Plinio Corrêa de Oliveira
Irmã Camille de Soyecourt: Um grande exemplo é muito mais do que realizar uma grande obra
"Santo do Dia", 17 de fevereiro de 1970 |
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A D V E R T Ê N C I A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
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(Leitura de trechos de G. Lenotre, “Vieilles maisons, vieux papiers”, 2ème série, Perrin, Le roman d’une carmélite, pags. 343-359:)
Os senhores tem ouvido falar a respeito do “rio chinês” [expressão utilizada para significar um itinerário cheio de voltas, de dobras e de surpresas, como seria o de algum caprichoso rio chinês]. Eu queria que os senhores se colocassem nessa biografia, não na posição de um mero leitor, mas de quem a viveu. Porque são coisas muito diferentes a gente ler agora essa vida, acabar e dizer: “que grande mulher foi a mademoiselle Camille de Soyecourt!” Outra coisa é a gente se imaginar dentro de sua pele. A gente vê, então, tudo quanto foi acontecendo para ela, como sendo uma coisa com uma vocação definida, um objetivo muito definito, ela adentrou esse objetivo com todo o empenho de sua alma. Quando os senhores vão ver o curso da vida, dão se conta de que foi tipicamente do “rio chinês”. Quer dizer, ela ser carmelita, entra no Carmelo, forma-se. Ela poderia esperar, por exemplo, uma vida como a de Santa Teresa, a Grande, ou então uma vida de Santa Teresinha. Ou seja, uma vida inteira transcorrida no Carmelo, com essas ou aquelas dificuldades, mas dentro da vida carmelitana. Com certeza ela tinha tido mil apetências, sugeridas pelas graça, para isso. E o que acontece? Em vez de ela ter essa vida, vem a Revolução Francesa e vai para o cárcere. Vamos dizer quer tenha pensado em martírio: “Vou dar a minha vida, vou ficar uma santa. Está bem, aceito com todo gosto!” Conformidade. Foi posta em liberdade. Posta em liberdade esperava viver, ao menos sozinha, para Deus, mas se transforma em chefe de família, apesar de solteira. E fica tutora de um “bambino” [seu sobrinho] que tem que criar, formar etc., etc. Era uma moça rica e perde a fortuna. Os pais vão para a guilhotina, e ela se torna criada numa fazenda, ou seja trabalhadora manual. Então, ela tinha dado sua vida, que começa nascendo nobre, acaba em religiosa e depois desfecha em ser trabalhadora manual em fazenda. Nada exclui – a biografia aqui não entra nesses pormenores – que tenha tido que limpar estábulos, limpar vacas e fazer outras coisas ultra prosaicas desse gênero, quando não era fazer serviço prosaico para os donos da fazenda, talvez coisa pior do que tratar das vacas. Ela toca para frente. É posta fora desse emprego e se torna mendiga. Mendiga com o menino. Começa a mendigar de um lugar para outro. De repente a Revolução Francesa passa e ela se transforma em mulher de negócios. E começa a visitar cartórios para recompor a fortuna a que tinha direito... Os senhores estão vendo como tudo isso é completamente contrário ao que ela quer. Mas ela continua sempre com o mesmo objetivo: ser carmelita! A tal ponto que reconstitui o Carmelo. Reconstituído o Carmelo, nele entra para lá recomeçar a vida normal de carmelita... Prisão! Prisão até o tempo dos Bourbons. Prisão longe, uma espécie de exílio, uma coisa assim. Novamente sua vida de carmelita se interrompe. Afinal volta para o Carmelo, porque voltam os Bourbons, que restabelecem a ordem de coisas normal. Volta para o Carmelo. Dir-se-ia então que ia levar uma vida tranqüila como carmelita que, afinal, está no seu convento e começa a rezar. Mas inicia outro gênero de provação. Dir-se-ia: “Bem, coitada, é a fase final. Agora então vai morrer daqui a pouco e vai repousar em Deus”... Não senhor! Nada de repousar em Deus. Lutar na terra até o último alento! Então fica vivendo até os noventa e tantos anos, sempre praticando penitência, modelo de religiosa, agüentando as doenças nas costas, e afinal de contas morre numa idade que, com certeza, nunca podia imaginar que ela atingisse depois de tantas doenças e outras provações. Agora nós vamos perguntar, aos olhos do espírito moderno, como considerar isso: foi uma vida frustrada ou foi uma vida realizada? É a pergunta que a gente deve fazer. Para os homens de espírito moderno foi uma vida frustrada. Porque a vida realizada seria se ela tivesse entrado no convento e tivesse ficado religiosa direitinho até o fim. Como teve coisas que atrapalharam a vida dela e a obrigaram a ser uma porção de coisas que não queria, ela cem vezes durante a vida deveria ter se sentido frustrada, deveria ter abandonado a vocação. Afinal de contas quando veio, dentro da