Plinio Corrêa de Oliveira
Análise
de um tapete persa:
Santo do Dia, 18 de janeiro de 1971 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério
tradicional da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Tapete que se encontrava na então sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, tal qual se achava em vida do Prof. Plinio Fiquei de responder às seguintes perguntas: “Por que na Sala do Reino de Maria havia um tapete persa? Para a composição do ambiente sacral da Sala, que papel tinha um tapete fabricado por pagãos? E sem nenhuma nota religiosa, definida ou indefinida? Por que razão um tapete pode servir ao mesmo tempo para o chão e para decorar uma parede?” Antes de responder, temos que analisar e fazer um comentário do tapete.
Esse tapete foi comprado por Dr. Luiz Nazareno de Assumpção Filho em um antiquário. O seu proprietário declarou a ele que vendia o tapete por um preço muito menor do que normalmente o faria porque os fios sofreram uma certa deterioração e se ele fosse usado no chão, em pouco tempo se rasgaria. E se não estivesse nessas condições, já teria sido vendido. Eu acho esse tapete de uma beleza extraordinária! O tapete é feito de seda e cada um desses coloridos do tapete, a gente examinando bem, quer esse fundo azulado, quer, por exemplo, esse vermelho, ou essa cor creme ou esse marrom ou o verde, os senhores percebem que tem aquela espécie de luminosidade e brilho que é inerente à seda. Mas é uma seda de primeira qualidade! De maneira que a cor toma quase o aspecto de uma cor de pedra preciosa, ou dir-se-ia de um mineral intensamente iluminado, o que constitui uma das notas bonitas do tapete. Os senhores vejam esse vermelho que cor admirável tem! É uma cor que se diria que é quase viva! Também para minha vista - no ponto de reflexão da luz em que estou colocado - este azul-marinho é um azul prestigioso, profundo, noturno, um pouco misterioso, mas em que a luminosidade da seda está presente e que torna o tapete muito bonito. Outra coisa: trata-se de um conjunto de cores e desenhos que, à primeira vista, devem ser considerados como tais, sem a gente pôr em ordem propriamente essa visão. É ver a massa de formas e de cores no seu conjunto. O que dá uma idéia de fantasia, de suave e agradável desordem, de sonho. É um tapete que tem qualquer coisa de um sonho. Mas, de outro lado, quando os senhores prestam atenção, esse sonho é muito ordenado. Os senhores notam que o tapete tem duas partes: uma bordadura e um centro. Os senhores notarão que a primeira é calculada de maneira a realçar o centro. Ela não é senão uma moldura. O centro azul com o colorido é que chama a atenção. Isso é feito apenas para valorizar o centro. Então a bordadura é relativamente estreita em relação ao centro. Depois, de outro lado, de uma cor clara que acentua o azul escuro e, de outro lado, ela é composta de algumas faixas para não serem monótonas. Então, se fosse só branco seria monótono. Mas há duas faixas que se repetem mais ou menos. Há todo um jogo de ordens calculadas que dão agrado à vista e que impedem que qualquer elemento seja monótono. Os senhores vêem, por exemplo aqui, uns brilhos quase de cor de pérola, dessa faixa. E depois uns desenhos, uns arabescos que a gente não sabe o que quer dizer. São delicados, evitam o monótono e descansam a vista. No centro os senhores encontram uma linha fundamental que é constituída por essas figuras colocadas em face uma da outra. Há, portanto, um eixo em torno do qual todos os desenhos do tapete estão feitos. E esse eixo tem seus desdobramentos. Aqui os senhores têm um eixo, aqui outro... De cada um desses eixos parte uma porção de coisas. Em qualquer lugar