Plinio Corrêa de Oliveira
Aparição de São Miguel Arcanjo
no Monte Gargano
Santo do Dia, 29 de janeiro de 1973 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959.
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Estátua de São Miguel Arcanjo, no Santuário a ele dedicado (Monte Gargano, Itália). Lá teve lugar a mais antiga aparição do Príncipe da Milícia celeste no Ocidente (séc. V)
Os mortos, se deixam saudades, deixam também muitas vezes belíssimos exemplos. O professor Fernando Furquim me obteve uma belíssima citação para o “Santo do Dia”. Trata-se de um trecho de Emile Male – um historiador muito conhecido sobre a Idade Média –, de seu livro “L´Art Religieux du XIIème siècle en France”: “Os peregrinos da Terra Santa não passavam todos por Roma. Não abandonando a Via Emilia, em Forlì, para escalar os Apeninos, muitos continuavam viagem por Rimini, Pesaro, Ancona, e seguiam até Brindisi pelo antigo caminho romano que se estendia ao longo do mar. Raramente deixavam de desviar um pouco para visitarem o famoso santuário de São Miguel, no Monte Gargano. Em Sipotum, mais tarde chamado Manfredônia, tomavam um rude atalho e subiam até o alto da montanha, atravessando a grande floresta cantada por Horácio. Lá surgia diante deles a misteriosa Gruta do Arcanjo. E, na entrada, podiam ler essa inscrição: Terribilis est locus iste – Este lugar é terrível. Uma escadaria, descendo nas trevas, os conduzia até o fundo da gruta sagrada, até o Santo dos Santos, onde, sobre a pedra, aparecia, à luz dos círios, os vestígios dos pés do Arcanjo.” “Dizia-se, com efeito, que em 490 São Miguel se tinha manifestado neste alto local. Espantara, por um prodígio, alguns pastores que procuravam um touro perdido; depois revelara, ao bispo de Avranches que desejava ser honrado neste lugar. Com efeito, encontrou-se na gruta um altar consagrado pelo próprio Arcanjo.” “Não se poderia imaginar nada de mais poético do que essa gruta sombria, nesse cume selvagem, no seio das florestas que descem para o mar. Aos peregrinos, como aos monges da Idade Média, eram necessárias paisagens grandiosas. O espírito de Deus, para eles, parecia pairar nos altos e descobrir vastos horizontes.” “Desde o século VII, a Gruta do Monte Gargano se tornou um dos lugares de peregrinação dos mais célebres da Itália. Os reis lombardos, que possuíam um famoso santuário no ducado de Benevento, tiveram um culto particular por São Miguel: colocaram sua imagem nas moedas e nos estandartes, e construíram igrejas em seu louvor em Pavia e Luca; honravam São Miguel, o Anjo dos Combates, o Soldado de Deus.” “Os imperadores do Sacro Império herdaram esse culto; quando desciam para a Itália, não deixavam de ir ao Monte Gargano. Oton III (980-1002) foi lá expiar a morte de Crescêncio. Henrique II (973 ou 979 – 1024), nele teve uma visão: pareceu-lhe que as paredes da gruta desapareciam e que via São Miguel à frente de um exército de Anjos; um dos Anjos se aproximou dele e lhe tocou o quadril, como fizeram outrora com Jacó. Tudo então desapareceu, mas o imperador viu que não tinha sonhado, porque conservou toda a vida a marca do dedo do Anjo.”
