Plinio Corrêa de Oliveira
Comentários sobre a Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959.
Comentários sobre a Agonia de
Nosso Senhor no Horto das Oliveiras * O sofrimento é parte
integrante da vida do católico * Como devemos carregar nossa cruz.
Agonie dans le Jardin
des Oliviers
Iluminura medieval É uma antiga tradição [nossa], não
interrompida, fazer um "Santo do Dia" sobre algum trecho do Evangelho
referente à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo nesses dias. Propriamente deveria ser hoje o da
Quinta-feira Santa. Mas tantos têm sido os comentários da Quinta-feira
Santa com base na "Concordância dos Santos Evangelhos", que me pareceu
conveniente mudar este ano, fazendo comentários lendo o Evangelho do dia
de amanhã. De maneira que os senhores possam se preparar para a grande
festa que a Igreja comemora amanhã, e que é a morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo no alto da Cruz e a Redenção do gênero humano. Assim, eu
vou lendo e comentando uma parte da Concordância dos Santos Evangelhos a
respeito disso. Eu começo no momento em que
acaba a Santa Ceia e Nosso Senhor e os Apóstolos se dirigem para o Horto
das Oliveiras. Então, diz aqui: "Depois dessas palavras, tendo recitado
o hino de ação de graças, saiu Jesus com os discípulos para além da
corrente do Cedron. Dirigindo-se para o monte das Oliveiras segundo
costumava, chegaram a um lugar chamado Getsemani, onde havia um jardim
em que entrou com seus discípulos. Chegando a esse lugar, disse-lhes
Jesus: 'Sentai-vos aqui, enquanto vou ali fazer oração; orai também para
que não entreis em tentação.'"
Os senhores vêem que há uma
delimitação clara entre a festa da instituição da Eucaristia e da
primeira Missa e depois a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer
dizer, a Santa Ceia tem um caráter festivo; um caráter festivo sobre o
qual já se projetam as sombras e as tristezas dos acontecimentos
trágicos que virão depois. Mas ainda tem um caráter festivo. Em certo
momento o caráter festivo cessa: Nosso Senhor, terminada a Ceia, faz a ação
de graças e a festa cessou. A partir do momento em que a festa cessou,
começa então, Ele, a enfrentar a dor, enfrentar o drama, enfrentar a
grande luta da vida dEle; uma vida que já fora toda ela de lutas, mas
que chegou nesse momento ao seu auge e ao seu apogeu. Nós devemos, para
bem saborear os acontecimentos que o Evangelho narra nessa linguagem tão
simples, imaginar o estado de alma de Nosso Senhor Jesus
Cristo e as disposições do Sagrado Coração de Jesus ao longo desses
fatos. A Santa Ceia para
Ele foi triste a dois títulos. Em primeiro lugar porque Ele
via a Paixão que viria depois dela, da qual já tinha todo o
conhecimento. Mas era triste também por causa da situação tristíssima
dos Apóstolos. A todo o momento nós vemos na narração da Santa Ceia
aparecerem manifestações da mediocridade dos Apóstolos, da insuficiência
deles. Isso deveria cortar o Sagrado Coração de Jesus, traspassá-lo
mais do que a lança de Longinus: a infidelidade dos Apóstolos, o
insucesso da obra que Nosso Senhor tinha começado com eles. Quer dizer, chegado o fim e
Nosso Senhor lhes dando a maior manifestação de seu amor até aquele
momento, que era de instituir a Santa Ceia e de dar-se a Si próprio em
comunhão a eles, Ele vê aquelas almas receberem esse dom incomparável
com aquela frieza que nós vemos. São Pedro, ao mesmo tempo exagerado e
superficial; Judas, nas
condições abomináveis que não vale a pena sequer referir; os outros
Apóstolos, se preparando, depois desse supremo dom, para a fuga. Há
aquele episódio tão bonito de São João Evangelista, discípulo amado, que
reclina a cabeça sobre o peito de Jesus e perguntou a Ele quem era o
traidor. E Nosso Senhor então disse quem era. Diz o Evangelho “o
discípulo a quem Jesus amava”. Esse discípulo que Jesus amava ia fugir
como os outros. É verdade que ele aparece depois no alto da cruz. Mas
dizem muitos intérpretes que aquele moço de que fala o Evangelho, que
saiu deixando a capa nas mãos dos que prendiam a Nosso Senhor, era São
João Evangelista, tomado de pânico. O apóstolo virgem, o apóstolo casto
por excelência, o apóstolo preferido, foge! - e foge em que condições! -
deixando o Divino Mestre. Quer dizer, tudo são sombras que
vão baixando. Ao mesmo tempo em que os clarões da Missa se vão
acendendo, e que Nosso Senhor Jesus Cristo - que conhecia todos os
tempos e tudo quanto havia de acontecer - se deleitava com a idéia de
toda a glória que a Missa daria ao Padre Eterno até o fim dos tempos,
com todas as adorações que Ele receberia de todos os santos, de todas as
almas eleitas até o fim do mundo na Sagrada Eucaristia e na Missa.