que os senhores olhem, os senhores vêem uma série de ramificações harmoniosas, caprichosas, que se repetem do outro lado. Há duas espécies de harmonias: uma perpendicular, que é a harmonia do eixo; e outra são as harmonias horizontais e que se desprendem dessa parte central. De maneira que uma análise nos mostra um tapete bem ordenado quase como se fosse um jardim francês. Mas uma ordem que se oculta e se disfarça a si mesma para deixar aparecer a fantasia. Então, o conteúdo estético - segundo eu o sinto - mais agradável do tapete é exatamente essa superposição de fantasia e de uma ordem discreta, de maneira que os olhos se deleitam, mas o raciocínio, que pede ordem em tudo, é discretamente atendido. O jogo fantasioso está mais nas cores. O jogo da ordem está mais nos desenhos. O prestígio da seda realça o todo. Isso é, a meu ver, a beleza desse tapete. Tapete que é profundamente bem pensado, mas que parece ter sido desenhado por um artista numa hora de despreocupação. Por que? Porque o próprio das coisas profundas é não manifestarem muito a sua essência e de elas quase se disfarçarem numa amável displicência. É como, por exemplo, a pessoa que a gente olha e diz: “que educada!” Em geral não é uma pessoa muito educada. A pessoa muito educada é a pessoa que a gente olha e diz: “Que agradável!” E depois, quando presta atenção, vê que ela é educadíssima. Mas a regra da educação está meio disfarçada por uma naturalidade distinta, mas onde a gente não vê a intenção contínua de cumprir uma regra. Aquilo está meio esfumaçado por detrás. Fica mais bonito. É como uma pessoa que falasse bem, por exemplo. Se a gente fosse constantemente observar que ela está empregando a regra terceira, usando o expediente quarto etc., perderia completamente a graça. A gente tem que ter a impressão de que aquilo não foi nem sequer pré-pensado. E a regra deve estar de tal maneira no fundo que nem sequer foi pré-pensado mesmo. Analisando-se, faz sentido. Aí é que a regra serve para o prazer, para distensão e se torna agradável. E me parece que está eximiamente bem realizado nesse tapete. Apesar de tudo isso, o tapete, antes de tudo, provoca uma impressão de efervescência prestigiosa de cores. E isso ele consegue, a meu ver, esplendidamente. Eu diria que é um tapete de pedras preciosas...!
O que faz esse tapete na Sala do Reino de Maria? Eu pergunto o seguinte: imaginem os senhores que um pintor fizesse um quadro representando Nossa Senhora aparecendo no Céu. E, em volta, uma série de jogos de luz, maravilhosos, mas que não formassem nem a cruz, nem um M, mas fosse um mero jogo de luz. Esse jogo de luz seria digno para nele aparecer Nossa Senhora? Evidentemente sim! Por que? Porque o jogo de luz é uma criatura de Deus, que espelha uma perfeição divina e Nossa Senhora está muito dignamente exposta aonde se espelha Deus Nosso Senhor. Então, não é preciso para que uma coisa nos fale de Deus, que haja necessariamente um sinal da Cruz, ou que uma frase tenha um sentido religioso. Absolutamente não é necessário. Basta que aquilo tenha um valor intrínseco de caráter estético, portanto, de caráter moral, que tenha algo que nos aproxime de Deus. Na compostura e na majestade da Sala de Reino de Maria fica bem essa explosão de cores, essa seda de bom gosto. Fica bem para quê? Porque a seda, as cores são criaturas de Deus e realçam bem a beleza da obra divina. É por causa disso que encontramos em tantas igrejas, mármores. Alguém poderia dizer: “Por que tem esse mármore aí na igreja? Os veios do mármore não formam nem uma cruz nem a letra M...” É por que? Porque o mármore é lindo! É uma linda criatura de Deus e pela sua beleza fica bem na casa de Deus.
