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Plinio Corrêa de Oliveira
Idade Média - IV
O Direito Consuetudinário
Série de palestras de formação histórica sobre a Idade Média - 1954
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A D V E R T Ê N C I A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a colaboradores do então Grupo do "Catolicismo", do qual posteriormente surgiria a TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Devido à idade das gravações, alguns trechos estão inaudíveis, mas não são de monta a impedir a compreensão do sentido geral da conferência. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
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* A fonte do Direito Medieval: a Lei Natural e, portanto, Deus, autor da Lei Natural O assunto que nós devemos tratar hoje se enunciaria da seguinte maneira: lei dos feudos, lei dos municípios, lei das corporações, leis do reino. Para tratar desse assunto nós somos obrigados a reunir certas noções gerais a respeito de diversos pontos da doutrina do direito da Idade Média, porque a sociedade medieval é uma sociedade muito mais complexa do que a sociedade atual. Sociedade que, por causa disso, dá mais dor de cabeça aos juristas. Assim como, por exemplo, dá mais dor de cabeça a um médico estudar o organismo humano, que é muito mais complexo, do que daria a outro especialista estudar um organismo constituído de uma só célula. Realmente tudo aquilo que é mais desenvolvido tende para a complexidade. E a sociedade humana, pelo fato de ser muito desenvolvida, naturalmente tem uma complexidade maior. Essa teoria muito complexa da lei da Idade Média, que preside depois ao desmembramento de vários tipos de lei, tem como ponto de partida o seguinte: o verdadeiro senhor de um reino não é nem o rei, nem o imperador, nem o senhor[feudal], mas o Direito, cuja origem é divina. Esta frase não é minha. É tirada principalmente de um livro de um professor da Faculdade de Direito de Paris, Olivier-Martin[1]. Olivier-Martin diz que essa concepção da lei — que [tem] Deus [como] autor de toda a lei natural, fonte de todo o direito — está diretamente oposta à concepção moderna de lei. Ele diz [que ainda que] seja o Estado representado por uma assembléia, a lei é feita pelo Estado e a vontade do Estado é soberana, e acima da vontade do Estado não existe nenhuma outra vontade. Na Idade Média, completa o professor Olivier-Martin, não se chegou a formar uma idéia muito exata do que seja o Estado, mas em todo caso, chegou-se a formar uma idéia muito exata do que seja o Direito. E por causa disso a idéia do Direito presidia a toda organização. Que idéia era? Era a idéia que já vimos aqui, do Direito Natural. Quer dizer, Deus criou o mundo e da ordem natural das coisas a inteligência humana é capaz de depreender a existência de determinadas regras que são a vontade de Deus. Como a inteligência humana é susceptível de se enganar no conhecimento dessas regras, Deus revelou essas regras. Elas constam do Decálogo. E esta é a Lei das leis, à qual estão submetidos todos os países do mundo e que nem o rei pode revogar. * A Igreja tem a lei básica de toda a Cristandade, Ela é a arca da lei, a guardiã da lei, a mestra da lei, a depositária da lei, a legisladora por excelência de todas as nações católicas Acontece que como a interpretação da lei de Deus cabe infalivelmente à Igreja, acaba sendo o quê? A lei básica de toda a Cristandade é uma lei da qual a Igreja tem o depósito. Ela é incumbida de ensinar essa lei, Ela é incumbida de guardar essa lei de falsas interpretações, Ela é incumbida de impor - por meio de suas penas - o cumprimento dessa lei. E assim, portanto, a arca da lei, a guardiã da lei, a mestra da lei, a depositária da lei, a legisladora por excelência de todas as nações católicas, vem a ser a Igreja Católica. Há outras leis: leis Canônicas, leis feitas pelos reis, leis das corporações, leis dos municípios, [que] não são senão regulamentações dessa lei principal. Há aqui alguns advogados e outros estudantes de direito que conhecem bem a diferença que há entre a lei e a regulamentação. No nosso direito contemporâneo, o Congresso vota a lei. O Presidente da República promulga, mas ele faz depois a regulamentação da lei. A regulamentação da lei vem a ser um conjunto de disposições para que a lei entre em cumprimento. Pois bem, as leis do Estado estão para com a lei de Deus, assim como a regulamentação da lei feita pelo Presidente da República está para a lei aprovada pelo Congresso. * Na Idade Média apareceu um tipo diferente de lei que é a maior originalidade do direito medieval, e que é a lei consuetudinária Destes vários tipos de lei, aquele de que nós vamos nos ocupar detidamente hoje, porque é o mais interessante, o mais