Plinio Corrêa de Oliveira

A Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto:

modelo do heroísmo católico

 

"Santo do Dia", 18 de fevereiro de 1971

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é extrato e adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.


Qual é o heroísmo católico?

O supremo exemplo do heroísmo católico é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não é só o modelo de toda forma de virtude e santidade mas é a fonte, porque dEle emanam as graças para se alcançar a santidade. O exemplo mais perfeito que deu de Seu próprio heroísmo foi – a meu ver – a Agonia no Horto, da qual Nietzsche tinha desprezo. Esse dizia que Nosso Senhor Jesus Cristo não Se tinha mostrado varão naquela circunstância e que com Sua doutrina do perdão, com Sua bondade, não era verdadeiramente um homem, mas um ente amolecido e dulçuroso. Esta afirmação é blásfema e se se tivesse mandado Nietzsche carregar a Cruz, ele teria pedido água duzentas vezes, teria abandonado, teria apostado, teria feito cem coisas, porém não teria tido coragem para carregar a Cruz.

Esse é o episódio heróico por excelência, não só porque se trata de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas por causa da natureza do lance. Com efeito, Ele era Homem-Deus. Considerado na Sua humanidade, era absolutamente perfeito, não só concebido sem pecado original, mas, enquanto homem, o mais perfeito que Deus criou, possuindo no mais alto grau todas as qualidades da criatura humana. Por causa disto, tinha um instinto de conservação muito agudo e muito harmonicamente desenvolvido, que decorria exatamente de sua perfeição.

Tinha também uma inteligência perfeita do que vale o afeto, a fidelidade, a solidariedade dos amigos, e, portanto, possuía uma compreensão muito mais perfeita do que qualquer um de nós do que eram todos os tormentos morais que O aguardavam. E o instinto de conservação levá-Lo-ia a ter pavor dos sumos tormentos físicos que ia padecer. Nunca houve, não há e não haverá um homem que tenha sofrido os tormentos físicos que Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu.

De outro lado, nunca houve, não há e não haverá um homem que tenha sofrido os tormentos morais que Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu durante a Paixão, não só por causa dos Apóstolos que O abandonaram, mas por todas as injúrias que sofreu de cada uma daquelas almas que Ele queria salvar. É insondável o que sofreu nessa ocasião!...

Quando chegou Sua Agonia, Sua oração no Horto, Ele - por assim dizer - pôs um ponto final em sua existência terrena. Acabou-se tudo quanto tinha atrás de Si, Sua obra estava pronta. E naquela noite tinha que fazer outra coisa: preparar-Se para o Seu próprio martírio. Preparar a sua sensibilidade física e espiritual, preparar Sua Pessoa para carregar Sua Cruz, para sofrer tudo o que haveria de sofrer. Isto importava em prever, medir, ajustar-Se, tomar a resolução e fazer. Isto foi a Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os senhores sabem que "agonia" em grego quer dizer luta. Foi a luta que Nosso Senhor Jesus Cristo travou, a luta contra aquilo que santíssimamente dentro dEle pedia que não viesse sobre Si aquele acúmulo de dores. E daí exatamente aquela oração pungente e tocante que fez. Ele começou a ter "tédio e pavor", diz o Evangelho. E de medo do que lhe haveria de suceder, começou a suar e acabou suando sangue. Não pode haver maior expressão de medo. Mas dentro deste medo, não pode haver resolução maior do que a que Ele no auge do sofrimento moral fez ao Padre Eterno: "Meu Pai, se for possível, afastai de mim este cálice, mas faça-se Vossa vontade e não a Minha". O que equivale a dizer: "se for possível, prefiro não sofrer, mas se segundo Vossos superiores desígnios, devo absolutamente sofrer, não insisto na minha oração; aceito o sofrimento que vem sobre mim e enfrentarei este sofrimento, eu o sofrerei, eu padecerei até o último gemido, até a última gota de sangue, até a última lágrima. Eu não recuarei".

Então veio um Anjo e Lhe deu forças e os senhores vêem o fato extraordinário que se passa na Paixão: Nosso Senhor Jesus Cristo não tem, em nenhum momento, nenhum recuo. Mesmo quando vieram os algozes para prendê-Lo e Lhe disseram "és tu Jesus de Nazaré?", e Ele respondeu "Eu sou". Mas disse de um modo tão terrível que todos caíram com o rosto em terra. Mostrou assim que se quisesse não sofreria aqueles tormentos porque mandaria embora aqueles homens. Ele ia sofrer porque queria, apesar de tudo quanto nele clamava contra a dor, Ele a aceitava e queria carregá-la até o fim.

Neste modelo de heroísmo, os senhores tem no centro uma convicção. Estou tratando em termos humanos... Para falar adequadamente de Nosso Senhor Jesus Cristo, deveria falar de sua união hipostática, deveria falar portanto das comunicações que Sua natureza humana, Sua humanidade recebia de sua divindade durante este tempo. Mas quero simplificar a exposição da matéria, e falo portanto em termos humanos.

Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma convicção profunda, na sua humanidade, de tudo aquilo quanto a Sua divindade sabia: que tinha que fazer a vontade do Padre eterno; que queria realizar a vontade do Padre eterno. Em conseqüência desta convicção inabalável, uma vontade inabalável. Em conseqüência desta vontade inabalável, um domínio invencível sobre as paixões. Em conseqüência deste domínio, o martírio que chega até o fim.

