|
Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Agostinho de Cantuária e a verdadeira vitória
Santo do Dia, 28 de maio de 1969 |
A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
|
Hoje é festa de Santo Agostinho da Cantuária [Canterbury], bispo e confessor, cristianizador da Inglaterra no século VI. Estamos na novena de Nossa Senhora Rainha. A ficha que me deram aqui para comentar são elementos sobre a biografia de Santo Agostinho da Cantuária, tirados de um livro famosíssimo de Montalembert, “Les Moines d’Occident”, “Os Monges do Ocidente”. “Santo Agostinho foi o chefe dos monges enviados por São Gregório Magno para converter a Inglaterra. Ele e seus discípulos viveram épicos lances e marcaram, com sua influência, profundamente o futuro do povo inglês. “Um dos seus sucessores, São Cutiberto, viveu uma história extraordinária, sendo considerado um dos heróis da Grã-Bretanha. Durante muito tempo era invocado pelos ingleses contra os escoceses. Possuía o santo um estandarte que sempre o acompanhava e que, quando empunhado, levou muitos combatentes à vitória. A última vez que essa bandeira apareceu nos campos de batalha foi nas mãos dos nobres da família Neville e Percy, na revolta dos católicos contra Henrique VIII”. Que beleza de coisa!... “Mas esse tirano, à custa do massacre da população rural e do assassinato dos principais fidalgos e abades da região sublevada, logrou vitória. Henrique VIII apoderou-se do santo troféu legado por São Cutiberto e o arrancou da caixa onde era venerado há séculos...” Deveria ser um escrínio, naturalmente... “...juntamente com os ossos de São Beda...” Estavam então o estandarte de São Cutiberto e os ossos de São Beda no mesmo relicário e Henrique VIII mandou arrancar de lá. “...e a mulher de um padre apóstata lançou a bandeira ao fogo”. Tinha que ser, não é? “É notável observar como esses monges, apóstolos dos primeiros tempos da Inglaterra, foram notáveis marinheiros. Nisso, como em tudo o mais, os religiosos nos aparecem como os iniciadores da raça anglo-saxônica. É interessante vê-los preludiar, por sua coragem, as explorações do povo mais marítimo do mundo. As crônicas daquela época nos relatam as terríveis tempestades da costa oriental inglesa”. Até hoje é assim. Os senhores sabem que o litoral inglês é todo ele muito batido por marés e por maremotos etc. O canal da Mancha, por exemplo, é uma coisa terrível: para fazer a travessia da Mancha, as pessoas muitas vezes têm que se segurar nos bancos e nos vapores, de tal maneira joga o mar nesse local. “Mas nenhum perigo detinha esses filhos de navegantes. Sob o capuz e o escapulário, os monges anglo-saxões não cediam em rigor e atividade a nenhum de seus antecessores. Pareciam e eram mesmo comparados a pássaros marinhos quando vistos de costas a lutar contra as tempestades. Foi essa a impressão que deram a São Cutiberto, jovem ainda e antes de ser religioso, quando assistiu da praia, em meio a uma multidão hostil e trocista, aos esforços infrutíferos dos monges de (?) para aportar contra o vento e a maré, alguns barcos carregados de madeira que transportavam para o seu mosteiro. A oração de São Cutiberto salvou-os, entretanto, e eles desembarcaram sãos e salvos”. Agora vem uma oração de Santo Alfredo, o grande rei da Inglaterra, do século X: “Eu Vos procuro, ó meu Deus. Abri meu coração e dizei-me como aproximar-me de Vós. Eu só Vos posso oferecer minha boa vontade, porque nada mais posso fazer por mim mesmo. Mas nada conheço de mais excelente do que Vos amar sobre todas as coisas, Vós o único sábio, o único puro, o único eterno”. Pode-se dizer que os dados dessa ficha são uma pequena antologia sobre a Inglaterra. Bem entendido, não a Inglaterra de hoje, nascida de Henrique VIII, mas a Inglaterra de outrora, nascida de Santo Agostinho de Cantuária e, em última análise, do batismo e da Igreja Católica. Podemos dividir aqui as noções, para fazer o comentário adequado.
