Plinio Corrêa de Oliveira
São Fernando de Castela: modelo de caridade, despretensão, astúcia e zelo pela Fé
Santos do Dia, 1964 e 1968 |
|
A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
|
Estátua de Fernando III, o Santo (catedral de Sevilha, Espanha) Vamos comentar hoje (Santo do Dia realizado em 1964, mas sem data precisa, n.d.c.) um trecho da vida de São Fernando de Castela (ca. 1199-1252). Trata-se de alguns conselhos que deu a seu filho, Afonso X: “Foge dos néscios e de todos aqueles que não são discretos, porque pior do que o traidor é o néscio, e mais demorado emendar-se”. O Arcebispo de São Paulo Dom Duarte Leopoldo e Silva dizia que preferia ter um inimigo inteligente, do que um aliado néscio. Com um inimigo inteligente, a gente prevê o que ele vai fazer e se defende. Mas com um aliado cretino, que defesa há?... “Quando vires crescer o dano não esperes o tempo da vingança. Não esperes fazer amigo daquele que se faz teu inimigo sem causa e por desordenada vontade, nem esperes emenda daquele que errar muitas vezes”. Cada um desses conselhos é anti-"heresia branca"!... (“heresia branca”: expressão utilizada pelo Prof. Plinio no sentido de “atitude sentimental que se manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procura justificar-se sob o pretexto de uma pretensa ‘caridade’ para com o próximo” – cfr. “O Cruzado do século XX – Plinio Corrêa de Oliveira”, Roberto de Mattei, Ed. Civilização, Porto, 1998, tópico 7). Segundo a "heresia branca", dever-se-ia dizer: “Meu filho, foge do traidor, tem pena do néscio, porque o traidor é pior do que o néscio”. Conselho de São Fernando: “Meu filho, foge do néscio e de todos aqueles que são tontos, cretinos, porque o néscio é pior do que o traidor e mais difícil de se emendar”. Aqui há uma observação curiosa: emendar o bobo é das coisas mais difíceis do mundo! E é a razão pela qual as conversões são tão raras na corrente de opinião que corresponde ao estado psicológico de bobeira institucionalizada e intencional, de uma bobeira otimista e que não vê as coisas. Uma pessoa com tal mentalidade é mais difícil de converter do que um comunista. Aqui vem bem a calhar a sugestão de não acreditarmos na inocência da bobeira quando se trata de matéria católica, porque todo mundo recebe a graça de Deus para não ser bobo. E há uma forma de pecado de espírito e de endurecimento da bobeira, que é uma das coisas de emenda mais difícil. Há um ditado que afirma “bobo é cavalo do diabo”... “Quando vires crescer o dano, não espere o tempo de vingança". Muita gente diria o contrário: quando o mal é pequeno, não intervenha, porque ainda pode ter remédio por si. Só intervenha quando o mal for grande. O contrário é que se deve dizer: quando o mal é pequeno, intervenha correndo e extinga logo, porque senão fica grande. Todo mal tem a tendência de se tornar enorme. Por isso, deve ser esmagado enquanto pequeno. E tanto é verdade que nossos inimigos assim entendem, que quando se trata de nós eles agem assim. Não perdem um minuto! Contra nós, essa mentalidade não é boba, ninguém comete esses erros. Tais erros só são cometidos pelo “centro” quando se trata da esquerda; quando se trata da direita, a técnica deles é bem diferente... Isto prova a culpabilidade abominável dessa bobeira que comentava antes. “Não esperes fazer amigo daquele que se faz teu inimigo sem causa e por vontade desordenada”. A expressão é muito fina. Quando alguém se faz meu inimigo por uma vontade ordenada, por uma causa justa, eu devo procurar fazer dele meu amigo, porque devo me penitenciar, devo me arrepender do que fiz, devo reparar o mal feito e devo agradecer se ele tiver a condescendência de se fazer meu amigo. Essa amizade eu devo esperar. Mas quando alguém, sem razão nenhuma, torna-se meu inimigo, procurar fazer dele meu amigo com concessões, com recuos, com provas de confiança, é uma verdadeira tolice. Certa ocasião, conversei com uma pessoa com uma mentalidade dessas (acima descrita, ou seja culposamente cretina) e que me dizia: “Plinio, você não emprega certos métodos de uma psicologia mais fina no modo de tratar as questões católicas! Você age por princípios gerais e vai aplicando tais princípios sem discernimento. Você, por exemplo, não seria capaz de fazer o que eu fiz... Na minha firma, há algum tempo peguei um contador que estava roubando. Quando vi isto, pensei longamente: “tenho dois jeitos de agir contra ele; o primeiro é de pô-lo fora da firma; o segundo é chegar para ele e dizer: Fulano, estou aborrecido com você, porque estou percebendo que está roubando. Mas quero dar uma prova de confiança para reabilitá-lo. Vou, portanto, pôr dinheiro a mais na sua mão. Assim você fica com a minha confiança e se reabilita...” Eu disse: “Mas isto é uma atitude entre mil, por um caso psicológico muito singular que você pegou. Ou você acha que essa norma de conduta pode ser freqüente? Porque se for uma atitude entre mil, eu compreendo que uma pessoa que ainda não esteja tão podre, comova-se com uma prova de confiança. E então um homem com