Plinio Corrêa de Oliveira

 

Como estudar os artigos da seção

“Ambientes, Costumes, Civilizações”

 

 

Santo do Dia, 27 de agosto de 1971, sexta-Feira

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Clique na foto para ampliá-la 

Uma comissão resolveu estudar os artigos da seção “Ambientes, Costumes, Civilizações”, publicados em "Catolicismo", e então queriam algumas indicações.

Os senhores não devem se impressionar muito com o título “Ambientes, Costumes, Civilizações”, porque de fato a seção tratou apenas de passagem sobre os costumes e as civilizações. Isso se deveu à falta de material adequado. Nunca tivemos a torrente de material ilustrativo que seria necessário para que a seção pudesse desenvolver-se largamente.

A idéia primeira da seção era habituar bem os leitores à caracterização de ambientes. E o primordial nestes últimos – dominando-os com sua presença – é o homem com sua psicologia. Então, a caracterização desta como dado fundamental para a definição dos ambientes. Depois, a definição dos próprios ambientes. E, por fim, os costumes.

Nós deveríamos ter uma série de costumes antigos à mão e ilustrá-los. Por exemplo, Luiz XI fazendo o decreto [em 1472, n.d.c.] segundo o qual no Reino de França se devia rezar o Ângelus, instituindo assim o costume. Então publicar o próprio texto do decreto real e alguma gravura representando Luiz XI apeado de seu cavalo e rezando o Angelus com algum guerreiro. Ali se teria um costume expresso.

Depois se deveria apresentar a coordenação dos ambientes com os costumes  para constituir esse todo imponente que se chama civilização. Isto comportaria às vezes uma página inteira com fotos diversas ou até duas páginas com legendas em que se iriam tecendo os fios para entender o que é uma civilização.

Os senhores suponham que a respeito da Idade Média tomássemos a Sainte Chapelle, o castelo de Saumur, a catedral de Colônia, o decreto do Papa São Gregório VII excomungando o imperador do Sacro Império Henrique IV... algumas coisas assim. E acrescentássemos um comentário que coordenasse tudo isto, mostrando o que fora esta civilização, quais eram as notas religiosas, morais e filosóficas que constituíram tal civilização. Portanto qual era sua luz primordial e seu caráter católico.

Várias vezes foram feitas, na seção “Ambientes, Costumes, Civilizações” [doravante abreviaremos por ACC, n.d.c.], a contraposição do que era católico face ao anticatólico,  como aliás de coisas modernas horripilantes mostrando o que tinham de ruim. Neste sentido os ACC foram precursores da crítica que se move hoje – com um certo exagero – à civilização contemporânea: poluição e vários outros temas análogos, quando ninguém cogitava ainda disso. E com isso dar um verdadeiro curso prático de “Revolução e Contra-Revolução”.

Mas para a plena realização disto, eu precisaria ter material para cuja aquisição não tínhamos dinheiro naquele tempo, bem como ter tido um corpo de secretários especialmente voltados para isto. Necessitaria mesmo ter uma equipe de especialistas que me evitassem a destruição ou a rejeição de matérias úteis, mas sobretudo evitassem a inflação do arquivo pela inserção de um mundo de coisas que vinham pedir para por... Então, para a gente ser amável com aquele, punha dentro do arquivo um papel que na cesta de lixo não estaria tão mal assim. O autor da seção [o prof. Plinio] que também adoeceu... Depois o crescimento enorme da TFP e esta funcionando a todo vapor... e muita gente dentro da TFP funcionando a todo vapor e dando às vezes mais trabalho do que uma ou duas ou três TFPs inteiras... O resultado é que tudo isso tornou impossível todo o funcionamento da seção ACC.