Ou seja, todos esses sentimentos
entravam no Coração dEle e constituíam um claro-obscuro de tristeza e de
alegria. Mas há um momento em que o claro-obscuro fica obscuro. O claro
se retira. Nosso Senhor, então, vai entrando cada vez mais nas sombras
de Sua dor e de Sua morte, cada passo que se aproxima é mais trágico do
que o outro. Se isto se pudesse dizer de Nosso Senhor, se diria que é
mais sinistro do que o outro. E caminha, mas caminha
seguramente sem um minuto de distensão, sem um minuto de alívio a não
ser na hora em que Ele recebeu o Anjo que O consolou; a não ser na hora
em que Ele viu Nossa Senhora e teve a presença dEla,
sem nenhuma outra forma de alívio, sem nenhum outro minuto de alívio,
até o alto, no momento extremo em que Ele morreu no auge da dor,
exclamando: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?” É o começo de um
Salmo em que está predita a Ressurreição dEle; e em que Ele, dizendo “por que me abandonaste” deixa implícita a previsão, a profecia
de que Ele haveria de ressuscitar. Então, no auge do abandono,
implicitamente Ele previa a Ressurreição dEle. Mas até isso, até o
“consummatum est”, em que Ele diz “tudo está pronto, está sofrido tudo
quanto era para sofrer, está completo tudo”, até esse momento nós vemos
que as coisas vão se tornando para Ele trevas que se vão tornando cada
vez mais
densas. Então, nós podemos imaginá-lo
que vai com os Apóstolos, triste de dentro da Ceia, acabou a Ceia. Ele
vai andando pelas
ruas de Jerusalém até o Getsemani. Começa a agonia - "agonia", em grego, quer dizer “luta”;
eles chamavam os atletas de “agonistas”, porque eram os que lutavam na
arena. Então, começa a agonia, quer dizer a grande luta dEle, que Ele
vai travar sozinho. E a solidão é exatamente uma das tragédias dEle
durante a Paixão, até o momento em que Nossa Senhora aparece. A agonia dEle começa assim: Ele
se isola; se isola naturalmente porque quer estar só; se isola porque
sente que ninguém é digno de estar perto dEle nesta hora. Então Ele tem
esta frase que é típica: “Sentai-vos aqui enquanto vou fazer oração”,
quer dizer, “eu vou me isolar de vós. Orai também para que não entreis
em tentação”. Isso Ele diz para os discípulos sonolentos, para os
discípulos indiferentes. E quando Ele se afasta, em vez de um discípulo
perguntar, um apóstolo perguntar a Ele: “Mas Senhor, por que Vos
isolais?” - ou então, “Senhor, não precisais de mim?” - não! Os Apóstolos começam a vacilar. E já é a tragédia da
alma dEle que começa a se fazer sentir. “Depois, tomando Pedro e os dois
filhos de Zebedeu, Tiago e João, começou a sentir pavor e angústia, e
caiu em tristeza e abatimento. 'Minha alma está triste até a morte',
disse Ele. 'Ficai aqui e velai comigo'." Esses, Ele quis ter consigo; os
outros, Ele deixa para trás. Então, Ele explica a esses, em maior
intimidade: “Minha
alma está triste até a morte”; e pede que fiquem acordados com Ele. Não
durmam; "velai" quer dizer isto: ficai acordados comigo. Quer dizer, Eu
quero ter o reconforto de vossa presença e de vossa compaixão, enquanto
Eu estiver passando por esta dor tão enorme. “Adiantando-se um pouco, afastou-se deles...” Aí a distância ficou completa. “...à distância de um tiro de pedra. Prostrou-se com a face no chão e começou a orar para que, se fosse possível, se afastasse dEle aquela hora.” Não sei se os senhores podem imaginar... Os senhores tenham aqui em mente o Santo Sudário de Turim, aquela majestade de Nosso Senhor, aquele olhar, aquela... enfim aquilo, os senhores podem imaginar o que é que poderia representar, para quem tivesse um pouco de alma, ver aquela fronte na qual estava resumida toda a glória do universo, aquele olhar no qual estava resumida e em grau excelso, em grau de superação inimaginável, a santidade possível em todas as almas em todos os tempos; a inteligência, a força, toda a bondade, todas