Plinio Corrêa de Oliveira

 

Aplicações concretas de duas máximas de São João da Cruz

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 23 de novembro de 1968, Sábado

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

São João da Cruz (1542-1591) © P. Rotger/Iberfoto

Amanhã é festa de São João de Capistrano, confessor; também é festa de São João da Cruz, confessor [atualmente, sua festa é a 14 de dezembro, n.d.c.].

Os senhores sabem que São João da Cruz foi o grande reformador da Ordem do Carmo, junto com Santa Teresa. Esta última reformou o ramo feminino do Carmo e foi a mentora de São João da Cruz para a reforma do ramo masculino do Carmo. É Doutor da Igreja, porque em todos os assuntos da vida mística ele se aprofundou de modo maravilhoso.

Há algumas máximas de São João da Cruz que desejo comentar aqui e como sua festa nos introduz num ambiente caracteristicamente espanhol, há um ou dois fatos da Guerra Civil espanhola, que foram fatos de heroísmo dessa guerra civil, que estão mencionados aqui na ficha e que desejo também ler e comentar.

São João da Cruz, entre as máximas que me apresentaram, diz primeiro o seguinte:

Das pequenas coisas chega-se às grandes e o mal, que a princípio parecia pouco considerável, torna-se depois muito grande e sem remédio”.

Esse é um princípio eminentemente contra-revolucionário, antiliberal e ultramontano e algumas aplicações desse princípio nos fazem compreender bem no que consiste.

O espírito liberal é levado a considerar otimisticamente que tudo vai correr bem sempre e que se deve ser, portanto, despreocupado, otimista e que se deve deixar todas as coisas correrem... Não há razão para interferir nos acontecimentos, a não ser muito raramente, porque dificilmente as coisas dão mau resultado... O otimismo é um traço de espírito inerente ao liberalismo e ao naturalismo.

O indivíduo naturalista é quem não crê na Revelação, no sobrenatural e, por causa disso, não acredita no castigo de Deus.

Quem não crê no pecado original é um otimista, acha que todos os homens são bons, que tudo vai correr sempre bem, que as coisas, normalmente, dão bom resultado e quando acontece qualquer coisa de ruim, fica muito espantando: “como é que aconteceu isso?! Como é que fulano foi fazer tal coisa?! Ora, não diga... então, com fulano, haveria de acontecer tal coisa com ele? Ele iria praticar tal ação má?...”

Também quando veem acontecer alguma coisa má para alguém, como não querem saber de castigo, não têm noção de pecado, eles se espantam com o mal. Às vezes morre um velho de 80 anos; vai se comunicar para uma pessoa, e esta toma um susto: “Fulano morreu? Não diga!...”

Mas ele não era mortal? Que grande surpresa que um mortal morra...! Ainda mais quando está na idade em que habitualmente se morre... Às vezes até precisa preparar o espírito porque morreu aquele. Surpresa! Vai correndo para a câmara funerária... “Imagine, morreu aquele octogenário!” Não tinha nada que imaginar, é o natural. Seria surpresa se ele vivesse... Essa é a pura realidade. Mas o liberal diante da morte se porta assim: fica surpreso com ela. Inclusive fica surpreso com a própria morte, pois não imagina que ele vai morrer. Fica surpreso com as epidemias, com toda espécie de desgraças, porque, para o liberal, todas as coisas correm bem, tudo vai muito bem...

Acontece que o espírito antiliberal sabe que o contrário é verdade: o homem tem de si uma grande propensão para o mal e este facilmente cresce em sua alma.

De maneira que quando se consente em coisas más, que apenas estão começando em si, e rapidamente aquilo pode chegar ao extremo do mal.

Portanto: um mau olhar consentido e um mau pensamento consentido, um movimento de revolta em que se consente dentro de um grupo contra-revolucionário, um mau humor, um movimento de preguiça durante uma conferência, por mais cacete que seja o conferencista, pode facilmente levar a consequências extremas.

