Pátio da Santa Cruz -
Preleção do Prof. Plinio a sócios e cooperadores da TFP de
saída para o início da
campanha de difusão de
número especial de "Catolicismo" (nº 220/221, de abril/maio
de 1969) denunciando órgãos semi-clandestinos que propagavam
a subversão na Igreja (23 de junho de 1969). Nesse
mesmo pátio
foi pronunciado o discurso abaixo, em 1968.
Qual o
ensinamento que eu deveria enunciar nesta noite de hoje, e que
representasse algo que vos tocasse; que representasse algo que pusesse
em movimento as vossas almas, que desejam não só andar, mas correr, e
não apenas correr mas voar rumo à
implantação do Reino de Maria
[2]?
Já vos tenho falado, num extravasamento
de alma, a respeito da solidão daqueles que procuram servir
inteiramente a Nossa Senhora, daqueles que se procuram colocar
num certo estado de espírito, num certo ângulo de visão de todas as
coisas, numa certa perspectiva de todas as verdades, que são um ângulo,
uma visão e uma perspectiva tais que causam horror a todos aqueles
que foram impressionados pela Revolução, e os fazem fugir
espavoridos.
Esse estado de alma
que afugenta e causa horror aos revolucionários, contém algo que é,
entretanto, cheio de luz e de paz, algo que tem uma ordenação, algo que
tem uma concatenação, algo que tem uma força; algo que incute uma
tranqüilidade, algo que tem uma capacidade de mover sem se mover a si
próprio; algo de inefável, eu diria quase algo de divino; algo de
interior, que, entretanto, tem de ser forçosamente a
luz e a glória do Reino de Maria. Porque se é desse algo que todos
fogem, e se é por causa dessa fuga que todos se precipitam na
incongruência, na revolta e no mal, não há dúvida de que é esse algo a
luz que tem de brilhar para todos os homens. Não há dúvida de que é
esse algo que tem de ser o marco fundamental, a pedra de ângulo do Reino
de Maria. Não há dúvida de que esse algo tem de iluminar a
humanidade inteira, tem de inspirar novamente os sistemas ideológicos,
as instituições e os costumes, tem de despertar as escolas de arte.
Muito mais do que isto, muito acima disto, tem de inspirar os Santos
e tem de dar à Santa Igreja Católica novos e mais rutilantes dias de
glória.
É algo que é o reflexo do olhar, do
sorriso e da majestade de Maria. É algo no que os homens devem encontrar
o bem dos séculos futuros.
E o que é esse algo?
O desabrochar da vocação do
Prof. Plinio
|
Plinio nos
anos 20 no Colégio São Luiz |
Eu me reporto às minhas recordações de
meu tempo de infância, tão
vivas para mim – e cada vez mais vivas à medida em que passa o tempo,
porque cada vez mais elas se mostram para mim como contendo ensinamentos
que eram sementes que a vida foi consolidando, e à qual foram dando
força e explicação extraordinárias –, quando eu me reporto àquelas
recordações do tempo de infância, eu me lembro de meu primeiro choque
com a impureza, e o contraste que se estabeleceu, no meu espírito, entre
a pureza e a impureza.
Há algo de sublime na pureza, que me
parece exceder tudo quanto da pureza se possa dizer.
A palavra «imaculado», a palavra «limpo», a palavra «puro», a palavra
«alvo», que outras palavras o vocabulário
humano possa ter, nenhuma dessas palavras exprime inteiramente qualquer coisa de inconfundível que existe na pureza, mas que
nós
sabemos que encontraremos no Céu, quando os nossos olhares se detiverem
extasiados na Virgem Maria.
Por outro lado, algo de horroroso,
de cavernoso, de tenebroso, algo de execrando na impureza, uma
desordem fundamental, uma sordície fundamental, algo de recusável
por definição, de rejeitável e de inteiramente rejeitável. E o
mesmo se pode dizer do igualitarismo que combate tudo quanto é qualidade,
tudo quanto é categoria, tudo quanto é classe, tudo quanto é sublime.
