"Hoje nós temos a festa de São Beda venerável, confessor
e doutor da Igreja [N.Site: no atual
calendário a festa cai em 25 de maio], êmulo de Santo Isidoro de Servilha;
foi dos sábios mais ilustres dos seus tempos. Tal era a
sua santidade que, por não poderem chamá-lo de Santo ainda em
vida, deram-lhe o nome de venerável que não perdeu depois
da morte. Século VIII. Novena de Nossa Senhora Rainha".
Eu tenho a impressão de que seria interessante
fazermos um comentário do Santo, não tanto considerando
o Santo, mas o título do santo. Os senhores estão vendo que ele era considerado um homem
de maior instrução do seu século e que era um homem tão
santo que não ousando os seus contemporâneos chamá-lo de
santo -- por que ninguém deve ser chamado de Santo antes
de ser canonizado pela Igreja e a Igreja muito
sabiamente a ninguém canoniza em vida -- então não
podendo ser chamado Santo chamavam-no de Venerável. Por que? Porque Venerável é o titulo atribuído pela
Igreja às pessoas cujo processo de canonização está em
curso. A aplicação desse titulo tem variado ao longo dos
séculos de acordo com os lugares, os tempos e as
disposições do Direito Canônico. Até algum tempo atrás
se chamava Venerável àquele cuja causa de canonização
tinha sido introduzida mas que ainda não tinha sido
beatificado. A beatificação se dava quando a Igreja
depois de examinar a vida e as obras de uma pessoa
concluía que a pessoa tinha praticado em grau heróico as
virtudes teologias e as virtudes cardeais. E a
beatificação dava a certeza de que a pessoa estava no céu
e de que praticou as virtudes indicadas. A
beatificação importava a autorização para um culto local
ou no lugar onde a pessoa tinha existido, tinha vivido,
ou local num outro sentido quer dizer circunscrito às
capelas ou os oratórios de uma ordem religiosa a que
tinha pertencido etc., etc. Depois com a canonização, que dependia apenas de novos
milagres, a pessoa era elevada à honra dos altares e era
apontado como exemplo e posta como objeto de culto pela
Igreja universal. O venerável era portanto aquilo que
hoje se chama o Servo de Deus e é aquele do qual há
todas as razoes para supor que ele vai ser canonizado
uma vez que o seu processo foi introduzido, mas de fato
o numero de canonizações que encalham em curso é muito
grande. Venerável era portanto uma pessoa digna de veneração,
uma pessoa da qual se presumia a santidade e eu queria
me ater a esse titulo de venerável para considerar um
aspecto da doutrina católica, da moral católica que está
muito pouco em foco hoje em dia e que os costumes do
mundo hoje tornam especialmente ignorados e mal vistos.
O que é propriamente uma pessoa venerável? Diz-se de uma
pessoa que é venerável por exemplo quando atingiu uma
idade provecta e quando tem a seriedade e a dignidade
desta idade. Assim, nós podemos dizer que nós veneramos
um homem de oitenta anos, que viveu muito, que cumpriu
sempre os seus deveres, que teve uma prole numerosa, que
praticou alguma ação insigne pela Igreja ou pelo Estado
-- nós dizemos que ele é venerável. Quer dizer, aquela longa continuidade de uma virtude
-
embora não seja uma virtude extraordinária -, incute respeito. Aquele muito
tempo passado na prática da virtude incute respeito,
aquele muito tempo passado na virtude incute respeito.
Então se diz que essa pessoa é venerável, nós veneramos
esta pessoa. Nós podemos dizer que é venerável um homem que foi
ferido em combate, por exemplo, que se portou
heroicamente durante uma guerra; nós dizemos de um
general que ganhou muitas batalhas é um homem venerável.
Por que venerável? Porque evidentemente ele praticou
atos extraordinários, incomuns, que merecem o respeito.