importante, é o direito consuetudinário. Sem entrar aqui em digressões de caráter jurídico, simplificando um pouco as coisas, nós podemos dizer que na estrutura do estado moderno todo homem é reputado livre. Ele tem a liberdade de fazer aquilo que bem entende e para sua liberdade ele só tem duas espécies de limites: de um lado, os limites estabelecidos pela sua própria vontade. Quando ele faz um contrato e livremente se obriga a uma determinada coisa, ele não pode violar aquilo a que se obrigou. Mas há depois um outro liame que se põe aos homens, e é o liame da lei. A lei é uma ordem editada pelo poder competente, capaz de se impor à vontade dos cidadãos, quer eles queiram, quer eles não queiram. E nós chegamos então à seguinte conclusão: como no direito moderno só o Estado faz a lei, nós chegamos à conclusão de que ninguém está sujeito a outra lei, a outra ordem, a outro ato de vontade, a não ser o ato de vontade estabelecido pelo Estado. Na Idade Média apareceu um tipo diferente de lei que é, a meu ver, a maior originalidade do direito medieval, e que é a lei consuetudinária. Nós sabemos que consuetudo em latim, quer dizer costumes. A lei consuetudinária é a lei do costume. Para bem compreendermos como esse tipo de lei nasceu, nós temos de estudar as condições jurídicas e políticas da Idade Média.[2] * As leis consuetudinárias, que constituíram um dos maiores tesouros legislativos de todos os tempos, foram o resultado de uma das maiores catástrofes: as invasões bárbaras As leis consuetudinárias, que constituíram um dos maiores tesouros legislativos de todos os tempos foram para a Idade Média o resultado de uma catástrofe imensa, de uma das maiores catástrofes de todos os tempos. Tanto é verdade, que quando o homem é reto, quando ele procura servir a Deus de todo coração, apesar de todos os inconvenientes, de todas as desvantagens, de todas as desgraças que lhe possam cair, ele acaba fazendo maravilhas. Nós sabemos que o império de Carlos Magno foi organizado mais ou menos, como um tipo de império Romano. No império Romano a organização do Estado era parecida com a do Estado moderno. Quer dizer, o imperador fazia a lei, o imperador encarnava o Estado e todo o mundo era obrigado a obedecer ao imperador e só o imperador é que tinha o direito de fazer lei. O império de Carlos Magno era calcado, era baseado nesse pressuposto. Mas quando Carlos Magno morreu, nos últimos anos de sua existência já uma sombra de tristeza se projetava sobre o império carolíngio e eram as segundas invasões que destroçaram completamente o império Romano. No século IX, quer dizer, 500 anos depois, quando a Europa estava começando a se refazer das invasões bárbaras, deu-se novamente o desastre. Os últimos dias de Carlos Magno já foram dias entristecidos pelas [notícias das invasões] dos normandos que tinham vindo para a França. E durante o século IX e durante o século X a Europa foi literalmente devastada por invasões de bárbaros em todos os sentidos. Eram invasões de húngaros, que em corcéis pequenos, de grande velocidade, chegaram a penetrar na devastada Alemanha, devastar o norte da Itália, atravessar a Áustria, atravessar a Suíça montanhosa e chegar ao coração da França até a Champagne.
De outro lado, os Normandos — os húngaros vinham do atual território da Hungria, eram remotos descendentes dos hunos —, que vinham da Escandinávia e que entravam pelos rios a dentro, queimando, saqueando, devastando e cuja capacidade de navegação era tal, que acabaram por invadir Constantinopla, dando a volta por todo o Mediterrâneo, para se compreender bem o que significava a ferocidade desse povo. Depois, um povo que desapareceu, o povo dos Àvaros. E por fim os sarracenos vindos do sul, que entravam pelos Pirineus, que entravam pelo sul da França, que entravam pela Itália a dentro. De maneira que invasões vindas de todos os lados de povos hostis entre si, moeram literalmente a Europa. E o que tinha de pior é que esses povos eram tão bárbaros que não eram capazes de uma estratégia única. A nossa ótica em matéria de invasão, está habituada a isso: uma coluna invasora que entra e que vai com determinado programa. De maneira que mesmo que não haja artilharia, aquilo que fica à margem do seu curso, ela não devasta. Mas essas hordas não, eram hordas bárbaras que caminhavam sem mapas — nem é preciso dizer, os mapas apareceram séculos depois — caminhavam sem itinerário de espécie alguma, nem caminhavam por lá para conquistar o país, mas para devastar. Iam vagueando, sem nenhuma vontade de voltar, com nenhuma vontade de se fixar, nem lugar para residir, mas com a intenção de pilhar, de queimar para ir vivendo enquanto a coisa desse, enquanto não fossem enxotados. * Em meio às invasões a única coisa possível é o regime do “salve-se quem puder”. A