Plinio Corrêa de Oliveira
Comentários a dois pensamentos de Maquiavel
Santo do Dia, 14 de julho de 1969 |
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Deram-me
dois pensamentos de Maquiavel para serem analisados aqui. E vê-se que até
ele tem afirmações de muita sabedoria, o que não deixa de surpreender.
Mas, de vez em quando, esses homens muito cínicos, muito indecentes, têm
lampejos por onde vêem alguma coisa que vai até o fundo.
Nicolau Maquiavel (1469-1527), retrato póstumo por Santi di Tito
Vejam
os senhores que bonita frase:
“Maldito
seja quem tem mais medo do perigo do que do mal!”
[1].
É
ou não é verdade que é uma frase de grande alcance?
O
que essa frase quer dizer, em última análise, é o seguinte: quando um
homem está diante de um perigo e, para fugir a esse perigo, ele comete o
mal, ele é maldito. Quando um homem tem o senso moral tão embotado que
tem mais medo do perigo do que do pecado, ele é maldito.
Essa
frase é tão elevada, tão verdadeira, está formulada com tanta
grandeza, que poderia estar na Escritura.
Isso
são os lances que, às vezes, têm pessoas completamente corrompidas.
Estou lendo um livro de citações de autores célebres. É uma coisa que
espanta como, às vezes, em autores péssimos e até anticatólicos,
encontram-se frases que são lampejos que um católico poderia ter
e que a gente vê que são momentos de graça e de consciência que
tiveram. Ou é a graça que,
à maneira de remorso, vai longamente trabalhando essas almas. Eles
resistem à graça, mas, de vez vem quando, alguma coisa sai.
Um
outro pensamento é o seguinte:
“Ninguém
arrisca toda sua fortuna sem arriscar todas as suas forças”
[2].
Em
outros termos: a verdadeira fortuna do homem é aquilo pelo qual ele
arrisca todas as suas forças. Quando ele não arrisca todas as suas forças
por alguma coisa, aquilo não é o seu verdadeiro tesouro, não é o que
verdadeiramente ama. É um comentário que está no Evangelho: “Onde está
o teu tesouro, aí está o teu coração.” Quer dizer, aquilo que amas
como teu tesouro, para aquilo dás tudo quanto és capaz.
E’
muito interessante para medirmos nossas próprias almas, vermos do que
somos capazes pela Causa de Nossa Senhora, que esforços
desempenhamos por Sua Causa. E, depois, que esforços desempenhamos
por outros objetivos. Então comparar quanto damos para um objetivo, e
quanto damos para a Causa de Nossa Senhora.
Considerar,
assim, as bipartições que por vezes há em nosso coração. Quanto
cuidado por coisinhas “de lo último”!... Por exemplo: aparecer bem
penteado, bem vestido, estudar como é que fazem as pessoas que estão
mais em evidência para imitá-las e ficar posto em evidência também.
Quanto cuidado!... Entretanto, pela Causa de Nossa Senhora, o que se
empenha?...
Quer
dizer, a gente poderia compor um dicionário a esse respeito. Outro
exemplo: saúde. Quanto sacrifício as pessoas fazem, por vezes,
pela sua saúde. Submetem-se a caceteações enormes, a esforços, a
regimes. Já não é só pela saúde, mas pela beleza. Há senhoras ricas
e até riquíssimas que, postas no meio da maior riqueza, jejuam como
nenhum esquelético faminto! E isso apenas para não ficarem menos
bonitas... Elas fariam isso pela religião? Elas podem ser que se digam
religiosas. Mas se a Igreja lhes impusesse esse jejum, como reagiriam?
Quer dizer, onde está o esforço delas, aí está o coração delas.
Então,
sempre que fizermos um esforço numa direção qualquer, nós podemos e
devemos nos perguntar: “Eu faria isso por Nossa Senhora?” E nós
descobriremos grutas e fendas enormes em nossas almas. Fica aqui, então, essa sugestão para um exame de consciência.
[1]
"Maudit soit qui a plus peur des dangers que du mal!", Machiavel
par lui-même, Edmond Barincou, Éditions du Seuil, 1966. [2] "Il ne faut point mettre en danger toute sa fortune sans déployer en même temps toutes ses forces", Niccolò Machiavelli, François Franzoni, Ed. Payot, 1921. |