Plinio Corrêa de Oliveira

 

Marechal Foch e o relacionamento exemplar entre superior-inferior

Vários pequenos compêndios

para o saber viver

 

 

 

Reunião de 15 de setembro de 1965, quarta-feira

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

[Continuação da leitura e comentários ao texto de Weygand sobre o estilo de vida do Marechal Foch]

 

Foch em 1918

“Eis que, enfim, estais de volta

“Devo esforçar-me, agora, em fazer o quadro daquilo que foi minha colaboração com o General Foch. É o mais delicado do que me proponho fixar nessas memórias, pois se trata de minha pessoa e de nossas relações mais íntimas de ordem intelectual.”

Os senhores vêem a idéia curiosa de que as relações mais íntimas entre dois homens são as de ordem intelectual. Hoje em dia “intimidade” quer dizer liberdade de dizer coisas inconvenientes, de dizer coisas prosaicas, de bater nas costas. É a intimidade da baixa de nível. Aqui não: os senhores têm uma intimidade de alto nível. A verdadeira intimidade é a intelectual, é a fraternidade nas idéias. Isso é que é intimidade!

Mas como se pode falar em intimidade intelectual para quem não tem intelecto? É uma coisa impossível! O igualitarismo é uma eliminação do intelecto. Os hábitos igualitários estabelecem a intimidade prosaica, que é uma coisa execrável. Aqui os senhores estão vendo uma intimidade ainda em base tradicional. É uma intimidade de ordem intelectual.

“Mas não hesito em abordar esse assunto porque, guardadas todas as proporções, o general procedia do mesmo modo com qualquer oficial que ele incumbisse de um trabalho especial, guardadas todas as proporções.”

Os senhores vêem como essa expressão vem a propósito. Porque se o general tivesse a mesma intimidade com qualquer um, dava exatamente em igualitarismo, em porcaria. “Guardadas todas as proporções” quer dizer, por mais íntimo que se seja de alguém, é íntimo guardadas as proporções que há entre ele e esse alguém. E ele diz ainda mais: ele não diz guardadas as proporções, mas “guardadas todas as proporções.” Há muitas proporções, várias proporções, todas elas precisam ser guardadas. Os senhores compreendem como está bem dito isso, portanto.

“Chegado a essa altura das narrações, a confiança que me depositava meu chefe tinha já algum tempo posto nossa colaboração no quadro e no ambiente onde ela se desenvolveu até o fim. E não é sem emoção que me lembro dessas palavras “Eis que, enfim, estais de volta”, pelas quais me acolhia, em outubro de 1914, na Praça de Kassel, depois de alguns dias de separação.”

É muito bonito isso. Um chefe vaidoso, mega gosta de dar a entender que não precisa de seus subordinados, e que qualquer subordinado para ele dá na mesma, se sente diminuído dando a entender que precisa de alguém. O Foch não. É um grande chefe que compreende que tem seus homens indispensáveis, e que sabe dizer isso de um modo ameno, de um modo afável, no momento oportuno. Aqui os senhores estão vendo o reconhecimento de que lhe fazia falta a ele o general Weygand.

“Como se viu, sempre que o general lá estava, meu tempo lhe pertencia. Ele tomava de meu tempo o que queria, e eu utilizava o que me restava para tratar das questões de segundo plano, para as quais ele se apoiava em mim.”

Está uma definição perfeita! O chefe trata de assuntos de primeiro plano. E seu subordinado é, sobretudo, um “pau mandado” para resolver com ele as questões do primeiro plano. Quer dizer, está para isso, está à disposição. As questões de segundo plano pertencem ao primeiro subordinado que está abaixo do chefe. Mas como são de segundo plano, passam à segunda plana e só são resolvidas depois que o chefe utilizou o seu auxiliar imediato inteiramente para as questões de primeiro plano que ele queria.

Os senhores estão vendo uma teoria do mando que vai sendo exposta aí, e discretamente, sem fanfarronada. É com aquela “souplesse” [subtileza] francesa, que é qualquer coisa de absolutamente incomparável. Continua:

“Sem dúvida, a direção de um Estado Maior de exército, com todo trabalho que exige de seu chefe, a direção de seus escritórios e de seus grandes serviços, teria sido incompatível sem esse modo de trabalhar. Mas à cabeça de meu Estado Maior de grupo de exército se acomodava perfeitamente a esse regime e podia, sem faltar a nenhuma obrigação, me dobrar, exatamente, ao método de trabalho de meu chefe.”

Os senhores estão vendo bem a expressão como é hierárquica e bem achada. Não é o Weygand que impõe um método de trabalho ao chefe, mas aceita o estilo dele, sua personalidade se amolda ao chefe. Porque cabe ao “satélite” amoldar-se ao “planeta” e não o “planeta” ao “satélite”. O que supõe, entretanto, um chefe que tem um estilo com o qual a gente possa se amoldar, porque se é um chefe sesquipedal, não se pode pedir às pessoas que sejam sesquipedais... Evidentemente! Tudo repousa numa harmonia.

“Dava-me a possibilidade de o servir da melhor forma.”

Os senhores estão vendo a frase como está magnífica: “o servir da melhor forma”. O contrapeso: ele se amoldava ao chefe, mas o chefe era tal, que lhe dava a possibilidade de servi-lo do melhor modo possível. Aqui está a teoria da inter-relação entre “planeta” e “satélite” muito bem estabelecida. Agora continua:

“Vivendo o dia todo com ele, presente a todas as visitas que fazia, e àquelas que recebia, quando julgava que nisso nosso trabalho podia tirar proveito, nada ignorava de seu pensamento, nem sobre os grandes assuntos, como dizia, nem sobre as pessoas e as coisas.”