Nós podemos dizer que é venerável -- vamos dizer uma
religiosa que durante muito tempo, por exemplo, cuidou dos
leprosos com o risco do próprio contagio, é venerável
por que? Uma longa prática de uma abnegação num estado
de vida sumamente respeitável como é a do religioso, com
o risco do contágio que aumenta a abnegação de que o
religioso deu provas, tornam-no venerável. Então de todas essas aplicações correntes da palavra
venerável que não são as aplicações canônicas da palavra
mas as aplicações correntes da palavra, nós traçamos o
perfil moral de uma pessoa venerável. O que é uma pessoa
venerável? É uma pessoa que tem uma profundidade de
espírito que é maior do que a do [homem] comum,
adquirida pelo estudo, adquirida pela experiência,
adquirida pela meditação, seja de que forma for, tem uma
especial profundidade de espírito. Ela é venerável
porque ela tem uma têmpera, uma força de vontade
incomum, ela tem uma constância incomum. Mesmo em
circunstâncias adversas, mesmo com sacrifício de sua
própria existência, de sua própria saúde, de seu próprio
conforto, de sua riqueza, a pessoa traçou uma linha de
conduta boa e a seguiu até o fim. Isto torna a pessoa
venerável. É uma pessoa que
se faz notar por um modo de presença
que incute o respeito. A pessoa venerável está presente:
os outros amam de ver aquela respeitabilidade e
respeitam, tem uma tendência natural a se inclinar, tem
uma tendência natural a prestar reverencia, a obsequiar.
Aquilo é feito como quem pratica um ato de justiça
devido. Isto torna a pessoa venerável. Os senhores estão vendo que a idéia de venerabilidade
tem na sua raiz o conceito de seriedade. Tem como
corolário a idéia de força e tem como ápice a idéia de
abnegação. Quem é serio, quem é forte, quem é abnegado,
este se torna respeitável. Aqui está o conceito de
veneração, de venerabilidade.
Os senhores tem uma imagem em São Paulo que dá um idéia
bonita de venerabilidade: é a imagem de São Bento que
está do lado de fora do mosteiro de São Bento, no
pórtico. Aquela imagem deve ser vista -- aquela fachada
deve ser considerada no momento em que o Cantabona dá
seis horas da tarde, em que sobre a zoeira idiota e
super excitada da cidade caem os sons meditativos
compassados, nobres, pesados do sino do mosteiro. Então
nós temos as torres imutáveis, perpétuas, de um granito
em que nada toca, que resiste a todas as transformações
da cidade e são sempre as mesmas. Os senhores tem um
sino que vem do fundo dos séculos com timbre grave, com
timbre solene. Os senhores tem o pórtico bonito, nobre,
que se avança sobre a rua e no ângulo da torre uma
figura se eu não me engano de um anjo que se apóia sobre
um letreiro que diz: Ora et labora -- é o símbolo da
venerabilidade, reza e trabalha, é da ordem de São
Bento. Bem e o "reza" não é só o rezar, mas é o meditar,
considerar, contemplar e trabalhar com as suas próprias
mãos. Depois os senhores tem então na frente a figura de São
Bento. Um homem já sexagenário, ou mais, com uma grande
barba, um ar de pastor com um cajado olhando assim a
cidade que passa. É o próprio exemplo da estabilidade,
da seriedade, da profundidade de vistas da alma
patriarcal, do espírito varonil desses homens que não
tem prole material mas tem prole espiritual infinda e
cuja figura se impõe à veneração de todos os séculos.
Esta é a venerabilidade. Ela, como eu disse, tem como fundo a seriedade, ela tem
como prolongamento a força, e ela tem como ponto
terminal a abnegação. Quem é serio, quem é forte, quem é
abnegado, este é respeitável. Eu jantei agora num restaurante -- estava havendo um
jantar de qualquer coisa que havia, me parecia um
noivado, e até me parecia um noivado em que a família da
noiva estava extremamente contente por que o modo pelo
qual o rapaz foi recebido é ... eu não sei se é por que
vale a pena o rapaz entrar na família ou se é porque
vale a pena a moça sair da família... mas havia um
contentamento extraordinário com o jantar. Bem, pessoas
todas elas a gente via duas gerações numa mesma família:
então, uns eram do meu tempo, e depois havia uma de uma
geração intermediaria, assim uns quarenta e cinco anos,
florescentes e repolhudos; e depois tudo o mais era
geração nova. O modo deles se cumprimentarem, de eles
entrarem em contacto, deles conversarem era a negação da
seriedade, não havia seriedade nenhuma, todo mundo ria,
mas não sorria -- porque sorrir é uma coisa que pode ser
feita com seriedade, mas é brinquedinho, tapinhas nas
costas, camaradagem. Os velhos fazendo o possível para
descer até o nível dos moços, sem que o moços fizessem o
possível para subir ate o nível dos velhos. Uma baixa de
nível geral e ar de gaiato esportivo de uma besteira
oficial em que tudo era a negação da venerabilidade. Bem, os senhores tomam um grande numero de imagens que
nós vemos em nossas igrejas, não incutem veneração.
