Plinio Corrêa de Oliveira

 

São Charbel Macklouf,

exemplo perfeito de fisionomia

contra-revolucionária:

fortaleza, lógica, constância, despretensão, admiração

 

 

 

Santo do Dia, 24 de janeiro de 1972

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Eu, à espera da biografia de Charbel Macklouf, vou começar a fazer uma introdução a respeito do lugar e do ambiente onde ele viveu.

Não sei bem – é um fenômeno que nunca soube explicar bem e que os desígnios da Providência não são alheios a esse fenômeno –, mas há uma espécie de simbiose entre o panorama e o homem. De maneira que, em geral, só explicamos inteiramente a mentalidade de um povo à vista do panorama no qual ele se formou. Isso não é difícil de explicar.

Mas há o outro lado da questão que é difícil explicar: só compreendemos inteiramente o panorama à vista do povo que ali viveu. Vamos dizer, por exemplo, a Grécia antiga. É indiscutível que o panorama da Grécia oferece beleza e de grande valor. Mas tenho impressão de que se ali não tivesse vivido o povo grego, não saberíamos interpretar essas belezas. E que, portanto, os encantos e a importância artística própria a esse panorama, não descobriríamos.

A mesma coisa se pode dizer do panorama francês. Ainda outro dia estive lendo um contraste entre o panorama veneziano e o panorama francês. É de uma francesa – uma grande poetisa francesa, Ana de Noailles. E a gente via bem que o panorama francês foi feito para alma francesa e reciprocamente. E que o francês não se interpreta sem seu panorama e vice-versa. O mesmo se poderia dizer de Veneza e dos outros lugares.

Eu daqui a pouco vou projetar para os senhores a figura do beato Charbel Macklouf. Mas para compreendermos bem sua figura – e que lhes vai parecer um pouco singular, um pouco surpreendente – temos que nos situar no panorama dele e de seu povo enquanto vivendo naquele panorama.

Ele era maronita, árabe de origem, de raça. Vivia no monte Líbano, naquelas regiões que a Escritura descreve tantas vezes e que são tão carregadas de poesia: altas montanhas que descem até perto do Mediterrâneo e que deixam uma língua de terra apenas entre o monte e o mar; altas montanhas que têm qualquer coisa de segredo, que têm qualquer coisa que particularmente lembra Deus Nosso Senhor, talvez pela proximidade da Terra Santa, certamente também pela majestade, pela poesia que aqueles montes têm. 

Nossa Senhora, por exemplo, é comparada várias vezes com os montes do Líbano. Ela é comparada a um monte colocado acima de todos os outros do Líbano. E com uma vegetação que é também maravilhosa – hoje muito dizimada – mas da qual o beato Charbel Macklouf pegou os restos. São os famosos cedros do Líbano, árvores das mais possantes que existem na terra e muito bonitas pela forma eminentemente poética e que na linguagem da Bíblia representam a árvore bela por excelência.

Os senhores têm que imaginar ali um árabe. Há tantos descendentes de árabes por aqui... Mas um árabe das Arábias, quer dizer, um árabe colocado propriamente no seu panorama e no seu contexto. E com esse aspecto da alma árabe, que é dada a três tipos: ou do contemplativo... Então se isola, e dá no contemplativo que fica colocado no alto do Líbano, olhando para as estrelas, para o lugar onde a ponta de um cedro parece tocar a estrela; sopra uma brisa e ele a compara com o espírito; enfim, todo ele imaginoso, sedento do maravilhoso, todo recolhido, todo isolado. Ou então, o árabe prático, ativo, realizador, que é o tipo que os senhores conhecem preponderantemente no Brasil. Mas há um terceiro tipo, que é o árabe guerreiro, que ficou famoso, ficou célebre na história. São os três tipos.

Aqui, com o Beato Macklouf temos tipicamente um árabe contemplativo, meditativo e que traz, no fundo do olhar, todo o mistério das noites do Oriente, todo o mistério das suas próprias contemplações, de sua própria alma. E cuja fisionomia, como os senhores verão daqui a pouco, é de um homem que viveu a vida inteira como eremita, num convento que era mais propriamente um cenóbio. Mas no silêncio mais completo, na contemplação mais contínua, na obediência mais inteira, procurando única e exclusivamente uma coisa: realizar a si próprio dentro de si mesmo, não precisando de nenhuma coisa fora de si para realizar-se, mas precisando inteiramente de Deus, fazendo de Deus Nosso Senhor a sua grande realização.

