Plinio Corrêa de Oliveira

 

Castelo de Schönbrunn: distinção do Ancien Régime

e a modelagem do homem,

a maior obra de arte na Terra

 

 

"Santo do Dia" de 10 de fevereiro de 1973

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, e não foi revisto pelo autor. A conferência foi baseada em uma projeção de slides de diferentes salas do castelo. Como, infelizmente, não conseguimos localizar esse slides procuramos fotos de salas do palácio que mais se aproximam aos comentários. Não podemos, no entanto, garantir que sejam exatamente as comentadas, ou ainda o angulo da foto seja o mesmo que serviu de base aos comentários.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

   

Castelo de Schönbrunn - A Grande Galeria

Fig. 1 - A Grande Galeria

Vamos ver Schönbrunn, o palácio dos imperadores da Áustria, o Versailles austríaco.

Não se pode dizer que seja feia essa sala, não é (Fig. 1)? Schönbrunn era o Versailles dos imperadores da Áustria. Os senhores percebem aqui o esplendor do estilo do Ancien Régime. É uma galeria que, evidentemente, colhe alguma inspiração na famosa Galeria dos Espelhos do castelo de Versailles. É uma longa galeria que tem, frente a frente, janelas e espelhos para multiplicação da luz. E o teto, aí sim, está verdadeiramente pintado, com quadros de grandes pintores (Fig. 2), representando, provavelmente, cenas mitológicas, que eram a fraqueza da época. Mas com coloridos muito bonitos e com jogos e distribuições de personagens muito bonitos. Os senhores notam os lustres, delicados, de bronze. Os de Versailles são incomparavelmente mais bonitos porque são mais leves. A meu ver esse lustre é meio pesadão. Mas, enfim, isso tem sua solenidade, sua dignidade. Então, até aqui um lustre, outro lustre, e os senhores notam depois o caráter festivo da galeria, que é dado pela mistura de duas cores extremamente luminosas: o dourado e o branco. As luzes também são distribuídas por essas arandelas. De maneira que de dia a galeria é muito luminosa; à noite ela resplandece com mil fogos; arandelas de um lado e de outro.

Castelo de Schönbrunn - A Grande Galeira - Afresco central, por Gregorio Guglielmi

Fig. 2 - A Grande Galeria - Afresco central, por Gregorio Guglielmi

O que se fazia nessa galeria? Não era apenas uma passagem. Ela era também o que se poderia chamar uma sala de passos perdidos. Quer dizer, pessoas da Corte que tivessem que tratar um assunto, sobretudo no inverno europeu, muito frio, andando de um lado para outro, podiam andar nessa galeria de um lado para outro, à vontade, comodamente, confortavelmente. Então se via grande número de pessoas, uma espécie de ponto de encontro, conversando, sentando-se sobre banquetas, que os senhores estão notando ao longo de toda a galeria, para repousarem. No fundo os senhores notam um busto de mármore sobre uma coluna.

Mas também se faziam nessas galerias, aqui e em Versailles, festas esplêndidas! Davam-se bailes (Fig. 3) com minuetos. Às vezes eram recepções com embaixadores.  Os senhores podem imaginar nessa galeria, por exemplo, na parte onde os senhores vêem ao fundo aquele busto, os senhores podem imaginar um pano, um tecido riquíssimo, pendurado e junto ao tecido o trono do Imperador e da Imperatriz.

Fig. 3 - Emperor Franz Joseph at a Ball in Vienna

Wilhelm Gause (1853-1916);  Museum der Stadt, Vienna

E ao lado, as pessoas do corpo diplomático, os ministros, os altos dignatários de Estado, a nobreza, as pessoas da alta sociedade de Viena, colocados em fileira, de um lado e de outro. Por exemplo, a cena da apresentação ao Imperador e à Imperatriz. Por aí os senhores vêem quanto requinte exigia a vida de Corte naquele tempo, e que sacrifício era a vida de Corte.

