Plinio Corrêa de Oliveira

 

Santo Afonso Maria de Ligório:

a via dos “túneis escuros”

e das largas “avenidas” que se
sucedem alternativamente

 

 

 

 

 

Santo do Dia, 2 de agosto de 1966

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Vista parcial da estátua de Santo Afonso Maria de Ligorio, no interior da Basilica de São Pedro, no Vaticano 

Síntese biográfica dada por Dom Guéranger (L’Année Liturgique):

Afonso Maria de Ligório nasceu de parentes nobres, em Nápoles, em 27 de setembro de 1696. Sua juventude foi piedosa, estudiosa e caritativa. Aos dezessete anos, ele era doutor em direito civil e canônico...”

Aos dezessete anos, hein?!

“...e começa, pouco depois, uma brilhante carreira de advogado. Mas, nem seu sucesso, nem as instâncias de seu pai, que o queria casar, o impediram de deixar o mundo. Diante do altar de Nossa Senhora, ele fez o voto de se tornar sacerdote. Ordenado padre em 1726, ele se consagrou à prédica. Em 1729, uma epidemia lhe permitiu se dedicar aos doentes, em Nápoles. Pouco depois ele se retirou, com companheiros, a Santa Maria dos Montes e, com eles, se preparou à evangelização dos campos.

“Em 1732, ele estabeleceu a Congregação do Santíssimo Redentor, que lhe deveria acarretar numerosas dificuldades e perseguição. Mas, enfim, os recrutas afluíram e o instituto se expandiu rapidamente.

“Em 1762 ele foi nomeado bispo de Santa Ágata dos Godos, perto de Nápoles. Ele empreendeu, ato contínuo, a visita à sua diocese, pregando em todas as paróquias e reformando o clero. Ele continuava a dirigir seu Instituto e o das religiosas que ele tinha fundado para servir de apoio, por sua oração contemplativa, a seus filhos missionários.

“Em 1765, ele se demitiu de seu episcopado e voltou a viver entre seus filhos. Dentro em pouco, uma cisão se produziu no Instituto dos Redentoristas; Santo Afonso foi expulso de sua família religiosa. A provação foi muito grande, mas ele não perdeu a coragem e predisse, mesmo, que a unidade se restabeleceria depois de sua morte. Às suas doenças, se acrescentaram sofrimentos morais que lhe causaram longas crises de escrúpulos e diversas tentações. Mas, seu amor por Deus não fez senão crescer. Enfim, no dia 1 de agosto de 1787, ele morreu, na hora em que soava o Ângelus. Gregório XI o inscreveu no catálogo dos santos em 1839, e Pio IX o declarou Doutor da Igreja.”

A respeito da missão dos Doutores da Igreja – um dos quais foi exatamente Santo Afonso de Ligório e lhe fazendo a aplicação – Dom Guéranger afirma:

Um grande Papa tinha dito que o próprio dos Doutores é esclarecer a Igreja, de ornar de virtude, de formar com seus costumes. Por eles, acrescenta o Papa, ele brilha no meio das trevas como a estrela da manhã. Sua palavra, fecundada pelo Alto, resolve os enigmas das Escrituras, desata as dificuldades, esclarece as obscuridades, interpreta o que é duvidoso. Suas obras, profundas e realçadas pela eloquência do discurso, são outras tantas pérolas preciosas que enobrecem a Casa de Deus, não menos que A fazem resplandecer. Assim se exprimia no século XIII, Bonifácio VIII.

Mas, maior ainda foi o exemplo que Deus quis dar ao mundo, quando Ele permitiu que, acabrunhado por anos, a traição de vossos filhos – ó Santo Afonso – trouxesse para vós, acarretasse para vós a desgraça dessa Sé Apostólica, pela qual vós tínheis consumido a vossa vida e que, por retribuição, vos amputava – como membro indigno – do Instituto que vós mesmo tínheis fundado. O inferno teve, então, licença de juntar os seus golpes aos do Céu; e vós, ó Doutor da paz, conhecestes pavorosos assaltos contra a fé e a santa esperança.”

 Urna com os restos mortais do Santo, que repousam em Pagani (Sul da Itália)

A vida de Santo Afonso apresenta esse particular que acabamos de ler e que é a existência de um momento na sua trajetória terrena que pode ser comparado a um túnel escuro por onde teve que passar. Não é uma provação, não é um sofrimento, mas é uma espécie de desabafo em que tudo quanto ele podia humanamente se considerar, que dava significação à sua vida, parecia ruir. E ele ficava completamente privado de qualquer dom, de qualquer vantagem, de qualquer bem que não fosse a pura graça de Deus atuando, de um modo provavelmente insensível, no interior de sua alma.

Eu não sei se os senhores se dão conta do que possa significar isso: um homem que era um advogado provavelmente brilhante – porque era um homem muito inteligente, de família nobreque deixa uma situação humana, portanto, auspiciosa e capaz de lhe favorecer carreira, ambições mas que se dedica completamente ao sacerdócio.