O igualitarismo quer que todas as coisas sejam chulas, que
nenhuma delas tenha distinção, nem elevação, nem beleza. O trivial, o
comum, o ordinário, o deformado, o desarranjado, o cacofônico: eis o
falso paraíso do igualitarismo.
E então, nesse contraste entre a
pureza, com todas as suas glórias, e o asco da impureza; no confronto
entre a humildade e o igualitarismo, eu sentia vibrar em minha alma
todo um universo feito de qualidades, um universo que afirma o
ser sobre o não ser, afirma a ordem sobre a desordem, afirma a
categoria sobre o que não tem categoria e, embevecido, considera uma
série de categorias que vão se quintessenciando umas às outras,
subindo, galgando continuamente até ao mais alto, até um ápice que é
a categoria das categorias, a perfeição das perfeições, a classe das
classes, a distinção das distinções, o contrário absoluto daquilo
que, se em termos filosóficos se pudesse corretamente chamar,
seria o mal absoluto, e que é uma forma majestosa, grandiosa, régia,
uma forma que eleva, mas ao mesmo tempo tão suave, tão amena, tão
acolhedora, tão desejosa de conter tudo em seus braços, tão cheia de
atração, que nem se sabe bem direito dizer o que é.
Como explicar o que há nesse universo,
nessa concepção que é a luz de minha vida, desde que eu sou menino?
Nessa concepção que me fez perceber aquela verdade que é a única
verdade, em função da qual todas as verdades são verdades, e todas as
verdades seriam erro se ela não existisse?
Enlevo com a Igreja e a
Civilização Cristã, ódio à Revolução
Em função desse universo eu percebi que
a Santa Igreja Católica Apostólica Romana é a verdadeira Igreja de Deus.
Eu me lembro do enlevo que eu tive quando tomei conhecimento da
infalibilidade papal. Eu me lembro do entusiasmo que senti quando,
aos poucos, saindo das brumas da infância, fui percebendo os
lineamentos da Igreja Católica, fui compreendendo a liturgia, a
organização da Igreja, a Sagrada Hierarquia; fui compreendendo depois
a Civilização Cristã, fui compreendendo os séculos do passado...
Lembro-me dos primeiros contatos da
minha alma com a Idade Média quando, num corso de Carnaval, vi uma
moça portando um desses chapéus cônicos medievais, com um grande tule
pendurado e que o vento fazia tremular. Quando aquilo passou perto de
mim, eu deixei o jogo das serpentinas e exclamei: «Ah! O que é aquilo?»
E me disseram: «Um chapéu da Idade Média». Eu pensei comigo: «Idade
Média!! Preciso reter este nome. É da Idade Média. Aqui existe algo para
mim!»
Os meus encantos com as armaduras de
guerreiros, ornadas de plumas; as coleções que eu fazia de fotografias
de famílias reais, imaginando toda a epopéia da monarquia e da
aristocracia no passado! Os meus furores nos primeiros contatos com a
Revolução Francesa. O meu ódio ao ler o processo de Luiz XVI e de Maria
Antonieta. Minha surpresa ao contar isso aos meninos de minha idade
e ver a atonia deles: «Ah, morreram, é?»
Todo o mundo deixava de pensar nas
coisas sérias, para pensar no que eles julgavam sério, e que era, por
exemplo, a façanha de um aviador singrando os céus de São Paulo, num
avião precário como uma caixa de fósforos...
Eu considerava aquilo e dizia: Mas, meu
Deus! Se não houver avião, vive-se como se vivia outrora! Qual é a
vantagem que decorre disto?
O importante é que os homens aprendam a
compreender aquele chapéu; o importante é que os homens aprendam a
estimar a pluma de uma armadura; o importante é que os homens
compreendam o que é um clarim de cavalaria; que os homens compreendam
aquele Versailles ao qual eu me agarrei, vendo uma carruagem toda de
verniz martel, com aqueles cristais abaulados e com aqueles penachos!