O primeiro ouro que veio da América foi dado para adornar o teto da basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma. Por que? O que tem o ouro a ver com Nossa Senhora? A invocação não é “Nossa Senhora do Ouro”! Não, não tem nada que ver. Mas o ouro é ouro. E o ouro está bem no templo de Nossa Senhora. Alguém dirá: “Mas esse tapete não foi feito por Deus!” Eu bem sei. É uma obra de arte. Dante diz que as obras de arte são netas de Deus, porque são filhas do homem, que é filho de Deus. Poderia vir uma outra objeção: “Mas esse tapete aqui foi feito por um homem que se os Cruzados pudessem, rachavam de meio a meio!” É possível que aqui tenham umas letras quaisquer do Alcorão. Será que os Cruzados veriam com bons olhos, na Sala do Reino de Maria, um tapete feito por esses incréus? A resposta é: a importação de tapetes árabes se tornou grande na Idade Média e várias mesquitas árabes os Cruzados da Reconquista transformaram em templos católicos. Por exemplo, a mesquita de Córdoba, que há séculos é catedral de Córdoba. A catedral de Granada, etc. Porque a arte árabe não era uma arte substancial e fundamentalmente má como é a “arte” moderna. Ela tem muitos elementos de uma arte verdadeira. Ela não tem a sacralidade superior das coisas medievais, é verdade. Mas ela tem muitos elementos de uma arte verdadeira, e por isso ela serve condignamente ao culto. Então, se eu, em vez de ter esse tapete, tivesse alguma coisa tipicamente gótica de igual valor, eu preferia cem mil quinquilhões de vezes! Sem nenhuma dúvida. Mas não tenho qualquer hesitação em pôr esse tapete na Sala do Reino de Maria.
Catedral de Granada (Espanha) Alguém dirá: “Mas por que um tapete que a gente põe no chão, coloca-se para ornar as paredes também?” Porque numa civilização de alto teor se cuida de tal maneira do soalho, do chão, que nele se põe muitas vezes ornatos que ficam bem na parede. Por exemplo, em todos os tempos, mármores no chão, mármores na parede; mosaicos no chão, mosaicos na parede. Na Sala dos Alardos da rua Maranhão, leão no chão, leão na parede. Em quantas salas medievais, o escudo da família no chão, símbolo da honra da família, ou o escudo da família na parede, ou no teto. Quer dizer, isso é um hábito de honrar a vida humana com símbolos bonitos onde quer que o homem olhe. De maneira que essa é a razão. Não sei se eu fui suficientemente claro.
(Dr. Plinio, o senhor fez toda uma análise pormenorizada do tapete e disse, ao mesmo tempo, que foi profundamente pensado. Agora, a pessoa que realizou isso, fez toda a consideração que o senhor fez, ou foi por um gênio natural, porque é naturalmente um artista?) O melhor da coisa é que o tapete não foi pensado, provavelmente. Quer dizer, um homem que tinha de tal maneira esses valores artísticos todos como que na sua segunda natureza, que era preciso que viesse um crítico para explicitar para ele o que estava no fundo de sua alma, que é o melhor da coisa. É exatamente quando certos movimentos da alma são tão radicados no homem que ele não precisa pensar para fazê-los. (E qual é o papel do mistério nesse tapete?) O tapete tem mistério, em primeiro lugar, proveniente de seu fundo azul. É um azul - não sei se o senhor está bem colocado para ver - mas é azul meio misterioso. E a seda trabalhada de um certo modo é misteriosa também. Ela ilumina e se esquiva e dá a entender que, por detrás da luz que difunde, tem alguma coisa que a pessoa que vê não a pega inteiramente. Exatamente o bonito da seda é isso. Por exemplo, no chamalotado. O chamalote tem qualquer coisa de insondável que convida e se esquiva à análise humana.