Europa começa então a se eriçar de castelos Vocês imaginem sobre o mapa europeu, hordas andando assim e se deslocando de tal maneira que uma cidade podia ao mesmo tempo ter junto às suas muralhas, sarracenos e húngaros, por exemplo. Ou então normandos que descem por algum rio e vêm sitiar a cidade. E ninguém sabia ao certo quem vinha, quando ia, quando é que voltava, por quê vinha, por quê voltava, pela impossibilidade de fazer planos e porque o adversário também não tinha planos. Agora, coloquem-se na posição de um rei: o rei, vamos supor da França, está sitiado em Paris. Ele não tem telégrafo, não tem rádio, não tem nenhum dos meios de comunicação modernos, ele só sabe dos fatos que acontecem por mensageiros que vêm a cavalo contar para ele. Mas o quê há? É que esses mensageiros raras vezes chegam, porque as estradas estão obstruídas por bárbaros que prendem os mensageiros. E por causa disso todo o mundo também desanima de mandar notícias para o rei. Sobretudo por causa de uma coisa principal: é que o rei com suas tropas está preocupado em defender a sua própria capital, e nem pode muito ajudar uma cidade ou outra, porque não há programa. Se ele dissesse: "meu reino vai ser atacado em tal ponto. Então eu vou mandar para ali minhas tropas e ali eu ofereço resistência". Isso teria um sentido. Mas vocês imaginem um reino atacado de todos os lados, picado e quebrado, moído em todos os sentidos, sem que se possa mandar essas tropas salvar coisa nenhuma. O que adianta salvar Orleans se Lyon vai cair? Ou que adianta salvar Lyon se Orleans vai cair, ou se está atacada? Não adianta nada. E nesse regime a única coisa possível é o regime do “salve-se quem puder”. A França começa então a se eriçar de castelos. A França e toda a Europa. É em cada lugar um fazendeiro, diríamos nós, um proprietário de terras que constrói um acampamento, recolhe dentro desse acampamento nas horas de invasão, os seus servidores, as populações livres dos arredores que querem acorrer para lá, o gado, o trigo, o vinho, o que possam dispor e que resiste ali dentro durante todo o tempo que possa. Vocês imaginem isso durando pouco mais ou menos, evidentemente com muitas clareiras, séculos. * No caos das invasões, por todos os lados o proprietário mais rico, por um fenômeno natural, começou a impor a sua autoridade Quando falamos em Idade Média, perdemos um pouco a noção, porque aquilo é uma tal soma de séculos, que a gente tem a impressão de que século não quer dizer nada lá. Para medirmos o que sejam, por exemplo, 200 anos de invasões bárbaras, calculem o seguinte: estamos em 1954. Imaginem que o Brasil desde 1754 estivesse sofrendo invasões bárbaras. O que restava do Brasil? Pondo de lado essa reflexão, imaginem um país que desde 1754 estivesse sendo regularmente levado por ondas de bárbaros que vinham em todos os sentidos. Vocês compreendem que isso marca, que isso imprime um caráter na fisionomia do país. Qual foi o caráter que imprimiu? Por todos os lados, o proprietário mais rico começou a impor a sua autoridade, por um fenômeno natural como, por exemplo, um navio que se desgarra... imaginem uma dessas coisas quaisquer de um navio que penetra num mar tenebroso, tão distante, do regresso tão impossível, que o navio acaba sendo uma pequena humanidade. O capitão do navio acaba sendo rei. É uma coisa natural. Ele é que sabe dirigir o navio. Todas as outras formas de autoridade vão se acumulando sobre a pessoa dele e ele acaba governando o navio. É uma coisa que entra pelos olhos. Assim, portanto, nasceu o feudalismo. Eu tenho a vontade de sorrir quando vejo uns historiadores de meia tigela, que têm as tiradas clássicas: "na época do obscurantismo da Idade Média, os reis carolíngios decadentes não souberam conter em suas mãos trêmulas o cetro de Carlos Magno, nem o seu espírito embrutecido soube discernir o pensamento do grande fundador do império, de maneira a conservar a unidade". Eu queria ver um desses declamadores sitiado numa capital de reino nessas condições, o que ele ia fazer do cetro de Carlos Magno e das [inaudível] de unidade. Provavelmente fugia. Deixava o cetro na estrada ou o vendia para algum usurário. E quanto à unidade, ele nem pensava nela. Quer dizer, as coisas foram o que elas tinham que ser: o que o jogo forçoso brutal das circunstâncias impunha. Acontece o quê? Vamos tomar um fato concreto: uma cidade. Imaginem um feudo. E esse feudo e essa cidade estão fazendo guerra constantemente. E eles não tinham, portanto, esse [inaudível] de perceber questões sociais, de estudá-las, de resolvê-las, que em nós chega a ser uma verdadeira mania. Uma forma de [inaudível] da sociedade contemporânea é isso: os nossos problemas. Há uns caçadores de problemas que depois fazem estatísticas, provam que o problema existe