Plinio Corrêa de Oliveira

 

O "menino de ouro" contemplando a rainha da Inglaterra

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 5 de novembro de 1968

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Aqui os senhores têm uma cena publicada numa revista italiana que representa a rainha da Inglaterra que está numa carruagem, revestida das insígnias da Ordem da Jarreteira. Os senhores percebem que se trata de um carro puxado a cavalos e que ela está em traje de grande cerimonia. Os senhores notarão uma capa com esses debruns brancos; o chapéu com uma pluma; a linha geral da carruagem. E aqui, junto a ela, está um dos forasteiros reais, que são figuras magníficas: os senhores notam a couraça, o elmo, o penacho, a espada, uma manga grande à guisa de luva, que chega até a metade do braço, e se delineia uma outra figura também ornamental. A rainha está olhando para a sua direita.

À esquerda da rainha, os senhores notam duas figuras: um menininho e uma menina. Prestem atenção na posição do menino: é propriamente o contraste com a posição da menina. Até vale mais a pena antes analisar esta última.

A menina está olhando com boa vontade a rainha, mas – se se pudesse conjugar os termos – com um olhar “inocentemente mundano”: considerando pelo lado modas, beleza etc., com essa natural vaidade de uma menina e interessada - quase se poderia dizer - entusiasmada na consideração da rainha. Mas rindo e se divertindo.

O menino está numa posição profundamente diferente: profundamente contemplativo e enlevado diante da rainha. Observem que involuntariamente – porque esse é um menino do povo, que não está acostumado a compor as suas atitudes e que é muito espontâneo – tomou uma atitude de oração. Ele está com as duas mãos literalmente postas diante da rainha; com um olhar indizível, misto de reverência, de respeito e, de outro lado, de afeto e analisando profundamente a rainha, com toda a atenção posta no aparelhamento todo que a cerca, vê-se que é um enlevo propriamente pela instituição da realeza, e não pela pessoa da rainha.

Ele quer ver, quer considerar toda essa glória, todo esse esplendor que se lhe apresenta sob esse aspecto e que é algo de metafísico. Ele acabou vendo que na vida há algo que transcende enormemente seu ambiente, a vulgaridade da vida de todos os dias de todos os homens, e que isso se chama o aparato monárquico, um reflexo de Deus na terra, uma manifestação de valores metafísicos altíssimos que se exprimem na pompa da realeza. E então está enlevado, e vê-se que sua alma está sorvendo a largos haustos aquilo que a rainha lhe exprime.

Os senhores podem notar isso por sua concentração. Vejam como está atento, como ele tem os olhos fixos na rainha. Uma criança posta diante de um presépio não tomaria uma atitude diferente... De outro lado, toda a posição do rosto, a expressão do olhar é um misto de contemplação e de prece. Por quê? Exatamente ele foi posto diante disso que se chama realeza! Esse enlevo é uma base de despretensão.

O Dr. Caio me disse, de um modo muito pitoresco, que era o caso de tomar um avião, procurar o menino e fazer apostolado com ele para trazê-lo para o Grupo. Porque ele não está pensando nem um pouco em si, está completamente abstrato de sua própria pessoa, está considerando exclusivamente a realeza. E isso os senhores percebem melhor no slide do menino que vai ser passado agora.

Aqui os senhores têm o menino. Os senhores notem como é verdade que se dissesse que está passando um santo para o menino ver, ele tomaria a mesma posição? Os senhores observem a seriedade de sua fisionomia. Vejam o olhar contemplativo, atento e, outra coisa, essa atitude de prece como é, ao mesmo tempo uma atitude de afeto.

Mas é um menino que não quer ser rei, não quer aproveitar-se de nada da realeza, não pensa em se destacar em nada a propósito da realeza; dá graças porque a realeza existe e porque ela tem aquele esplendor e aquela beleza.

Observem a menina, que percebeu que está sendo fotografada e que está fazendo pose: a baixa de nível, a pretensão... está toda excitada com a rainha, com a moda, com não sei o que... se lhe disserem que ficará rainha, ela fica toda “melada” [vaidosa, n.d.c.], toda contente.

Se disserem para o menino que ficará rei, sua reação será de muito espanto, porque ele não tem a menor vontade de o ser. Pois o que deseja é que exista um rei, que é uma coisa completamente diferente!

Aí os senhores têm uma boa imagem da despretensão: uma pessoa que olha para algo que não si mesma e é capaz de se encantar inteiramente com a grandeza de algo que não é si própria, mas porque aquilo é aquilo. É o que está no “Gloria”, na Missa: “Gratias agimus tibi propter magnam gloriam tuam – Nós vos damos graças, ó Deus, por vossa grande glória”.

Esse menino poderia dizer à rainha: "Majestade, eu vos dou graças, vos sou grato por vós serdes a rainha". Está acabado.