as qualidades; aquela face, enfim, que era o mais perfeito espelho de Deus, que jamais tinha sido criado; aquela face, aquela cena durante a noite! Nós podemos imaginar Nosso Senhor com uma túnica branca, numa noite com sombras no jardim, com uma noite que talvez tivesse a claridade da lua, com sombras, nós podemos imaginar as sombras do arvoredo produzindo um claro-obscuro - Nosso Senhor era um varão alto - nós podemos imaginar o que teria de pungente. Este varão majestoso, inteiramente só; de repente, uma grande forma branca que se inclina e a Sua face põe-se voltada para a terra. Então, Aquele que era o Rei de toda glória rezava, prostrado, rezava acabrunhado por uma tristeza que o tomava até à morte. E Ele dizia então na Sua oração — que a gente vê que os apóstolos ouviram para depois poder contar, para que por todo o sempre isso se contasse — exatamente essas palavras memoráveis: Meu Pai... Adiantou-se... e começou a orar para que, se fosse possível, se afastasse dEle aquela hora. Vêm as palavras textuais: “Meu Pai se é possível, afaste-se de mim este cálice. Todavia, faça-se a Vossa vontade e não a minha”. É a oração mais doce e mais forte e mais contra-revolucionária que talvez se tenha feito em toda terra! Mais doce, por causa disso: Ele vê que é o Padre Eterno que quer o tormento dEle e o martírio dEle. E deste, que Ele sente que tem as mãos carregadas de tormentos e de martírios para Ele, que O vai tomar como vítima, Ele se apresenta cheio de amor e trata “Meu Pai”. Quer dizer, a palavra mais suave que um homem possa dizer a outro. “Meu Pai” - duas vezes Ele disse isso; como quem brada, como quem geme. Mas por que é que Ele O chama de Pai? É porque Ele sabe que aquele tormento que vai sofrer é um tormento para a glória de Deus, um tormento que é necessário segundo os desígnios de Deus. E Ele, então, na Sua humanidade santíssima, como que abandonado, como que seccionado de Sua divindade, Ele fica naquelas trevas; na Sua humanidade a Sua natureza humana pede isso: quem sabe se é possível afastar esse tormento; se for possível, afaste-se. Como quem diz: é tão grande o peso da dor, que Eu sou levado a Vos perguntar, por misericórdia, não há um jeito? Por favor, por pena, não existe um modo? Mas, logo depois: “Se não for possível, faça-se a Vossa vontade e não a Minha”. Os senhores estão vendo o afeto, os senhores estão vendo a força! Quer dizer, se não for possível, embora Eu não agüente, embora Eu não tenha recursos, Eu começarei; porque não há coisa que eu não esteja disposto a empreender para fazer a Vossa vontade. Eu sou o varão forte por excelência, esmagado, quebrado, aniquilado, Eu estou, entretanto, disposto a lutar até o fim. Mandai-me a Vossa força que Eu farei a Vossa vontade. Há, portanto, uma submissão completa, há um ato de obediência total, um ato amoroso sem a menor revolta, sem a menor sensação de que Deus não vai ser misericordioso para com Ele, vendo a misericórdia até no ato em que ela pareceria impossível. Há aqui um mistério. Algum dos senhores me perguntará: mas não era possível? Deus não poderia ter aceitado uma gota de sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e O ter resgatado com isso? Uma gota de sangue de Cristo tinha um valor infinito. E os teólogos dizem que simplesmente o sangue que Ele derramou na circuncisão teria sido suficiente - mas superabundante! - para resgatar o gênero humano. Mas havia um desígnio de Deus, segundo o qual era preciso aquilo. E era preciso aquela enormidade de tormentos. Um desígnio que para nós é misterioso. É um colóquio entre Ele e o Padre Eterno, tão trágico, mas ao mesmo tempo tão íntimo, que nos desvenda algo que nós não podemos sondar, nas relações entre o Homem-Deus e o próprio Deus. Mas vê-se que, por algo, o Padre Eterno — e Ele mesmo enquanto segunda Pessoa da Santíssima Trindade — não quiseram tornar