e depois vão resolver o problema. [Naquela época] não era assim: eles não sabiam nem resolver, nem ver; eles resolviam as coisas com o bom senso natural de quem está vivendo, mais nada. Eles não iam entre duas invasões [ficar procurando problemas], quando era preciso a toda pressa semear e colher, para não morrer de fome na próxima invasão, ou cuidar da cisterna porque ela se revelou insuficiente durante o último cerco, ou mandar homens para defender um ponto mais distante de um aliado que está pedindo auxílio, porque do contrário eles vão ser todos mortos. Compreende-se que não há lugar nem para a poesia, nem para a sociologia e que ninguém tem tempo para estar fazendo leis ou regulamentos. E o quê acontece? Apesar disso, durante esses 200 anos, essa gente compra, essa gente vende, essa gente faz dívidas, essa gente tem vida jurídica. Essa vida jurídica vai sofrendo o impulso das coisas novas. Nenhum país fica 200 anos com suas leis intactas. * Nasce o Direito Consuetudinário Qual é o modo pelo qual essas leis vão se organizando? Em cada lugar, o costume vai alterando a lei primitivamente existente, vai enfrentando os problemas novos, vai criando direitos novos, vai criando obrigações novas, vai restituindo fórmulas de provas novas, vai aperfeiçoando fórmulas de processo, costumeiramente, sem que ninguém faça nada. E então quando as invasões cessam, nós estamos diante desse fato: a Europa está toda ela cheia de castelos, cheia de barões que fazem de cada feudo um pequeno Estado, e dentro desses feudos leis inteiramente características, inteiramente próprias, nascidas com o sabor da coisa que nasce da realidade, feita pelo homem que está dentro do métier. Ele vende gado, por exemplo. Então ele conhece a lei a que deve estar sujeita a venda do gado, todas as mil complicações que daí podem decorrer. Ou então, por exemplo, ele tem relações de trabalho com camponeses que cultivam a vinha para ele. E ele e os camponeses sabem o que é que convém legislar, e então tem um mundo de leis inteiramente próprias, mas com esta característica muito curiosa: é que em vez da lei ser feita como é hoje, por um homem que não tem nada com o métier, a lei é feita pelo homem do métier. Ele ia mudando a lei, à medida que o costume ia mudando, mas era uma lei de especialista. O próprio especialista ia mudando e temperando em contacto com a realidade. Foi esse o nascimento do direito consuetudinário. Durante esse tempo, o que era feito daquilo que chamamos Estado? Nós chamaríamos de Estado durante este tempo, o rei. E de fato, o rei era o Estado. E se Luís XIV tivesse dito aquela famosa frase, que parece que ele não disse como lhe é atribuída: "l'Etat c'est moi", ele teria dito na época uma banalidade, porque todo o mundo sabia que o único poder que representava o Estado era o rei. O rei o que fazia? Durante todos esses séculos de invasão, há decretos reais. Mas os decretos reais versam apenas a respeito disso: privilégios a favor de uma Igreja, privilégios a favor de um barão, privilégios a respeito da organização da vida de um determinado grupo de burgueses. Coisas muito pequenas, em geral concessões de privilégios locais. Durante todo esse tempo, por exemplo, não consta para o direito francês, uma só lei de caráter geral, que não trate de casos individuais e que se refira a todo território nacional. O que eu disse a respeito do direito francês é muito mais compreensível ainda em relação ao direito espanhol. Vocês imaginem durante sete séculos de Reconquista, em que palmo a palmo os guerreiros cristãos de origem visigótica vão reconquistando aos árabes a Península quase completamente perdida, os visigodos fossem estar fazendo leis. Eles lutavam e na retaguarda os costumes iam fazendo leis para eles. E assim a Europa toda se encheu de costumes, inclusive os costumes muito bonitos, muito interessantes de Portugal, que foi um dos países onde o direito consuetudinário atingiu uma das suas manifestações mais interessantes. * Cada grupo social era regido, desde a mais alta Idade Média, por seu costume próprio, que era a sua verdadeira lei De que maneira esses costumes se elaboraram? Antes das invasões, na mesma Gália de Carlos Magno ainda, o que havia? De Carlos Magno, não, mas dos antecessores de Carlos Magno. Havia um sistema que era chamado de lei pessoal, em vez de lei territorial, que é o que hoje se adota. Pelo sistema moderno da lei territorial, que, aliás, já comporta algumas exceções, a lei a que estão sujeitas as pessoas é a lei do lugar onde elas se encontram. Assim, portanto, se dois argentinos compram no Brasil um imóvel localizado no Brasil, aplica-se a eles a lei brasileira e está acabado. E se dois japoneses compram um imóvel localizado no Brasil, dever-se-ia aplicar a eles também a lei brasileira.