muito senso psicológico, reconhecendo que se trata concretamente de uma situação assim, compreendo que faça uma coisa dessa. Mas não compreendo que esse procedimento seja feito com freqüência, pelo comum das pessoas, sem senso psicológico.” Ele replicou que eu restringia tanto o seu ato de generosidade, que este se tornava assim raríssimo, e que gostaria que a vida humana fosse como ele a imaginava. Não discuti com ele, e também nunca mais o vi. Lembro-me que uma ocasião, conversando (em meados da década de 40) com uma pessoa, disse-lhe que a “Ação Católica” estava se infiltrando de toda espécie de gente ruim. Julguei que ele ficaria aborrecido com essa afirmação, mas me disse: “É bem verdade, Dr. Plinio”. Perguntei-lhe se não receiava as conseqüências disso. Respondeu-me: “É assim que a gente faz: atrai todos os ruins para o mesmo balainho e depois converte...” E o resultado é esse que está aqui. O balaio quase comeu o Brasil... Mas ele disse com uma espécie de pena de mim, como se eu fosse um grosso que não estivesse entendendo a finura de sua atitude. Também não discuti com ele. Quando o espírito humano chega a esse ponto, não se discute mais... O estado de espírito da "heresia branca" é cheio de concepções desse gênero. É como um sujeito que me perguntasse: “Dr. Plínio, quer evitar de quebrar uma perna?” Eu respondo que sim, entre outras coisas... Ele me diz: “Então, atire-se de um trem em alta velocidade”!... Deve-se exatamente combater esse estado de espírito com o exemplo dos Santos. Poderíamos fazer até, em um dia de sua festa, um florilégio de pensamentos de São Fernando, levantando a seguinte pergunta: em tal caso, o que responderia São Fernando? E veríamos o que disse a respeito.
* * *
São Fernando de Castela, Índice de los Privilegios reales, catedral de Santiago de Compostela Santo do Dia, 29 de maio de 1968 Hoje temos a festa de São Fernando de Castela. A biografia está tirada de “La Vie des Saints”, por Edouard Daras: “Ele foi filho de Afonso, rei de Leão e de Berengária de Castela. Nascido em fins do século XII. Subiu ao trono aos 18 anos, tornando-se um dos grandes soberanos cristãos. "Aos 27 anos pegou em armas contra os mouros, que mantinham parte da Espanha sob seu jugo e só as depôs quando de sua morte. Foi notável batalhador. No dia de São Pedro do ano de 1236 entrou em Córdoba, que os infiéis dominavam há cinco séculos. Consagrou a grande mesquita da cidade à Santíssima Virgem e fez transportar nos ombros dos maometanos os sinos de Compostela”. É, inegavelmente, uma beleza!... “Marchou sobre Sevilha e tomou-a com forças tão inferiores às do inimigo, que o general que entregou a cidade, olhando-a com lágrimas nos olhos (comentou): `Somente um santo poderia, com tais tropas, apoderar-se de uma praça tão forte e populosa’. “Sua espada só a usou a serviço de Cristo. ‘Senhor, dizia, vós que sondais os corações, sabeis que busco vossa glória e não a minha. Não me proponho conquistar reinos perecíveis, mas difundir o conhecimento de Vosso Nome’. Que linda oração contra o defeito da pretensão! Poder dizer que em todas as ações de apostolado, se procura exclusivamente a glória de Deus e não a própria! Não propomos conquistar para nós um prestígio perecível, mas queremos difundir o conhecimento da verdade de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja a doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. “Seu exército era um exército cristão. A Santissima Virgem era sua padroeira e sua imagem era transportada como símbolo de proteção e vitória. O rei era o exemplo. Jejuava, usava um cilício em forma de cruz e passava em oração as noites que antecediam as batalhas. Essas guerras contínuas nunca o induziram a carregar seu povo de impostos. Confiava no auxílio da Providência e afirmava temer mais as maldições de uma pobre mulher do que todo um exército de mouros”. Agora venham falar que na Idade Média não havia sentido de pena dos pobres, não havia compreensão do direito dos pequeninos...! Os senhores estão vendo um homem aqui que tem mais medo de cometer um pecado lançando contra uma pobre mulher um imposto injusto, do que de enfrentar um exército de mouros. “Este grande príncipe morreu quando se preparava para uma expedição em África, contra os últimos inimigos de seu país. Ao lhe trazerem o Santíssimo Sacramento, lançou-se de joelhos rodeando seu pescoço de uma corda em sinal de sujeição ao Rei dos reis”. É a doutrina da sagrada escravidão a Nosso Senhor Jesus Cristo ou a Nossa Senhora. “São Fernando também amou e protegeu a cultura, tendo fundado a célebre Universidade de Salamanca”. Um tão grande santo não podia amar a cultura em abstrato como esse trecho induz a pensar. Ele amava a cultura como um reflexo da glória de Deus e um instrumento para a difusão do Reino de Deus. “Após mais de quatro séculos, seu corpo foi encontrado incorrupto, quando Clemente XI o canonizou em 1671”. Valia a pena ter lido, ainda que não comentando, tão grande vida de tão grande santo.
Urna com o corpo de São Fernando, na catedral de Sevilha
|