Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

São João Batista:

 

austeridade e intransigência

 

 

 

"Santo do Dia" - 23 de junho de 1967

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Nós temos no dia 24, amanhã, a festa da Natividade de São João Batista. E a respeito dele temos que desenvolver alguns dados biográficos fornecidos por Dom Guéranger:

“São João recebeu a graça de uma felicidade incomparável, provavelmente já no seio de sua mãe, com a visita da Santíssima Virgem a Santa Isabel.

Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel - Giotto

Visitação da Virgem Maria a Santa Isabel

Giotto - 1306 - Capela Scrovegni (Arena Chapel), Pádua

Assim sendo, talvez o primeiro que tenha (..?..) da divina e virginal maternidade, não separando nunca o Filho de sua Mãe, ao mesmo tempo que adorou Jesus, honrou Maria acima de todas as criaturas. “Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto de vosso ventre”. É a afirmação unânime da eleição que, pronunciando Isabel essas palavras, nada mais fez do que ser porta-voz de seu filho. O início da vocação de João como testemunho da Luz primaria (..?..) e ela dá a primeira expressão de admiração e louvor que a anima. Anjo ele mesmo, como o chamavam os profetas, retoma (..?..) à Soberana do céu e da terra.

Assim, já se vê de perto o papel de Maria na santificação dos eleitos. O grito de sua alma eleva-o à santidade ao primeiro som da voz da Virgem. Foi por ele que, com grande pressa, após a Anunciação, Ela atravessou as montanhas. Mas reserva ainda a João outros favores. Até então silenciosa, entoa diante dessa criança seu canto sublime. E dá ao Batista a plena compreensão do mistério inefável. Como santificou o precursor de seu Filho, a Mãe de Deus (..?..) primeira lição incomparável do filho de Isabel. Mas três meses ainda continua essa educação maravilhosa. E com isso, melhor (..?..) que será essa criança? A Dispensadora das graças guardou para João a primeira efusão dessa torrente de graça da qual Ela se tornara o divino reservatório.

O caudal que escapa dessa cidade santa não será suspenso no correr dos tempos, levando a cada alma os seus eflúvios, mas (..?..) em toda a sua força inicial ainda não dirigida, encontra João em primeiro lugar. Quem poderia medir essa corrente? Os seus efeitos? A Santa Igreja não o diz. Mas de onde virá a fonte que causa o misterioso crescimento de João sob o olhar atônito dos anjos? (..?..) de vista a fraqueza desse corpo de criança, ante a grande maturidade de sua alma, (..?..) da misteriosa natividade do precursor. É grande o homem que Isabel deu ao mundo (..?..)”.

Esse comentário de D. Guéranger é cheio de vistas magníficas. Ele se estriba no fato de que São João Batista, ainda no ventre materno, era dotado de toda lucidez. Porque sem ser concebido sem pecado original - ao menos nada indica que tenha sido - foi isento dessa culpa logo depois de concebido, razão pela qual tinha inteligência, tinha compreensão das coisas que se passavam, e estava em oração no ventre de Santa Isabel quando Nossa Senhora chegou.

Então, a primeira coisa que D. Guéranger ressalta bem é que Nossa Senhora não foi a Santa Isabel  apenas para ajudá-la, mas que o motivo primeiro da visita era ajudá-la para que gerasse perfeitamente aquele menino que Ela sabia ser o precursor prometido pela Escrituras. O menino passou três meses vendo constantemente Nossa Senhora ajudar Santa Isabel. Ele ouvia a voz de Nossa Senhora; durante esses três meses ele compreendeu Nossa Senhora.

Os senhores podem compreender o que são dois ou três meses em companhia de Nossa Senhora! Ele mostra muito bem que aquele que os profetas  chamaram de Anjo era uma criatura de tal maneira excelsa que estava acima de todos os homens. Nosso Senhor dele dizia, mais ou menos, não me lembro bem a frase, que de homem não havia nascido ninguém maior do que João Batista.