Na Idade Média, em conseqüências das invasões do século V, a coisa era diferente. As leis aplicadas eram as leis pessoais. Havia um mundo de povos no território da Gália: os Galo-[Nomões?], os Burguinhões, os franco-sálios, etc., cada um desses homens era sujeito às leis do país de que procedia e em qualquer ponto do território gaulês onde ele estivesse, era essa a lei que vigorava para ele, criando complicações muito grandes. Quando um gaulês, um burguinhão, e um franco-sálio, resolviam entre si fazer uma sociedade para negociar com um franco [inaudível]... porque entravam então em jogo, quatro leis. Vocês podem imaginar a barafunda jurídica que se criava. Mas aos poucos essas leis foram se amalgamando e já no século IX, que é o século de Carlos Magno, a mistura está completamente feita. No século X já não se fala mais de leis pessoais. Em cada lugar constituiu-se, pela força dos costumes, uma amálgama das várias leis estabelecidas aí, em que o elemento mais importante é, provavelmente, da nação mais numerosa estabelecida lá. E foi este amálgama de leis, já consuetudinárias em si, que depois foi sendo alterado pela transformação dos costumes, ao longo dos séculos da Idade Média. Mas houve uma coisa curiosa: é que dentro dessas leis feitas assim, em cada região, em cada lugar, cada estilo de relações entre homens foi tendo uma lei própria. Vamos dizer, por exemplo, os que trabalhavam em couro. Os negociantes de couro tinham entre si certos problemas comuns. Tinham entre si relações de concorrências, de apoio, etc. Por outro lado eles tinham também relações com os clientes. O que acontecia? É que como havia uma série de problemas que interessavam só a eles, os negociantes de couros, como o Estado não fazia leis, acabavam fazendo leis por si e que só valiam para eles. Por exemplo, uma lei que era muito comum para vários ramos de negócio na Idade Média, era que quando um cliente não pagava a um negociante do ramo, todos os outros negociantes do ramo não lhe vendiam mais, até que ele resolvesse pagar. [Isto] exprime bem o espírito de classe que se formava entre eles. Os senhores compreendem que essa lei não era uma lei que podia vigorar para todos. Era feita pela classe "x", só para a classe "x". Então dentro dessas unidades pequenas começaram a aparecer as leis consuetudinárias para as várias classes, para os vários grupos sociais. Então vocês têm leis vigorando só para determinada Igreja, e terras circunvizinhas; leis só para os nobres de um determinado lugar, só para os burgueses de um determinado lugar; só para os clérigos de um determinado lugar — em alguns pontos, porque o Direito Canônico vigorava para todos. De outro lado, leis só para determinados ofícios e, por fim, leis que valiam só para uma determinada parte do feudo. Por exemplo, compra e venda no feudo X, regula-se de tal maneira. Não porém se a compra e venda for feita na floresta. Porque se for feita na floresta o costume estabelece uma coisa diferente. Vocês estão vendo que é uma exigência prática de um determinado grupo de habitantes que freqüenta a floresta, que têm na floresta determinados interesses, são lenhadores, por exemplo, e ali prevalece outra lei. Lei para a floresta, lei para o lago, para o rio, etc. Lei para o lago é a pesca; lei para o rio é a passagem. Então, ali se constituem exceções. E então Olivier-Martin, que é um autor seguríssimo para se estudar esses assuntos, chega a essa conclusão: cada grupo social era, portanto, regido desde a mais alta Idade Média, por seu costume próprio, que era a sua verdadeira lei. * A partir do século XII, com o estudo do Direito Romano, aparece um Estado completamente diferente, em que não [contam] quase os costumes, e a lei passa a ser feita pelo próprio Estado A partir do século XII, começou a entrar uma coisa cujas raízes mais profundas não é o momento de dar agora: começou a aparecer o estudo do Direito Romano nas faculdades de direito européias. E com o estudo do Direito Romano, um tipo de Estado completamente diferente: o Estado em que não [contam] quase os costumes, em que a lei é feita pelo próprio Estado e todos têm que obedecer ao Estado. O povo não gostou dessas leis. Os juízes começaram a aplicar, achando o direito romano muito bonito, muito mais acadêmico do que esses pequenos costumes nascidos do calor da prática. Serviam muito mais para o jurista fazer farol. É muito mais bonito a gente julgar e dar uma sentença baseando-se num texto de [inaudível], fazendo notar a passagem em que Paulo [inaudível] pensara de modo diferente, mas que a gente em conflito entre o [inaudível] e o Paulo, dá razão ao [inaudível]. É muito mais bonito do que a gente dizer: no costume da floresta foi estabelecido assim. E, portanto, em virtude da lei da floresta, vou resolver desse modo. Vocês compreendem o pedantismo bacharelesco que nasceu dessa [idolatria] do Direito Romano, que tem muito de pedante. E por causa disso começaram a aplicar o Direito Romano nos julgamentos práticos. Aplicando o Direito Romano nos julgamentos práticos, o povo de tal modo não gostou que, no sul da França, por exemplo, houve reações violentas contra sua aplicação. Mas o Direito Romano foi entrando no sul da França. No norte da França o Direito Romano não entrou. As faculdade estudaram, mas os juízes não aplicaram. Então a França dividiu-se em duas categorias de zonas: as zonas de direito consuetudinário, que tinham um direito não escrito, porque esses costumes não tinham nascido de um documento escrito, e depois a zona do direito escrito, que era o Direito Romano. Mas o que é curioso é que o Direito Romano entrou como um costume também. Não houve um rei pondo em vigor o Direito Romano. Simplesmente começaram a aplicar porque acharam bonito. Por aí vocês vêem até onde o pedantismo judiciário pode chegar. * O costume e