Plinio Corrêa de Oliveira

 

Santa Germana Cousin:

segurança sobrenatural em meio à toda sorte de infortúnios

 

 

 

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 15 de junho de 1967

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Santa Germana Cousin (também conhecida como Germana de Pibrac). Foto de Daniel Villafruela

A festa de hoje é de Santa Germana Cousin. A síntese biográfica que nós vamos dar dela é tirada de um trecho escrito por Louis Veuillot. Em essência ocorreu o seguinte:

Germana Cousin nasceu em 1579, em Pibrac, Toulouse, na época em que a França era assolada pelas guerras de religião”.

Era uma época, portanto, de muita pobreza, porque as guerras de religião impediam, naturalmente, o desenvolvimento da agricultura e a escassez de víveres era muito grande.

Era filha de Leôncio Cousin, pobre lavrador e desde criança, quando perdeu sua mãe, sua vida foi um sofrimento constante. Magra, desnutrida, escrofulosa tinha, além disso, a mão direita deformada. Sua aparência levou-a a ser rejeitada pelo pai, que nunca lhe manifestou o menor carinho e nunca impediu a cruel perseguição que sua segunda esposa movia à enteada. A casa paterna de Germana, portanto, para ela era um lugar de martírio e não de repouso. Sua madrasta repreendia-a constantemente, obrigando-a a dormir num estábulo sobre duas enxergas. Proibiu-a também de aproximar-se de seus oito irmãos. Germana, sem se incomodar, amava as crianças com carinho especial, servindo-as sempre que podia. Deus inspirou-lhe o amor ao sofrimento e por isso aceitava com alegria essas humilhações, acrescentando-lhes outras austeridades. Toda a sua vida só se alimentou de pão e de água”.

Os senhores verão daqui a pouco outro aspecto de sua vida. Mas aqui está um conjunto de dados que incutem muito respeito, muita admiração. Há determinadas figuras que nasceram para nos dar o exemplo da segurança em si mesma. E da segurança sobrenatural em si mesma e não da segurança natural. Porque elas são de tal maneira marcadas pela Providência pela disformidade, por toda espécie de títulos que as colocam abaixo de todo mundo na ordem humana de valores, que dava para essas pessoas abrirem um buraco no chão e sumirem.

Assim os senhores estão vendo uma pobre coitada, órfã de mãe, escrofulosa, magérrima, com a mão direita deformada, uma coisa que de si desfigura qualquer pessoa, e que ainda prejudica mais quando a pessoa é pobre e tem que trabalhar com seus próprios recursos, trabalhar com suas próprias mãos.

Essa pessoa fica então mais ou menos inútil, ela mora, então, na casa de seu pai. E, sinal supremo do desprezo que todo mundo tem a ela, o seu próprio pai como que não a reconhece por filha, não a trata como uma filha, não lhe dispensa carinhos como a uma filha e a entrega à sanha da madrasta. Nós sabemos que em geral a madrasta é ruim. Ela estava entregue à sanha e desprezo dessa megera e vivia como uma criada na casa do pai, dormindo numa dependência da casa, sobre duas enxergas, e fazendo o papel de pastora.

Essa pessoa podia, portanto, levada pela vergonha, pelo acanhamento, sumir, procurar fugir, ou ser uma pessoa revoltada. Não, ela se porta com extrema dignidade. Ela aceita a situação em que está, procura agradar as crianças que são filhos daqueles que a perseguem, e leva sua vida com dignidade, com simplicidade, na sua segurança de que ela tem um valor: é uma criatura humana, é batizada e ela é filha de Deus. E sendo filha de Deus, não precisa mais nada para levar a cabeça bem alto, em frente a todos os outros.

E ei-la, portanto, com modéstia e com naturalidade diante desse dilúvio de manifestações de pouco caso que vai conduzindo com espírito sobrenatural e superior à sua vida.

Isso eu considero um lindo exemplo para nós; para compreendermos bem que não precisamos de títulos humanos para estarmos nos impondo ao respeito dos outros. Ainda quando os outros nos desprezam, nós temos títulos: nós somos filhos de Deus; somos filhos de Santa Igreja Católica, a título especial somos filhos de Nossa Senhora. Deus, em sua grandeza infinita, se sente agradado com nosso louvor; Ele deseja nosso amor e o aceita, e corresponde. Isto basta. Todo o resto não é nada, todo o resto não tem importância. O título de filhos de Deus basta para tudo.

Conta-se o caso de uma filha de Luís XV que se sentindo maltratada por uma criada, disse à criada com energia: Você se esquece que eu sou filha do rei? E a criada que achava que o lado errado estava do lado da princesa disse: Vossa Alteza se esquece que eu sou filha de Deus?

É uma linda lição! É uma resposta que indica bem a segurança e a altaneria da pessoa a quem basta a sua posição de católico. Eu sou católico, achem dessa posição o que quiserem, riam como entenderem, admirem como quiserem, nada se acrescenta nem se tira à enorme segurança que eu tenho, à alegria fundamental que eu sinto, à ufania que eu experimento em ser católico, apostólico, romano, filho da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana. Não precisa mais nada.

