Plinio Corrêa de Oliveira
São Pedro Canísio, jesuíta e “martelo dos hereges” Caridade, polidez e respeito até para com quem merece ser repreendido
Santo do Dia, 26 de abril de 1967 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério
tradicional da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Hoje é festa de Nossa Senhora do Bom Conselho e vamos ter um cerimonial especial: terminado o “Santo do Dia”, devemos nos dirigir ao jardim (da sede) onde será cantado pelo coro uma “Ave Maria” do século XI e depois rezaremos as orações habituais de encerramento. Soube que alguns dos Srs. foram visitar a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho que se encontra na capela do Colégio São Luís, o que me agradou muito e louvo muito. Devemos voltar nossas vistas para a festa de amanhã, que é de São Pedro Canísio (atualmente se comemora no dia em que faleceu, ou seja, 21 de dezembro).
São Pedro Canísio S.J. (1521-1597), holandês e primeiro jesuíta da província alemã, é considerado pela Igreja Católica como o segundo mais importante apostolo da fé católica na Alemanha. Foi apelidado “Martelo dos Hereges” pela clareza e eloquência com que criticava as posições dos cristãos não católicos. Foi canonizado e proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI em 1925. O imperador Fernando da Áustria escreveu (em 1553) a São Pedro Canísio a seguinte carta a respeito de seu catecismo (“Vidas de Santos”, Editora Vozes, Petrópolis, página 76): “Digno religioso, devoto e caro amigo. Vimos e examinamos a primeira parte de vosso catecismo. Julgamos que, com o auxílio de Deus, esta publicação servirá grandemente à salvação de nossos fiéis súditos. “Pedimos, portanto, que o termineis sem demora e nos envieis o catecismo completo o mais depressa possível, porque faremos traduzir o vosso catecismo em língua alemã, e quando estiver impresso nas duas línguas - latim e alemão - será explicado publicamente à juventude de todas as nossas escolas latinas e alemãs, com exclusão de qualquer outro catecismo, sob as penas mais severas e ameaça de nossa indignação. “Ordenamos que anoteis à margem os livros e os capítulos onde se encontraram os trechos das Escrituras, dos Padres e Doutores da Igreja e do Direito Canônico, citados por vós com tanta erudição e a cada passo nesse catecismo. Isto é para permitir aos mestres menos instruídos e a gente de pouco conhecimento encontrar essas citações. “Temos grande esperança que, por esse meio, aqueles que caíram na ignorância sejam reconduzidos ao seio de nossa Mãe, a Santa Igreja Católica, e que muitos se curvarão à doutrina desses escritos quando virem as fontes originais de onde extraístes. “Ajudareis a milhares de almas e recebereis de Deus todo poderoso o cêntuplo em recompensa. “De nossa parte, nós, como rei cristão, sinceramente desejoso da salvação eterna de nossos fiéis súditos, trataremos de vos indenizar com toda a nossa real benevolência a vós e a vossa religiosíssima Companhia (de Jesus). “Dado em nossa cidade de Presbo a 16 de março do ano de Nosso Senhor de 1553”. Ao lado disto, há um trecho de um sermão de São Pedro Canísio contra a corrupção do clero na Alemanha: “Temos desonrado o altar de Deus com mãos impuras e lábios polutos, com nossos corações incircuncisos, nossas vidas escandalosas e nossos graves abusos. “Nosso pecado é tanto maior quanto abusamos da dignidade que nos foi conferida. Assim, por nossa causa, o nome de Deus é blasfemado. Com tais homens, nada de honestidade em casa, de sobriedade à mesa, de continência no leito, nem de estudos nos livros, nem de devoção no coração”. Ambos os trechos merecem comentários.