São Gregório Magno envia Santo Agostinho de Cantuária e beneditinos para evangelizar a Inglaterra, catedral de Southwark Em primeiro lugar, no que diz respeito a esse discípulo de Santo Agostinho, que foi São Cutiberto. Os senhores vejam que significado profundo tem o fato desse estandarte. Esse santo tinha um estandarte que era levado habitualmente pelos ingleses na luta, sobretudo contra os escoceses, que nesses primeiros tempos eram pagãos e batalhavam contra os ingleses. Nessas lutas o estandarte do santo, portador naturalmente das bênçãos de São Cutiberto e que levava consigo a memória de sua pessoa, era uma garantia da proteção divina, razão pela qual, quando eles combatiam com tal estandarte, ganhavam nas suas guerras. O estandarte foi longamente conservado e séculos depois, mais precisamente no século XVI, ainda era tão respeitado, que estava num escrínio, num relicário junto com os ossos de um grande santo muito venerado pelos ingleses, que era São Beda. Aparece Henrique VIII, toma esse estandarte e manda queimá-lo junto com os ossos de São Beda, numa fogueira, pelas mãos de um padre apóstata. Vemos, por essa ficha, que houve uma província da Inglaterra, em que nobres e plebeus se revoltaram contra o rei que passou para o anglicanismo e que fundou a igreja anglicana. Henrique VIII exigia de todo mundo um ato de fidelidade à igreja nova que tinha fundado. Foi por isso que São Tomás Morus, São João Fisher e outros foram decapitados. Nessa província, os católicos se levantaram e fizeram uma cruzada e conduziram o estandarte de São Cutiberto. Mas depois foram derrotados, com certeza guardaram de novo o estandarte e ali Henrique VIII conseguiu pegá-lo. Os senhores vejam a tristeza, o que é o fim religioso de uma nação. Uma nação católica durante séculos, protegida por esse estandarte durante séculos, vêm os últimos católicos e lutam; mas esse estandarte não lhes é de utilidade nenhuma e são derrotados, esmagados e o protestantismo fica dominando a Inglaterra. O que significa isso? Deus teria abandonado esses católicos? Nada leva a crer. Deus não abandona os que lhe são fiéis. Mas é uma coisa diferente: a Inglaterra com certeza cometeu um supremo pecado não se deixando arrastar por essa rebelião, recusando mais essa graça e o resultado é que o próprio estandarte de São Cutiberto não lhes valeu de mais nada. Deus retirou suas graças e a Inglaterra caiu completamente na heresia. É este o destino das nações que apostatam, como a Inglaterra. Quando Henrique VIII passou para o protestantismo, o número de mártires que a Inglaterra teve não foi pequeno. Mas o número de apostasias foi colossal, foi achatador. A nação inteira apostatou e não por convicção, mas por oportunismo, por não querer ter amolação com o rei: apostatou de maldade. Quer dizer, passou da Igreja verdadeira para a igreja falsa e com isto conventos inteiros, ordens religiosas inteiras, dioceses inteiras com o bispo à frente, passaram da religião verdadeira para a religião falsa por comodismo. Alguns heróis se levantaram: não foram seguidos! Deus recompensou no Céu a alma deles pelo que fizeram. Mas a terra teve o castigo do repúdio deles. Depois, mais tarde, veio uma outra graça para a Inglaterra e Deus não permitiu que essa lhe fosse útil: é o episódio da Invencível Armada. Os senhores sabem que Felipe II constituiu a Invencível Armada a qual ia levando nos porões uma grande quantidade de exemplares da Bula de São Pio V excomungando a rainha. Essa frota naval foi dispersada nos mares que vão da Espanha até a Inglaterra e todo mundo comenta isto como tendo sido um castigo para a Espanha e como tendo sido um sinal de que Deus abandonava Felipe II. Não conheço comentário mais estúpido nem mais superficial, porque para quem dá valor antes da tudo à fé católica e à salvação da alma a verdadeira castigada foi a Inglaterra. Os senhores já calcularam o que a Inglaterra perdeu com a Invencível Armada sendo dissipada? A Espanha perdeu algo: o prestígio político, bens terrenos, uma armada que valia muito, perdeu filhos mortos naquela dispersão que, afinal de contas, ganharam o Céu com isso. A Inglaterra, o que ela perdeu? A última oportunidade de se transformar num país católico, porque com o desembarque dos espanhóis, estava tramada uma revolução dos católicos que ainda havia lá e a tomada do poder por eles, católicos. Mas a Inglaterra estava podre, completamente podre do ponto de vista moral. Resultado: nada adiantou e a Inglaterra acabou se perdendo... Aí os senhores veem como as nações caem. Por que digo isto? Para lhes explicar qual é o significado da ação desse punhado de pessoas denodadas, que lutam hoje contra a enorme heresia dos grupos proféticos e do IDO-C, de outras barbaridades dessas que estão penetrando pela Igreja. Essa heresia vai tomando tudo como o anglicanismo tomou a Inglaterra... Alguém dirá: “Nós somos um punhado resistindo. Ninguém vai nos acompanhar”. Eu