isto possível. Um pouco disso se sabe por que é, e esse pouco já é de uma sublimidade extraordinária: Ele quis que os homens vissem todo o sofrimento dEle, para que cada homem tivesse completamente a coragem de carregar o seu próprio sofrimento. Se Deus tivesse passado pela Terra e tivesse sofrido um pouquinho, derramado uma gotinha de sangue, remidos estávamos. Mas a lição de conformidade com a dor, a lição de aceitação do sofrimento como sendo a mais alta coisa da vida — não um desastre na vida, não um trambolho na vida, não uma coisa que não deveria ter sucedido, que a gente não compreende —, o caminho necessário para que o homem chegue até onde deve chegar, a estrada para a qual o homem se dirige como sendo a realização de seu próprio destino. Quer dizer, cada um de nós nasceu para carregar uma cruz, nasceu para passar por um Horto de Oliveiras, nasceu para beber um cálice, nasceu para ter as suas horas de agonia em que diz a Deus Nosso Senhor: “Meu Pai, Meu Pai, se possível afastai de mim este cálice, mas faça-se a Vossa vontade e não a minha”. A idéia, o exemplo de que a dor é isto na vida do homem e que o homem nasceu para dar glória a Deus antes de tudo sofrendo, esta idéia, esta idéia retriz, fundamental na formação do verdadeiro católico, esta idéia nós não a teríamos [senão fosse] apresentada por um exemplo, pelo mais sublime, pelo mais arrebatador dos exemplos, que é Nosso Senhor Jesus Cristo morrendo na Cruz. Aqui os senhores têm, meus caros, um contraste com o espírito moderno e sobretudo com o espírito do mundo, segundo o qual o homem veio a esta Terra para ter êxito, e que a finalidade do homem na Terra é ter saúde, enriquecer, gozar a vida e morrer bem tarde, quando não tiver remédio; tendo durante toda a vida a maior quota possível de segurança, de maneira tal que mesmo, já não digo o sofrimento, mas o medo do sofrimento não o assalte. Bem, este ponto é pagão por essência. Calcular a vida assim, é calculá-la à maneira de um pagão. A formação católica que não seja para o sofrimento e para a dor é uma formação que zomba de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja vida toda ela foi centrada nesta hora suprema do sofrimento e da dor. E isto nos obriga a nós a nos voltarmos para nós mesmos e nos perguntarmos como é que nós fazemos com os sofrimentos de nossa vida, dos quais o maior — não tenham dúvida nenhuma — é a nossa própria santificação. Toda a santificação séria faz sofrer, e faz sofrer muito. E se alguém me diz “eu não sofro”, eu tenho vontade de dizer logo de início: Então, tu não te santificas! Porque não há santificação que não venha acompanhada de dor. Bem, então a pergunta é esta: como é que nós olhamos o sofrimento de nossa vida? como olhamos a dor que nossa santificação causa? Quer dizer, nós combatermos os nossos maus impulsos que, em conseqüência do pecado original e das nossas más ações, vêm fundo de dentro de nós? Como fazemos não só para reprimir os maus impulsos, mas para praticar as virtudes opostas a esses maus impulsos? Como fazemos para aceitar nossas limitações? Ora limitações de inteligência, ora limitações físicas de toda ordem, ora limitações sociais, falta de posição, falta de fortuna, falta de graça - a gente fica sem graça - com os quais os outros não gostam de ter relações, todo mundo passa perto e, quando muito, cumprimenta... Como é que a pessoa aceita o fato de ser sem graça? Tudo isto faz parte da cruz do homem. Como é que aceita aquele que é muito engraçado e que todo mundo procura para se divertir com ele — e que deve resistir a essa solicitação da palhaçada — como é que ele aceita a necessidade de resistir a essa solicitação? Para tudo isto, cada um tem a sua cruz. E aqui é que nos está ensinado, pelo exemplo do Nosso Senhor Jesus Cristo, o papel fundamental do sofrimento. Se não foi possível ao Padre Eterno atender a