Os senhores querem ver como essa posição de alma é justa? Lembram o pensamento clássico de Santa Teresinha do Menino Jesus a respeito de Nossa Senhora? Ela dizia mais ou menos essas palavras: "Maria, eu Vos amo tanto, que se eu fosse a Rainha do Céu e Vós fosseis Teresa, eu queria ser Teresa para que Vós pudésseis ser a Rainha do Céu". Completamente despretensiosa, completamente enlevada!

Essa é a posição desse menino.

(Apartes. Utilidade para a seção “Ambientes, Costumes e Civilizações” de CATOLICISMO etc., etc...)

Isso poderia ser comparado com algum slide de agitação universitária. Aí dava o contrário inteiramente. A fotografia não estava nada boa. Eu até sugeri ao Dr. Caio que escrevesse para a revista italiana, pedindo a fotografia. Mas dá muito para ver a atitude do menino.

É ou não é uma atitude de prece impressionante! É exatamente a atitude de enlevo. Enlevo é isso! Não está preocupado consigo, nem o que o fotografo vai achar de si. Ele ficaria pasmo se soubesse que num lugar que talvez não saiba que exista, chamado São Paulo, se realizou a projeção de um slide na qual figurasse. Seria a surpresa de sua vida. Ele não compreenderia e diria: "Mas é tão natural...! Pois estava lá a rainha! A única posição que eu poderia tomar era essa".

A menininha, não; ficaria radiante ao saber que foi projetada uma sua foto. Por quê? Porque é bobinha, pretensiosa, baixa de nível...

Ele, não. É um espírito verdadeiramente elevado, superior. Eu não tenho nada o que acrescentar; o que essa fisionomia não disser, eu não sei dizer...

Aí os senhores têm um “aperçu” [observação resumida, n.d.c.] do que é propriamente a infância espiritual. Quando se compara, por exemplo, a infância, a mocidade, a idade madura, a velhice, cada uma dessas idades tem seu esplendor próprio e também sua vergonha própria, sua caricatura própria. Quando falamos da infância, quando o Evangelho fala do menino, é exatamente da criança ainda desinteressada, ainda enlevável, que ainda tem idealismo e que é oposta ao homem que caiu no pecado de pretensão, no pecado de orgulho e só se preocupa consigo mesmo, em suma, ficou egoísta.

Então, a infância espiritual é - antes de tudo - ter essa alma. E foi das pessoas assim que Nosso Senhor disse: "Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o reino dos céus". E depois disse que quem não fosse assim não entraria para o Céu. É claro que isso não significa que quando se fica adulto necessariamente se torna uma alma mercenária e vulgar. Mas quer dizer que há o período de ficar assim e que só vão para o Céu os que conservam essa alma e aprimoram-na até o fim de seus dias. Isso foi o que Nosso Senhor quis dizer.

Essa é a ideia mais fundamental da infância espiritual: idealismo entusiasmado pelas coisas que de fato merecem essa elevação.

Um comunista cairia na gargalhada a propósito dessa alma. Por quê? Ele diz que essa alma é “alienada”. O que quer dizer aqui alienado? “Alienus” significa alheio. É uma alma que ficou pertencendo a outrem, que não está voltada sobre si mesma, sobre suas vantagens, seus direitos, mas que está voltada para a admiração e serviço de outrem.

Isso, para os comunistas, é a vergonha das vergonhas por esse motivo. Eles querem um estado de coisas em que não haja nada disso. Então, o que eles querem? É, por exemplo, o ambiente de agitação universitária: aquela sujeira, sordície, desordem, aquela tendência para o farrapo, para o trapo, para a nudez, para a desorganização, para a gargalhada do demônio, porque ele odeia isso que é o espírito que Nosso Senhor veio trazer à terra.

(Aparte inaudível: ...a atitude desse menino não podia ser...)

Podia, perfeitamente. Aliás, penso que a aparição de Fátima fez algo disso com Francisco, que foi um meio convertido por Nossa Senhora na Cova da Iria. Por isso mesmo, muito bom padroeiro nosso.

(Aparte: Não se poderia rezar por esse menino?)

É esplendido! Mais do que rezar por esse menino, rezar pela Inglaterra.

A evangelização da Inglaterra foi decidida assim: São Gregório Magno, Papa, estava andando pelo mercado de Roma e viu uns escravos à venda, muito lourinhos, e com um jeito angélico. E então perguntou de onde eram esses meninos. Eram escravos e tinham sido presos pelos romanos. Responderam-lhe: "Sunt angli - são ingleses”. E ele disse: "Non sunt angli, sed angeli - não são anglos, mas anjos”. E mandou então uma missão, chefiada por São Agostinho de Cantuária, para evangelizar o povo inglês. Daí datou a conversão deles...

É porque há muitas almas assim na Inglaterra, que existe a igreja anglicana: para impedir que se convertam ao Catolicismo...

(Aparte inaudível)

O mais curioso é que a posição do público, perante os estandartes, muitas vezes é essa do menino. E os senhores estão assentindo porque viram que é. Eu vou dizer mais: perante os senhores também. Muitas vezes eu noto que os nossos sócios e cooperadores produzem esse impacto de cheio. E é uma graça que está nos senhores, está em nós, às vezes como a graça está na água benta, sem que a água se dê muito conta da graça. Mas já é qualquer coisa ser água benta...