digo: não é verdade, porque muita gente nos tem acompanhado. Ainda que fosse, nós deveríamos cumprir nosso dever como os católicos ingleses: deveríamos lutar. Se não nos acompanharem, não somos nós que perdemos, são eles, porque nossas almas vão para o Céu e vão ser coroadas pelo benefício que fizeram, pela conformidade que tiveram com o desígnio da Providência e pela fidelidade que tiveram à fé católica. Nunca a pessoa é derrotada quando luta por Nossa Senhora, porque Ela recompensa sempre! O derrotado é aquele a quem foi permitido fazer o crime de derrotar os bons; os derrotados são os que rejeitaram os bons; os derrotados são os que não os acompanharam; esses são os derrotados. Se tivermos a graça, o favor de Nossa Senhora de cumprir o dever até o fim, seremos os vitoriosos! Não tem por onde escapar, ou a fé católica não é verdadeira! E isso é uma coisa que devemos ter sempre em mente. A maior vitória de nossas campanhas não é que tenham vencido aos olhos dos homens: a maior vitória delas consistiu em que - pelo favor de Nossa Senhora - nós fizemos a vontade dEla, qualquer que seja o resultado. Depois vem a vitória muito apreciável do fato, por exemplo, de termos conseguido, com o favor de Nossa Senhora, evitar o divórcio; adiar, pelo menos, senão evitar a Reforma Agrária; a mensagem ao Santo Padre etc. etc. foram vitórias. Mas ainda que não tivéssemos obtido nada, teríamos vencido, porque Nossa Senhora nos abençoaria pelo trabalho que tivemos. Isto é preciso ter bem em mente. Outro aspecto muito bonito nessa narração sobre a vida de Santo Agostinho de Cantuária é a figura desses monges navegantes. Nós temos presente aqui nesta sala um teólogo, um sacerdote e se eu estiver errado no que disser, ele me corrigirá. Mas tenho a impressão de que na vida da Igreja - todo mundo sabe - há fases diversas. E que existem aquelas em que a graça sopra com tanta intensidade, que as pessoas correspondem tão bem, que tudo quanto nasce das mãos da Igreja vem com uma plenitude extraordinária, admirável até nos seus aspectos temporais. Assim, quando a Igreja empreende qualquer coisa de espiritual, o corolário de obras temporais que nascem daí é uma coisa assombrosa. Assim, por exemplo, os monges beneditinos que desbastaram os sertões europeus no tempo em que a Gália, a Germânia, a Europa Central, a Panônia, os lugares onde são Suécia, Noruega, Dinamarca, Polônia, eram bárbaros. Os monges se instalavam lá: secavam pântanos, derrubavam e replantavam florestas, abriam estradas, faziam pontes...! Quer dizer, rezando e se preocupando só em rezar, eles, entretanto eram tais que de sua oração tudo brotava. Os frutos temporais eram superabundantes, porque como eles procuravam o amor de Deus e sua justiça acima de todas as coisas, era natural que todas as coisas lhe fossem dadas em acréscimo. Aqui os senhores veem também esses monges ingleses. Que linda figura um monge - que não se julgava obrigado a pôr clergyman por causa disso e menos ainda se vestir de malandro - colocado num barquinho nos mares bravios do norte, nas brumas daqueles mares, nos rochedos daqueles litorais, sozinho, de pé, num barco pequeno e rezando ou trabalhando contra a tempestade... De tal maneira, que é até comparado a uma ave marítima pelas populações que vão ali à orla do mar ver aquela luta. E que lindo pensamento do Montalembert dizer que eles preludiaram a toda epopeia marítima dos ingleses. O que os ingleses fizeram por rapina, espalhando a roubalheira do protestantismo no mundo, foi o abuso de um dom temporal que começou com esses monges navegadores. Outro fato estupendo: um grupo de monges que está fazendo um carregamento de madeira para a terra e que não consegue; as pessoas na praia estão dando risada. São Cutiberto, o do estandarte invencível, reza. O homem do estandarte invencível tem oração invencível. As madeiras chegam e a fé do povo aumenta. Os senhores vejam como isto é belo!... Como isso é diferente de tanta coisa que a gente conhece... Já não digo as abominações de hoje, mas um raquitismo das obras católicas nas décadas que precederam o Concílio: que coisa difícil levar adiante um jornal católico! Que coisa difícil montar uma rádio católica! E quando saía uma rádio católica, o que ela difundia? Quantas vezes, do jornal católico, que monstruosidade saía! Que coisa do outro mundo fundar um colégio católico! Quando fundava, era uma máquina de fazer tudo, menos católicos: uma máquina de birbantes!... Os senhores estão vendo um raquitismo por onde os frutos espirituais eram pecos e os frutos temporais eram pocas. Por quê? Porque os homens já não eram homens de Deus como deveriam ser... Moral do caso: pertençamos a Nossa Senhora inteiramente e todo o resto nos será dado de acréscimo. Não sei se a observação é audaciosa ou falsa, mas eu creio que o senhor (que é sacerdote e teólogo) também observou a mesma coisa. Aí os senhores veem: é um teólogo que confirma. |