oração dEle, uma das razões é porque Ele quis que os homens tivessem esse exemplo. Os senhores querem ver qual é o resultado? Quando Napoleão estava na fase ascensional de sua carreira, antes ainda de se proclamar imperador, alguém — um bajulador — dirigiu-se a ele e disse o seguinte: “General Bonaparte, por que é que não vos fazeis proclamar Deus?” Porque os antigos heróis romanos, e os da antiguidade em geral, quando se envaideciam muito, acabavam sendo divinizados. Ele olhou para o sujeito de frente e deu esta resposta esmagadora: “Depois de Jesus Cristo, só há um jeito de alguém ser tomado a sério como Deus: é subir no alto do Calvário fazendo-se crucificar. Eu não estou disposto a isto”. E é mesmo! Quer dizer, o exemplo calou tão fundo que nunca mais nenhum candidato à divindade foi tomado a sério; porque só a Cruz é séria; e só são verdadeiramente sérios os homens que querem carregar sua cruz, esta é a coisa. Aí está o quanto custou a Nosso Senhor esse exemplo! E como, portanto, nós devemos amar a nossa cruz e nós devemos meditar sobre este ponto. Aí está quanto Ele pagou para que, por exemplo, no dia 30 de março de 1972, neste pequeno auditório nós pudéssemos meditar isto juntos e cada um sair daqui mais resolvido a combater o seu bom combate. Quer dizer, a carregar sua cruz. Continua, então: “Voltando aos discípulos encontrou-os dormindo, acabrunhados pela tristeza. E disse a Pedro Simão: tu dormes! Assim, não pudeste velar uma hora comigo?! Vigiai e orai para não entrardes em tentação, porque o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” Os senhores estão vendo aqui já o abandono que se torna mais claro, não é? A tristeza é tão grande que eles dormiram. Alguém poderá dizer: Mas, Dr. Plinio, como o senhor é severo! O senhor não nota que eles estavam tristes? O senhor parece achar que eles estavam indiferentes! O Evangelho diz que eles estavam tristes. Diz que estavam tão tristes que até dormiram! É uma forma de fugir. Exatamente uma forma de fugir da dor é esta: está tão triste, que eu vou tirar uma soneca, eu vou me anestesiar para esta dor. O fato de eles terem podido dormir enquanto Nosso Senhor sofria, já indica certo grau de indiferença, o fato de eles terem aceitado o sono para se evadir, quando Ele pediu: Vigiai, ficai acordados! Ele pediu isso, Ele pediu esse consolo. Esse consolo Lhe foi negado. E Ele então compreendeu mais ainda na Sua humanidade a Sua imensa solidão. Depois, o conselho tão útil para nós: "Vigiai e orai para não entrardes em tentação, porque o espírito está pronto e a carne é fraca!" Belas idéias, belos projetos, é fácil a gente conceber... Vem depois a carne, quer dizer, a parte ruim nossa que precisa ser vencida; e daí como é que é? É uma beleza, por exemplo, a gente ir para uma Cruzada, não é? A gente se imagina um cruzado medieval, montado... não sei... eu imagino segundo o gosto de qualquer um, num lindo corcel branco, com uma armadura rutilante que brilha ao sol, com um capacete esplêndido, com trombetas que soam e a gente que sai para o combate... É uma verdadeira maravilha, eu compreendo isso bem. O espírito é pronto. Pouco depois, o sol começa a aquecer a armadura e ela começa a pesar, e a gente começa a sentir a poeira que entra, e a gente começa a sentir cócega no braço ou no peito e não pode coçar porque a armadura está revestindo o peito; e a gente tem que estar pronto para o combate daqui a pouco. E aí começa o prosaísmo: por debaixo do elmo a gente sente o suor que escorre; e o suor atrapalha; a gente teria a vontade de tirar o elmo e passar um lenço; depois tinha a vontade de não pôr o elmo, o tão lindo elmo que a gente contemplara na noite de vigília de guardas na catedral, achando: “que colosso vou ficar eu com este elmo!” Nós não agüentamos uma coceira! É a fraqueza da carne depois da boa disposição do espírito, não é? |