Chamalote é um tecido furta-cor em que a posição do fio produz um efeito ondeado, o mesmo que "moiré", é uma seda que faz assim uns veios. Mais do que isso eu também não sei descrever. É como se alguém não soubesse o que é seda... Bem, como é que eu vou descrever? É uma seda de cardeal. Se os senhores quiserem ter uma idéia, a faixa, sobretudo de um cardeal, tem aqueles desenhos, aqueles zigs-zags. Certas encadernações de livros também. Mais do que isso eu não sei... Esse conjunto de cores tem, no fundo, uma unidade cromática. Mas essa unidade cromática eu não consigo reduzir a um ponto - e talvez algum dos senhores também não consiga. É como um cone cuja ponta se perde no infinito. A gente não vê qual é a ponta. Há uma harmonia nessas cores. No que consiste essa harmonia, não se consegue definir... (Um tapete desse porte artístico, não é de se supor que foi feito somente pelo povo, mas que houve, digamos, um círculo vicioso: povo, nobreza persa, povo-nobreza persa, que acabou criando um tapete desse fôlego?) Há, antes de tudo, o seguinte: restos de religião natural presentes na religião persa e que abrem um pouco os horizontes deles para o sobrenatural. A questão é que todas as grandes obras de arte fazem-se assim exatamente: a nobreza vive com magnificência e grandeza e, sobretudo, faz coisas grandes. Isso inspira o povo que então modela as coisas sob encomenda da nobreza. Existe algo, portanto, que inspira e que é muito curioso: o nobre não saberia fazer o tapete. Tapeceiro não faria o tapete sem conhecer o nobre. Entretanto, nem o nobre nem o tapeceiro sabem dizer que relações existem entre uma coisa e outra. É como uma senhora de alta sociedade – no tempo em que havia alta sociedade... – e as modistas. A senhora inspirava a modista, fazendo um vestido que a modista não saberia fazer para si, só saberia fazer para a senhora. Mas se dissesse para a senhora: “toma um desenho e desenhe um vestido”, ela desenhava um vestido mais feio do que o que a modista faria para si... Como é que filtrou da senhora para a modista e depois da modista para a senhora esse intercâmbio de gosto, essa inspiração recíproca, também não se sabe, mas é evidente que há uma filtração. (O senhor mencionou a linguagem indireta dos símbolos) Muitas dessas coisas têm um valor quase heráldico, que o medieval possuía em alto grau. (Dr. Plinio, Michelangelo e toda a Renascença é uma decadência muito grande, porque se fixa meramente no aspecto natural. A posição inicial é dada simplesmente pela realidade palpável...) Ah, eu acho que sim. Na realidade, eles não se cingiram a isso. Vamos dizer o seguinte: eles davam a imagem exata da realidade natural, mas não só da realidade natural palpável, mas impalpável. De maneira que as obras deles tinham uma possante expressão de alma, mas de alma naturalista. O que é diferente de certa escola artística moderna, que procura fazer quase fotografia pintada, sem expressão de alma nenhuma. O quadro de uma bomba de gasolina vista de frente seria a fotografia policial... (Se a posição do tapete fosse modificada, qual seria o efeito causado? Ele perderia?) A meu ver ele perderia, porque tudo quanto tem um significado vertical e outro horizontal, é mais nobre no seu significado vertical. O vertical é mais nobre do que o horizontal. Eu teria que fazer uma longa exposição para provar, mas é o que eu penso.
Sala da Tradição, na outrora sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, como se achava decorada em vida do Prof. Plinio Eu acho que, por extravagante que seja, esse tapete não pede um paralelo com outros tapetes da sede, mas pede um paralelo com o tecido que forra a sala da Tradição. Porque o valor desse tapete está sobretudo no jogo das cores. E em matéria de cor, o tecido da sala da Tradição é uma tal explosão triunfal da cor e da seda que é com isso que - a meu ver – a comparação poderia se fazer. E é o extremo oposto. O senhor tem aí nesse tapete o Oriente – complicado, sonhador, insondável. O senhor tem neste outro tecido a singeleza do estilo francês. É uma cor só, mas que cor! que sinfonia de reflexos! que harmonia! Dois tons apenas um sobre o outro, enchendo a sala inteira! E, entretanto, encontrando essa coisa ultra-racional – é o Ocidente – de fazer uma coisa com uma cor só, mas que a pessoa jamais chamaria de monótono. É uma cor que comunica a delícia de todas as cores. Aí, a meu ver, a comparação seria de uma coisa com a outra, e seria para não chegar a uma conclusão, porque é meio insondável a comparação... |