Ao que leva o movimento de preguiça? Ele conduz a que se ouça desatentamente algo que merece atenção. E os senhores sabem qual é o resultado disso? Numa espécie de endurecimento da alma que fica habituada a ouvir coisas importantes e lhe não dar importância. E nada faz mais mal para a alma do que diante de coisas importantes, ficar indiferente. E isso não na medida em que são expressas por esse ou por aquele, mas em que pertencem à doutrina católica que é tão bela! Isso torna a alma presa da acedia, ou seja, o que São Tomás de Aquino chama de inapetência para o bem.

Essa inapetência é a morte do amor de Deus, o qual morre à força de nos mantermos indiferentes ao que vem de Deus, quando ouvimos a doutrina de Deus, quando ouvimos a doutrina da Igreja Católica, quando temos oportunidade de examinar sapiencialmente os fatos à luz da doutrina dada por Deus e pela Igreja e, diante desse exame, nós nos conservamos assim. Por quê? Porque estamos pensando em nós.

A conferência está se desenrolando e a gente está pensando: “que bom se nesse momento eu estivesse num avião, num lugar, e todo mundo estivesse me aplaudindo e eu fizesse assim...” Enquanto isto, a doutrina católica está se desenrolando diante de nós. Resultado: embevecimento cada vez maior consigo e dureza para com Deus.

Ora, Santo Agostinho afirmou que no mundo há duas Cidades e dois tipos de homens: os que levam o amor de Deus até o esquecimento de si e os que levam o amor de si até o esquecimento de Deus. Quem pertence ao primeiro tipo é da Cidade de Deus; quem ao segundo, é da cidade do demônio.

Quem está habituado a ouvir com indiferença coisas elevadas, nobres, que fazem bem, esteja certo de que no fundo está pensando em si; está caminhando para a forma de endurecimento da alma pela qual a gente pertence à cidade do demônio e o mal cresce rapidamente.

Tudo aquilo que no homem leva para o mal encontra aí, imediatamente, grandes ressonâncias, grandes consonâncias, grandes afinidades, razão pela qual, por pouco que a gente consinta, já é uma labareda e um incêndio que se desata.

Então, diz muito bem São João da Cruz: logo no começo a gente deve prever, porque aquilo que no começo é pouco, e que a gente esmaga sem dificuldade, pode tornar-se depois um incêndio enorme. Isso que é um princípio de vida espiritual, é também um princípio de governo. Assim deve-se fazer para com aqueles sobre os quais se tem autoridade. Por exemplo, se se tem um criado, e a gente começa a lhe dar hoje liberdade para brincadeirinhas, amanhã será uma insolência, depois de amanhã é uma revolta...

Por quê? Porque o orgulho cresce de um modo galopante. Aliás, todos os defeitos galopam. E, se a gente quer conservar aquele criado, o verdadeiro não é ir tolerando as “coisinhas” para reprimir nas “coisonas”, mas se tratar de resolver no início. Por quê? Porque a sabedoria manda isso: “principiis obstat”, criar obstáculo ao mal no seu princípio. Não se deixe arrastar pela ideia de que o mal, no início, é pouco perigoso, porque já no princípio ele tem toda a sua força de ataque.

O papa Leão X não reprimiu o Protestantismo no começo: “Oh! É uma briga de frades!...” e o resultado foi que a “briga de frades” dilacerou a Europa.

Assim nós poderíamos fazer um triste rosário com a narração de fatos que tomaram proporções catastróficas, se bem que quando eram pequenos poderiam ter sido atalhados.

Isso os senhores notam, também, por uma espécie de simbologia maravilhosa, na própria natureza. Os incêndios, em geral, começam numa coisa pequena e são fáceis de apagar; mas eles se expandem enormemente. Destruir o mal é difícil; propagar o mal, mesmo na ordem física, não o é. Inocular uma doença em alguém é fácil; a questão é curar alguém dessa mesma doença.  Meter um vício em alguém é fácil. Uma pessoa pode viciar-se em bebedeira em uma noite; a questão é sarar dela depois.