Se aqui as coisas se passavam como na galeria dos Espelhos de Versailles – eu não conheço tão bem o que se passava aqui quanto conheço Versailles – os senhores devem imaginar no fundo o trono do Imperador e da Imperatriz e, no lado oposto da galeria – portanto, uma porta pela qual saímos dando as costas – entrarem as jovens que iam ser apresentadas, ou as senhoras que iam ser apresentadas ao Imperador e à Imperatriz. Ou eram pessoas de fora que se apresentavam para visita, ou eram moças que estavam entrando na sociedade, ou eram então casais novos. A moça acabava de se casar, e embora já fosse apresentada, se apresentava mais uma vez na condição de esposa de Fulano. Era preciso entrar amável e risonha no fundo da sala, inteiramente sozinha, até o Imperador e a Imperatriz, e fazer três reverências, que poderiam ser no começo da galeria, no meio da galeria e no fim. Os senhores podem imaginar que a nossa candidata, se tivesse feito uma reverência aqui, faria outra reverência ali e outra reverência ali. E todas as vezes a reverência tinha que ser feita muito profunda, mas com muita dignidade (Fig. 4).

Fig. 4 - Cerimônia de apresentação na corte Inglesa

Quer dizer, pela genuflexão – era quase uma genuflexão – a candidata tinha que quase encostar o joelho no chão. Mas, de outro lado, o busto tinha que estar inteiramente ereto e a cabeça alta, para indicar a dignidade da pessoa. O movimento tinha que ser muito natural e não denotar esforço, porque ficaria horroroso: pareceriam três acrobacias! Os senhores podem imaginar que quando a pessoa chegava aqui, feita a reverência ao Imperador e à Imperatriz, estava aliviada. Não! O mais difícil ia começar que era retirar-se de costas, fazendo as três reverências de novo. Agora, andar de costas com graça e elegância é uma verdadeira obra-prima! Sobretudo para aquelas senhoras que tinham aqueles vestidos com caudas arrastando no chão. E que facilmente podia um pé enroscar-se no vestido, e um tombo era a degringolada para a vida inteira. Era melhor não falar mais a respeito da questão.

Os senhores dirão: "Mas o que significa isso? Qual é o valor disso?” A idéia que tinham os antigos é que a maior obra de arte que existe na Terra não são os bustos, não são os quadros, não são os prédios: são os homens. E que é muito mais importante modelar homens e mulheres de uma grande categoria, do que estátuas. O que é uma grande verdade. E quando em uma sociedade, as senhoras são capazes de executar obras-primas dessa natureza, isso não fica só na reverência. É todo o modo de ser delas, de falar, de conversar, de influenciar, de irradiar em torno de si a vida social, que é marcada por essa alta distinção. Uma pessoa não pode, por exemplo, saber fazer essas reverências, mas comer mal à mesa; ou de repente dar uma gargalhada espalhafatosa, segurando os quadris. Não é possível! Ou espirrar de um modo deselegante. Para se saber fazer essas reverências, é preciso ter uma vida inteira de elegância. É, portanto, uma forma para elevar a um alto grau a elegância social.

Os senhores me dirão: “Está bem. Mas o que é que adianta essa [demonstração] de elegância, concentrada numa pequena elite que vem aqui fazer reverências, enquanto a massa do povo, embrutecida, bla, bla, bla, bla”.

Não é verdade. Sempre acontece que quando a alta sociedade é muito elegante, a massa do povo se eleva. É uma coisa muito bonita a gente considerar os quadros de pintores populares, representando empregadas, cocheiros, trabalhadores manuais desse tempo. São tão distintos que superam facilmente qualquer "sapo" (***) de hoje. Mas facilmente! Eu me lembro de ter lido no Gens de la vieille France, um observador inglês passando por Paris, que conta a educação do povo francês. Ruas estreitas, muitos carros puxados a cavalo. De vez em quando um cavalo disparava e de uma carruagem que vinha em sentido contrário os varais se metiam uns nos outros, e saía o que nós chamaríamos uma trombada. Ele conta que os dois cocheiros desciam e que cada um, de pé, tirava o chapéu para o outro. Depois, diziam um para o outro: “Monsieur, estou desolado de ter criado essa circunstância”. – “Não, a culpa foi minha”. – “Não, foi minha”. – “Está bem. Agora, então, vamos combinar um modo de afastar os cavalos e continuar o caminho”. Por que havia cocheiros cuja polidez extasiava os visitantes ingleses? Porque havia gente que na Corte fazia as três reverências. Precisamente a Áustria era um país assim também. País da alta educação das classes populares, da bonomia, da gentileza, da amabilidade, da alegria popular. Era uma fascinação pela terra inteira. Isso, portanto, era um ponto de irradiação de bem viver. E essa sala era uma sala de modelagem do bem viver. Podemos girar.