seus requisitos O costume assim conceituado pode definir-se da seguinte maneira: é um uso jurídico — quer dizer, um uso que produz força de direito —, de formação espontânea — não está o sociólogo, não se fizeram estatísticas, nem houve a escola de sociologia e política para dizer a última palavra, a coisa nasceu espontaneamente —, aceito por todo um grupo social interessado e vigorando só para esse grupo social. Aí nós temos a definição do costume. Quais são os requisitos para que um costume exista? Primeiro requisito: é preciso que sejam atos repetidos. Realmente não há um costume se não houver atos repetidos. Repetidos durante quanto tempo? Eles fixaram um limite, que é necessariamente arbitrário, porque não há limite fixo para essas coisas. Eles fixaram um limite de quarenta anos. Mas os costumes bons eram costumes que vigoravam há tempos imemoriais. E era um prestígio quando se podia dizer: "esse costume que vigora desde tempos imemoriais". Outro requisito é que esses atos sejam públicos. É claro que o costume de atos não públicos não pode prevalecer como lei. Outro requisito é que os atos sejam pacíficos. O que eles entendiam como atos pacíficos? Que não tinham tido por sua origem uma violência e que se praticavam sem nenhuma contradição séria. Por fim, a lei podia ser revogada. De que maneira? Pelo desuso. Ou então ela podia ser parcialmente modificada para pôr em uso oposto. O desuso ou o uso oposto passavam de [inaudível] desde que a unanimidade moral do lugar recusasse isso. Como vocês estão vendo, o elogio que o professor Olivier-Martin faz desse tipo de lei é muito bem feito. Ele diz: "esta lei é, portanto parfaitement adaptada às concepções morais e às exigências técnicas que determinaram a ação do [inaudível]" * De uma margem enorme de liberdade dos grupos sociais, as sucessivas Revoluções nos conduziram ao totalitarismo Nós falamos hoje tanto a respeito de democracia, e entendemos que democracia é o seguinte: vem um partido qualquer e me apresenta um folheto de 50 páginas, dando-me as soluções sobre todos os assuntos nacionais. Regulamento de pesca no Amazonas, o problema da regulamentação no Arroio Chuí, o aproveitamento da riqueza que fica na margem brasileira, a questão da importação da gasolina, a questão da moralização dos porões do Catete, etc. 50 páginas de soluções. Eu consulto vários partidos — são uns 15 partidos —, e no uso da minha cidadania resolvo que, somando e subtraindo, tal partido é o melhor. Eu vejo que entendo de todas essas questões, dou meu voto conscientemente. O resultado sai isso que vocês vêem. Na realidade isso deve ser feito de outro modo. A democracia verdadeira e a democracia direta é aquela [em] que o homem legisla só naquilo que entende. Em que ele legisla sem ser por meio de legislador, mas legisla diretamente, com sua parcela de ação legislativa, contribuindo para formar o costume e entregando a regulamentação do costume à vida social. Isto é imensamente mais autêntico, tem muito mais sabor de realidade do que qualquer outra coisa. Depois de nós termos estudado a assombrosa elasticidade dos costumes, vocês compreendem bem quanta estupidez há em afirmar que a Idade Média foi um período de tirania, de absolutismo — quando todos os historiadores afirmam que o absolutismo só [houve] nos tempos modernos — um período em que o homem era um verdadeiro escravo. Há uma coisa muito curiosa que a história comprova sempre: como o demônio é o pai da mentira, sempre que ele promete ao homem uma coisa, disso podemos estar certos: aquilo ele não vai dar. E o programa dele já está enunciado na mentira: aquilo é o que ele vai tirar. Assim com Adão e Eva. Adão e Eva tiveram um obscurecimento de inteligência pavoroso em conseqüência do pecado original. Decadências internas, psíquicas, de toda ordem. E perderam o Céu. O que é que há de mais diferente nesse processo de decadência [inaudível] e nessa marcha para o inferno, do que a promessa do demônio: "vós sereis como deuses"? É justamente o que não vai acontecer. O demônio prometeu ao homem a liberdade. O homem tinha isto. O demônio quis lhe tirar isto, prometendo a liberdade. O homem não percebeu isso. Justamente o que ele ia perder era a liberdade, porque o demônio prometeu. Nós estamos vendo aqui a margem enorme de liberdade dos grupos sociais e como o demônio a roubou à humanidade, nas sucessivas revoluções [3] que nos conduzem ao totalitarismo. Porque é interessante comparar os dois extremos dessa evolução, os dois elos extremos da cadeia: de um lado, uma sociedade que vive de respiração consuetudinária e no outro extremo a sociedade totalitária, em que não se espirra sem o regulamento. Se a gente espirra sem o regulamento, vai parar num campo de concentração. Por quê? Porque as coisas saem de uma certa ordem prevista pelo sociólogo para o bem comum. O totalitarismo e o direito consuetudinário são os dois extremos da coisa. * Com um material podre não se constrói uma casa forte; o direito consuetudinário supõe evidentemente um teor de moralidade, supõe uma ordem cristianizadora Uma pessoa poderia me fazer essa pergunta: "mas isso não cai no caos? Vamos imaginar os homens de hoje fazendo leis conforme o costume. Imaginem esse pessoal da sociedade [inaudível] legislando aqui para o Brasil. Solta os costumes todos. Os habitantes dos bairros X, Y, Z, todos vão fazer as leis segundo seus próprios costumes e vão se organizar à vontade. Nós estamos vendo daí o tumulto que ia nascer." Em primeiro lugar é preciso notar o seguinte: com um material podre não se constrói uma casa forte, e numa época de decadência moral tremenda como a nossa, a gente perguntar: solta, o que é que dá? Dá na desordem! A gente perguntar: prende, o que dá? Dá na tirania! Qual é a solução? A solução não é outra senão moralizar. O direito consuetudinário