Plinio Corrêa de Oliveira
Fra Angélico: o "São Tomás" da pintura
"Santo do Dia", 18 de fevereiro de 1967, sábado |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério
tradicional da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Alguns traços biográficos do bem-aventurado Angélico:
* * * É uma lindíssima ficha bibliográfica, porque é uma lindíssima bibliografia. Tornou-se difícil até selecionar algum aspecto para fazer um comentário dessa vida. Antes de tudo, é bonito notar um dos princípios da Civilização Católica que aqui se afirma e é um princípio da reversibilidade dos planos. Toda forma de ordem, de beleza, de virtude que existe num plano, é susceptível de ser revertida num outro plano. Por causa disso, se houve um Tomás de Aquino na ordem da filosofia e da metafísica, deve haver um Tomás de Aquino na ordem da pintura, como deve haver um outro na ordem da música e em todas as outras ordens. Isto por causa de um princípio, que é o princípio monárquico do universo, de que todos os talentos devem se reduzir ou sublimar em um talento supremo; que todas as obras devem encontrar seu ponto de encaixe em uma obra suprema e que, portanto, deve haver supremos em todas as ordens e direções. E supremos cuja supremacia obedece aos mesmos princípios que estão nas ordens do ser. O ser, enquanto tal, tem propriedades e obedece a certas regras que não são senão um desdobramento dos princípios que lhe são inerentes. Por causa disso, a regra da pintura, da música, da arte, de dirigir os povos, enfim tudo o mais é aplicação dos mesmos princípios gerais a vários campos diferentes. De maneira tal que, tendo nós supra-sumos de homens em cada campo, utilizando as mesmas regras conhecidas até ao fundo e assimiladas à sua personalidade, aplicando-as em seu respectivo campo, temos então que toda vida humana forma uma harmonia maravilhosa, em que os mesmos princípios fundamentais se revertem e se explicam uns pelos outros e constitui aquela totalidade que, com certeza, formará o Reino de Maria. Quando, então, se entrar numa catedral, nela se verá a expressão da ordem política, econômica e social vigentes. Nela se ouvirá uma música que é a melodização da catedral e da ordem política, econômica e social então vigentes. Quando se desenrolar a liturgia, esta terá a pompa que torna extrínseca a ordem interna da Igreja Católica. Mas como a ordem temporal verdadeira não é senão uma projeção, na ordem inferior própria, dos princípios da ordem superior espiritual da Igreja Católica, então isso, por sua vez, vai produzir outra harmonia. E o homem viverá inundado de harmonias e não de contradições berrantes. De harmonias que formarão uma espécie de imensa sinfonia de harmonias, cujo ponto de unidade nos fala continuamente de Deus. Temos aqui São Tomás de Aquino e o Beato Angélico. A ficha observa muito bem, um e outro chamados “Angélicos”: o “Doutor Angélico” e o “Pintor Angélico”. Se pelo mais negro crime da História – depois da traição de Judas – a Idade Média não tivesse sido trucidada prematuramente, teríamos tido esses “Angélicos” em vários terrenos. Tivemos o “guerreiro angélico” com São Luís IX e São Fernando de Castela. Teríamos, assim, uma porção de outras coisas nessa linha angélica. Teríamos uma ordem angélica, coerente, luminosa, sobrenatural, profundamente lógica, que seria, então, a ordem da Civilização Cristã e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Daí, uma ordem mais própria para Anjos do que para homens em que estes últimos seriam encaminhados por aqueles ao Paraíso. O que há por detrás disso? Algo que é preciso mencionar, que não diz respeito diretamente à obra de Fra Angélico, mas que esta é uma fulguração. E o que há de melhor na obra de Fra Angélico como também na obra de São Tomás de Aquino é a virtude da sabedoria. Essa virtude arquitetônica por onde o homem apetece como supremo bem – já nesta existência – essa coerência, essa profunda harmonia interior das coisas, muito mais do que qualquer refrigerantezinho ou máquinas para fazer asneiras... Primeiro porque sua natureza encontra sua plena expansão nessa harmonia, mas em segundo lugar – e esta é a razão mais alta – porque essa harmonia, no fundo, diz algo, uma palavra inefável, total, que é o melhor símbolo de Deus. Deus se simboliza nesta harmonia de todas as coisas. E quem ama essa harmonia de todas as coisas, ama o símbolo de Deus, ou seja, ama o próprio Deus. É um pouco como quem olhando para nosso leão, ama o Grupo. Esse leão nos exprime. E quem ama aquele leão, ama algo da alma que é uma das facetas características nossas, sem as quais nós não seríamos nós. Assim como um leão pode exprimir um movimento, a fortiori, o universo inteiro pode exprimir Deus Nosso Senhor. E nesta suprema harmonia, há exatamente uma expressão de Deus, que não é a visão beatífica, mas é um antegozo dela. E quem ama isto, fica com a alma preparada para amar a visão beatífica.