Castelo de Schönbrunn - Salão Azul Chinês

Fig. 5 - Salão Azul Chinês

Está com jeito de ser a sala do trono. Tem algum dizer? É um salão de estar (Fig. 5). Os senhores estão vendo um salão alto, de proporções nobres, com um lindo lustre de cristal, a meu ver mais bonito do que o anterior; as paredes todas forradas com um tecido belíssimo e uma coleção de quadros alternados: um quadro retangular e outro redondo, formando uma galeria com certeza com recordações de personagens etc. Aqui, um grande espelho; depois, os senhores notam poltronas com seda adamascada, um jarro chinês, uma cômoda, tapetes. É uma sala de estar. É uma "chinoiserie", coisas chinesas muito bonitas, que se utilizavam com coisas do Ancien Régime, promiscuamente. Essa cortina, com todo panejamento etc., dá impressão de ser uma cortina posterior, já do século XIX. Alguma coisa no todo da sala tem um certo ar do século XIX.

Castelo de Schönbrunn - Salão Gobelin

Fig. 6 - Salão Gobelin

Essa é muito mais Ancien Régime (Fig. 6). Vê-se aí tapeçarias magníficas suspensas à parede, representando cenas mitológicas, ou históricas, qualquer coisa, em geral copiadas de desenhos de grandes artistas. Rubens, Van Dick, e outros grandes artistas antigos. Notem no fundo uma peça que era um aquecedor de porcelana. Mas vejam que chauffage magnífico! É uma verdadeira obra prima de faiance! E foi feito um nicho especial para [ele]. Os senhores vêem as cadeiras, todas também com tapeçarias douradas, em estilo rococó, quer dizer, com as pernas meio inflectidas. É um estilo que me parece meio Regência, da transição, meio Luís XV. É um pouco italianado. Com um parquet, perto do qual o nosso da [Sede da rua] Maranhão (*) se eclipsa e desaparece. Vira cimento. Um parquet resplandecente! Cada cadeira é una, nada copiado. Aqui é veludo, podia dar para deslumbrar o Floriano. Aí os senhores têm a nota aristocrática, elegante, final, nobre, das coisas do Ancien Régime.

 

Castelo de Schönbrunn - Salão Vieux-Laque

Fig. 7 - Salão Vieux-Laque

Não há muito o que dizer. Eu compreendo que um espírito um pouco calvinista (**) fosse reticente em relação a isso (Fig. 7). Porque são tantas formas, e formas tão dentadas e, à 1ª vista, tão fantasiosas, tão caprichosas, e é tanto ouro, é tanto desenho, é tanto esplendor, que eu compreendo que um espírito calvinista realmente tivesse o que objetar. Na realidade, os senhores notam que nesta grande movimentação há uma ordem. Aqui, por exemplo, os senhores têm uma cômoda, sobre esta cômoda há uma espécie de fundo ornamental, que pareceria quase um nicho. E depois os senhores notam aqui, sob um fundo de madeira, aplicações pintadas. Essas aplicações têm toda uma ornamentação central em torno dessa espécie de nicho, e depois têm três painéis. Os senhores notam que de alto a baixo formam três fileiras, sendo que essa fileira central chega até mais alto, e os quadros são mais cheios; flanqueada pelas duas fileiras laterais, em que tudo é mais esguio; formando, portanto, uma verdadeira simetria dentro da aparente assimetria e do aparente fantasia-capricho da coisa. De outro lado, os senhores notam aqui três, três e três. Os senhores percebem, portanto, que um rigoroso cuidado de ordem, de simetria, presidiu a esse arranjo. Eu não consigo ver bem quais são os motivos que tem aí dentro. Aqui, por exemplo, é um templo. Aqui é uma paisagem. Devem ser mitológicos. Devem ser coisas desse gênero.