Quer dizer, esse estado de espírito desconfiado, vigilante, que vê por tudo e em tudo o começo do mal que pode tomar grandes proporções, esse é o espírito católico, enunciado aqui por São João da Cruz. Ou seja, é o estado de espírito antiliberal, ultramontano, em uma palavra, contra-revolucionário.

Pelo contrário, o estado de espírito ruim é o da pessoa que não olha para isso, é bonachona, alegre, confiante... e por isso é atraiçoada por todo mundo, todo mundo se ri dela, todo mundo a ludibria e a joga no chão. E merece ser calcada aos pés, porque um homem que tem o espírito feito assim dá nojo com todas as letras da palavra! Tem-se asco do imprevidente, porque se tem asco do cretino, sobretudo quando é uma estupidez voluntária. Quando, por preguiça, o homem diz: “Cretinice, tu és minha mãe!” e a abraça, essa falta de sabedoria dá nojo!

Então aqui se tem a máxima de um santo ensinando-nos o contrário. Eu a releio: “Das pequenas coisas chega-se às grandes e o mal, que a princípio parecia pouco considerável, torna-se depois muito grande e sem remédio”.

Outra máxima:

Há muitos que fazem grandes coisas, mas elas de nada lhes servem porque procuram a si mesmos e não a glória de Deus”.

São João da Cruz vivia em tempos em que os fidalgos... Era um tempo de fidalgos e de grandes oradores. Ai de nós, que não temos mais fidalgos nem grandes oradores! Temos padres progressistas e demagogos... Mas ele vivia no tempo de fidalgos que faziam atos de coragem extraordinários, e de grandes oradores, sobretudo grandes oradores sacros. Estes faziam sermões antes de tudo longuíssimos, porque a pessoa ia ouvir sermões que duravam três, quatro horas, em que o orador ficava colocado num púlpito muito alto, para a voz poder se propagar por toda a igreja, em que levavam, inclusive, numa mesinha, água, vinho e toalha para o orador se enxugar...

Os senhores leiam os sermões do Padre Antonio Vieira e vejam a duração que tinham. Mas era Vieira que falava: que grandes sermões! Maravilhosos! A gente se delicia... mas a gente não se santifica. Olhem que era doutrina católica e da verdadeira! Mas a gente não se santifica. Ele fazia grandes coisas, mas não por amor de Deus e, portanto, não lhe serviam de nada.

Resultado: Vieira passou! Os eruditos ainda falam dele; alguns são bastante felizes para se regalarem com a leitura de suas obras. São maravilhosas realmente para quem tem o gosto bastante anacrônico para poder apreciá-lo. Os senhores ouviram falar alguma vez, que alguém se santificou lendo Vieira? E considerem o curioso do assunto: ele tem pensamentos edificantes e que dariam para fazer bem para a alma. Mas não adiantam de nada!

Esses fidalgos realizavam atos de heroísmo extraordinários, mas não adiantavam de nada, porque faziam por si e não pelos outros, sobretudo, não por amor de Deus.

Nós, dessa máxima, podemos tirar algum fruto para nossa vida espiritual?

Acontecerá que às vezes fazemos coisas boas para os outros verem e não por amor a Nossa Senhora? Devemos nos sondar da seguinte maneira: os que fazem apostolado que os outros veem, se de repente fossem destinados a um apostolado que os outros não veem, realizariam esse apostolado com o mesmo entusiasmo? Sim ou não? Se sim, então significa que são movidos por amor de Deus, ao menos é provável. Se não, é porque não fazem apostolado por amor de Deus. Ou, pelo menos, entra o amor-próprio junto. Mas quando entra o amor-próprio junto com o amor de Deus, aquele abafa este...

