Plinio Corrêa de Oliveira
São Celestino, que renunciou ao Papado “pelo desejo de um estado mais humilde e de uma vida mais perfeita, pelo receio de comprometer a minha consciência“
Santo do Dia, 9 de maio de 1967 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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São Celestino V (Pedro Angeleri de Morrone, 1215-1296), afresco de Niccolò di Tommaso, 1350 ca., Museu Cívico de Castel Nuovo, Nápoles (Itália) A biografia desse santo é tirada do livro “Fisionomias de Santos”, de Ernest Hello: “Eis um santo cuja paixão na vida foi fugir à glória”. Tão raro isso, paixão de fugir à glória!... “É chamado a Fênix de Igreja, aquele que é o único na espécie: religioso e solitário, colocado subitamente no trono de São Pedro, abdicou espontaneamente do lugar que ninguém lhe disputava. Os milagres ilustram-lhe a vida, a simplicidade ilustra-lhe a alma. “Era das províncias dos Abruzzos, na Itália, filho de lavradores. Contrariamente a todas as previsões, sua mãe fê-lo estudar, apesar de ser o undécimo de doze filhos. “Pedro, nas orações, recebia visitas de Anjos, santos e da Virgem, e de nada se admirava, contando tudo à sua mãe, com simplicidade.” Imaginem a beleza desse diálogo – encantador! - de uma criança cheia de candura, de pureza, contando à sua mãe o que seu Anjo lhe dissera. E a mãe, lavando roupa, ou limpando a casa, ou batendo massa de pão, ouvindo e indagando: “Ah! É verdade, conta, é isso etc., etc.”... num diálogo angélico. A candura da infância e a benignidade da maternidade: duas coisas que nosso tempo está longe de conhecer. “Mais tarde, retirou-se para um ermo e então a fama de sua santidade espalhou-se”. É aquela veneração e ternura que os antigos tinham pelo eremita, pelo homem de alma superior, que sabe que todas as coisas atrás das quais correm as pessoas não valem nada no fundo; e que, por isto, se retirava para um lugar vazio. Ia viver inteiramente só, em conversa com Deus. Quando algum eremita se isolava, as multidões tinham arrepios de admiração e iam em massa visitá-lo, consultá-lo, rezar por ele. Muitas vezes o eremita fugia para fugir à multidão e encontrar sua solidão. E atraíam assim a multidão atrás de si. Eles não precisavam vestir clergyman, nem trajes civis, não precisavam ir à boate para fazer “apostolado”... Faziam o contrário: aquilo que era loucura, mas que a graça premiava. “Ah! Eu não gosto de estar no meio dos homens. Fujo deles! Eles virão atrás de mim. Eles irão atrás do isolamento, da penitência, do recolhimento, da sabedoria, da castidade do eremita...”
Igreja de Nossa Senhora da Glória (Rio de Janeiro - Wikipedia) Uma coisa que gosto sempre de pensar é a seguinte: na ermida da Glória, no Rio, aquele outeiro nasceu de um eremita que lá morava; vivia sozinho e tinha fama de santidade. Imaginem a praia do Flamengo, sem nenhum dos horrores que a conspurcam hoje, em seu aspecto natural, que devia ser encantador... Horas e dias sozinho, o eremita no alto do outeiro rezando a Nossa Senhora da Glória... Que beleza, que maravilha uma coisa destas! Mas também se perdeu o sentido disso... Quando se vê um padre de lambreta e se pensa num eremita, há uma estridência em nossa alma, a maior possível. “Construiu uma igreja, cuja consagração foi feita pelos Anjos”. Se isto não é beleza, eu não sei mais o que é belo! E se não é poesia pura e sacral, não sei o que comove os homens... O eremita que dedica algumas horas do dia para construir uma igreja. A igreja concluída, para não quebrar sua solidão, ele não chama nenhum homem para consagrá-la. Mas os Anjos chegam e a consagram. Hoje em dia só há interesse em saber o que fez o político tal, ou que nova fábrica