Castelo de Schönbrunn - Sala da Imperatriz Sissi

Fig. 8 - Sala da Imperatriz Sissi

Aqui, um busto (Fig. 8). Eu chamo a atenção dos senhores para a posição da cabeça desse busto. Os senhores notam a altivez dessa cabeça? Ao mesmo tempo, a naturalidade dessa cabeça? Como é distinto o busto? Como é que se conseguia isso? As mocinhas da nobreza passavam horas, e horas e horas carregando pesos sobre a cabeça. Porque quando carrega peso, a cabeça se levanta. Tira-se o peso, a cabeça continua na atitude ereta. Eram os mil sacrifícios que a classe alta fazia para brilhar e para, com isso, elevar todo o corpo social. Isso tem muito mais sentido social das coisas do que um "sapo" que se apresenta de pijama, sandália e com os artelhos de fora. Porque aquilo não tem esforço nenhum. É só mostrar o seu comodismo inteiramente largado e deixado. Aqui, não. Chega-se a essa posição pelo caminho de mil sacrifícios. E, realmente, a vida da criança fina era dura e sacrificada. Porque, do contrário, nem podia estar nesse convívio. Os senhores imaginem um "sapo" sentado nessa mobília dourada. A mobília o expulsaria. Haveria, não digo um terremoto, mas um mobiliomoto por onde ele seria ejetado com indignação. O busto falaria e diria: “Monsieur, de que estrebaria o senhor saiu?”

Vamos continuar. Parece, mas eu não chego a garantir. Eu não garanto que não fosse Maria Teresa em rigor. Maria Teresa meio moça ainda.

(Pergunta: o senhor poderia comentar essas poltronas, o que denotam?)

Eu creio que a geração nova deve ter alguma estranheza com as poltronas. Porque elas são espaldar alto e têm as pernas muito baixas e, além disso, muito trabalhadas. Mas isso era um artifício usado para realçar a majestade do móvel. Por exemplo, no “Moisés”, de Michelangelo, que representa uma figura sentada – eu, aliás, não sou grande admirador do “Moisés” de Michelangelo – mas, enfim, como passa por uma grande obra de arte de todos os tempos, vamos comentá-la: no Moisés, de Michelangelo, os especialistas dizem que para aumentar a majestade do busto, ele diminuiu extraordinariamente o tamanho das pernas. De maneira que a gente não nota, porque a figura está sentada. Mas se levantasse, a figura ficaria desproporcionada. A poltrona obedece à mesma idéia: o espaldar alto e as pernas pequenas obedecem à idéia de realçar o caráter de trono da poltrona. E o senhor percebe bem isso vendo a cadeira de frente; porque esses móveis são feitos para serem vistos de frente. Os senhores vêem nessa cadeira que majestade tem a poltrona, e que majestade ela exige de quem se sente nela! Porque não é qualquer um que se senta nessa poltrona. Isso os senhores têm como líquido.

Quanto às linhas extremamente curvas, elas representam uma reação contra as linhas muito retas e muito severas do reinado de Luís XIV. São linhas, se os senhores quiserem, um pouco intemperantemente curvas. Mas esses são móveis de inspiração italiana, que não são postos para lugares como esses. Não é como o italiano coloca esse tipo de móvel. Esses móveis são colocados, como o italiano punha, em salas majestosas, mas muito mais simples, em que, por exemplo, uma cadeira dessas é vista numa galeria enorme, apenas três cadeiras dessas; e o resto só mármore. De maneira que então esse excesso de formas não chama atenção. Pelo contrário, se dissolve bem na simplicidade enorme do conjunto, do contexto decorativo. Aqui, talvez, seja um pouco sobrecarregado. Essa é minha impressão. Eu compreendo que se possa discordar isso.

Toda intemperança – há um pouco de intemperança nisso – toda intemperança conduz à Revolução. Abandonaram a severidade das linhas de Luís XIV e isso representou, no momento, uma espécie de explosão de alívio pelo desaparecimento do Rei Sol; que era filho de uma espanhola e tinha introduzido na Corte da França um pouco do tom solene, compassado e sério, que Felipe II tinha sabido levar ao auge na Corte da Espanha. E como a França dava o tom em todas as modas, isso se passou para a Europa. E deu numa reação oposta, um tanto exagerada. Essa reação oposta ia dar na frivolidade e a frivolidade ia dar no desbragamento. Os senhores notem bem que segundo o nosso conceito, isso já é o reino da Revolução (Referência ao conceito da Revolução nas tendências. Ver RCR, Cap. V: As três profundidades da Revolução: nas tendências, nas idéias, nos fatos).