Os senhores imaginem, por exemplo, que amanhã eu chegasse para um dos senhores e dissesse: “Olhe, o Vietnã depende de sua ação para ser salvo, mas nunca ninguém saberá. Os outros vão pensar que você vai descansar seis meses em Campos de Jordão... Mas você vai para o Vietnã, e nunca ninguém saberá. Você volta e, ao cabo de seis meses, aparece dizendo que esteve em Campos do Jordão, e não é mentira porque primeiro você vai para Campos do Jordão e depois volta. E nunca, nunca ninguém saberá. Só eu saberei... Mas eu ficarei impedido de lhe manifestar qualquer consideração diante dos outros por causa disso, porque eles perceberão que você fez tal coisa assim. De maneira que só aos olhos de Deus isso valerá e de mais ninguém! Mais ainda: para você depois não chamar a atenção sobre si para se descobrir o que houve, será preciso que você ocupe no Grupo um papel humílimo, e isso vai ser sua vida inteira. Mas aos olhos de Deus você terá essa consolação: você salvou o Vietnã!”

Qual seria a reação de nossa alma? “Ó maravilha! Deus como foi bondoso para comigo! Só Nossa Senhora poderia fazer isso! [A mim tocar] uma graça dessas, que depois ninguém sabe. E eu tenho duas vantagens: eu A sirvo e depois tenho a alegria do anonimato, onde só Ela e eu sabemos o que fiz e eu receberei minha paga no Céu; por enquanto será o segredo dEla comigo. Eu terei um segredo com minha Rainha. Oxalá Ela implante na minha alma o ‘segredo de Maria’. Viverei na penumbra, nunca ninguém saberá. Só Ela saberá e eu estou com minha consciência em paz”.

Todos nós teríamos imediatamente essa reação? Talvez não...

Reação oposta: “Meu caro, eu vou te dar um apostolado que será uma provação tremenda: você vai aparecer muito. Mortifique-se!” - “Ah, não, Dr. Plínio... Isso sai logo. O senhor pode dizer; pode contar comigo...”

Havia um novato no Grupo que de vez em quando dizia para a gente: “O senhor pode ficar inteiramente sossegado” – ele era o desassossego... – “O senhor pode ficar completamente sossegado”. Eu olhava para ele e pensava: Ah, meu filho, se você soubesse o sossego que eu tenho, você ficaria surpreso!...

Assim me diria esse: “O senhor pode me dar inteiramente essa função! É uma honra. Naturalmente eu sei que não mereço... Afinal, eu vou fazer o possível e acredito que me desempenharei bem de minhas funções. Quanto a reprimir meu amor-próprio, depois se verá. Agora trata-se de fazer a bonita tarefa!...”

Examinemo-nos um pouco a nós mesmos: isso poderia acontecer conosco? Se puder acontecer, estejamos certos do seguinte: somos estéreis, estéreis como a figueira do Evangelho que não dá fruto, porque gente assim não produz fruto para o apostolado. Desista! Oorque não produz, não tem a benção de Deus e não nasce fruto desse tipo de figueira estéril.

Pelo menos bata no peito e reconheça: “Eu sou um inútil que obstruo um cargo onde eu faço mal, porque essa função devia produzir frutos e não produz por minha culpa”. Pelo menos diga isso, mas não fique imaginando que faz bem, porque não faz. Aqui está o princípio enunciado por São João da Cruz...

Fui um pouco longe demais, cronologicamente falando; do ponto de vista cronos, tempo, fui longe demais nesse comentário. Mas eu queria dizer ainda uma palavrinha a respeito da Ladainha que vamos rezar hoje.

Será rezada, um sábado por mês aqui, uma muito bonita ladainha, que é a do Imaculado Coração de Maria, a qual, pelo menos em muitas de suas invocações, é uma transposição mariológica da linda ladainha do Sagrado Coração de Jesus, que creio que os senhores todos conhecem.

Essa ladainha termina com uma jaculatória, que é a seguinte: “Maria Imaculada, doce e humilde de coração”, e se responde: “Fazei meu coração semelhante ao Sacratíssimo Coração de Jesus”. Então, no fim da ladainha é o que nós devemos rezar: “Fac cor meum secundum Cor Jesu”.

Se me lembrarem e se Nossa Senhora consentir nisso, na próxima semana farei o comentário das principais invocações da ladainha do Imaculado Coração de Maria, mostrando de que maneira isso se diz do Sacratíssimo Coração de Jesus, depois, como se aplica ao Imaculado Coração de Maria. 


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