Eu fiquei espantado quando uma vez recebi um repórter de uma grande revista, que me entrevistou vastamente e depois me disse: “O senhor quereria me dizer quem é o diretor da revista “Catolicismo”? – “O diretor de fato é o Dr. José Carlos Castilho de Andrade”, respondi-lhe. Ele disse: “Eu gostaria muito de conhecer esta pessoa”. – “O senhor perde muito em não conhecer; é um muito bom amigo, uma pessoa que valia mesmo muito a pena conhecer”. Ele esclareceu: “Não é só por isto, mas é porque ele é o autor da seção Ambientes, Costumes, Civilizações, que não é assinada, de maneira que deve ser ele o autor”.  Eu me fechei em copas e deixei para [outros explicarem o assunto para ele]…

Era um jornalista comunista que me afirmou de passagem que essa seção era uma das poucas coisas católicas que tinham impressionado a ele na sua vida... Por onde os senhores percebem a eficácia desse tipo de apostolado e como realmente, não digo que valha a pena estudar aquela seção enquanto feita por mim, mas vale a pena estudar aquela seção que não atingiu seu verdadeiro auge. Mas cujo pensamento dominante pode traçar o caminho para um gênero de apostolado que é muito precioso.

Então quais as perguntas que alguém deve fazer ao estudar os ACC?

Perguntas que dizem respeito à intenção com que aquele artigo foi feito. Porque se conhece algo em todos os seus sentidos, em todos os seus aspectos, em toda a sua profundidade quando se conhece sua finalidade. Então é preciso saber de cada ACC que intenção houve.

Em geral a intenção de cada artigo daquela seção consiste em fazer conhecer pelo leitor uma verdade, mas primeiramente apresentando uma impressão. Depois, uma análise e por fim uma conclusão. Esta impressão corresponde mais ou menos àquela coisa vaga e frequente, a qual, na linguagem da quase totalidade dos meus caros amigos aqui presentes, se chama “vivência” e que eu nunca cheguei a entender completamente, mas que é algo meio descolado da razão e que às vezes funciona contra a razão e que dá trabalho... Mas enfim acho que a vivência se define por aí: é uma impressão.

Então a fotografia, ou o contraste das fotografias, deve dar uma primeira impressão antes de ser lido o texto. A gente lê o ACC verdadeiramente antes, olhando para a fotografia ou para as duas fotografias e procurando formar a gente mesmo uma impressão. Depois, vai-se ao texto e – não é sempre nessa ordem, mas mais ou menos – observa que o texto apresenta uma descrição analisada da(s) foto(s), de maneira tal que ajude a pessoa a explicitar as primeiras impressões que teve.

É preciso, pois, se colocar esta pergunta: onde está a descrição analítica? Esta, quando se trata do contraste entre duas fotos, se desdobra: 1) a descrição analítica de uma fotografia (ou pintura etc, etc.), da outra e 2) depois em que parte do artigo está o contraste; 3) no que ele (contraste) consiste? Esse contraste nem sempre é um contraste explícito. Quando há uma fotografia só, ela é o contrário do que o leitor comum pensa ou no seu lado bom, ou no seu lado ruim. Mas é para ser o contrário em algo. O ACC que não seja o contrário de algo, não é nada.

Acima, Richelieu por Philipe de Champaigne. Abaixo, quadro intitulado "Nossa Imagem" (David Alfaro Siqueiros, "Nuestra imagen actual", 1947. Col. Museo de Arte Moderno, INBA, México)

As duas ilustrações acima foram comentadas no artigo "Pintando a alma humana"

Depois da explicitação do contraste, há sempre um julgamento. Ou seja, tal coisa é boa, tal coisa é ruim. E há no fim um princípio em função do qual esse julgamento foi enunciado, e evidentemente é sempre um princípio da doutrina católica.

Assim a gente estuda os ACC procurando marcar no próprio texto do artigo as várias partes para compreender bem o pensamento que nutriu aquela matéria. Mas, por favor, que não seja na coleção original do “Catolicismo”...

Mais ainda: à medida que se lê o ACC, a gente deve ir conferindo na fotografia (os comentários), para aquilo entrar pelos olhos e não ficar uma coisa teórica. A fotografia é como um mapa do comentário. Assim como numa aula de geografia, o professor dirá: “Lisboa fica na desembocadura do Tejo, no litoral portanto do Oceano Atlântico. É a capital de Portugal”. Então o aluno olha: Portugal, Lisboa, Tejo, etc. Assim também à medida que se vai lendo o comentário, vai se procurando encontrar na figura aquilo que está comentado.

