Plinio Corrêa de Oliveira

 

Santo Alexandre, Patriarca de Alexandria:

a luta contra o herege Ario

 

"Santo do Dia", 25 de Fevereiro de 1967

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Amanhã, Santo Alexandre bispo, confessor. Em Godescard, na Vie des Saints e em Rohrbacher, na Vida dos Santos, há alguns dados sobre este santo:

“Santo Alexandre, que assumiu o patriarcado de Alexandria em 313, foi discípulo do grande São Pedro Mártir, tendo ouvido na prisão os conselhos desse santo bispo aos seus sucessores, contra o diácono Ario. A luta que então Santo Alexandre vai empreender contra esse heresiarca será sem tréguas, preparando o caminho para Santo Atanásio”.

“Ario era um varão de porte avantajado, aspecto imponente e grave, que inspirava respeito. O seu trato afável e gracioso, a sua conversação doce e agradável atraiam a confiança. Costumes austeros, ar penitente, zelo evidente pela religião, raro pendor para a dialética, conhecimentos bastante extensos nas ciências profanas e eclesiásticas, mas sem muita consistência nem profundidade, tudo isto encobria um fundo de melancolia, inquietação, ambição e um gosto secreto de novidades”.

“Ao ser ordenado sacerdote e encarregado do ensino público das sagradas letras, não coube em si de vaidade, chamando-se a si mesmo de ilustre. Pretendendo o episcopado após a morte de Santo Aquilas, bispo de Alexandria, Ario não pode suportar a escolha de Santo Alexandre e tornou-se seu inimigo mortal. Começou por esta época a difundir sua doutrina e a angariar adeptos. Santo Alexandre, preocupado com a difusão do erro e não conseguindo persuadir Ario, conseguiu que fosse excomungado solenemente pelo clero de Alexandria. O herege retirou-se para a Palestina, obteve o apoio de alguns bispos, especialmente Eusébio de Nicomédia, e iniciou uma campanha de intrigas contra seus adversários”.

“Reuniu-se então o Concílio de Nicéia para por fim à questão, elaborando o Símbolo de Nicéia e condenando-se as doutrinas arianas. Nesta famosa reunião destaca-se sobremodo o secretário de Santo Alexandre, Santo Atanásio, então diácono. O santo patriarca, ao morrer, previu o futuro do seu auxiliar. Chamou-o várias vezes, mas o santo fugira, antevendo talvez o que lhe ia suceder. Mas o enérgico bispo acrescentou profeticamente: “Atanásio, cuidas haver escapado mediante a fuga, mas não escaparás”. E entregou a alma ao Senhor, cuja Igreja servira com dedicação e heroísmo durante toda a sua vida”.

Traços psicológico-biográficos do heresiarca Ario, perfeito e acabado hipócrita

Santo Alexandre

Chama-me a atenção nesta ficha o seguinte: a descrição, muito bem feita, do heresiarca Ario e um silêncio a respeito de Santo Alexandre. Tratando-se, embora, de uma vida de Santo Alexandre, não se fala dele, mas se dá a descrição do heresiarca. A descrição do heresiarca é muito bem feita, porque todos os traços biográficos que nela se encontram são coerentes entre si e formam um tipo perfeito e acabado do hipócrita. Do hipócrita que procura representar, como na época as pessoas gostavam, que fosse um bispo piedoso.

Hoje, estamos na época em que o tipo de bispo "moderno", que as pessoas "modernas" gostam, é o que tenha um carro estilo Kharman Ghia, etc.

Naquele tempo o mundo estava menos degradado e em vez dos hereges tomarem ares de comunistas, tomavam ares de "ultramontano" (*). Então, os senhores vêem o aspecto contra-revolucionário do homem: “Ario era um varão de porte avantajado, aspecto imponente e grave, que inspirava respeito”. Precisamos nos lembrar que ele era um oriental, quer dizer, tipos grandes, com cara desses padres cismáticos, vigorosos, barbado, com aquele chapéu duro, um jeito, entretanto, afável, amável, atencioso, conhecendo as ciências sagradas, mas no fundo fervendo de ambições e de desmandos; a ponto de que, quando ele conseguiu uma cátedra, ele começou a se chamar de “ilustre” a si próprio.