 

Castelo de Schönbrunn - Sala da Varanda

Fig. 9 - Sala da Varanda

Aqui os senhores vêem uma sala numa concepção completamente diferente. Já é muito mais sóbria (Fig. 9). Ela é, provavelmente, toda ela de laca branca. Aqui os senhores têm a lareira, um grande espelho, quadros longos de uma forma um pouco inusitada, formando um conjunto: um quadro pequeno, um quadro grande, depois um quadro pequeno. É tema japonês? Eu não chego a ver bem. Ao lado, aqui embaixo, os senhores vêem uma mesinha, que é posterior àquela mobília que os senhores viram. Então, muito simplificada, e dotada do que os franceses chamam une sveltesse (légèreté, finesse, délicatesse) extraordinária. Em português seria esbeltez. Não sei como se diz isso em castelhano. Aliás, eu me enganei: aqui não é lareira, aqui é um quadro também. São cômodas, tudo branco e dourado também, mas de linhas muito mais simples. Porque depois de toda aquela extraordinária febricitação de formas que os senhores viram, entrou-se de novo numa reação para a sobriedade. Mas uma sobriedade sem o sério de Luís XIV. Uma sobriedade que dá mais para o frívolo, e que já caminha para o tempo de Maria Antonieta e de Luís XVI. As modas e o mobiliário de Maria Antonieta e Luís XVI ainda têm uma extraordinária distinção. Essa sala tem uma extraordinária distinção. Mas não tem a grande majestade solar do tempo de Luís XIV. A decadência está presente (a figura foi escolhida por aproximação, pois não se chegou a identificar inteiramente a sala nas fotos disponíveis).

[inaudível]

Para ver isso aí através da 4ª Via, seria preciso o senhor – eu vou dar muito resumidamente –  notar que as impressões preponderantes que a sala inspira – em quem está dentro dela – são: de leveza, de distinção e de alegria. Essa sala convida, evidentemente, à alegria. Mas é uma alegria muito distinta. Não é, nem um pouco, a alegria de um botequim, ou a alegria de um circo de cavalinhos. É uma alegria muito nobre. Essa alegria nobre insinua, mais ou menos, a idéia – do modo pelo qual ela está – de que a vida não é senão uma série de prazeres; e que manter a distinção e a nobreza não é um sacrifício, como eu apresentava há pouco, mas algo como uma humanidade meio concebida sem pecado original. E para a qual tudo é prazer, tudo é alegria, tudo é estar à vontade, tudo é despreocupação. Essa sala explica um pouco aos senhores como aqueles fidalgos puderam ver chegar a Revolução Francesa tão despreocupados. É uma sala que convida à despreocupação…

Nela tudo é ruim? Eu não chegaria tão longe. Ela tem elementos positivos indiscutíveis. Por exemplo, é uma sala casta. É uma sala que, de nenhum modo, convida à impureza. Pelo contrário, há muita pureza nela. Ela é uma sala muito lógica e muito racional em todo o seu arranjo. Os senhores notem que isso é igual a isso. Que esses painéis vão se repetindo ao longo de toda a sala com o mesmo método. Os senhores notam aqui a proporção que há entre esse pequeno quadro, esse grande e esse pequeno. Como tudo está bem calculado. Quer dizer, há muita lógica, há muita pureza, há uma espécie de alegria cândida, de uma alegria pura, de um desanuviamento completo; que visto debaixo desse lado, pode nos dar um pouco a idéia da despreocupação celeste; um pouco a idéia de uma estadia, de uma mansão eterna, aonde o homem goza de uma despreocupação inteira. As lutas passaram, a virtude já não pesa, tudo é, portanto, leve para o homem, e ele se delicia em ver algums aspectos mimosos da Criação, que indiscutivelmente Deus criou e, portanto, tem seu fundamento na própria essência divina. Isso seria do ponto de vista da 4ª Via. Vamos adiante.