Não pensem que essa harmonia é igualitária. É uma harmonia monárquica, que tem seu ponto central no sublime, no mais alto, que se encaixa num ponto supremo da ordem criada, do qual depois todas as harmonias derivam. Qual é essa harmonia? No que ela melhor se manifestou? Na ordem meramente criada, em Nossa Senhora. Entre as meras criaturas, Ela não é somente a mais perfeita, mas dentro dessa concepção que estamos considerando, o mais perfeito não é apenas o primeiro inter pares, mas é aquele que contém em si a perfeição de todos os outros perfeitos que estão em baixo. De maneira que todos os perfeitos que estão em gamas sucessivas em baixo, são por ele capituladas, compendiadas e contidas. Nossa Senhora tinha em si todas as formas e todos os graus de perfeição de todas as meras criaturas, compendiadas nEla e nEla elevadas a um grau de sublimidade que não tinha paralelo com nenhuma outra criatura. Ela não era, portanto, a síntese de tudo aquilo, mas era a síntese posta num estado de sublimidade que deixava fora de qualquer paralelo todas as coisas que vinham embaixo. Quer dizer, entre Ela e nós não há um abismo, mas uma série insondável de abismos insondáveis, de tal maneira Ela é a mais perfeita de tudo isto junto. Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua humanidade santíssima, era mais do que Ela. Então, a perfeição de todas as perfeições tinha que ser forçosamente a Sagrada Face de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por que? Pelo olhar e pela fisionomia espelhava todas as formas e graus de perfeições de alma possíveis no homem, mais algo de divino, portanto, algo de inefável.
Por outro lado, Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo perfeito, o que Ele deveria ter de mais perfeito era a face, que era a condensação de todas as perfeições do corpo. Estou certo de que se alguém conseguisse conhecer essa Face mesmo como era – não depois de um tal ou qual desfiguramento da tortura da Paixão – compreenderia que as proporções de seus traços tinham que conter todas as regras de harmonias do universo. Estudando-se a Sagrada Face, tinha-se que conseguir conhecer toda a beleza do universo; decifrava-se a beleza do universo e a ordem do universo pelas proporções... da Sagrada Face. Da beleza e também de outra coisa que os homens tão raramente encontram reunida à beleza: a graça. Muitas vezes encontram-se formas de beleza mas, em geral, dissociadas da graça. “Graça” aqui entendida no sentido de charme, encanto. Muitas vezes se encontram formas de encanto, mas dissociadas da verdadeira beleza. O que Ele tinha como encanto, como atração...! O encanto que ia desde a majestade mais empolgante e mais incapaz de ser fitada por nós, até a graça preciosa e atraente, mais meiga, mais afável, mais capaz de se fazer pequena e nos acariciar. Tudo isto junto era uma atração e um charme por detrás da beleza perfeita e com a expressão de uma inteligência infinita e de uma santidade transcendente que nos faria ter a idéia do que seria a fisionomia dEle. No fundo, foi o que Santo Tomás viu e a respeito do que ele meditou; no fundo, foi o que o Beato Angélico viu e que ele cantou por sua vida inteira; no fundo é o que no Reino de Maria se verá. Ver-se-á, através de todas essas harmonias, algo que nos faça pensar na face imaculada, sacratíssima, régia, materna e meiguíssima de Nossa Senhora e na face para a qual não há palavras, em que cessam os adjetivos, em que tudo é silêncio e adoração reverente: a Face de Nosso Senhor Jesus Cristo. É compreendendo essas harmonias que se prepara para compreender a Sagrada Face e para a visão beatífica por toda a eternidade. |