Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Eulógio de Córdoba, condenado pela autoridade eclesiástica acomodada e martirizado pelos maometanos
Santo do Dia, 10 de março de 1967 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério
tradicional da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Lê-se no Martirológio: “Santo Eulógio foi presbítero e mártir na perseguição dos sarracenos; foi açoitado, esbofeteado e degolado à espada em consequência de sua intrépida e gloriosa confissão de Cristo. Foi quem descreveu o martírio de vários santos de Córdoba durante esta cruel perseguição. Séculos IX”. E na obra de Rohrbacher encontram-se os seguintes dados biográficos sobre Santo Eulógio: “No ano de 850 desencadeou-se em Córdoba violenta perseguição muçulmana contra os cristãos. Dentre as várias vítimas destaca-se o sacerdote Eulógio, pertencente a uma das famílias mais consideradas da cidade e que descreveu os combates gloriosos daqueles que morreram pela fé. Será o defensor de vários cristãos que se apresentaram voluntariamente ao martírio e por isto foram criticados como temerários. Os muçulmanos, espantados de ver tantos cristãos correr ao martírio, temeram uma revolta e o fim de seu domínio. O califa Abdel Aman reuniu os conselheiros e ficou resolvido que prenderiam ou matariam quem quer que falasse contra o profeta. “Os cristãos então esconderam-se e vários fugiram à noite disfarçados, mudando de esconderijo. Outros, não querendo fugir nem esconder-se, renunciaram a Jesus Cristo e perverteram outros. Vários, tanto sacerdotes como leigos, que antes louvavam a constância dos mártires, mudaram de opinião e passaram a tratá-los de indiscretos, alegando mesmo a autoridade da Escritura para sustentar suas opiniões. Estes que desde o começo desaprovavam o comportamento dos mártires, queixavam-se amargamente de Santo Eulógio e outros sacerdotes, os quais, encorajando-os, haviam atraído a perseguição. “O califa fez reunir em Córdoba os metropolitanos de diversas províncias e formaram um concílio para acharem um meio de apaziguarem os infiéis. Na presença dos bispos, um escrivão riquíssimo, cristão, mas que tinha medo de perder o que possuía, atacou rijamente o sacerdote Eulógio. Ele havia sempre censurado tais mártires e pressionava os bispos a pronunciar um anátema contra os que quisessem imitá-los. “Por fim, o concílio proibia daí em diante que alguém se oferecesse ao martírio. Mas em termos alegóricos e ambíguos, segundo o estilo da época, de sorte que havia como contentar o califa e o povo muçulmano, sem todavia censurar os mártires, quando se penetrava o sentido das palavras. “Santo Eulógio não aprovava tal dissimulação. Lutou contra ela durante muito tempo. Duramente perseguido pelos muçulmanos, mas também pelos cristãos acomodados...” Ou seja, pela “quinta-coluna” [traidores, n.d.c.]. Os senhores sabem muito bem o que é um cristão acomodado. “Finalmente, firme na defesa dos mártires voluntários — no que teria um fiel aliado, séculos mais tarde, na figura de São Francisco de Sales — foi decapitado no ano de 856”.
Havia aí dois problemas: o moral e o político. Antes de tudo, uma situação psicológica, prévia a se estudar o problema moral: para muitas pessoas é um tormento insuportável passar uma vida de corre-corre e de foge-foge. É-lhes muito duro estar de um lado para outro, de noite, correndo, a morte que os espreita; é-lhes mais suave se apresentarem quando têm maior dificuldade, quando têm coragem, ou até se apresentarem às autoridades e dizerem que são mesmo cristãos e vamos acabar com isto. Esta situação psicológica, que em última análise é compreensível, traz consigo um problema moral: a pessoa não se defender com todas as possibilidades que tem, ou a pessoa até se apresentar à autoridade que vai matá-la não constitui um suicídio? É uma questão moral que se compreende. Santo Eulógio era de opinião — assim como depois são Francisco de Sales — que isto não constitui suicídio, e que o modo de proceder dos católicos que estavam neste caso era correto. Por causa disso, vários católicos se apresentaram ao martírio e foram mortos. E isto induziu o sultão de Córdoba a perceber que o número de católicos ainda era muito grande e a desejar, portanto, fazer o extermínio dos católicos que residiam em Córdoba. Esta atitude feroz do sultão teria então, em parte, sido desencadeada por causa da atitude de Santo Eulógio e dos católicos “radicais”. Agora, aparece o problema político: a Espanha fora, no tempo dos visigodos, uma nação católica e a massa da população espanhola continuava católica. Havia uma grande quantidade de mouros ali residentes, mas também um número enorme de católicos e era até tolerada a religião católica. Tolerada, naturalmente, com a condição tácita que todas as “tolerâncias” supõem, e que é a seguinte: a não autorização, a não permissão de que os católicos empreendessem uma ação muito vivaz; a ação de bispos acomodados, de bispos tolerantes dispostos a aceitar tudo, de maneira tal que guiassem os católicos numa política de submissão e de capitulação que ao longo dos decênios haveria de produzir uma debilitação da fé e quem sabe até um eventual desaparecimento da fé em terras de Córdoba. À vista da multiplicação dos católicos que se apresentavam para o martírio, as autoridades maometanas resolveram convocar um concílio, para que este concílio de bispos acomodados condenasse esses católicos vigorosos, e pela voz dos bispos, os bons ficassem desmoralizados. Santo Eulógio certamente tinha muito maior facilidade em pregar contra Maomé do que contra os bispos; os bispos acomodados o desmoralizariam. Realizou-se o concílio, este escrivão, que era muito rico — em geral, os homens muito ricos não querem ouvir falar em morrer e não gostam de ouvir falar em martírio — fez um discurso em que acusava Santo Eulógio e seus companheiros. Este discurso feito, o concílio condenou Santo Eulógio e os companheiros. Mas esta condenação evidentemente era falsa, não tinha fundamento, e Santo Eulógio continuou valentemente a sustentar seu ponto de vista. Tal foi sua intrepidez que acabou ele mesmo decapitado, acabou mártir. Qual a lição que devemos tirar daí? Que em todas as épocas da Igreja, e em todas as perseguições da Igreja, existem duas correntes: a que quer ser fiel e a corrente mole, acomodatícia, dos que preferem um negócio qualquer, com o qual a fé sofra prejuízos, mas que eles possam morrer tranquilamente nas suas camas, levando uma vida tanto quanto possível agradável. Em suma, existe a corrente do heroísmo e a corrente da acomodação, do pacto, da traição. Existem os católicos verdadeiros, no século XX. Existem, ao lado deles, por exemplo, os democratas cristãos, que dentro do mundo revolucionário de hoje o que querem precisamente é uma acomodação em vez da lutar contra o mundo de hoje. Santo Eulógio lutou como um leão e passou pela dura provação de ser condenado pelo episcopado. A gente pode imaginar na alma de um santo quanto isto deve fazer doer. Entretanto, ele soube resistir também a isto, e nos deu um exemplo no sentido de que devemos amar tanto a Igreja, devemos amar tanto as instituições eclesiásticas, que estejamos dispostos a sofrer, por amor a elas e por fidelidade a elas, até a pior das coisas, que é a oposição e eventualmente até a condenação de autoridades eclesiásticas acomodadas e que combatem - dentro da Igreja - o filão áureo, do heroísmo e da dedicação total. Nesse sentido, Santo Eulógio é nosso patrono, e devemos pedir-lhe esta forma especial de coragem, muito mais meritória do que a própria coragem do martírio. |