Apesar de alguns traços desagradáveis, a atitude do Rei Fernando da Áustria é um exemplo do zelo que um monarca deve ter pela Religião Católica O primeiro é a atitude do Rei Fernando da Áustria, a respeito da difusão da religião no seu Império. Os senhores notarão nesta ficha algumas atitudes do Rei que são bem significativas do erro do regalismo (doutrina que concedia aos reis o suposto direito de interferência em questões religiosas, n.d.c.). Com efeito, ele toma decisões a respeito da difusão do catecismo como de São Pedro Canísio fosse um senhor espiritual; afirma que vai proibir a difusão de outros catecismos em toda a Áustria, para a única manutenção deste catecismo; ele dá uma ordem a São Pedro Canísio, como se este fosse um seu funcionário para que complete as citações que estavam faltando no original que lhe foi encaminhado; depois, então, explica porque ele quer que essas citações sejam incluídas. Mas se é verdade que esta nota desagradável existe nessa carta, para as nossas almas habituadas a um laicismo tremendo dos dias de hoje, ela contém também um aspecto muito digno de louvor e é um exemplo de uma virtude que, de outro lado, devemos registrar. Trata-se do extremo empenho que deve ter um Rei católico pela difusão da verdadeira doutrina em seus domínios, mesmo quando não seja regalista e não abarque as atribuições da Igreja. Os senhores observem que ele recebeu o catecismo, que o examinou, formou o mais alto conceito a seu respeito, no mesmo nível que ele tinha São Pedro Canísio e que desejava ardentemente a difusão deste catecismo. Igualmente empenha-se em todas as partes da missiva a fim de que o serviço seja completo, seja feito logo, explica as vantagens que espera dessa iniciativa. Ou seja, é uma obra de alta Contra-Revolução que assim ele desenvolvia. Com efeito, a importância da questão do catecismo está em que havia infiltrados nos meios católicos muitos autores que faziam catecismos com sabor protestante e já era difícil naquele tempo encontrar um catecismo explicado à maneira dos homens do tempo, mas que simultaneamente fosse bem ortodoxo. De maneira que ele se agarra ao catecismo de São Pedro Canísio como uma tábua de salvação. Os senhores vêem o zelo, o ardor com que quer fazer isto, porque é bom católico, mas também porque era bom Rei do Império Romano do Ocidente. Ele quer aclamar, quer estabelecer este catecismo primeiro porque é católico, mas em segundo lugar porque não há maior interesse para o poder público do que a difusão da Fé Católica. Se esta estiver bem difundida no reino, tudo se pode esperar de bom. Caso contrário, só se podem esperar males, porque todo bem vem da Santa Fé Católica, Apostólica e Romana. Esta idéia fundamental está no centro da carta e é agradável ver um dos maiores, ou talvez o maior potentado do tempo, com este empenho pela difusão da doutrina católica. Os senhores comparem esta atitude com a dos potentados de nosso tempo e compreendem como decaiu toda a situação do Universo, como a influência religiosa se vai esvaindo no mundo contemporâneo, para não dizer que se esvaiu completamente, cedendo lugar a uma influência anti-religiosa. E, neste sentido, a carta é edificante. Sermão de São Pedro Canísio ajuda a expungirmos de nós a tendência a uma devoção meramente sentimental É edificante também esse trecho de São Pedro Canísio em que trata a respeito das condições do clero na Alemanha, em seu tempo. Os senhores sabem que ele usa o plural "nós", não porque se julgasse culpado, mas porque era uma das regras da antiga cortesia. Tendo que dizer a alguém uma coisa desagradável, não se dirigir assim: "Você tem este defeito". Mas dizermos dum modo mais amável: "Nós temos este defeito...” É um "nós" que o interessado entenda bem que se trata dele, desde que não seja bobo. Alguém poderia perguntar: "Mas o que adianta dizer isto se o interessado sabe que se trata dele?" O modo de dizer revela um empenho de não ferir, de não machucar. E esse empenho faz parte da caridade, da polidez, do respeito, que é um modo quintessenciado de caridade e de justiça. É o respeito que a gente deve ter mesmo aos que repreende. É sempre bom lembrar isto, porque por um instinto que, na sua origem, é até sadio, o verdadeiro católico tem para com o clérigo todas as complacências e todas as simpatias. Mas com a tendência natural, que já não é louvável, de nem sequer abrir os olhos para a verdade e não reconhecê-la como tal, ainda quando ela entra pelos olhos adentro. E aqui, nesta última parte, entra a “heresia branca”. Então, para nós nos expungirmos da “heresia branca”, é interessante nós considerarmos como se exprimia um grande santo, um Doutor da Igreja, um homem célebre pelos múltiplos e enormes serviços que prestou à Igreja Católica. Os senhores ouviram há pouco a resenha fazia do quadro moral desse tipo de sacerdote: “Com estes homens, nada de honestidade em casa, de sobriedade à mesa, de continência no leito, nem de estudos nos livros, nem de devoção no coração". É o que se chama uma descompostura completa, porque não resta nada! Eu pergunto aos senhores: se um “homem em casa não é honesto, na mesa não é sóbrio, no leito não é puro, no estudo não usa livros e no coração não tem devoção”, o que é que resta?... Os senhores estão vendo o olhar límpido, forte, objetivo e a boca vigorosa com que São Pedro Canísio sabia estigmatizar os erros do tempo. Vale sempre a pena nós colhermos um exemplo assim de um grande santo para nós termos o destemor de alma e de língua que as circunstâncias de hoje exigem. Mas o destemor deve ser acompanhado de prudência.