Todas essas coisas que são o sorriso de
minha infância, todas essas coisas que são a alegria de minha vida,
todas essas coisas que são a esperança de minha eternidade,
todas essas coisas são algo que estabelece no interior da alma não
sei que ordem, não sei que paz, não sei que certeza, que segurança, que
intransigência de ferro e de fogo, que amor por isto e que ódio ao
contrário disto! Não sei que indiferença por tudo quanto não é isto,
não sei que pouco caso por tudo quanto não se relaciona com isto,
não sei que afastamento em relação a todo o mundo que não é isto! E não
sei também que espécie, que grau, que forma de afeto por toda alma na
qual se note pelo menos um laivo disto.
Mais uma vez: o que é esse algo?
É, no fundo, algo da ordenação primeira
do ser. É, no fundo, a
própria noção de ser, vista com especial clareza, não só do ser
criatura, do ser contingente, mas do próprio Ser Divino que se mostra a
nós e que nos convida para a contemplação, nos convida para a ação, nos
convida para a luta, nos convida para o heroísmo, nos convida para
esta sentença de Judas Macabeu: «É melhor morrer do que viver numa
Igreja devastada e sem honra».
Meus caros, em todos vós, nos
primórdios da vocação de cada um dos senhores, em todos eu vi um traço,
um brilho, uma espécie de consideração inicial de todo esse universo de
maravilhas. Isto que será a glória do Reino de Maria, nos olhos de
todos vós cintilou, em determinado momento a todos vós atraiu, a todos
vós chamou.
Infelizmente, é verdade que isto que vos
atraía, como se fosse algo
que deveria caminhar e progredir em vós, e dominar completamente a
personalidade antiga, isto, entretanto, fez o papel da luz que brilha
nas trevas. Pode-se dizer que as trevas não conseguiram abarcá-la,
não a circunscreveram completamente.
Eu me lembro de algo que sempre me
impressionou, e que é a imagem do Cristo Redentor, no alto do
Corcovado. Aquela imagem que, nas noites límpidas, nos aparece tão
clara, tão luminosa, depois, em noites de nuvens, nos aparece apenas
como uma mancha luminosa. Ora se distingue o braço, ora a mão benfazeja,
abençoando. De vez em quando se vê apenas o coração, através da névoa.
Em seguida aparece a face, enquanto o resto permanece velado. Outra
nuvem passa, e são os pés divinos que então refulgem aos nossos olhos.
E assim é a história dessa luz na alma
de tantos e tantos de nós que aqui estamos.
Vêm as trevas, uma mancha de luz fica. Às vezes é algo que aparece, é um
olhar; às vezes é um fragmento de luz aqui, lá ou acolá, que emerge com
mais clareza dessas nuvens. Estas voltam a cobrir tudo novamente, e
resta apenas uma mancha luminosa. Depois sopra o vento, e mais uma vez a
luz se faz ver com extraordinária claridade.
Essa é a nossa história.
É uma história que tem muita glória,
porque, afinal, esta luz não se apagou inteiramente. É uma história que
tem muita tristeza, porque esta luz deveria ter iluminado o mundo
inteiro, e não o fez.
Entretanto, tem-se a impressão de que
uma ação progressiva de Nossa Senhora vai aos poucos invadindo as nossas
almas. Tem-se a impressão de uma Rainha que vai entrando e vencendo
todos os obstáculos; tem-se a impressão de algo que nada consegue
conter. Nem nós mesmos, tão miseravelmente poderosos para impedir a ação
da graça, nem nós mesmos conseguimos conter.
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«Por fim, o meu Imaculado Coração
triunfará» |
E então meus olhos, na noite de hoje, se
voltam para o Coração Imaculado de Maria, e penso naquela frase
dEla, pronunciada em Fátima: «Por fim, o meu Imaculado Coração
triunfará».
Não será que o primeiro triunfo do
Imaculado Coração de Maria se dará no interior de nossas almas?
Não será neste que, antes de qualquer outro lugar, Nossa Senhora
entrará, calcando aos pés e destruindo uma série de defeitos, e fará
brilhar inteiramente essa luz em nós, no esplendor de nossa vocação?
Nós estamos no momento em que a luta se
aproxima cada vez mais de nós. Estamos no momento em que o adversário se
mostra cada vez mais poderoso. Este momento nós o devemos ver como o
momento sagrado. Nós devemos compreender que na hora em que o adversário
avança, se nós tivermos a agressividade, a fortaleza e a vigilância
necessárias, se soubermos viver esta vigília com toda a intensidade,
essa graça restauradora virá fatalmente.