(Aparte inaudível)

Se na Inglaterra a igreja anglicana deixar de existir, é possível que muitos ingleses, que tenham essa mentalidade, se tornem católicos. Porque a igreja anglicana tem toda a exterioridade da Igreja Católica.

Ela não tem os dogmas. É uma igreja vazia. Começa que não tem sacerdotes. Depois não admite a infalibilidade papal. É para evitar que muitos ingleses fiquem católicos, que a igreja anglicana existe. Para isso, é preciso que exista a monarquia, a fim de que esta última lhe dê o prestígio proveniente do fato da rainha ser o chefe da igreja anglicana. Porque os senhores compreendem que um presidente da república e que seja chefe da igreja anglicana não é possível. Ninguém vai tomar a sério um chefe de igreja presidente da república... Não é possível. É mais fácil dizer que isso aqui [a sineta sobre a mesa?] é o chefe da igreja anglicana do que um presidente da república o ser...

(Aparte inaudível)

Eu acho que vale a pena na medida em que ela tenha em torno de si o aparatado régio. Se eu pudesse ter convidado os senhores – me passou a ideia – pedir uma hora especial para vermos juntos as joias da coroa britânica e comentarmos.

(Aparte: Até onde o aparato serve para ajudar o enlevo e até onde o aparato deve ser poupado para que haja uma atitude de alma suficiente...)

O enlevo, propriamente, pode se comparar a um poço de petróleo: quando se perfura, se ele é rico, jorra alto; se ele é pobre, dá um jorrinho qualquer que dá para encher uma garrafa e está acabado...

O enlevo “en lo que se dice enlevo” [propriamente, n.d.c.] é apetente de todos os aparatos adequados, que tenham uma relação razoável com as coisas. Quando a pessoa não tem a alma enlevável, o menor aparato lhe parece uma coisa descabida. Não tem eira nem beira.

Quando estive no Vaticano, na primeira canonização que assisti, num lugar secundário, na tribuna de Santa Marta, erguida num ponto de confluência dos braços da Basílica de São Pedro, mas eram os últimos esplendores da era constantiniana. Entrou Pio XII carregado na sedia gestatória, enquanto soavam as cornetas de prata, tudo muito bonito.

Estava atras de mim um (...) dos mais ácidos que pode haver, um picles humano, presumivelmente católico. Mas um homem completamente sem enlevo e feito de ressalvas, de restrições e de conformes. Então, ele falava atras de mim.

– "Está vindo, já está vendo como é. Isso é uma gangorra ou uma cadeira. Está ele na gangorra: vai cair, não vai cair. Que velhinho, olha..."

O tempo inteiro em que o cortejo desfilou, esse homem não teve ouvidos para ouvir as trombetas de prata de Michelangelo tocando; não teve alma para entender a simbologia dos dignatários carregando pombinhos e uma bolsa de dinheiro, para pagarem depois para o Papa “pro missa bene cantata”, rito que remontava de nem sei que catacumba, de coisas primitivas. Ele não tinha alma para ver a guarda nobre pontifícia, ver as ordens religiosas, os cardeais e os bispos orientais ali presentes...

Entrou, de repente, um rei negro, mas que nem era provavelmente rei, porque foi alojado perto da tribuna onde eu estava e que não era para rei nenhum. O rei negro entrou com uma coroa dourada e pintada de madeira na cabeça, mas parecia um pouco como um dos reis magos, com seu séquito, entrando pela basílica...

Quando o rei negro entrou, todo mundo bateu palmas.

Diz o sujeito: "Para que isto?! Eu não compreendo esta estória! Que bobagem! Esse homem não tem poder..."

Compreendem? É o oposto da alma desse menino.

Essas coisas são coisas incríveis. Outro dia minha irmã me mandou uma maçã, dizendo que era francesa. Comecei a comer e ao dar a primeira dentada, notei que era uma fruta de boa qualidade, mas ácida como tudo. Tinha qualquer coisa de rebarbativo. Eu disse: "Isso aqui é uma maçã para Calvino, não para mim" e a deixei de lado. Calvino, como os senhores sabem, era francês e representava o contrário da “douceur de vivre” [doçura de viver, n.d.c.] francesa.

À noite minha irmã me pergunta: "Que tal a pomme Calvin [maçã Calvino] que eu te mandei?" Eu disse a ela: "Mas como? pomme Calvin?" Ela disse: "Esse tipo de maçã é conhecido na França como pomme Calvin". Eu lhe disse: "É isso mesmo. Eu dei uma dentada e não a engoli"...

Calvino (1509-1564), por Ticiano

Calvino é o contrário do enlevo. É a igreja presbiteriana: não tem bispo, tudo como os corvos, uns urubus, com uma golinha branca por muita cerimônia. E o próprio Calvino os senhores devem ter pintura dele: um rosto que parece uma faca de afiar, com uma barbinha, escorrendo dúvida, objeção e mau humor.... É o contrário desse menino


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