Então, essa criatura, logo no despertar de sua vida, foi acordada para o conhecimento do mundo pela voz de Nossa Senhora. Ele ouviu Santa Isabel cantar a grandeza de Nossa Senhora e ouviu Nossa Senhora entoar o Magnificat. Ouviu esse hino, essa canção tão bem estruturada, tão nobre, ao mesmo tempo tão racional, tão bem pensada. Ele ouviu e compreendeu todos os sentidos que o Magnificat tem, depois o canto da voz de Nossa Senhora e tudo o mais, tudo concorreu para elevar a alma dele.

Ou seja, o primeiro ensinamento desse homem privilegiado foi um ensinamento de Nossa Senhora. Quando a corrente de ensinamentos e de graças de Nossa Senhora — diz ele muito bem — estava no seu primeiro eflúvio para cair sobre a humanidade, o lado mais esplêndido caiu sobre São João Batista, sobre sua alma, para que ele fosse um anjo e fosse na frente do Messias, cortando as montanhas e enchendo os vales para preparar os caminhos do Senhor. Cortando as montanhas, quer dizer, combatendo os vícios; preenchendo os vales, quer dizer, acabando com os pantanais e buraqueiras da sensualidade. Em outros termos, fazendo o trabalho da Contra-Revolução para preparar os caminhos do Senhor.

Ele diz algo a respeito da santidade de São João Batista, mas o que diz é pouco porque ele teve de compreender que não há palavras humanas para descrever bem o que essa santidade possa ter sido. Uma santidade de tal maneira — e de tal maneira máxima a do primeiro momento do apostolado de Nossa Senhora — que os homens podem entrever, não podem descrever! Eles podem admirar, mas eles não podem conhecer inteiramente.

Aí está o Batista, o austero, o Batista terrível! O Batista que vai para o deserto e que vela. E depois sai da solidão e começa a pregação. O Batista zeloso que prepara as almas judaicas, das quais haveria de nascer a Igreja Católica. Porque o primeiro reduto de católicos foi [o] dos judeus e [das] pessoas preparadas pelo apostolado de São João Batista - mas o Batista juiz, o Batista fiel, o Batista devotado!

Quando Nosso Senhor apareceu, ele disse: “A Ele compete crescer, a mim compete diminuir; compete-me agora desaparecer: eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo! Minha missão está cumprida. Não há mais nada para eu fazer, porque o Sol da justiça se levantou e eu não era senão uma ave que cantava o Sol que ia nascer. A partir do momento em que o Sol nasceu, eu não tenho outra coisa a fazer senão morrer por Ele”.

Martírio de São João Batista

Martírio de São João Batista

E aí nós temos a morte, ao mesmo tempo indignada e enlevada de São João Batista. São João Batista e sua luta contra Herodes, contra Salomé, mártir da castidade! O homem que sabe enfrentar a impureza num trono e que sabe perder sua vida para dizer a verdade como ela é. Ele foi detestado, tirado dessa vida, mas tirado num ato de supremo amor. É evidente que quando ele morreu estava pensando no Cordeiro de Deus que tinha visto e no canto do Magnificat que tinha ouvido. Foi nesse enlevo que sua alma se desprendeu do corpo e que foi esperar Nosso Senhor no Limbo.

Os senhores podem imaginar o que terá sido o encontro de Nosso Senhor e São João Batista no Limbo, quando a alma do mártir, tão pura e ainda lavada pelo sangue derramado há pouco, foi de encontro a Ele. O que terá dito Nosso Senhor a São João Batista que O havia aclamado? E depois, coroando de glória São João Batista no Céu!

Aí compreendemos toda a devoção dos ultramontanos (*) a São João Batista. Compreendemos a raiz que isso tem. Esse profeta virginal passou pela vida dizendo as verdades inteiras, sem ter medo de ninguém, aterrorizando a impiedade e enlevando e preparando para o Messias as almas que nós diríamos ultramontanáveis - para falar a linguagem contemporânea -, essa alma [foi] formada diretamente por Nossa Senhora.

E aí então, como através de um espelho, podemos ver algo das virtudes de Nossa Senhora. Porque ele é fruto da alma de Nossa Senhora, da formação de Nossa Senhora. Ele é fruto da formação, e pelo fruto se conhece a árvore. Nossa Senhora, a ter formado um homem que tivesse todo o agrado dEla, teria formado a ele.