abriu; dinheiro, esportes, imoralidades etc... “Fundou um convento que recebeu o nome dos Celestinos, fundando assim uma nova Ordem que herdou seu nome”. É curiosa essa contradição: um eremita que funda um convento e funda uma Ordem religiosa. O estado religioso é o contrário do estado eremítico. “Mas foi viver no seu ermo, não ficou no convento. “Em 1274, Pedro foi ao concílio de Lyon, defender sua fundação, então ameaçada. Convenceu o Papa, apoiado também por um milagre. Ao preparar-se para a Missa, ante o Pontífice, pensou em seus pobres paramentos de solitário e imediatamente eles apareceram em suas mãos, trazidos pelos Anjos”. Imaginem a cena: o Papa, no genuflexório, a Corte pontifícia, tudo correto, sacral. São Pedro se paramenta, provavelmente com lindos paramentos. De repente vê-se que aparecem outros paramentos simplicíssimos e paupérrimos; ele os veste; ninguém viu como entraram. Terminada a Missa, uma pergunta: “Irmão Celestino, o que aconteceu?” Ele, com naturalidade responde: “Santo Padre, foram os anjos que me trouxeram”. Resposta: “Ah, sei!...” “Completada a defesa, voltou à solidão. Mais tarde, para ocupar a Sé de São Pedro, vaga há dois anos, os cardeais apoiaram o nome do pobre eremita.” Felizes tempos, em que os cardeais foram procurar um eremita... Que tempos lindos! “Pedro pediu tempo para pensar, enquanto os reis da Hungria e de Nápoles vinham implorar que aceitasse para o bem da Igreja”. Que coisa linda! Então, são dois chefes de Estado, dois Reis, que se põem a caminho para implorar - para o bem da Igreja - que ele aceite. Essa visita dos dois Reis ao ermo é quase a visita dos três Reis Magos... Chegam com seu séquito. O eremita os recebe com muito respeito, com a simplicidade de quem não precisa de nada. De quem ocupa uma tal posição que respeita profundamente a realeza; mas quando se lhe fala dela, lembra-se, sobretudo, do Rei e da Rainha do Céu. Então ele recebe, conversa e procuram empenhá-lo. Os reis cheios de zelo, de respeito. Que coisa linda um Rei inteiramente católico! Quando a gente pensa nos governantes de hoje... a alma fica vazia. “Pedro anuiu. Este homem que hesitara em dizer Missa, fora elevado ao sumo sacerdócio. Quando jovem ainda, achara-se indigno de celebrar, e foi preciso uma voz divina convencê-lo. ‘Não sou digno’, disse ele, ‘de oferecer o Santo Sacrifício’.” Resposta magnífica! E quem é digno?! De certas honras, quem é digno? Qual é o homem digno de certas honras?... “Sacrifica, apesar de tua indignidade, mas oferece no temor”. “No sólio pontifício, Pedro resignou-se à vontade de Deus, mas não podia deixar de pensar que sua vocação não era aquela. E decidiu abdicar. Como os pedidos de que continuasse fossem muitos, prometeu que ficaria, a não ser que sua consciência o obrigasse ao contrário. Mas a 17 de Dezembro de 1294, leu ante os cardeais a grande recusa [“il grande rifiuto”]: Eu, Celestino V, papa, movido por várias razões legítimas, pelo desejo de um estado mais humilde e de uma vida mais perfeita, pelo receio de comprometer a minha consciência pela vista de minha fraqueza e incapacidade, considerando também a malícia dos homens e minhas debilidades, desejando o repouso e a consolação espiritual de que gozava antes de minha exaltação, livremente e de pleno gosto, renuncio ao soberano pontificado, abandono a dignidade e o cargo que me estão ligados. “E Pedro voltou à sua querida solidão, para morrer.” Imagino a primeira noite ou a primeira tarde que teve de solidão. Alguma comitiva com certeza o levou até lá; ainda conversaram com ele, depois foram embora. O último tropel de passos e cavalos se distanciou, começou o diálogo dele com Deus... até a hora da morte. Era o prefácio do Céu! |