Os senhores vêem uma poesia extraordinária em todos esses acontecimentos! Tudo aí nos evoca cenas de fé de uma beleza enorme! Em primeiro lugar, as longas filas dos peregrinos se dirigindo ou a Roma ou, por outras vias, à Terra Santa. Alguns iam ver o que eles chamavam Dominus Apostolicus, que era o Santo Padre, o sucessor máximo dos Apóstolos, para depois seguirem até à Terra Santa. Outros, pelo contrário, desciam, tomavam um caminho diverso e passavam então, uns e outros, pelo Monte Gargano, fazendo um certo desvio. O que é o Gargano? Trata-se de um isolado maciço de montanhas com vários picos que formam a espinha dorsal do Promontório de Gargano que se adentra no Mar Adriático. Em uma dessas montanhas há uma gruta onde São Miguel Arcanjo aparecera a pastores e marcara – de modo a dar idéia de pés, para indicar a sua presença no local – uma pedra que havia em seu interior, e com um altar ereto em honra dele. Ali também apareceu ao bispo e indicou que queria ser venerado naquele lugar com um culto especial. Ali ficou um local perfumado pela presença de São Miguel. Local misterioso. Os senhores estão vendo que era preciso subir muito, mas que, quando se chegava ao alto, no orifício da gruta, a gruta baixava e era preciso descer nas trevas. E lá embaixo, no fundo da gruta, havia a pedra magnífica onde o máximo guerreiro das batalhas de Deus tinha colocado como quê o sinal da planta de seus pés sagrados. Os senhores estão vendo que, a este local de peregrinações, se dirigiram personagens ilustres, inclusive os imperadores do Sacro Império Romano Alemão. Nosso espírito se compraz em imaginar a encosta do Monte Gargano, e todo o cortejo de um imperador que sobe. Podemos imaginar o imperador a cavalo. Um homem de uns trinta, quarenta anos, forte, poderoso, precedido e seguido de todo o séqüito, que subia rezando, a pé ou a cavalo, as encostas da montanha, precedido de soldados que tocavam trombetas, que faziam sentir a presença de tão alto potentado. Os senhores podem imaginá-los ajoelhando-se à entrada do monte e rezando para o Arcanjo. Depois, acendendo tochas, e a gruta silenciosa que se enchia de repente de luz. Descia o cortejo cantando, entravam sacerdotes, talvez bispos até. Formava-se em torno do lugar um círculo sagrado, e um sacerdote ou um Prelado celebrava a Santa Missa lá, e distribuía a sagrada Comunhão, diante de todos recolhidos e rezando ao Arcanjo.
Oton III, Imperador do Sacro Império Romano Alemão
Os senhores estão vendo que um desses imperadores ia numa triste missão: era um imperador penitente. Ele tinha morto a um tal Crescêncio, e queria expiar o crime cometido, realizando essa peregrinação rude, trabalhosa, pois as peregrinações naquele tempo de estradas mal feitas e inseguras, eram uma verdadeira luta. Quão diferente isso é de nossa época! Um dignitário de Estado – o mais alto dignitário do poder temporal – comete um crime. Ele reconhece sua iniqüidade e não tem essa falsa vergonha de não expiar o crime cometido, para não se perceber que o imperador cometeu uma falta tão grave. Pelo contrário, reconhece seu crime com a humildade do homem arrependido: “Eu cometi esse crime, mas vou expiá-lo. Quereis ir comigo em peregrinação?” Então se associam muitos que vão juntos com o imperador para protegê-lo, para lhe tornar mais fácil a viagem; para, também, junto com ele pagar o pecado cometido. Porque o pecado do rei se espalha sobre o povo – não a culpa, mas a pena –, como o pecado do chefe de família se espalha sobre a família. Como, por uma ação reflexa, os pecados dos povos se descarregam, às vezes, sobre os reis. Os senhores considerem um imperador penitente que entra naquele santo lugar, ajoelha-se, humilha-se, pede longamente perdão até que o Arcanjo, misteriosamente, adeja dentro da gruta e faz sentir de algum modo ao imperador que ele foi perdoado. Então aquele homem se levanta reabilitado, se levanta alegre. É o perdão para si, é o perdão para o Sacro Império Romano de língua germânica! Descem todos a encosta, já não com canções de penitência, mas entoando hinos de júbilo. E depois, novamente, se estabelece o silêncio por aqueles matagais sagrados que vão até o mar. Ouve-se apenas, de vez em quando, o sinal dos pastores recolhendo o gado, ou um sinozinho que toca chamando uma ou outra família de fiéis que estão ali para a oração. Novamente, grande silêncio. Desses silêncios que Deus ama, desses silêncios que atraem os Anjos e que fazem com que as graças vão caindo em abundância sobre os lugares e vão se acumulando...