Aí se forma uma noção clara porque tal ACC é útil ao apostolado. Por que? Porque a intenção foi ensinar um princípio católico, levando a pessoa a compreender, a sentir de um modo vivo o que tal princípio tem de bom e o que o contrário dele e sua violação tem de ruim. Essa é a intenção última que a gente deve procurar.

A última pergunta é sempre essa: qual é o ponto da doutrina católica que está ensinado aqui e qual é o erro ou o mal contrário a ele e que está aqui condenado?

Não há um ACC que seja puramente laudatório, de puro louvor. Há sempre uma condenação.

Qual é a utilidade disso? Nós aprendemos no Catecismo uma série de noções. Mas depois encontramos na vida prática uma porção de ambientes, de costumes e toda uma civilização que contrariam os princípios que aprendemos no Catecismo. Mas não somos formados, pela maior parte dos diretores de vida espiritual, no hábito de analisar as coisas sob o ponto de vista católico, aprovando as que são católicas e censurando as que não o são. É um hábito que não temos. Vamos olhando as coisas assim (superficialmente)... E o resultado é que elas nos influenciam. Teoricamente somos como o Catecismo manda. Mas no modo de sentir, no modo de agir, muitas vezes somos diferentes.

Então a seção “Ambientes, Costumes, Civilizações” procura corrigir essa lacuna, ensinando-nos a tomar uma atitude de vigilância contra-revolucionária em relação a uma “civilização” que está imbuída de um espírito péssimo. Ensinando-nos também a concretizar, por assim dizer, os princípios que aprendemos em abstrato no Catecismo. Ou seja, conhecendo os princípios que, por assim dizer, se corporificam ou se exemplificam, então temos desses princípios uma noção muito mais real. É para isto que a seção “Ambientes, Costumes, Civilizações” foi feita: para dar, portanto, vida ao ensino da doutrina católica.

Há um modo talvez mais simples de se aprender a fazer os ACCs e que é muito interessante, mas não sei se interessaria aos senhores. Na biblioteca de Dom Pedro Henrique há um livro que passou para o poder de Dom Bertrand e de Dom Luís e que é a história do duque de Orléans. Ele possui inclusive a curiosidade de ter um autógrafo do Conde D’Eu, que é um personagem histórico, oferecendo o livro à avó de Dom Bertrand, Princesa Dona Maria Pia. Neste livro há diversas fotografias de pessoas, objetos e lugares atinentes à casa de Orléans. Os subtítulos são uma espécie de ACC elementar, mas muito bem feito, com aquela clareza francesa. E por ser muito mais simples, talvez seja muito mais fácil de a gente apanhar à primeira vista.

Se os senhores tiverem interesse, eu poderia fazer projetar aqui e ler o comentário. Primeiro eu projetaria as fotos, os senhores ficariam analisando um pouquinho – um minuto digamos –, e depois leria para os senhores irem vendo como vão descobrindo, pelas descrições do autor desse livro, uma porção de coisas que a gente não teria explicitado antes. Se os senhores quiserem, isto está para um curso de ACC como o primeiro ano de um curso está para o terceiro ou quarto. Seria muito interessante para dar o primeiro passo.

(Pergunta: O que é que o senhor chama de “último ideal de uma civilização”?)

É a nota pela qual essa civilização especifica e caracteriza em si mesma o seu modo de ser católico. Em outros termos, corresponde à noção de luz primordial de um indivíduo, adaptada à noção de civilização. Tomando a civilização como uma espécie de todo psicológico, coletivo, para o qual pode ser transposta a noção individual.

Se os senhores me perguntarem o que os ACCs tem de mais difícil, eu direi que é a linguagem. Porque é muito difícil a gente encontrar a palavra que exprima bem exatamente um matiz. Com efeito, aquilo só interessa na medida em que o leitor encontre a palavra que signifique bem exatamente o matiz do que ele sentiu. E por isso é preciso, às vezes, a gente apertar o próprio vocabulário para encontrar nas palavras de uso corrente, cujo sentido todo mundo conhece, precisamente aquela que traduz o matiz da verdade que está naquilo. Os franceses dizem que “la vérité est dans les nuances – a verdade está nos matizes”. Onde não há matiz, não há verdade. Aonde não há matiz, não há “Ambientes, Costumes e Civilizações”.


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