Quer dizer, o conhecer a Deus, o contemplar a Deus, o fazer inteiramente a vontade de Deus, o ser inteiramente como Deus quer absolutamente e custe o que custar, dê no que der, esbarrem nessa terra as catástrofes pavorosas em que possa esbarrar, obstinadamente, meditativamente, continuamente, sobrenaturalmente, fazendo a vontade de Deus. Aí os senhores têm a explicação da alma do bem-aventurado Charbel Macklouf.

Os senhores devem então pensar num homem que está continuamente pensando nas coisas de Deus, que olha para as coisas da natureza para reportá-las a Deus; que olha para as coisas desse mundo para compreender até que ponto eles levam, também até que ponto elas afastam de Deus. E que adquiriu aquele grau de interioridade por onde em relação a tudo do mundo, ele tem aquele soberano desprezo. Não é o ódio, mas é um alheamento, é uma rejeição, por onde ele não se deixa impressionar pelas coisas do mundo, não se deixa governar por elas. Elas ali estão, ele está à parte delas.

Para isso ele passou – e sem isso não haveria desapego de sua parte –pelos vales profundos do desprezo. Ele foi, dentro de sua própria comunidade religiosa, desprezado o mais que possa ser; as formas mais humilhantes de desprezo, mais deprimentes de desprezo caíram em cima dele, estouraram em cima dele.

Por exemplo, ele praticava a obediência ao pé da letra como a Regra manda. E por isso, às vezes, coisas que era intuitivo que ele tinha que fazer, mas que não podia fazer segundo a Regra, sem uma licença, ele ia diante do superior – um superior liberalizado, é claro – e pedia licença. O superior, por vezes, respondia o seguinte: “eu não lhe dou uma resposta, porque é impossível que o senhor seja tão burro que não compreenda o que tem que fazer nessa emergência”. Olhem que não se pode desprezar mais alguém! Alguém que é um súdito, que está nessa condição muito nobre para o católico, mas dura para o orgulho humano, para a fraqueza humana, de ter que pedir licença para a menor coisa.

Vai pedir licença com toda a dependência, com toda a vassalagem, com todo o respeito, para o superior lhe dar licença de fazer tal coisa, para receber como resposta: “não dou, porque é impossível que você seja tão burro que não perceba que precisa fazer isso e, portanto, não precisa de licença”. O que é um sofisma, porque a licença é necessária ainda quando a pessoa quer uma coisa razoável. Os senhores sabem qual era a reação dele? Ele ficava parado diante do padre superior – com a cabeça baixa – até que o padre superior desse licença. Quando o padre superior, farto de vê-lo, dizia: “Bom, eu dou licença”, uma inclinação, e ia fazer aquilo que devia. Mais nada. Nem um “ai”, nem uma lamentação, nem um gemido, nem nada. É aquela inclinação, inteiramente: “faça-se em mim a vontade de Deus. A vontade de Deus para mim é a vontade de meu superior. Agora eu tenho licença dele, eu farei”.

Os senhores podem imaginar, naquele convento de pedra, naquela distância de todo mundo, naquele ambiente fechado, onde o mundo era só aquilo e malvisto por todo mundo ali dentro por causa da fidelidade dele! Incompreendido por todos, guardando silêncio sozinho e apelando apenas e exclusivamente para Deus Nosso Senhor – os senhores podem imaginar o que era a vida desse homem?! O que representava de renúncias humanas, de ter abandonado tudo e de ter largado tudo?!

A biografia dele está custando um pouco a chegar... Faz parte do nosso “rio chinês” que as coisas mais preciosas naveguem às vezes em caracóis. E eu sinto que o desenvolvimento inicial que ia dar está tocando ao fim, sem que a biografia tenha chegado.

Repito aqui, porque creio que já contei, um fato que é um dos culminantes de sua vida: ele, uma noite, ficou rezando até tarde; tinha uma razão para rezar. Parece que tinha sido isso: por ordem dos superiores, ele tinha tido que fazer uma obra qualquer, que tinha atrasado a hora do breviário e por ordem da Igreja, ele, que era padre, tinha que rezar o breviário antes da meia-noite. De maneira que o único meio de que dispunha era rezá-lo já noite avançada, depois de ter sido dada ordem de fazer silêncio e apagar as luzes no convento inteiro. Ele então, obrigado pela Igreja que tinha que rezar o breviário e, por obediência, vai à cela e começa a rezar. O superior olha do quarto dele e vê – fora da hora de estar acesa a luz – uma luz que está acesa. E reconhece a cela de beato Charbel Macklouf.

Acaba sendo que os liberais, para com os virtuosos, são sempre assim: eles toleram a qualquer bandido qualquer cachorrada; mas se um homem virtuoso tem o menor desvio, eles entram no paroxismo do delírio e ali se tornam zelosos e vão cumprir a lei.