vocação, a doença, ela poderia ter dito: “Não tem mais solução! Deus me entregou! Porque agora que eu poderia levar a vida normal de uma carmelita, começo a levar uma vida de doente!...” Nós, entretanto, dizemos que foi uma grande vida realizada. E é impossível os senhores terem ouvido essa ficha sem sentirem a maior admiração por ela. Mas então perguntamos: o que é a realização? E é aqui que entra o choque do homem do mundo contra o espírito católico. Por que no que ela foi martirizada segundo o espírito da Igreja? No que, segundo o espírito do mundo, ela não foi realizada? Segundo o espírito do mundo, ela não foi realizada porque não levou a vida que quis, não realizou a obra que empreendeu. Em última análise, a noção de “realizado” segundo o mundo é ou a de um indivíduo que levou a vida que quis, ou de um indivíduo que ganhou muito dinheiro. Estão aqui os dois conceitos de homem realizado. Ora, ela não ganhou muito dinheiro e não levou a vida que quis. Logo ela não foi realizada. Mas é impossível nós ouvirmos a leitura dessa ficha sem vermos que ela foi realizada. Então o que é, no sentido verdadeiro da palavra, a realização? A realização não é o que o mundo pensa, mas realização é algo diverso. A realização é - antes de tudo - realização de si mesma. Antes de tudo não digo no sentido supremo, mas no sentido mais imediato. É a realização de si próprio. Em outros termos, a gente vê que ela realizou uma grande personalidade, foi uma pessoa de grande virtude e que no esplendor de sua virtude manifestou numerosas qualidades até naturais de que a Providência a tinha dotado. Quer dizer, ela tirou de si tudo quanto potencialmente tinha. Levou até à perfeição mil coisas que nela estavam potencialmente, como uma semente que deu inteiramente uma esplendida árvore. Então, o realizar-se - nesse sentido mais imediato da palavra - é o atingir a sua própria perfeição. Se fez o que quis ou não fez, não tem importância. A importância é ter chegado à sua própria perfeição. Isso sim! Essa é a primeira noção. Segunda noção: vemos que ela realizou essa perfeição não através de uma série de fracassos que tenham ficado em fracasso. Mas vemos que sua vida tem uma continuidade. Essa continuidade, esse plano não era assim que ela queria, mas eram planos que Deus tinha a seu respeito. Ela fez a vontade de Deus! Em que sentido se deve tomar essa afirmação? No seguinte sentido: quando acabamos de ler essa vida, vemos a grande obra dela para a glória de Deus entre os homens. E que não foi tanto de acabar fundando um convento – que é uma obra excelente – mas uma coisa muito maior do que fundar um convento: é ter deixado um grande exemplo! Ser um grande exemplo de perseverança, um grande exemplo de resolução, um grande exemplo de força de alma, de confiança na Providência Divina, de obediência aos desígnios de Deus nas circunstâncias mais adversas da vida. De maneira que enquanto sua memória for conhecida pelos homens, haverá homens fracos, em condições difíceis, que terão um alento maior parta enfrentar as dificuldades da vida, por causa de seu exemplo. E ela será a força dos fracos, será a luz daqueles que estiverem na incerteza, na penumbra, enquanto a memória dela se guardar entre os homens. Por que? Porque foi o grande exemplo que ela deixou. E deixar um grande exemplo é uma coisa muito maior do que fazer uma grande obra. Um grande convento é uma coisa esplendida. Mas se um grande convento não fosse um grande exemplo, não adiantava de nada. Quer dizer, abaixo do culto a Deus, a melhor coisa que podemos fazer é edificar por nosso exemplo. As nossas palavras e as nossas ações vêem abaixo do exemplo. As palavras movem, o exemplo arrasta. Ela deixou um exemplo de força de alma! Tanto mais que a gente percebe em sua biografia que através de todas as incertezas de sua vida ela foi sempre forte. Nunca ela se sentiu quebrada, sempre caminhou para a frente cumprindo o dever de acordo com o que queria a Providência, sem perder a unidade do que estava fazendo. Mas entendendo que realizando o dever do momento, ela fazia a vontade de Deus. No Céu, ela está vendo essa unidade que Deus quis e talvez não tivesse calculado que o exemplo dela irradiasse tanto, que pudesse ser tão conhecido. É uma pessoa extraordinária, que talvez ainda venha a ser canonizada. Isso é a vida de uma pessoa que cegamente vai seguindo diante das dificuldades, e fazendo, e agindo e não se incomodando. No fim vem a glória, a glória de ter dado um bom exemplo obedecendo a Deus. Parece-me que essa é a grande lição que a ficha do “Santo do Dia” de hoje nos ensina.
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