Plinio Corrêa de Oliveira

 

Santa Teresinha queria ser ao mesmo tempo carmelita, mártir, apóstolo, cruzado, missionário... Sofreu e morreu por isso

 

"Santo do Dia", 3 de outubro de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

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Hoje é festa litúrgica de Santa Teresinha do Menino Jesus.

Santa Teresinha, doente, no claustro. Foto tomada um mês antes de sua morte ( 30 de agosto de 1897 )

A respeito de Santa Teresinha, me foram preparadas duas fichas. Em primeiro lugar, há uma carta dela ao Abbé Maurice Bellière, que é uma muito bonita carta no que diz respeito à calma com que ela enfrentou a morte.

Nós vemos, aí, a graça proteger a alma dela contra os terrores da morte. Nós vemos aí como uma alma que tem uma determinada vocação tem uma força especial para o cumprimento da vocação que tem. Nós diríamos que Santa Teresinha falava da morte como quem falasse de uma viagem magnífica, maravilhosa. E, de fato, era. Porque, afinal de contas, ela ia para o Céu.

Nós vemos também - no trecho que vou ler - a magnífica certeza que ela tem do Céu. Depois há uma referência à misericórdia dos bem-aventurados no Céu, que não pode deixar de ser notada por nós. Então diz ela, na carta ao padre Bellière:

“Meu dileto e pequeno irmão, estou agora toda pronta para partir. Eu recebi meu passaporte para o Céu, e é meu pai querido que me obteve essa graça”.

O pai dela tinha falecido. E ela tinha pedido a ele ou, ao menos, tinha razões para achar que ele tinha pedido isso para ela.

“No dia 29, ele me deu a garantia de que eu iria, em pouco tempo, encontrá-lo. No dia seguinte, o médico, espantado com os progressos que a doença tinha feito em dois dias, disse, à nossa boa mãe, que era tempo de levar à sua plena realização todos os meus desejos, fazendo-me receber a Extrema Unção”.

“Eu tive, portanto, essa felicidade no dia trinta, e também a de ver deixar, por mim, o Tabernáculo, Jesus Hóstia, que eu recebi como viático de minha longa viagem”.

Os senhores vêem, portanto, com que alegria ela fala da morte. Os senhores vêem: é “um passaporte”, é uma promessa do pai, é Jesus Hóstia que vem para ajudá-la. Ela recebe tudo isso como quem recebe uma grande alegria.

“Este Pão Celeste me fortificou. Vede, a minha peregrinação, entretanto, parece não acabar nunca. Muito longe de me queixar, eu me alegro, porque Deus permite sofrer ainda por Seu amor. Ah, quão doce é a pessoa se abandonar entre Seus braços, sem temores, nem desejos”.

Ela estava num estado de completa e santa indiferença. O que Deus quisesse dela estaria disposta a sofrer. Se fosse para morrer logo, estava bem. Se fosse para morrer depois, e sofrer ainda mais, estava bem também. Ele nem desejava, nem temia nada. Ela estava completamente abandonada à vontade de Deus. Os senhores estão vendo, é a posição perfeita de uma santa diante da morte. Mas isto, que é uma atitude heróica e que uma alma tomaria fazendo força, em Santa Teresinha, por via do enlevo, é uma atitude tão natural, tão suave, tão simples, que a gente diria que, para ela, não custou nada se colocar com essa naturalidade perante a morte. Ela acrescenta depois:

“Eu acrescento, meu irmão, que nós não compreendemos o Céu da mesma maneira. Ao senhor, parece que, participando da justiça, da santidade de Deus, eu não poderei, como na Terra, escusar as suas faltas. O senhor esquece que eu participarei também da misericórdia infinita do Senhor?”

O padre, naturalmente, dizia que, quando ela estivesse no Céu, não teria a mesma indulgência que tinha para com as faltas dele, na Terra.

“Eu creio que os bem-aventurados têm uma grande compaixão de nossas misérias. Eles se lembram de que sendo, como nós, frágeis mortais, eles cometeram as mesmas faltas, sustentaram os mesmos combates; e sua ternura fraterna se torna ainda maior do que era na Terra. E é por isso que eles não cessam de nos proteger e rezar por nós”.

Santa Teresinha, morta, ainda na enfermaria do convento

Quer dizer, quando uma alma vai para o Céu, torna-se ainda mais compassiva e mais misericordiosa do que era na Terra.