Depois, um passo para frente: ele constitui uma congregação religiosa florescente. É um homem bem visto pela Santa Sé. Escreve livros e é aclamado como um Doutor. Como um homem de grande significação na vida intelectual católica de seu tempo, os seus livros se espalham por toda a Europa. Elevado ao episcopado. Então, numa situação que tem todos os aspectos da coroa de uma vocação bem correspondida. Porque ele, como padre, se fez Religioso; como religioso, Fundador; como fundador, Geral; além disso, com a honra do episcopado...

Vendo que o bom odor de sua doutrina perfumava a Europa inteira, dir-se-ia que o fim para o qual ele se ordenou estava realizado, que sua vida tinha atingido o objetivo desejado pela Providência. E que era, portanto, um homem que poderia morrer naquela hora, dizendo como São Paulo: “Eu combati o bom combate, dai-me agora o prêmio de Vossa glória”. Pois bem! No momento em que tudo isso parecia realizado, uma catástrofe: ele, bispo resignatário, é expulso de sua  congregação religiosa.

Não sei se os srs. podem imaginar o que seria um dos senhores ser expulso, injustamente, da TFP. Os senhores imaginem um pouco a cena: acabada a reunião, eu dizer para um dos senhores: “Fulano, eu quero falar com você”. E já dizer, com ar fulminante: “Me espere lá fora!”. Já começaria por uma perda de distância psíquica e o resto da reunião não se acompanharia muito bem... Lá fora eu diria: “Fulano, eu não tenho que dar explicações. Ponha-se daqui para fora e que eu nunca mais o veja nem de costas! Saia! Não se despeça de ninguém; saia! Se você tiver objetos aqui dentro, eu vou mandar jogar por cima do portão, porque a rua é sua e é só para o que você presta”. Imaginem... Não sei o que é que dava...

Considerem um Fundador de uma Ordem religiosa que é dela expulso pela Santa Sé, e expulso como membro podre dessa Ordem religiosa. Os senhores já imaginaram o que isso representa?...

Imaginem um fato mais grave: começam, junto com tudo isso, doenças. Ele não podia mais andar a não ser num carrinho, além do que só podia ficar com a cabeça inclinada, não podendo levantá-la. Isso também durou até o fim de sua vida.

Depois ainda, escrúpulos, tentações fortíssimas contra a pureza e tentações contra a fé (o pior tipo de tentação). E isso tudo se acumulando num homem que estava quebrado por essa forma...

Isso era o que lhe faltava, era exatamente o prêmio máximo que devia vir para sua vida; era a crucifixão depois de um longo apostolado, depois de uma longa ação. A Providência prepara isso, com frequência, para as almas que prefere. São certas situações em que tudo se reúne e em que há uma espécie de crepúsculo geral. Depois, então, a alma fica purificada, lavada pelo sofrimento, volta a gozar da graça sensível de Deus. Então ela respira, então ela se sente outra e se sente transformada.

Naturalmente, essa foi a última nota de santificação, o último esforço que a Providência exigiu de Santo Afonso de Ligório.

Pormenor da "pupitre" utilizada para as conferências na Sala do Reino de Maria, na Sede da Rua Maranhão, decorada pelo Prof. Plinio. O leão à esquerda está lutando contra uma serpente bicéfala simbolizando o orgulho e a sensualidade, as duas molas propulsoras da Revolução. E o da direita está enfrentando uma serpente com três cabeças, em recordação das três Revoluções. Ao centro, a frase "Residuum revertetur - O resto voltará". O ano de 1571 evoca a vitória da Cristandade em Lepanto. 

Isso que se dá com as pessoas, dá-se também com as instituições. A TFP tem várias vezes passado por coisas dessas. E nós, que somos os veteranos aqui, várias vezes temos falado aos senhores das aflições pelas quais passamos. E que - todas elas - tiveram essa característica: a impressão de um desabamento, de algo que ruiu por terra e de um caminho que acabou. Porém, depois, mais luz, mais amparo, outras vitórias, alegrias. E assim, com sucessões de “túneis” e de “estradas largas”, Nossa Senhora vai ajudando nossa TFP a realizar as suas finalidades.

Estamos num momento de “estrada larga”; passamos por um “túnel” que não foi, na realidade, tão escuro porque tivemos o bom senso de não nos aterrorizar com ele. Mas devemos compreender essas circunstâncias porque, de vez em quando, na vida espiritual, elas acontecem e deve-se estar pronto a compreendê-las para resistir à provação, sabendo que para além do “túnel desabado”, a Providência está traçando uma estrada muito mais bonita do que a que se tinha antes.


Santo Afonso de Ligori, “Prática do Confessor, para bem exercitar o seu ministério (traduzido do original "Pratica del confessore - Per ben esercitare il suo ministero", Casa Mariana, Frigento 1987, pag. 139-141):

79. A respeito do estado que qualquer jovem deva escolher, o confessor não deve tomar a iniciativa de determinar-lhe, mas somente deve se guiar a partir de sinais da sua vocação e aconselhá-lo ao estado que prudentemente pode avaliar que Deus o chame (nota 4).