São Pedro Canísio: Profissão de Fé Professo diante de Vós a minha fé, Pai e Senhor do Céu e da terra, Criador e Redentor meu, minha força e minha salvação, que desde os meus mais tenros anos não cessastes de nutrir-me com o pão sagrado da vossa Palavra e de confortar o meu coração. A fim de que eu não vagasse, errando como as ovelhas transviadas que não têm pastor, Vós me congregastes no seio de vossa Igreja; colhido, me educastes; educado, continuastes a me ensinar com a voz daqueles Pastores nos quais Vós quereis ser ouvido e obedecido como em pessoa pelos vossos fiéis. Confesso em alta voz, para a minha salvação, tudo aquilo que os católicos sempre acreditaram de bom direito em seus corações. Abomino Lutero, detesto Calvino, amaldiçoo todos os hereges; não quero ter nada em comum com eles, porque não falam nem ouvem retamente, nem possuem a única regra da verdadeira Fé proposta pela Igreja una santa católica apostólica e romana. Uno-me, em vez disso, na comunhão, abraço a fé, sigo a religião e aprovo a doutrina daqueles que ouvem e seguem a Cristo, não apenas quando ensina nas Escrituras, mas também quando julga pela boca dos Concílios Ecumênicos e define pela boca da Cátedra de Pedro, testemunhando-a com a autoridade dos Padres. Professo-me também filho daquela Igreja romana que os ímpios blasfemos desprezam, perseguem e abominam como se fosse anticristã; não me afasto de nenhum ponto de sua autoridade, nem me recuso a dar a vida e derramar o meu sangue em sua defesa, e creio que os méritos de Cristo podem obter a minha salvação e a de outros somente na unidade desta mesma Igreja. Professo francamente, com São Jerônimo, de ser unido com quem é unido à Cátedra de Pedro, e protesto, com Santo Ambrósio, seguir em todas as coisas aquela Igreja romana que reconheço respeitosamente, com São Cipriano, como raiz e mãe da Igreja universal. Confesso essa Fé e doutrina que aprendi ainda criança, confirmei na juventude, ensinei como adulto, e que agora, com minha força débil, defendi. Ao fazer esta profissão, não me move outro motivo senão a glória e honra de Deus, a consciência da verdade, a autoridade das Sagradas Escrituras, o sentimento e o consenso dos Padres da Igreja, o testemunho de fé que devo dar aos meus irmãos e, finalmente, a salvação eterna que espero no Céu e a felicidade prometida aos verdadeiros fiéis. Se acontecer de eu vir a ser desprezado, maltratado e perseguido por causa desta minha profissão, considerá-lo-ei uma graça e um favor extraordinários, porque isso significará que Vós, meu Deus, me destes a ocasião de sofrer pela justiça e não quereis que me sejam benevolentes aqueles que, como inimigos declarados da Igreja e da verdade católica, não podem ser vossos amigos. No entanto, perdoai-os, Senhor, porque, instigados pelo diabo e cegados pelo brilho de uma falsa doutrina, não sabem o que fazem, ou não querem saber. Concedei-me, contudo, esta graça: de que na vida e na morte eu renda sempre um testemunho autêntico da sinceridade e fidelidade que devo a Vós, à Igreja e à verdade, que não me afaste jamais do vosso santo amor, e que esteja em comunhão com aqueles que Vos temem e guardam os vossos preceitos na Santa Igreja romana, a cujo juízo, com ânimo pronto e respeitoso, eu me submeto e toda a minha obra. Todos os santos, triunfantes no Céu ou militantes na terra, que estais indissoluvelmente unidos no vínculo da paz na Igreja Católica, mostrai a vossa imensa bondade e rezai por mim. Vós sois o princípio e o fim de todos os meus bens; a Vós sejam dados, em tudo e por tudo, louvor, honra e glória sempiterna. Amém. (Fonte: Pe. Benigno Hernández Montes, S.J. (1936-1996), “San Pedro Canisio, autobiografia y otros escritos”, Editorial Sal Terrae, Santander, 2004, páginas 121 e 122) Nota do Autor: 97. Esta profissão de fé foi impressa por Canísio em vários de seus livros a partir de 1571, ano em que a publicou por vez primeira em sua Summa doctrinae christianae. As principais razões desta pública profissão da fé foram que em 1568 espalhou-se em algumas regiões que Canísio tinha ficado protestante e que alguns de seus adversários (como Felipe Melanchton, João Marbach e João Gnyphaeus) afirmavam em seus livros que Canísio defendia a doutrina católica malgrado saber que era falsa. Nesta belíssima página Canísio manifesta sua firmeza na fé católica, sua adesão inquebrantável à Igreja de Roma e ao Sumo Pontífice, seu rechaço frontal do protestantismo e a disposição a dar sua vida pela Fé católica. (id. ibid., p. 121) Veja mais sobre São Pedro Canísio em CATOLICISMO, outubro de 2004. |