Castelo de Schömbrunn -  Sala Rosa ( Grande )

Fig. 10 - Sala Rosa (Grande)

Aí os senhores estão vendo que se encaminha para a sobriedade, que já vai para o século XIX (Fig. 10). Tem influência do século XIX. Ainda Ancien Régime, mas é o fim. A mobília, não. Mas o estilo da sala. A mobília ainda é daquele estilo, daquela mobília meio rococó, embora muito mais lisa, mas todo o estilo da sala – em vez de mil painéis muito trabalhados – painéis grandes, apenas com algumas guirlandas, o ouro muito mais abundante: dois quadros, - aliás, muito bonitos, - mas só dois quadros grandes; não é aquela multidão de quadros pequenos. Aqui os senhores vêem uma figura que mais pode ser uma pessoa do começo do século XIX, do que do século XVIII; numa linda moldura inspirada no estilo da sala. A mesma simetria os senhores notam em tudo. Os senhores vêem aqui o quadro menor, ladeado por dois quadros grandes, posto dentro de um enquadramento também dividido ao meio por um enfeite; dois florões iguais e os ornatos que descem de um lado e de outro, iguais, com girândolas iguais de parte a parte. Esse quadro paira, se quiserem, sobre uma mesa pequena, um console, tendo em cima um objeto qualquer, um grupo de bronze muito rico, muito trabalhado. De outro lado, esse quadro e esse, simétricos em relação a esse.

Agora, este e este têm uma relação com a porta. Este, entre essas duas portas, faz a perfeita simetria e a linha demarcação é posta, é insinuada por este enfeite, depois por este busto, depois por essa cadeira. É uma linha que divide em duas partes inteiramente iguais este fundo; que é o fundo que a fotografia mais põe em evidência. Depois, duas portas que são exatamente a mesma distância desse ponto terminal. As portas têm em cima uma parte que é constituída de duas guirlandas, mais uma vez ao meio, com um florão; do outro lado, a mesma coisa. A idéia de linha de meio é acentuada por esse ornato, e quando a porta está fechada, os dois batentes e unem exatamente no meio dessa linha e vêm bater no chão. De maneira que é tudo muito simétrico, muito lógico, muito preciso, de acordo com a formação clássica, inerente ao Ancien Régime .

Então, meus caros, vamos rezar.

 


(*) Outrora sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, à Rua Maranhão, n.° 341, São Paulo, e atual sede do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, solenemente inaugurada em 25 de dezembro de 1970: "Essa sede é consagrada ao Reino de Maria, sendo denominada, na linguagem corrente da TFP, Sede do Reino de Maria. Com isso, os sócios e cooperadores da entidade querem manifestar o seu ardente desejo da plena restauração da civilização cristã em nossos dias, conforme a promessa de Nossa Senhora nas aparições de Fátima: 'Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará'. O Reino de Maria – segundo explanam vários santos insignes, especialmente São Luís Maria Grignion de Montfort – é a plena vigência dos princípios do Evangelho na sociedade humana, espiritual e temporal" (cfr. "Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira", Capítulo V, 30 - Inauguração da atual sede do Conselho Nacional da TFP)

Para uma visita virtual à Sede do Reino de Maria, clicar aqui.

 

(**) Espírito calvinista: ranzinzo, azedo, de uma austeridade exacerbada que exclui toda manifestação da sensibilidade. Por analogia ao moralismo desequilibrado e falso dos calvinistas protestantes. Sobre a austeridade protestante, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira comentou, em seu livro "Revolução e Contra-Revolução": "(...) Penetrando em certos ambiente, a Revolução encontrou muito vivaz o amor à austeridade. Assim, formou-se um “coágulo”. E, se bem que ela aí tenha conseguido em matéria de orgulho todos os triunfos, não alcançou êxitos iguais em matéria de sensualidade. Em tais ambientes, goza-se a vida por meio dos discretos deleites do orgulho, e não pelas grosseiras delícias da carne. Pode até ser que a austeridade, acalentada pelo orgulho exacerbado, tenha reagido exageradamente contra a sensualidade. Mas essa reação, por mais obstinada que seja, é estéril: cedo ou tarde, por inanição ou pela violência, será destroçada pela Revolução. Pois não é de um puritanismo hirto, frio, mumificado, que pode partir o sopro de vida que regenerará a terra." (RCR, Parte I, Cap. VI, V, C: A austeridade protestante).

 

(***) Para uma explicação do sentido dado pelo Prof. Plinio ao termo "sapo" aqui usado, ver o artigo A bomba, a estrela e o sapo, publicado na "Folha de S. Paulo", 25 de junho de 1969.