Entra o superior, bate, o beato Charbel Macklouf abre: “Que é isso? O senhor com a luz acesa a essa hora?” – “Padre superior, eu estou rezando meu breviário por tal razão assim, eu não tive tempo de rezar durante o dia”. O superior: “Mas, pelo menos, de onde veio o azeite da lâmpada? A lâmpada acesa! Ele: “Padre superior, eu não encontrei azeite, eu pus água”. O superior: “Reze por mim...” Saiu e foi embora.

Os senhores podem imaginar a sensação de megalice, de orgulho que isso pode dar... Os senhores imaginem essa situação: o superior que ficou vendo que ele estava fazendo um milagre espantoso na cela e que ficou com a cara achatada. Eu garanto que o beato Charbel Macklouf continuou a rezar o breviário na mesma paz, na mesma tranquilidade, foi se deitar e no dia seguinte não olhou a cara do superior para ver como o superior estava olhando para ele... Que os senhores hão de reconhecer que seria a tentação. Evidentemente seria a tentação. Pelo contrário, continuou lentamente seu caminho e acabou-se.

Esse homem tão extraordinário foi declarado bem-aventurado pela Igreja [posteriormente foi canonizado, n.d.c.]. Um dos milagres espantosos dele foi o seguinte. Junto à sua sepultura, uma família foi fazer uma peregrinação para obter ou para agradecer a cura de um indivíduo. Não me lembro bem. E como acontece frequentemente nas peregrinações, depois se fez fotografar. Qual não é o espanto quando vão revelar a chapa, entre as pessoas do grupo está ele na chapa fotográfica! Quer dizer, ele visitou a família por essa forma. Se não me engano, a fotografia que vai ser projetada agora para os senhores é dessa chapa. Mas eu não tenho plena certeza se é dele na vida terrena, ou se já é dele na vida celeste.

Os senhores vão ficar um pouco espantados porque é uma fisionomia tão, tão austera, tão, tão recolhida, tão, tão interior, tão, tão lógica, tão voltada para Deus e, por causa disso, tão cheia de mistério que eu, na rua Maranhão [então sede do Conselho Nacional da TFP, e hoje sede do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, n.d.c], fiz um pequeno teste. Eu não vou dizer quais estavam presentes ao teste – fiz um pequeno teste, mas não disse quem era o personagem. Levei a fotografia dele e perguntei: “o que os senhores acham dessa pessoa?” E ele foi unanimemente reprovado – creio que unanimemente – pelos que ali se encontravam, objetando que a fisionomia dele era “sinistra”. Outros disseram que a consideravam “estranha, rara”. Tinha, entre outras, uma pessoa em extremo respeitável ali e que eu não queria de nenhum modo deixar sem jeito. Como as pessoas em extremo respeitáveis na TFP são muitas, eu não estou indicando ninguém de modo muito especial...

Mas o zelo pela honra do santo e depois uma explicação porque eu estava fazendo aquela pergunta, me obrigaram então a dizer que era um bem-aventurado que a Igreja tinha considerado tal. Então, ahm, ahm, ahm!... Eu não tinha intenção de fazer uma cilada, mas acho – sem dizer que as pessoas muito diletas a mim e muito conspícuas que ali estavam tivessem qualquer eiva de Revolução... – eu posso dizer, entretanto, que essas pessoas se chocaram com uma fisionomia profundamente contra-revolucionária. E que acho que enquanto contra-revolucionária é que essa fisionomia deve ser projetada aqui.

Se os senhores quiserem ter o oposto dessa fisionomia... o extremo oposto é a fisionomia do hippie. É absolutamente o extremo oposto disso!

Para mim é a fisionomia. Eu devo dizer que tirando a Sagrada Face do Santo Sudário de Turim, tirando algumas imagens de Nossa Senhora, não conheço fisionomia que a mim fale tanto quanto essa. Serve muito para acertarmos os nossos relógios. Porque duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si. Duas pessoas que admiram a mesma fisionomia têm homogeneidade entre si. Quando não admiram a mesma fisionomia têm alguma homogeneidade a ganhar entre si, caminhando rumo a admirarem essa fisionomia. E a circunstância se põe de modo tal, que depois da “mise en scène” que  fiz, ainda que tenha chegado a biografia, agora tenho que passar a fisionomia. Então eu pediria aos senhores o favor de tirarem essa mesa e eu vou me colocar aí de lado para projetar o beato Charbel Macklouf.

Os senhores, creio, que devem ficar impressionados, à primeira vista, pelo negrume da coisa: o gorrinho negro e depois todo o traje negro.