Isso me dá o título para me apresentar aos olhos de qualquer um com sobranceria, com altaneria. Não é preciso ser rico, não é preciso ser inteligente, não é preciso ser agradável, nem nobre ou qualquer outra coisa. Para eu ter a sensação de minha dignidade, basta ser filho da Igreja Católica, Apostólica, Romana.

É claro que, se além disso, eu tiver outros títulos, melhor será. Mas eu não colocarei nenhum título ao lado desse. E é melhor ser lixeiro e católico, a ser a rainha da Inglaterra e protestante; é melhor ser mendigo escrofuloso, com a mão direita deformada, todo deformado, mas católico, a ser o homem mais rico do mundo, mas não pertencer à religião católica.

Quer dizer, o nosso grande título, a grande razão de nossa ufania é de ser filho da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana

E aí nós vemos a segurança, a paz, a tranqüilidade feita de fé de Santa Germana, diante de uma situação que dava para ela se humilhar e acabrunhar.

Creio que uma outra santa que deu um grande exemplo disso foi Santa Joana de Valois. Também desprezada pelo marido, desprezada pelo pai, desprezada por todo mundo, por fim repudiada pelo marido. Mas ela conduziu sua vida com dignidade, com serenidade, fundou uma Ordem Religiosa, governou o feudo que ela recebeu depois de sua separação, e governou muito bem, morreu e recebeu a honra dos altares.

Quer dizer, o que ela tinha? Tinha isso: era católica! Então, com tudo quanto pudesse dizer dela, sendo católica bastava. Para sua segurança, seu cartão de visita estava pronto: católica, apostólica, romana.

É um título lindíssimo e essa ufania de ser católico é a raiz daquilo que Camões chamava “os cristãos atrevimentos”. É quando a gente tem essa ufania de ser católico que a gente se atreve, que a gente se lança.

Por que? Não porque a gente seja mais na ordem humana das coisas; até talvez seja menos do que alguns. Mas não importa. Não tem importância. O que tem importância é que eu sou católico. Eu recebi o sinal do batismo na fronte, eu sou filho da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, não é preciso mais nada. O resto é acessório, é secundário.

Acho essa impostação fundamental e eu não perco ocasião de reafirmar e de insistir nesse assunto.

 Agora os senhores vão ver os esplendores que Deus fazia para recompensar essa serva que tanto se ufanava da sua dignidade de filha de Deus.

Germana era pastora. Os senhores sabem que pastor é um ofício muito poético. Mas na Europa não há ofício mais baixo do que de pastor. Realmente, tomar conta do bicho. Depois, não tem nada de técnico, nada de veterinário, nada disso. É apenas uma espécie de guarda-civil de burro, de vaca, de carneiro, de cabra. Realmente é “de lo último”.

Então, ela era pastora, cabendo-lhe zelar pelos rebanhos de carneiros de sua família, sendo perseguida por esta, mas velando com desvelo pelos carneiros.

 “Conta-se que para ir à Igreja deixava” – e aqui começam os esplendores – “deixava-os aos cuidados da Providência. Nunca nenhum animal extraviou-se ou ultrapassou os limites que ela estabelecia, marcando o chão com seu cajado; nunca foram atacados também por lobos”.

Os senhores estão vendo a cena linda: a pastora feia, trôpega e deformada, mas que tem contato direto com o Céu; à qual Deus fala, à qual Nossa Senhora fala, que ouve a voz de seu Anjo de Guarda e que, portanto, em certas ocasiões tem vontade de rezar. E que por uma inspiração interior – porque sem uma inspiração interior isso não se compreende – vai com seu cajado e traça os limites exatos. E depois, com certeza, avisa: olhe, vocês não saiam daqui. Quando ela volta, está tudo lá. Mas há uma proibição para os lobos entrarem também. De maneira que também nenhum lobo entra. Os Anjos ficam zelando pelo rebanho, enquanto ela vai rezar e vai agradar a Deus Nosso Senhor pelo encontro dessa oração.

A desprezada, a pisada, a humilhada, esta vai à igreja e Deus opera um milagre, e opera freqüentemente este milagre, é hábito de Deus fazer este milagre, para Deus, na sua felicidade celeste inacessível, se alegrar, entretanto, com a candura dessa pastora humilhada e desprezada por todo mundo. Os senhores estão vendo quanto vale uma pessoa desprezada por um título injusto, mas que sabe carregar bem o seu desprezo.

No campo, Germana estava sempre em união com Deus; o terço era sua oração constante, assim como a Saudação Angélica; grande era a devoção à Santíssima Virgem, a qual pedia coragem para levar avante sua vida tão difícil”.

Realmente, é muito difícil levar avante uma vida assim. Porque é muito bonito pensar: Ah, que beleza, os carneirinhos, estou rezando as Ave-Marias, depois eu vou para o meu pobre catre! – tudo isso é muito bonito. Mas na hora de deitar no catre, na hora do frio, de comer comida ruim e de agüentar a cara da megera, e quando essa contar para o pai que tinha se perdido uma ovelha que não perdeu, e o pai dar uma punição injusta, e receber tudo isso bem e ainda agradar os filhinhos da megera, isso não é fácil! Isso é muito poético, mas não é absolutamente fácil. É preciso ter força para isso. E ela sabia onde ela ia procurar essa força: na oração, aos pés de Nossa Senhora. Porque exatamente na oração está a fonte de toda força.

