eles que vão andando lentamente até a manjedoura e encontram Nossa Senhora e São José, unidos, adorando o Menino Jesus.

Então, tudo é silêncio, tudo é calma, tudo é harmonia, tudo são Anjos, tudo é estabilidade. A gente tem vontade que essa noite nunca mais acabe, que a gente morra lá e vá para o Céu. Não precisa acontecer mais nada. Não é verdade?

Foi esse estado de espírito, pastoril, angélico, sobrenatural, familiar, íntimo, de uma grande dignidade, de um grande alcance metafísico que a canção quis exprimir. As palavras, eu me lembro apenas do começo, das palavras, eu não sei se a versão portuguesa comum traduz porque não me lembro de ter lido a tradução portuguesa. Eu me lembro apenas das primeiras palavras do hino alemão: “Stille Nacht, heilige Nacht”, noite silenciosa, noite santa. “Alles schlaft, ein sam wacht”,  tudo dorme, só estão acordados. “nur das traute hoch heilige Paar”: o venerável e altamente santo casal está acordado.

Os Srs. estão vendo a noite santa, tranqüila, onde só o venerável e altamente santo casal – a adjetivação é muito alemã – está acordado. Os senhores notarão, no meio da alegria de Natal da música, uma ternura meio lírica. E nessa ternura meio lírica, os senhores notarão uma certa compaixão. Dentro do festivo há uma tristeza, que é a tristeza pelo frio e pela pobreza em que nasce o Menino Jesus. Mas já é mais do que isso: é uma tristeza prevendo a Cruz. Há algo da sombra da Cruz que se projeta sobre a noite de Natal. De onde, então, uma ternura com compaixão que começa para aquele que veio afinal de contas, para ser o Redentor, para sofrer e para morrer. Isso será a interpretação da música que os senhores vão ouvir daqui há pouco.

Não sei se algum dos senhores conhece a letra alemã e pode dar o resto. Ah! é em alemão? Me dá cá.

Bem, do alemão é sempre monótono ouvir uma tradução, ainda mais que do alemão é muito difícil traduzir porque a construção é em ordem inversa. A gente não pode traduzir correndo assim.

Stille Nacht, heilige Nacht; Alles schlaft, ein sam wacht

nur das traute hoch heilige Paar

Holder Knabe im lokkigem Haar  Um Menino com cabelos cacheados

Schlaf in himmlischer Ruh,  dorme numa tranqüilidade celeste.

Os senhores estão vendo que a nota de tranqüilidade está acentuada de todos os modos. Uma tranqüilidade do céu. Não é modorra da terra, do menino preguiçoso. É a tranqüilidade do céu. A gente olha para o céu, nota aquela tranqüilidade em que se movem as estrelas. Ele dorme num repouso celeste.

Stille Nacht, heilige Nacht

Hirten erst kundgemacht;

noite tranqüila, noite santa; pastores, aos quais foi feito o primeiro precônio, o primeiro aviso, pela aleluia dos Anjos

Durch der Engel Halleluia

Tont est laut von fern und nah;  

o aleluia dos Anjos fazse ouvir alto, longe e perto:

Christ, der Retter, ist da!

Christ, der Retter, ist da!

Cristo, o Salvador, está aqui,  cantam os Anjos. O Srs. estão vendo a sensação do Salvador que chegou e do problema que se resolveu. Há muito dessa impressão de um problema que se resolveu, de uma salvação que veio à terra.

 

Stille Nacht, heilige Nacht

Gottes Sohn, o wie lacht 

Lieb aus deinem gottlichen Mund,

Da uns schlagt die rettende Stund,

Christ, in deiner Geburt,

Christ, in deiner Geburt,

Noite silenciosa, noite santa, ó Filho de Deus, que sorriso cheio de amor sai de vossos lábios divinos. Esse sorriso bate para nós as pancadas da hora da salvação. Quer dizer, os lábios se mexem em sorriso como se fosse um relógio que desse o timbre da hora da Salvação. “Ó Cristo, no dia de teu nascimento”.