Então os senhores compreendem o raprochement que se pode fazer entre isso e os Apóstolos dos Últimos Tempos (**). Os Apóstolos dos Últimos Tempos, formados inteiramente pelas exigências de Nossa Senhora, devem ter o perfil moral de São João Batista: austeros, varonis batalhadores, enlevados, intransigentes e prontos a darem sua vida inteira por Nossa Senhora.

Que Nossa Senhora nos faça tais! Que possamos ouvir, também nós, a voz dEla dentro de nossas almas. Que nós também tomemos a forma de verdadeiros discípulos dEla para, contra os hereges contemporâneos, vivermos aqueles Apóstolos do Últimos Tempos que devemos viver. É o que nós pedimos, de toda alma, a São João Batista e a Nossa Senhora, na festa dele.


(*) O movimento ultramontano do séc. XIX, aqui referido pelo Autor, defendia firmemente as posições do Papado contra a corrente liberal, a qual procurava não só inovar em matéria de liberdade religiosa como também se insurgia contra as orientações tradicionais da Igreja Católica. O termo Ultramontano tem ainda um significado mais amplo. Para explicá-lo, apresentamos a seguir excertos mais importantes do verbete ultramontanismo, que figura na Enciclopedia Cattolica, Tomo XII, col.724, Cidade do Vaticano, 1954:

"Palavra de significado genérico e impreciso, criada e usada além dos Alpes (França, Alemanha, Inglaterra, Países Baixos) para designar, mais do que uma verdadeira corrente de pensamento, a adesão às orientações e à posição da Igreja Romana em suas relações teológicas e jurisdicionais, ou ainda em seus interesses políticos.

"Eram, portanto, denominados ultramontanos nos mencionados países, os escritores, homens políticos, personagens eclesiásticos católicos que seguiam tal linha de conduta e naturalmente todos os italianos fiéis aos ensinamentos da Santa Sé.

"Começou-se a chamar ultramontanos os leigos ou religiosos que sustentavam na Alemanha o partido do Papa Gregório VII durante a luta pelas investiduras [séc. XI]. No século XVIII, foram chamados com a mesma denominação, na França, pelos jansenistas e regalistas, os juristas e os teólogos que combateram suas doutrinas.... A palavra continuou a ser usada durante o século XIX por todos os liberais e acatólicos que no campo religioso seguiram teorias novas e mantiveram um relacionamento prático vexatório em seus contactos com o catolicismo".

(**) A consagração a Maria, cf. o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, possui uma admirável radicalidade. Ela sacrifica não apenas os bens materiais do homem, mas também o mérito das suas boas obras e orações, a sua vida, o seu corpo e a sua alma (...). Nossa Senhora, em troca, obtém para o seu "escravo de amor" especiais graças divinas que iluminam a sua inteligência e robustecem a sua vontade.

"Em troca dessa consagração, Nossa Senhora atua no interior do seu escravo de modo maravilhoso, estabelecendo com ele uma união inefável.

"Os frutos dessa união aparecerão nos Apóstolos dos Últimos Tempos, cujo perfil moral é traçado por São Luís Maria com linhas de fogo na sua Oração Abrasada. Usa para isso uma linguagem de grandeza apocalíptica, na qual parece reviver todo o fogo de um Baptista, todo o clamor de um Evangelista, todo o zelo de um Paulo de Tarso. Os varões portentosos que lutarão contra o demônio pelo Reino de Maria, conduzindo gloriosamente até ao fim dos tempos a luta contra o demônio, o mundo e a carne, São Luis descreve-os desde já como magníficos modelos que convidam à perfeita escravidão a Nossa Senhora a todos aqueles que, nos nossos tenebrosos dias, lutam nas fileiras da Contra-Revolução." (Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, Prólogo à edição argentina de "Revolución y Contra-Revolución").

Outra apreciação do Prof. Plinio sobre a doutrina dos "Apóstolos dos Últimos Tempos", sempre cf. à doutrina de São Luís Maria Grignion de Montfort pode ser lida, por ex., no artigo de 13 de maio de 1945 do "Legionáro", Regina Pacis.

Relicário com um dente de São João Batista, que se venera no museu anexo à Catedral de Monza (Itália)