Henrique II, Imperador do Sacro Império Romano Alemão
Passa-se o tempo. É outro imperador que vem. Porém esse já não vem para expiar, mas para rezar. Uma vez mais a cena se repete: a encosta da montanha se enche de gente, o cortejo penetra, a Santa Missa que é celebrada. Desta feita, tudo é festivo. E o imperador é objeto de uma graça extraordinária: ele tem a impressão de que a gruta desapareceu, que desapareceu a montanha. Uma luz extraordinária, como não podemos imaginar, enche toda a gruta e o Arcanjo lhe aparece com uma multidão de Anjos... Os senhores podem imaginar que cena pode ser a aparição de um Arcanjo – e logo o Príncipe dos exércitos de Deus! – cercado de uma multidão de Anjos. Certa ocasião, quando um Anjo da Guarda apareceu, se não me equivoco a Santa Madalena de Pazzi, ela se ajoelhou pensando que fosse Deus. Ora, os Anjos da Guarda são os Anjos de menor categoria que há, segundo ensina São Tomás. Logo, podemos imaginar bem o Arcanjo São Miguel, que está no píncaro dos Arcanjos, como é um Anjo brilhante e luminoso! E a multidão de Anjos que apareceu com ele, como deveria ser! O imperador fica extasiado!... Os Anjos vão se retirando. E talvez ele tenha tentado segurar algum, mas sente a marca de fogo de um Anjo que amorosamente lhe toca no quadril, como no episódio bíblico aqui mencionado. E lhe fica um sinal. O sinal era para a vida inteira lhe deixar uma provar de que não fora uma ilusão, mas que realmente fora agraciado vendo, na Terra ainda, São Miguel e uma multidão de Anjos de Deus. Quase que se poderia dizer que essa marca do fogo, no final, era o melhor do dom, pois era como que uma chave que encerrava todos os tesouros num cofre: o cofre da certeza! Para todo o sempre, ele teria certeza do que lhe tinha acontecido. Uma verdadeira maravilha, portanto. Os senhores compreendem que beleza simbólica desse duplo encontro! São Miguel Arcanjo – de algum modo – está para Deus, como o Imperador do Sacro Império está para o Papa. O Imperador do Sacro Império Romano era o braço direito do Papa para a esfera temporal e que supõe o emprego da força. São Miguel Arcanjo é o executor dos decretos de Deus nos assuntos que dizem respeito à força... Um era a imagem do outro. Os senhores podem imaginar que beleza esses dois “sacro imperadores” que se encontram para celebrar as grandezas de Deus. Que maravilha! Que harmonias dentro dessa gruta! Depois, o cortejo retorna, e a gruta volta para sua escuridão novamente. E assim ia se acumulando História dentro do santuário. A acumulação da História tem um valor incomparável! Os fatos que se passam num lugar, como que nele permanecem sob a forma de uma participação que a relíquia tem no ato. E assim como a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo participa do sacrossanto da Paixão, assim também o que tocou os personagens num fato histórico como que participa desse fato histórico: os personagens morrem, mas aquilo que os tocou fica. E aquilo fica guardado para todo o sempre.
A Santa Casa de Loreto, por exemplo. São José morreu; Nossa Senhora, Nosso Senhor, morreram e ressuscitaram; estão no Céu. Há quanto tempo essas Pessoas Sagradas deixaram a Terra! Mas ali está a Casa de Loreto, que tocou nEles, cheia de História Sagrada. É uma relíquia em que eles tocaram, que circunscreveu um espaço dentro do qual eles estiveram. Aquilo está sagrado para sempre... Assim também o Monte Gargano ficou sendo um relicário. Um relicário da História, que conserva esses fatos maravilhosos que aqui acabamos de considerar.
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