 “Ensinava o Catecismo às crianças da vizinhança e era a protetora dos pobres, para quem levava os restos de sua casa”.

Na realidade, os que mais entendem de fazer esmola, em geral são os pobres. As pessoas muito ricas dificilmente são esmoleres. São as pessoas de fortuna média ou os pobres que fazem esmola. Eu conheço o caso curioso de uma senhora daqui de São Paulo, que é riquíssima. Ela possuía uma casa na rua Brigadeiro Luís Antônio, que ocupava, se não me engano, metade do quarteirão onde ela morava, ou o quarteirão inteiro. Os senhores podem imaginar um quarteirão na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, próximo à Avenida Paulista, em qualquer tempo o que representa... Mas isso era a casa onde ela morava e que não vendia. Tinha rendas para morar nessa casa. E tinha o ramo pobre da família dela, com o qual se dava muito.

Um belo dia, dois genros dessa senhora, péssimos, arrasaram toda a fortuna dela, fazendo-a cair numa pobreza igual ou maior da dos seus parentes pobres. Então ela teve esse comentário interessante: “Engraçado, não pensei que pobre fosse mudar tanto. Se eu soubesse que vocês estão passando as privações que hoje eu passo, quando tinha dinheiro, teria ajudado vocês”. Isso diz muita coisa.

Santa Germana era pobre, mas encontrava jeito de ajudar outros pobres. Então, levava víveres, restos da casa para ajudá-los.

Com essa pobre pastora reproduziu-se um dia o mesmo milagre da Santa Isabel de Portugal. Sua madrasta perseguia-a, julgando que houvesse furtado alimentos da dispensa”.

Podem imaginar que vida! Uma pessoa honestíssima e a megera: Você roubou a rosca? Não, não roubei. Roubou, onde é que está? Sumiu etc

Ao abrir seu avental, ao invés de pão, como previa, só encontrou flores estranhas, nunca vistas e de inigualável perfume.”

Os senhores conhecem o famoso milagre de Santa Isabel. Exatamente o marido dela aproximou-se e perguntou: O que você leva aí? Ela disse que eram flores. Abriu o avental e os pães estavam transformados em rosas. Ela não podia contar ao marido que estava ajudando os pobres. Aqui também se deu a mesma coisa para proteger contra a cólera da megera. Isso é de uma grandeza! Ela fica alta como uma estrela; toca com a mão nas estrelas. E a megera fica do tamanho de uma formiguinha enfezada e feia.

Uma manhã Santa Germana não saiu, como de costume, para guardar seu rebanho. O pai foi encontrá-la morta sobre seu pobre leito. Era o ano de 1601, quando ela completava 22 anos”.

Agora vem a glorificação.

O povo acorreu em massa ao seu enterro, pois histórias sem conta corriam a seu respeito”.

Dentro de casa, dormia num catre; fora, havia gente que percebia seu valor. E a cólera da megera e o desprezo do pai não viram nada. Gloriosa em toda a região e pisada dentro da casa. Assim são certos filhos das trevas particularmente empedernidos.

Quarenta e quatro anos após sua morte – nova glorificação – seu corpo foi encontrado intacto, sendo reconhecido pela mão deformada”.

Isso é muito bonito! Encontrar o corpo intacto é uma das coisas que favorece o processo da canonização. E o caminho, portanto, para a glória dos altares foi aberto para ela através da mão deformada; a gente vê que é um símbolo, que a mão deformada que a levaria à glória, é um símbolo da aceitação da deformação da mão. É uma coisa muito bonita que está expressa dentro desse fato.

 “Canonizada em 1867, em 1901 iniciou em Pibrac a construção de uma grande basílica em sua honra”.

Queríamos saber o que aconteceu com a megera, com o “megero”... Mas isso é uma outra história.

Que Santa Germana nos dê a graça dessa enorme segurança: que nosso verdadeiro e único título de glória é sermos filhos da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Que ela nos alcance esse amor à Igreja pelo qual nós queremos ser da Igreja e não fazemos questão de mais nada nessa vida a não ser pertencer à Santa Igreja Católica.

Que ela nos obtenha a combatividade que certamente teve. Ela tão humilde, tão modesta, tão apagada, parece o contrário da combatividade. Mas sempre que alguém tem uma virtude extrema, tem também no outro extremo a virtude oposta. Só as pessoas assim são as pessoas verdadeiramente combativas. Como só são pessoas verdadeiramente combativas as que na hora da compaixão sabem também ser assim.

Então, vamos lhe pedir que, por um ato de fé em que ela teve as virtudes que estão no extremo oposto daquilo que praticou, ela nos dê a virtude necessária para nosso estado, como ela teve as virtudes necessárias para seu estado de vida.


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