supõe evidentemente um teor de moralidade, supõe uma ordem cristianizadora. Eu não seria favorável à aplicação brusca, pura e simples de um sistema consuetudinário no Brasil de hoje [4]. É uma coisa que se vê perfeitamente. E entretanto eu acrescento: isto tudo vai com [inaudível]. Porque se em cada lugar de fato fossem entregues certas funções consuetudinárias desde já às forças sociais verdadeiras do lugar, eu tenho a impressão de que a coisa terminava bem. Porque a autoridade social, por uma espécie de molejo interno, é capaz de resolver bem os casos; enquanto a autoridade política como nós a concebemos, distanciada da vida social, é artificial e não resolve nada bem. * Como não caía na desordem toda essa sociedade da Idade Média? Qual era o papel do juiz e qual era o papel do rei? O que nos interessa no momento é outra coisa: como não caía na desordem toda essa sociedade da Idade Média? Qual era o papel do juiz e qual era o papel do rei? Um juiz não tinha o direito de fazer os costumes; ele tinha obrigação de julgar de acordo com os costumes. Porque fazer os costumes só a sociedade [fazia]. E ele então mandava assentar os costumes, escrever. A partir de certo momento, os costumes começaram a ser escritos. Quando ele não conhecia o costume porque não estava escrito, ele fazia uma sindicância. Mas isto é preciso ver com toda a simplicidade. Não havia fórum, nem havia o [inaudível] do centro de uma grande cidade. O juiz julgava numa sala de sua própria casa. Ele ia à fonte, conversava com as mulheres que estavam pegando água, ia à estalagem onde se tomava um pouco de vinho, conversava com dez ou doze pessoas, tirava conclusão da [inaudível] públicos e julgava sobre aquilo. E tal e tanto era a patriarcalidade, que na sua sentença a X, ele dizia outra coisa. Esse costume existe, é porque nós o conhecemos. O juiz tinha o direito de não cumprir um costume quando ele não achava bom? Não tinha, por respeito ao costume. * O direito de revogar um costume competia só ao rei: quando o costume era contrário à moral cristã, e quando o costume era contrário ao bem comum da sociedade O direito de revogar um costume competia só ao rei e o rei revogava o costume só em dois casos: quando o costume era contrário à moral cristã. Então o rei intervinha e extirpava o costume. Quando o costume era contrário ao bem comum da sociedade. Então, o rei proibia o costume. Mas o rei não podia, por exemplo, chegar e dizer a um grupo: "toneleiros, vocês não souberam ver bem o seu negócio. Mas eu, que como rei entendo mais de tonéis do que os toneleiros, vou fazer a lei para vocês". Era só no caso de haver um detrimento para o bem comum, ou só no caso de haver uma violação da ordem natural, [inaudível] pela Igreja Católica. * São Luiz, grande protetor dos costumes: não só deu todo apoio ao costume justo, mas foi um extirpador tremendo dos maus costumes Nesse sentido, é bonito notar que o grande protetor dos costumes foi São Luiz, que não só apoiou todo costume justo, mas foi um extirpador tremendo de maus costumes. No século XIII como a função de rei começou a se desenvolver, o parlamento de Paris começou também a receber a função de extirpar os maus costumes. Na Inglaterra, alguns desses costumes estão em uso até nossos dias. Costumes senhoriais, aplicando-se a certas regiões. Na França o processo foi diferente. Estudados os costumes dos vários feudos grandes, verificou-se que tinham traços comuns, que constituíram o direito consuetudinário de certas regiões: Normandia, Champagne, Auvergne, etc., ao lado dos direitos consuetudinários pequenos das pequenas unidades. E assim formou-se a estrutura, lei de Estado feita pelo rei, costumes regionais que são os denominadores comuns dos costumes locais. E depois, por fim, os costumes locais. Depois, dentro dos costumes locais, os costumes para as várias classes, os costumes para os vários pequenos lugares: rios, lagos... E aí vocês têm então a imensa diversificação do direito medieval. De que tratavam esses costumes? Mais ou menos de tudo. Por exemplo, alguns de direitos públicos. Por exemplo, a sucessão à coroa é regulada pelo costume. Outros tratavam da regulamentação de mercador, regulamentação de ofícios, polícia de floresta ou de rios, regras de comércio marítimo, processo perante os tribunais, pesos e medidas, que a princípio pertenciam ao rei, mas que acabaram sendo legislados por costumes de toda parte. Com isso o direito consuetudinário fixou-se em todo o território europeu. Com o tempo esses costumes [transformaram-se] em documentos chamados cartas, que eram convenções particulares em que havia referências aos costumes. No século X e no século XI essas cartas já são numerosas. No século XII começaram a aparecer estatutos municipais, consentidos por reis e outros senhores, para determinadas cidades. E, aliás, regulamentando em geral a situação consuetudinária já existente. Começaram a aparecer também os cartulários, que eram registros das cartas feitas pelos particulares ou pelo rei. Depois então, começaram a aparecer os livros de costumes. Eram juristas que escreviam os costumes para uso próprio. Mas quando esses livros eram bem feitos, generalizavam-se de tal maneira que acabavam tendo, até certo ponto, força de lei. Por fim, no século XII começaram a aparecer as compilações de decisões de juízes com base nos costumes e constituíram uma espécie de complemento do direito consuetudinário. Sobretudo no século XIII isto se desenvolveu. E com isto nós temos uma visão de como era o direito consuetudinário, de como se estabeleceu, de como podia haver ordem dentro dele. E eu deixo de pé um problema para quem der a aula a respeito do rei: neste pulular de leis e de corpos sociais, como estabelecer a ordem e a medida? Nessa orquestra com milhares de instrumentos como podia nascer a sinfonia?