Agora, nós temos aqui um longo trecho de Santa Teresinha a respeito do martírio de desejo. Para que este trecho seja compreensível, é preciso que eu diga uma palavra a respeito propriamente do que ser trata. Trata-se do seguinte:

Há muitas almas piedosas que gostariam de fazer pela Igreja muito mais do que elas fazem. Há muitas pessoas, por exemplo, que estão retidas num hospital e que não podem fazer apostolado. Há muitas outras pessoas que fazem apostolado e lamentam não poder sofrer pela Igreja num hospital. E daí por diante. Então, para essas almas que quereriam fazer tudo pela Igreja, é um verdadeiro martírio não poder fazer tudo.

Há um desejo, mas esse desejo pode se tornar ardente e abrasador como a sede em Nosso Senhor no alto da Cruz. Há um desejo de fazer tudo; há um desejo de estar por toda parte, de dizer tudo, de mexer com todo mundo, de realizar todas as obras possíveis e imagináveis, de zelo, em todos os tempos e em todos os lugares até o fim do mundo. E a insatisfação desse desejo pode ser, para certo tipo de alma, um verdadeiro martírio. Santa Teresinha do Menino Jesus sofreu esse martírio. E ela resolveu, em lindos termos, o problema que esse martírio lhe punha. Aqui os senhores verão os desejos da alma dela como eram. Ela disse:

“Ah, perdoa-me, Jesus, se devaneio, querendo redizer meus desejos, minhas esperanças que tocam no infinito. Perdoa-me e cura minha alma, dando-lhe o que espera. Ser tua esposa, ó Jesus; ser carmelita; ser, por minha união contigo, a mãe das almas; isso deveria bastar-me, mas não é assim”.

É interessante a posição; realmente, quem sofre pelas almas, basta. Mas a questão é que ela não queria. Ela queria ainda mais.

“Esses três privilégios, carmelita, esposa e mãe são, sem dúvida, minha vocação. Entretanto, sinto em mim outras vocações. Sinto-me com a vocação de guerreiro, de padre, de apóstolo, de doutor, de mártir. Tudo portanto. Sinto a necessidade, o desejo, de realizar por ti, ó Jesus, todas as obras mais heróicas. Sinto em minha alma a coragem de um cruzado, de um zuavo pontifício”.

Eram os soldados que tinham lutado contra as tropas garibaldinas para manter a soberania dos estados papais.

“Quisera morrer sobre um campo de batalha pela defesa da Igreja”.

Os senhores vêm aqui a beleza da idéia dela: como uma cruzada, uma verdadeira Joana d´Arc, lutando pelos Estados Pontifícios como Joana d´Arc lutou pela França; e morrendo no campo de batalha pela defesa da Igreja.

“Ó Jesus, meu amor, minha vida; como aliar esse contraste? Como realizar os desejos de minha pobre almazinha? Ah, apesar de minha pequenez, quisera esclarecer as almas como os profetas, os doutores. Eu tenho a vocação de ser apóstolo”.

Vejam que magnífico isso.

Eu quisera percorrer a Terra, pregar Teu nome e plantar, no solo infiel, tua cruz gloriosa”.

Santa Teresinha, como Santa Joana d'Arc, em peça teatral escrita por ela mesma. O traje também foi feito por ela

Ela queria ser missionária.

“Mas, ó meu bem amado, uma só missão não me bastaria. Eu quisera, ao mesmo tempo, anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até nas ilhas mais afastadas. Quisera ser missionária, não somente durante alguns anos, mas quisera tê-lo sido desde a Criação do mundo, e sê-lo até a consumação dos séculos”.

É impossível mais bonito.

“O martírio, eis o sonho de minha juventude! Este sonho cresceu comigo nos claustros do Carmelo. Sinto-me, todavia, que isso ainda, meu sonho é uma loucura pois não me limito a desejar um gênero de martírio; para satisfazer, precisaria de todos”.

“Ó meu Jesus, o que vais responder a todas as minhas loucuras? Haverá uma alma mais pequenina, mais impotente do que a minha? Entretanto, por causa de minha fraqueza, aprouve-te, Senhor, cumular meus pequenos desejos infantis, e hoje queres realizar outros desejos maiores que o universo”.

“A caridade deu-me a chave de minha vocação. Compreendi que, se a Igreja tinha um corpo composto de diferentes membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tinha um coração e que esse coração era ardente de amor. Compreendi que só o amor fazia agir os membros da Igreja e que, se o amor viesse a se extinguir, os apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os mártires recusariam derramar o sangue. Compreendi que o amor encerra todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e todos os lugares. Numa palavra, ele é eterno. No excesso de minha alegria delirante exclamei então: Ó Jesus, meu amor, encontrei enfim minha vocação. Minha vocação é o amor. Sim, encontrei [meu] lugar na Igreja. E esse lugar, ó meu Deus, fostes Vós que me destes. No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor! Assim serei tudo, assim será realizado o meu sonho”.