Estão vendo que é uma canção muito simples, popular, mas de um sentido profundo. Feliz o povo onde a cultura está tão entranhada em tudo que um homenzinho do interior, de repente abre a boca e sai uma coisa dessas dos lábios dele. A cultura não é só ter gênios, mas é estar tão disseminada que florescem coisas dessas inesperadamente, nos vários degraus da sociedade. Aí os senhores, é só ouvirem

(Sr. Celso Luis: O senhor poderia comentar um pouco também a melodia?)

A melodia eu procurei prenunciar desta maneira. Não dei apenas a interpretação das palavras, mas da melodia. A melodia – eu não sei cantar, do contrário eu ia mostrando aos Srs. Mas aqui os Srs. vão ver no ritmo “Stille Nacht, heilige Nacht” os senhores verão um timbre de quem não canta muito alto, porque tem medo de fazer barulheira e quer exprimir todo esse silêncio, todas essas coisas de que falei.

Stille Nacht, heilige Nacht

Alles schlaft, ein sam wacht

nur das traute hoch heilige Paar

Os senhores sentem a compaixão nisso aí? O “nur” como entra com o cuidado de não acordar o Menino, mas com pena do Menino.

 

Stille Nacht, heilige Nacht

Os senhores sentem a calma, a tristeza e a alegria.

Hirten erst kundgemacht; Durch der Engel Halleluia,

Tont est laut von fern und nah;

Christ, der Retter, ist da! Christ, der Retter, ist da!

 

Stille Nacht, heilige Nacht; Gottes Sohn, o wie lacht 

Lieb aus deinem gottlichen Mund, da uns schlagt die rettende Stund,

Christ, in deiner Geburt, Christ, in deiner Geburt.

Os Srs. notam que termina numa nota... uhhh, um silêncio, a gente tem impressão de que puxaram um cobertorzinho e Nossa Senhora e São José continuaram a rezar e está acabado. É a tranqüilidade.

* * *

Tratar-se-ia de perguntar se a sensibilidade borbulhante dos meridionais, sobretudo dos meridionais aquém Atlântico, tem algo a  lucrar com isso. Eu responderia que muito. Os povos muito intuitivos são por demais extrovertidos e, por isso se tornam facilmente agitados. Esta calma convida para o recolhimento, para a interiorização, para perceber a voz da graça dentro da alma; para não estar a toda hora prestando atenção no outro mas prestando atenção em Deus.

É uma magistral lição de vida interior que nos é dada por essa música. E uma interpretação muito boa de todas as graças do Natal. Porque o Natal deve agir assim sobre as almas, quando essas almas não estão condenadas, como tantos em São Paulo, às alegrias semi-carnavalescas da liturgia progressista e à alegria de gás néon e comercial das vitrines das cidades de cimento armado. Está longe da aldeinha de pão de mel, no meio da neve da qual eu falava há pouco, que já é outra coisa.

E com isso está feito o Santo do Dia, meus caros.

Eu pergunto se a interpretação que eu dei foi possível acompanhar na música, ou não? Então, adoremos ao Menino Jesus por meio de Nossa Senhora.

(Aparte: pergunta sobre o miserabilismo e o Natal).

O miserabilismo se apresenta, à primeira vista, como sendo um empobrecimento, como uma sordificação, um caminho para o esmolambado, para o escangalhado, para o descomposto. O Natal nos apresenta ante a pobreza. Mas que pobreza diferente: sumamente composta, sumamente limpa, sumamente bem arranjada; uma pobreza que dava à gruta de Belém a majestade que nenhum palácio tem. O senso do maravilhoso, do divino, do sobrenatural mais do que presente, é palpável no Natal, enquanto o miserabilismo é a entrada do demônio com a desordem, o caos, a sordície, a feiura do inferno, o bafo do inferno. Aqui é o rocio, o orvalho do Céu. 


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