Podem incutir ternura mas não incutem veneração. Não tem
aquela característica que tem por exemplo o Crucifixo
que Dr. Paulo deu à sede e que foi fotografado no nosso
audiovisual, que incute suma ternura mas suma veneração.
A pessoa a única atitude que pode tomar diante daquilo é
ela ajoelhar. Não tem aquela venerabilidade imponderável
porque não resulta de nada.
A marca da dinamite não torna venerável nada, mas
aquela
venerabilidade especial da Imagem que está no nosso
Oratório -- há uma venerabilidade que por assim dizer
flutua ali em volta, e que por assim dizer sai do
Oratório e forma como que uma roda que chega até o meio
fio da calçada, um nimbo de venerabilidade que se
desprende daquilo e que é uma graça, uma espécie de
carisma de venerabilidade por onde não há uma pessoa que
passando lá continue a falar alto. Todo o mundo baixa a
voz e se sente ao menos de passagem, recolhido diante
daquela imagem quando passa por aquele lado da calçada.
É uma imagem que contagia tanto de veneração que as
pessoas que não gostam de venerar fazem uma coisa que é
uma das maiores homenagens à imagem: passam longe.
Atestando por aí que se passarem perto algo se desprende
daquela imagem que as atinge; fugindo elas reconhecem um
imponderável; reconhecendo esse imponderável elas
glorificam a Nossa Senhora. Isto é a venerabilidade. Eu não sei de uma imagem verdadeiramente católica que
possa não incutir veneração, eu não sei de nada católico
que não seja venerável e quando se os senhores virem
alguma coisa que não é venerável, os senhores sob minha
responsabilidade, podem dizer desde logo: ali não está o
sinal distintivo da Igreja, ali não esta o espírito
próprio da Igreja Católica. O espírito próprio da Igreja
Católica é comunicar uma nota de respeitabilidade e de
venerabilidade a tudo. A Igreja não toca em nada sem
enobrecer aquilo que tocou, e não há verdadeira nobreza
que não se distinga pela nota da venerabilidade. A
sacralidade é a mais alta expressão da venerabilidade.
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San Beda
ROMÁN,
BARTOLOMÉ- Museo Nacional del Prado - Madrid |
Isto vai para formar o nosso espírito contra duas
espécies de influencias que nós recebemos: primeira,
“heresia branca” expressa nessas imagens da igreja que
olham com uma carinha assim que a gente não sabe o que
dizer. Há um mosteiro aqui, um convento com um frade
destes que concordam com tudo, muito bobo muito assim,
coitado está fora de combate se é que alguma vez ele
combateu na vida dele -- bem, mas era um tipo assim
desses tipos bem bons, os próprios frades do convento
lhe tinham dado um apelido ruim “menino Jesus”. Por que?
Por causa de algumas imagens do Menino Jesus que nhi...nhi...nhi...
não é? Não. As coisas tem que ser veneráveis, tem que
incutir respeito. Aí está Nosso Senhor Jesus Cristo, aí
esta Nossa Senhora, aí está a igreja Católica. E para defendê-los, em primeiro lugar contra isto; em
segundo lugar contra outra forma de influencia que eu
reputo também muito inconveniente e muito nociva que é
exatamente essa espécie de otimismo cândido e engraçado
de nossos dias, que não é senão uma espécie de bobeira
oficializada. Pessoas corroídas de preocupação, que
trabalharam o dia inteiro como mouros de olho afiado
para pegar o que puderem, e que entretanto chegam na
hora do jantar, à noite, estão tudo com umas carinhas de
querubinzinhos inocentes -- e querubim idiota, não
querubim verdadeiro -- caricatura de querubim.
É contra essas influencias que eu destaco o título de
São Beda o Venerável. Como eu gostaria de ter conhecido
São Beda o venerável, como me agrada imaginar vestido
com grande toga beneditina, com um cajado na mão, e
expondo numa voz grave numa idade que a voz começou a se
tornar trêmula e que no tremor recebe uma espécie de
quintessência de comunicação, de sabedoria, que antes
disso não tinha recebido. Um porte que é mais desses
portes de monumento do que de gente, quando um homem vai
tomando um tal ar que ele vai ficando parecido com uma
catedral. Então, ver São Beda o venerável, ajoelhar-me
diante dele, oscular os pés dele, e implorar que ele me
obtivesse de Nossa Senhora -- para os senhores e para
mim -- algo dessa venerabilidade sem a qual ninguém é
católico.
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