MES ARMES

Du Tout-Puissant j'ai revêtu les armes, Sa main divine a daigné me parer ; Rien désormais ne me cause d'alarmes, De son amour qui peut me séparer ? A ses côtés, m'élançant dans l'arène, Je ne craindrai ni le fer ni le feu Mes ennemis sauront que je suis reine, Que je suis l'épouse d'un Dieu. Ô mon Jésus ! je garderai l’armure Que je revêts sous tes yeux adorés ; Jusqu'au soir de l'exil, ma plus belle parure Sera mes vœux sacrés. Ô Pauvreté, mon premier sacrifice, Jusqu'à la mort tu me suivras partout ; Car, je le sais, pour courir dans la lice, L'athlète doit se détacher de tout. Goûtez, mondains, le remords et la peine, Ces fruits amers de votre vanité ;Joyeusement, moi je cueille en l'arène Les palmes de la Pauvreté. Jésus a dit : « C'est par la violence Que l'on ravit le royaume des cieux. » Eh bien ! la Pauvreté me servira de lance, De casque glorieux. La Chasteté me rend la sœur des Anges, De ces esprits purs et victorieux. J'espère un jour voler en leurs phalanges ; Mais, dans l'exil, je dois lutter comme eux. Je dois lutter, sans repos et sans trêve, Pour mon Epoux, le Seigneur des seigneurs. La Chasteté, c'est le céleste glaive Qui peut lui conquérir des cœurs. La Chasteté, c'est mon arme invincible ; Mes ennemis, par elle, sont vaincus ; Par elle je deviens, ô bonheur indicible ! L'épouse de Jésus. L'Ange orgueilleux, au sein de la lumière, S'est écrié : « Je n'obéirai pas !... »Moi, je m'écrie en la nuit de la terre Je veux toujours obéir ici-bas. Je sens en moi naître une sainte audace,De tout l'enfer je brave la fureur. L'Obéissance est ma forte cuirasse Et le bouclier de mon cœur. O Dieu vainqueur ! je ne veux d'autres gloires Que de soumettre en tout ma volonté ; Puisque l'obéissant redira ses victoires Toute l'éternité ! Si du guerrier j'ai les armes puissantes, Si je l'imite et lutte vaillamment, Comme la vierge aux grâces ravissantes, Je veux aussi chanter en combattant. Tu fais vibrer de ta lyre les cordes,Et cette lyre, ô Jésus, c'est mon cœur ! Alors je puis de tes miséricordes Chanter la force et la douceur. En souriant je brave la mitraille, Et dans tes bras, ô mon Epoux divin, En chantant je mourrai sur le champ de bataille, Les armes à la main ! (Sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus - 25 mars 1897)

Quer dizer, ela entendeu que trabalhando, ela existindo, ela rezando, ela agindo para que se aumentasse o amor entre todos, para que o grau de caridade na Igreja Católica aumentasse, seria como que uma prodigiosa nascente de vida dentro da Igreja: Os profetas seriam fiéis, os doutores seriam lúcidos, os apóstolos seriam infatigáveis, os guerreiros seriam indomáveis e, na Igreja, tudo começaria a se mover com renovada intensidade. E então, ela entendeu que ela deveria morrer vítima de amor. Vítima pelo amor misericordioso, para que os outros também amassem, de maneira tal que, por essa retonificação do amor dentro da Igreja, todas as vocações se realizassem.

Se ela tivesse conhecido a vocação daqueles que foram chamados para amar a Igreja Católica e para representar a fidelidade durante o período da pior infidelidade e, portanto, para fazer, de algum modo, todos os apostolados em todos os tempos e em todos os lugares - se ela tivesse conhecido essa vocação - como ela se teria alegrado, e com quanto desejo teria querido ter essa vocação.

Os senhores compreendem bem, através do que estou dizendo, quanto os méritos dela foram úteis. Quanto, do alto do Céu, ela reza por nós também. Podemos pedir-lhe igualmente que faça para conosco o que ela disse àquele padre: ela, no Céu, é ainda mais compassiva, é mais misericordiosa. Que ela tenha pena de nossas faltas e nos prepare para a grande consagração do dia 13 de Outubro, para pertencermos inteiramente a Nossa Senhora.

A ideia de qual seja nossa vocação, e de que ela, por essa forma, rezaria por nós, esta ideia é confirmada por todos mil favores que nos tem concedido. E é essa a razão pela qual se celebra, de um modo tão particular, hoje à noite, esta festa dela.

Vamos, então, pedir a Santa Teresinha que, no fundo de nossa alma, aumente o amor. Aumente o amor, aumentando o enlevo, a veneração e a ternura. Aumente o amor, aumentando nosso amor pela Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. É o que devemos pedir a ela na noite de hoje.