Para os que desejam se tornar religiosos, o confessor deve procurar primeiramente ver em qual Ordem religiosa o jovem quer entrar, porque se a Ordem religiosa for negligente, falando de modo geral, é melhor que [o jovem] permaneça no mundo, já que, indo lá, ele procederá como fazem os outros e perderá o pouco de bem que antes fazia, como já aconteceu a muitos. Por essa razão o confessor deve ter muito cuidado, especialmente se o faz por insinuação dos parentes, de aconselhar que entrem nessa espécie de comunidade.

Contudo, se a Ordem religiosa for observante, o confessor deve verificar bem a vocação de seu penitente e ver se para isso ele tem algum impedimento de saúde, de pouco talento, de pobreza dos pais e, de modo especial, a sua intenção: se é reta, se está mais próximo de Deus ou se se corrige dos atos da vida passada e foge dos perigos do século. Se o fim primeiro for mundano – para levar uma vida mais cômoda ou livrar-se de situações desagradáveis ou de agradar a pais que o importunam – não o permita. Porque em tal caso aquela não é verdadeira vocação, e sem vocação acabará mal.

Entretanto, se o fim for bom e não houver impedimento para isso, o confessor não pode (nem qualquer outro, como ensina São Tomás), sem falta grave, impedi-lo de seguir sua vocação, se bem que será prudente atrasar a sua execução para melhor certificar se de fato é sólida, especialmente se o confessor sabe que o jovem é volúvel, o simplesmente se a resolução fosse feita em período de missão ou de exercícios espirituais, pois em tais ocasiões se tomam certas resoluções que, passando depois aquele primeiro fervor, decaem.

80. Se algum jovem quiser tornar-se sacerdote secular, o confessor não deve facilmente conceder-lhe o assentimento sem uma longa e segura experiência de formação ou pelo menos suficiente capacidade e reto desejo. Os sacerdotes seculares tem certamente a mesma – talvez mesmo até maior – obrigação dos religiosos. Além do mais, correm o mesmo perigo dos que vivem no século. Portanto, um bom sacerdote para conseguir realizar sua missão no mundo – situação na qual raros, para não dizer raríssimos se encontram –, é necessário que tenha tido primeiramente uma vida muito equilibrada, longe de jogos, do ócio, de más companhias, e dedicada à oração e à frequência aos sacramentos (porém “quis est hic, et laudabimus eum”?), senão se colocará num estado de quase certa condenação, particularmente se o faz para seguir o desejo de parentes, de os ajudar em casa. Acima já se disse, no número 35, o gravíssimo pecado que cometem os pais que forçam os filhos a se tornarem padres ou religiosos contra a vontade deles.

Para as moças que queiram consagrar a sua virgindade a Jesus Cristo, não lhes permita [o confessor] que façam o voto perpétuo de castidade se não puder verificar que elas sejam bem radicadas na virtude e na vida espiritual, especialmente na oração. No começo pode permitir que façam somente por algum período, como de uma solenidade (litúrgica) a outra.

Enfim, para os jovens que queiram ou devam casar-se (digo devem, como foi provado no Livro 6, 75, referindo-se aos que não conseguem se conter e não queiram se servir de outros meios adequados para tal), os pais pecariam se, sem justa causa, impedissem o jovem de realizar um matrimônio honesto (6, 489, vide Conveniunt). E da mesma maneira pecariam os filhos (e por isso o confessor deve impedi-lo), que quisessem se casar causando desonra à família ou se, mesmo se o matrimonio não fosse indecoroso, quisessem fazê-lo apesar da desaprovação e escândalo dos parentes, sem que esses filhos tenham um motivo justo que lhes excusasse. Veja-se como isso está explicado no Livro (6, 849).

Nota 4: Santo Afonso considerava que é especialmente grande a importância, nesse caso, de procurar a vontade de Deus, o qual nunca é indiferente. No (livro) Selva (Parte I, c. 10, nn. 13-14), o Santo expõe esta doutrina: “Deus ... segundo a disposição de Sua Providência, manda cada um para determinado estado de vida e, de acordo com o estado ao qual o chama, prepara as graças e a ajuda conveniente ... Se alguém erra a vocação, toda a sua vida será errada; porque naquele estado, ao qual Deus não o chamou, a pessoa estará privada dos auxílios adequados para bem viver ... Cada um  ... estará apto a cumprir a vocação escolhida [para ele] por Deus. Do contrário, será inepto para a vocação à qual Deus não o chamou”. Portanto diz: “Ninguém, mesmo muito culto, prudente e santo, pode, por sua própria vontade, intrometer-se no santuário (ou seja, tornar-se sacerdote ou religioso, n.d.t.), se primeiramente não foi chamado e introduzido por Deus para tal” (ibidem, n. 1.) (A.M.)

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Nota: Par ler o texto em sua versão original em italiano e/ou consultar esta utilíssima obra de Santo Afonso, clicar em https://www.intratext.com/ixt/itasa0000/__P2RL.HTM

Para se consultar sua Opera Omnia em francês, clique em https://jesusmarie.free.fr/alphonse.html


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