[1] François Olivier-Martin - (1879-1952) was a prominent historian of French Law in the tradition of the late 19th century French historians such as C. Lefebvre (1847-1922), P. F. Girard (1852-1926), Émile Chénon (1857-1927) and J. Brissaud (1854-1904). He taught at the University of Paris from 1921 to 1951 where he had the reputation of being a gifted professor. He was a prolific writer. His three major publications were Histoire de la coutume de la prévôté et vicomté de Paris, 2 vols. in 3 (1922, 1926, 1930), a magisterial study of the preponderant body of French customary law; Organisation corporative de la France d’Ancien Régime (1938), and Histoire du droit français des origines à la Révolution (1948). He was a founder, with others, of "La Société Jean Bodin pour L’histoire comparative des institutions." He was also a collector of books on French legal history, customary law, church law and history, political science and other matters of personal scholarly interest, and it was his personal collection, including L’Art de Vérifier les Dates..., acquired over many years and from various sources. (http://www.mcgill.ca/wainwright/library/renshawe/). [2] S. Tomás de Aquino, na Suma Teológica (I-II, q. 97, a.2 e a.3), expõe o papel dos costumes para o estabelecimento das leis. Assim se expressou o Doutor Angélico (I-II- q. 97, a.2 - "La ley humana, ¿debe modificarse siempre que se encuentra algo mejor?"): En cambio está lo que se dice en el Decreto, dist.12: Es una vergüenza ridícula y abominable que toleremos la violación de las tradiciones que desde la antigüedad recibimos de nuestros mayores. Solución. Hay que decir: Según ya vimos, en tanto es legítimo cambiar una ley en cuanto con su cambio se contribuye al bien común. Ahora bien, por sí mismo, el cambio de las leyes comporta ciertos riesgos para el bien común. Porque la costumbre ayuda mucho a la observancia de la ley, tanto que lo que se hace en contra de la costumbre ordinaria, aunque sea más llevadero, parece más pesado. Por eso, cuando se cambia una ley se merma su poder de coacción al quitarle el soporte de la costumbre. De aquí que la ley humana no debe cambiarse nunca a no ser que, por otro lado, se le devuelva al bien común lo que se le sustrae por éste. Lo cual puede suceder, ya porque del nuevo estatuto deriva una grande y manifiesta utilidad, ya porque el cambio se hace sumamente necesario debido a que la ley vigente entraña una clara iniquidad o su observancia resulta muy perjudicial. Por eso dice el Jurisconsulto (Dig. l.1 tit.4 leg.2: «In rebus novis» [KR, I 35ª] ) que la institución de nuevas leyes debe reportar una evidente utilidad que justifique el abandono de aquellas otras que durante mucho tiempo fueron consideradas equitativas(*). (*) Se equivocaría quien viera en este artículo algo así como un manifiesto de conservadurismo legal; al contrario, es una prueba de la sabia prudencia humana del autor. La alteración de las leyes sólo debe acontecer cuando la ley nueva sea manifiestamente mejor que la anterior, ya que, de por sí, toda ley nueva tarda en incorporarse a las costumbres del pueblo. Pero tampoco pidamos al autor un manifiesto en pro de una revolución legislativa, ya que aquella sociedad estática estaba más regulada por el derecho consuetudinario que por la ratio scripta de los juristas. Santo Tomas de Aquino — SUMA DE TEOLOGÍA — Parte I-II - Segunda Edición — Biblioteca de Autores Cristianos — Madrid — MCMLXXXIX, Pág. 756 [3] Aqui o Prof. Plinio se refere ao processo revolucionário, como magistralmente o descreveu em sua obra “Revolução e Contra-Revolução”, escrita posteriormente a esta série de conferências. [4] Para aprofundar o assunto, vide "Projeto de Constituição angustia o País", 1987, Parte I - A democracia nos seus mecanismos de representação, Caps. 1 a 3. Para os demais artigos desta série ver:
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