E depois, o contraste entre esse gorro negro e as barbas brancas, muito alvas, que se dividem. Exatamente aqui há um vácuo, onde aparece de novo o preto. Os senhores ficarão impressionados pelo que tem de extremamente categórico a fisionomia. Não sei se os senhores notam que é uma pessoa inteiramente categórica: o que pensa, pensa, o que quer, quer e o que faz, faz. Sumo observante da obediência, mas um homem de uma vontade de ferro! O que ele quer, ele quer e o desígnio dele, ele o realiza.

Os senhores notarão a regularidade extraordinária dos traços. Os senhores notarão, entreveem através da barba um oval muito proporcionado do rosto. Os senhores notam o bonito desenho das sobrancelhas, e depois o nariz, toda a proporção que tem. As maçãs do rosto também formando um todo muito harmonioso, expressão da coerência dele. Mas o nariz tem algo do nariz de ave de rapina. É um nariz, aliás, muito categoricamente árabe, mas parece um pouco um bico de uma águia e há qualquer coisa nele indefinido de aquilino. Parece-me ver algo da grandeza da águia, algo da firmeza da águia. A gente diria que se esse homem tivesse asas, ele voaria como a águia; que ele iria ao mais alto do céu, como uma águia.

 Tudo isso é nada. Os senhores observem os olhos. Esses olhos – a fotografia é evidentemente um pouco retocada – esses olhos estão fixando um ponto no vácuo, um ponto indefinido. São os olhos do pensador, do homem de meditação, que sabe não estar olhando as coisinhas que estão em torno de si, mas para além de todas as coisas olhando para um ponto indefinido, que é o ponto aonde todas as coisas se perdem, aonde todas as coisas perdem a sua importância diante da grandeza de Deus, que está por detrás e por cima delas.

Os senhores veem um olhar que é voltado para o infinito, mas para si mesmo também; olha profundamente para dentro, de um homem para o qual a própria alma não tem nenhuma espécie de mistério; que está continuamente num estado de exame de consciência de si mesmo e sabendo perfeitamente o que dentro de si se passa. De uma alma que, por causa disso, a qualquer momento pode dizer que está amando a Deus ou não, se está subindo diante de Deus; enfim, é um espelho para si mesmo.

Ele não tem mistérios para si mesmo. Tornou seu subconsciente completamente consciente. Não há nada nele que se passe nesses segredos vergonhosos que ocorrem nas almas que têm preguiça ou que têm falta de fortaleza para se analisarem a si mesmas e para se verem inteiramente como são.

Também os senhores veem uma indiferença em relação a tudo que não seja Deus e aquilo que se reporta a Deus; ele mesmo, enquanto servidor de Deus que tem que pôr a sua alma à imagem e semelhança de Deus. A única coisa que tem ali é essa preocupação e mais nada.

Os senhores não notam ambição, os senhores não notam desejo de dinheiro; os senhores não notam vaidade; os senhores não notam sentimentalismo; os senhores não notam pena de si mesmo. Os senhores notam apenas uma firme constância em atingir o ideal, que é Deus e uma limpeza de alma, por onde a gente vê inteiramente que sabe que, com a misericórdia de Deus, ele está no agrado de Deus e confia em Deus. Não tem mais nada do que isso. Se uma pessoa vier oferecer a ele qualquer coisa que o desvie de Deus, a recusa é tão completa que a pessoa nem tem coragem de oferecer. Previamente desarma qualquer proposta desonesta. Diante desse homem, a única coisa possível é o silêncio, o respeito e o pedido do superior: “reze por mim”... Não há outra coisa possível!

Essa alma constituída assim de um modo magnífico é a de um sofredor? A gente vê montanhas de sofrimento cristalizadas dentro dele. A gente vê que sofreu muito, mas sofreu com tanta temperança, tanto equilíbrio, que todas as tempestades sopraram dentro dele e o deixaram mais rígido, o deixaram mais firme. De maneira que a gente tem impressão de um velho, mas não de um caco, de um trapo humano. É um homem inteiramente composto.

Por outro lado, a gente vê que é um homem todo feito de equilíbrio, que no sofrimento que aguentou, por ter aceitado o sofrimento por inteiro, ele ficou para além de todo o sofrimento. E nada mais o assusta. Na terra, não tem outro medo senão do pecado; não tem outra esperança senão do Céu. Nada mais para ele é nada.

Os senhores imaginem um dos senhores num canto de um claustro, encontrando de repente um homem desses... Não é verdade que os senhores teriam uma sensação de sumo respeito? Não é verdade que os senhores não ousariam dizer uma só coisa trivial? Não é verdade que os senhores se sentiriam, ao pé da letra, reduzidos ao silêncio e que provavelmente não dirigiriam a palavra a ele?