E a vigilância consiste em acender em
nós um santo desejo da Bagarre
[3], em que nós percebamos os passos
dela que se aproximam. Em que nós entendamos todos os sintomas dela que
vêm chegando perto. Em que nós sintamos a nossa alma crescer, à
medida que a Bagarre se avulta perto de nós, de maneira tal que,
quando a maior tempestade da História desabar sobre o mundo de nossos
dias, ela nos encontre grandes na proporção dela. Quer dizer, grandes na proporção de Nossa Senhora.
Essa restauração fará de nós os homens
(...) que sejam anjos para vingar a Santa
Igreja Católica desfigurada, e para restabelecer a Civilização Cristã.
Homens que sejam tais que do brilho da personalidade deles brote
finalmente o brilho do Reino de Maria, perto do qual, o da Idade
Média não foi senão um esboço.
É o que, de todo o coração, eu vos
desejo, e para vós e para mim mesmo, genuflexo em espírito, eu peço a
Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, ao Sapiencial e Imaculado
Coração de Maria, a Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos!"
O Prof. Plinio
dirigindo a palavra a sócios e cooperadores da TFP no
auditório da Sede do Conselho Nacional da TFP na Rua Pará
(São Paulo) - anos 60 do séc. XX
NOTAS
[1] Extratos de discurso proferido pelo
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira por ocasião de seu 60º
aniversário, em 14 de dezembro de 1968, sábado, no Pátio da Santa Cruz,
da então
Sede do Conselho Nacional da TFP na Rua Pará, São Paulo. Não
revisto pelo autor.
[2] Sobre o Reino de Maria: A noção de Reino de Maria a TFP
a colheu
em São Luís Maria Grignion de Montfort, no
seu famosíssimo Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima
Virgem.
Diz o grande apóstolo da devoção a Nossa Senhora, canonizado
em 1947 por Pio XII: “Ah! quando virá este tempo feliz -
diz um santo de nossos dias, todo dado a Maria - quando virá
este tempo feliz em que Maria será estabelecida Senhora e
Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao
império de seu grande e único Jesus? Quando chegará o dia em
que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar? Então,
coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o
Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que
reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente,
enchendo-as de seus dons, particularmente do dom da
sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça. Meu caro
irmão, quando chegará esse tempo feliz, esse século de
Maria, em que inúmeras almas escolhidas, perdendo-se no
abismo de seu interior, se tornarão cópias vivas de Maria,
para amar e glorificar Jesus Cristo? Esse tempo só chegará
quando se conhecer e praticar a devoção que ensino, ‘Ut
adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae’ “
(op. cit., Vozes, Petrópolis, 1984, 13ª ed., pp.
210-211).
“Que venha o Reino de Maria, para que assim venha o vosso
Reino” -
isto é, o de Jesus Cristo. Tal é o pensamento que perpassa
todo o Tratado da Verdadeira Devoção, e que é aqui
expresso em termos de clareza e ardor inexcedíveis.
Esse “século de Maria”, ou “Reino de
Maria”, do qual fala o Santo, a TFP o compagina com
o triunfo do Imaculado Coração de Maria, anunciado por Nossa
Senhora em Fátima, e essa ilação é de primeira evidência.
Para aprofundar mais no assunto recomendamos o artigo do Prof.
Plinio, O REINO DE MARIA, REALIZAÇÃO DO MUNDO
MELHOR, publicado no Catolicismo nº 55 de julho de 1955,
que pode ser lido aqui.
[3]
Bagarre: Plínio
Corrêa de Oliveira, seguindo a escola de Fátima e de São
Luis Maria, prevê um grande triunfo da
Igreja e da Civilização Cristã, depois de uma crise,
metaforicamente definida na linguagem quotidiana da TFP com
esta palavra francesa - cfr. "O
Cruzado do século XX - Plinio Corrêa de Oliveira", Roberto
de Mattei, Civilização Editora, Porto, 1996, Cap. VII, n.
10). |