Aqui os senhores tem o esquema, a explicação do que há de mais recôndito no heroísmo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os senhores vêem isto se repetir ao longo da história da Igreja. Há momentos em que o sopro do Espírito Santo percorre a Igreja e se levantam legiões de heróis. Por exemplo, por ocasião das Cruzadas ou da Reconquista: aqueles heróis que saem muitas vezes na alegria para ir combater pela libertação do Santo Sepulcro, ou para desinfetar a Península Ibérica dos inimigos da Civilização Cristã que a tinham invadido.

Entretanto isto é apenas a hora em que a graça comunica aos homens uma alegria sensível, em que a virtude e o heroísmo são fáceis. Não é o melhor do heroísmo dos cruzados. O melhor do heroísmo dos cruzados é quando os senhores abrem os livros das Cruzadas e estudam os sofrimentos que eles passaram, os riscos que correram nos momentos em que já o sopro do Espírito Santo não se fazia sensivel neles, em que tinham que enfrentar um calor horroroso, marchas tremendas pelo deserto, dizimações pela peste, fome, ataques contra inimigos muito superiores e que muitas vezes os matavam em condições atrozes e eles perseveravam na deliberação de morrer por Nosso Senhor Jesus Cristo, até o último instante.

É claro que nestas horas, muitas e muitas vezes a graça deixava de se tornar sensível. É claro que nestas horas tinham a convicção de que as coisas se passassem como se passaram com Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, uma convicção profunda, uma determinação, um ato de vontade firmíssimo tomado em conseqüência desta convicção e o domínio da vontade sobre todos os sentidos que diziam e que pediam o contrário. Sem isto não teria havido Cruzada...

Gustave Doré - O exército Cruzado cruzando o deserto Sírio

As Cruzadas, a Reconquista, não devem ser vistas como passeios alegres de homens continuamente entusiasmados, continuamente no encanto do ato que faziam e morrendo vendo diante de si os céus abertos e dispostos a entrarem no Céu alegremente, carregados pelos Anjos. Houve cruzados que morreram assim, houve mártires que morreram assim também no Coliseu, no Circo Máximo, na plena alegria de entregarem sua vida, mas são mortes excepcionais. A morte comum do herói católico é a morte no medo, é a morte no espanto, no tédio, no horror, mas mantida heróica por uma profunda convicção.

Nisto os senhores tem exatamente o contraste entre o heroísmo dos vários tipos de escolas e o heroísmo católico. Nessas escolas, se tem sempre o medo em conta de uma vergonha; se tem a convicção inteiramente raciocinada, refletida, deliberada, em conta de uma coisa secundária, e se considera que o verdadeiro herói é um indivíduo que é preparado por uma espécie de calefação de propaganda, para fazer aquilo que o Partido ou que a nação quer dele.

E então, seja por meio da Marselhaise ou por um inebriamento das falanges que avançam a passo de ganso, ou pela hipnose do nazismo, ou por esta espécie de outra hipnose sinistra do comunismo, fazer com que os homens - não levados por uma convicção racionada mas por algumas idéias simples que parecem evidentes, que não foram objeto sequer de uma análise - fanatizados, tornados ébrios por um sistema de propaganda, nem sintam o seu instinto de conservação e se atirem cegamente, loucamente por cima do perigo.

Também o resultado é esse: passado o momento do heroísmo, o sistema desaba. Este sistema é feito para algumas grandes investidas e para vitórias; se a investida não tem resultado e é preciso começar a resistir, o sistema desaba, o sistema não se agüenta. Por que? Porque ele é todo fabricado para um ímpeto. Ele é um sistema baseado em impulsos e o que vem baseado em impulsos, fabricado por ímpeto, não tem duração.

O heroísmo católico, para o qual devemos nos preparar, é o que abrange todas formas permitidas pela Lei de Deus e dos homens, mas o fundo desse heroísmo é a fé. O fundo desse heroísmo é portanto a convicção, as certezas da fé, e que a pessoa adquire no estudo, na oração, na meditação; adquire na vitória interior contra si mesmo, contra suas paixões desordenadas; adquire sendo casto, sendo puro, sendo aplicado no trabalho; sendo coerente; adquire formando um espírito intransigente contra a Revolução que está aí rugindo; adquire calcando aos pés o respeito humano; adquire vivendo exclusivamente para a Causa católica sem se preocupar - a não ser na medida do indispensável - com seus interesses pessoais.

É assim que a pessoa forma verdadeiramente o seu heroísmo e assim um homem se torna herói. Esta é a diferença entre as escolas de heroísmo neopagãs e a escola de heroísmo católica da qual a TFP – com as limitações e as misérias daquilo que é humano – procurar ser discípula. É este o heroísmo para o qual desejamos nos preparar.

A hora pede mais do que nunca heroísmos. Este século será o século dos heróis porque só os heróis vão sobreviver. É preciso que compreendamos que nascemos para ser heróis, mas não heróis de puro impulso e de puro temperamento, mas heróis da fé, heróis que sabem ser heróicos como Nosso Senhor Jesus Cristo foi heróico.

Alguém dirá: "é pretensiosa a comparação". E eu respondo: não se trata de comparação a não ser no sentido de que Ele é o modelo de todo católico, e que todo o católico deve imitá-lO. Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo disse: "sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito". Portanto devemos dizer: sede heróicos como Nosso Senhor Jesus Cristo foi heróico. Esta é a verdadeira escola de heroísmo.