Entrechoque inevitável que haverá até no tempo do anti-Cristo: o bom não parece santo; o que parece santo não presta

Os heresiarcas Ario, Apolinário e Averroes

Triunfo de São Tomás de Aquino sobre os Hereges - LIPPI, Filippino

1489-91 - Santa Maria sopra Minerva, Rome

Aqui está o hipócrita: na era em que o bem ainda tem alguma força, ele procura fazer-se de bom. Na era em que o mal tem força, o hipócrita deixa manifestar sua cara de mau e, até às vezes, chega a fingir-se de pior do que é, para obter popularidade e simpatia. É uma outra forma de hipocrisia. Uma hipocrisia pior, porque o indivíduo que se finge de mau é sempre mais censurável que o indivíduo que se finge de bom.

O lado difícil é a tarefa de Santo Alexandre. Os senhores estão vendo que Santo Alexandre, provavelmente, não tinha esse físico, não tinha essas aparências atraentes e agradáveis. Deveria ser um homem completamente sem as aparências de um verdadeiro santo, e Ario deveria ter as aparências de um santo. E os senhores encontram aí o entrechoque que tantas vezes se dá, que vai se dar também por ocasião do anti-Cristo: o que é bom não parece santo; o que parece santo não presta.

Uma luta do santo autêntico, sem as aparências da santidade, contra o falso santo, com todas as aparências da santidade. E então, uma luta dura, uma luta renhida. Vê-se que Santo Alexandre teve que lutar duramente contra Ario para acabar expulsando-o de Constantinopla; assim mesmo, Ario tentou voltar para esta cidade. Acabou sendo eleito arcebispo de Constantinopla e morreu no cortejo da posse, como sabemos, de um modo ignominioso, estourando seu abdome, deitando vermes de todo lado, com um cheiro horroroso.

Santo Alexandre forma um santo melhor ainda do que ele, mais terrível contra o arianismo: Santo Atanásio

Enquanto Ario era assim e Santo Alexandre era outro, vemos também aí toda uma linhagem de santos. Santo Alexandre fora antecedido por São Aquilas, e tem como secretário Santo Atanásio - o grande Santo Atanásio - que era de tal maneira anti-ariano e de tal maneira isolado na luta contra o arianismo, que se diria que em determinado momento, no mundo inteiro, o anti-ariano era só ele. Ele chegou a ficar tão isolado e perseguido que, durante algum tempo, morava na sepultura dos pais dele, no meio dos mortos, oculto para ver se os perseguidores não o pegavam.

Santo Atanásio

Então, percebemos uma espécie de ligação ascendente: Santo Alexandre, que forma um santo melhor ainda do que ele, mais terrível contra o arianismo e este santo quebra o arianismo, porque Santo Atanásio quebrou o arianismo. Os senhores vêem a Providência preparando, portanto, uma espécie de genealogia de santos no sólio de Alexandria, que haveria de acabar brilhando com o brilho incomparável de Santo Atanásio, preparando a vitória da Igreja.

São esses movimentos da Providência que têm uma beleza arquitetônica extraordinária e que constituem, no fundo, a verdadeira beleza da história: como Deus faz nascer um santo do outro; como Deus faz nascer uma reação boa da outra; como Ele permite que, às vezes seus fiéis pareçam esmagados diante da aparência e da capacidade de seus adversários, mas, no fundo, pelos rogos de Nossa Senhora, os bons acabam triunfando.

Temos, então, diante de nós um quadro que não deixa de lembrar a situação atual da Santa Igreja, no sentido de que se hoje os bons  realizassem coisas que os fizessem ser tidos por santos, talvez tivessem uma situação mais cômoda. Na aparência, seria bom. Na realidade não adiantaria de nada. Nossa Senhora dá meios modestos. Mas não devemos nos preocupar. Devemos tocar para frente, confiados em Nossa Senhora. Ela fará germinar os fatores necessários para a implantação de Seu Reino. É a lição que a ficha hagiográfica da noite de hoje nos dá.


(*) Para o sentido do termo "ultramontano" ver aqui.


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