Há aqui um ponto que é a objeção latente na alma de muitos dos senhores, em que está uma dessas confusões que a Revolução põe nos espíritos e que é dificílimo a gente vencer. Eu sei que muitos dos senhores, se não estiverem pensando, estão pelo menos vivenciando o seguinte: “esse homem não tem bondade; esse homem não tem cordura; esse homem não tem misericórdia”... É que nós acabamos fazendo das coisas uma ideia tão errada, que não compreendemos o seguinte: esse homem tem que ter sido um gigante da bondade, um gigante da misericórdia e de paciência, uma vez que ele é um bem-aventurado, declarado tal pela Igreja. E que esse homem tem que ter sido, portanto, muito compassivo, muito misericordioso, muito paciente, muito manso. A bem-aventurança que diz “bem-aventurados os mansos porque eles possuirão a terra”, tem que ter pousado nele por inteiro uma vez que ele era um bem-aventurado.

Mas a questão é que os homens verdadeiramente mansos, verdadeiramente pacientes e misericordiosos, não são os homens de cara perpetuamente risonha, não são os homens liberais que condescendem com tudo, não são os homens que estão a todo o momento afagando todo mundo. As virtudes sempre são homogêneas e uma virtude traz outra virtude. Quando se é assim severo, se é misericordioso. Quando se é assim lógico, tem-se pena do ilogismo dos outros. Quando se é assim interior, tem-se misericórdia da dissipação dos outros; quando se é assim desapegado, tem-se pena dos que são apegados.

Ele é o patrono não só das almas parecidas com a dele para que se tornem cada vez mais assim, mas também das que padecem dos defeitos opostos às suas qualidades; as almas dissipadas, as almas microlíticas, as almas voltadas para as ambições da terra, as almas megalóticas, as almas agitadas que não têm paz, que não têm constância. Sobretudo as almas inimigas do silêncio, inimigas do sofrimento devem tê-lo como a padroeiro. Eu tenho certeza que se uma pessoa assim se aproximasse dele, seria recebida com uma doçura que não teria ideia quem nunca tratou com ele!...

Aqui está exatamente o mistério da alma católica. Essas oposições aparentes à alma católica, que o revolucionário custa a compreender, e de que, por exemplo, na nossa dileta Idade Média – paraíso terreno segundo dos homens, mais belo, em muitos aspetos, do que o primeiro, porque nele havia a Igreja Católica –, na Idade Média esses contrastes eram assim.

Aqueles guerreiros terríveis! Os senhores se lembram daquela figura representando o Credo. Eram homens que se ajoelhavam e rezavam como crianças confiantes aos pés das Madonas sorridentes. Eram os homens que se enlevavam com as catedrais, com os vitrais azuis cor do céu, vermelhos maravilhosos, verde-esmeralda, vitrais feitos por almas delicadas para almas delicadas. Não compreende inteiramente uma coisa quem não compreender a outra. Não compreende também as almas delicadas quem não compreender que nelas têm que haver, por algum lado, todas as virtudes que caracterizam um verdadeiro santo. E aqui, por exemplo, essa alma admirável de meditativo, que é o bem-aventurado Charbel Macklouf.

Uma palavra, talvez, sobre o gorro dele: é uma piramidezinha. É ou não é verdade? De uma só cor, de uma forma singela, entretanto, é ou não é imponente? É, ou não é majestoso? Digno. É a distinção da pobreza.

Faz parte da genialidade da Igreja inspirar a pobreza e nela insuflar uma distinção que chega a torná-la majestosa. Os senhores considerem um hábito franciscano dos bons tempos constantinianos, é o próprio hábito da pobreza. Há coisa mais composta e mais digna do que isso?

Aqui os senhores têm um chapeuzinho, um gorrinho, imposto pelo clima e pelas circunstâncias; simples como um chapéu de camponês. Posto na fronte e na cabeça venerável de Charbel Macklouf. Pode haver uma coisa mais harmoniosa e mais digna? Eu pergunto aos senhores se a análise está clara para os senhores, ou se realmente a figura é um pouco “puxada”?

Ou se, a qualquer título, os senhores gostariam de fazer uma pergunta. Os que queiram fazer alguma pergunta, à vontade.

(Aparte inaudível)

Por isso. Por tudo isso. Os senhores imaginem um homem deste tendo que obedecer a um liberal. O liberal pisa em cima dele de todo jeito, porque o liberal odeia isso. Ele era desprezado porque era odiado.


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