Isso é uma coisa fundamental no chefe! Ou o chefe tem confiança nos seus subordinados para que estes conheçam tudo quanto ele pensa, ou não há relação de chefia bem estabelecida. De maneira que esse conhecer inteiramente é coisa fundamental. Chefe mega pensa que fazendo mistério, com ar brumoso e que diz: "Agora, eu vou resolver uma coisa parâmica..." e olha para o subordinado para ver que lindo efeito isso causa, pensa que ele sobe em seu conceito... Não, ele cai, porque mostra que não é verdadeiramente chefe.

Normalmente o chefe deve ter algumas pessoas de sua confiança que conheçam tudo quanto ele pensa. Os senhores encontram uma aplicação disso na vida do Grupo de “Catolicismo”, em que – vou me servir de expressões do próprio Weygand – “guardadas todas as proporções”, nós todos conhecemos tudo que devemos conhecer, e sabemos tudo aquilo que é necessário saber para poder acompanhar nosso movimento.

Tantos relatos feitos, tanta informação dada, tanta reunião têm como fim: 1) estabelecer exatamente uma proporção, uma comunicação entre o chefe e aqueles que “guardadas todas as proporções” são chefes e os vários subordinados.

“Sabia aonde ele queria chegar e conhecia os limites impostos pelas ordens recebidas, as dificuldades a vencer e os obstáculos a evitar.”

“Conhecer os limites das ordens recebidas”, quer dizer, até onde a ordem não vai.

“Conhecer quais eram as dificuldades a vencer e quais eram para evitar”, decorre de conhecer inteiramente a mente do chefe. Isso explica aos senhores também por que a gente deve prestar tanta atenção nos relatos que são dados, nas reuniões de análise das notícias da imprensa. É com a idéia de que a gente deve saber inteiramente qual é a meta política, quais são os altos horizontes de quem deve dirigir o Grupo, para a qualquer momento sermos capazes de obedecer em qualquer direção.

Não é capaz de obedecer verdadeiramente quem não conhece os horizontes, o firmamento que tem diante dos olhos aquele que manda. De maneira que há uma necessidade prática disso e uma necessidade de primeira plana. E uma das razões - não é a razão A, é a razão C - que por si só justificaria as reuniões de análise das notícias, ou os jornais falados, é exatamente o saber obedecer, conhecendo os últimos horizontes do que vai ser mandado.

“Bastava uma ordem, bastava uma vez e já estava certo, sem ter necessidade de outros esclarecimentos, de trabalhar conforme as suas concepções e seus métodos de realização. Essa vida em comum deu-me dele tal conhecimento, que antes mesmo que ele abrisse a boca, um gesto, uma expressão de fisionomia dizia-me o que iria falar e em que sentido.”

Os senhores estão vendo aqui o que é o contato humano superior! O chefe é conhecido. Não se trata apenas de conhecer as ordens recebidas burocraticamente, mas conhecer a pessoa do chefe. De maneira tal que, na pessoa dele, se observa toda sua meta política. Digo mais: toda sua metafísica, toda sua mentalidade é conhecida. E com uma expressão de fisionomia, ele já muitas vezes dá uma primeira idéia, uma primeira modelação das ordens que vai dar.

Esse é o chefe verdadeiramente chefe. Esse é o subordinado verdadeiramente subordinado que presta assim atenção ao seu chefe, que procura aprender no seu chefe, como num livro, e procura ler no seu chefe, como num livro. Isso que é verdadeiramente convívio entre “planeta” e “satélite”.

“Atribuíram-me, como mérito, o fato de que eu o teria compreendido e feito compreender. Sinceramente creio que todo chefe de Estado Maior gozando de sua confiança, chamado a participar da sua existência e a seguir o trabalho de seu pensamento como eu fui admitido a fazê-lo, teria alcançado o mesmo resultado que eu...”

Aqui há uma pequena enumeração que se deve considerar, porque tudo nesse artigo é intencional. Não há uma palavra posta por acaso, como certos políticos que dizem torrentes de coisas que podiam não dizer e que não mudam nada. Nesse texto aqui, cada coisa é como numa joia bem desenhada, onde cada pedra preciosa tem seu papel decorativo, tem sua razão de ser.

Então aqui os senhores vêem: “Sinceramente, creio que todo chefe de Estado Maior...” Agora, as qualidades de chefe de Estado Maior:

1. Gozar da confiança do chefe;

2. Chamado a participar da sua existência.

É a segunda vez que ele põe em realce essa idéia. É, portanto, oportuno, que eu diga uma palavra sobre ela.

“Chamado a participar da sua existência”. Verdadeiramente, as relações de chefia e de subordinação só tomam a plenitude que devem ter quando o chefe e o subordinado participam da mesma existência. Essa história de se encontrar um pouquinho, de falar um pouquinho e pensar que isso dá uma relação de chefia e de subordinação é um engano. Ou há um participar das existências, ou não tem nada.

E exatamente uma das glórias de nosso Grupo é que a existência de todos nós é – no sentido da palavra empregada por Weygand - participada. Pois estamos continuamente juntos uns dos outros e é uma das razões pelas quais, humanamente falando, o Grupo tem tanta coesão. É porque a nossa existência é participada, mas é participada longamente. Nós nos encontramos de manhã, à tarde, à noite.

De noite, quando chega a hora de eu me despedir dos senhores, nem sei bem com quem estive ou não durante o dia. Isso entre os senhores e eu. Depois, entre os senhores entre si. Isso todos os dias, o ano inteiro, anos a fio. Isso forma um imbricamento notável!

De uma pessoa, que os senhores conheceram recebi um conselho em sentido contrário do que descreveu Weygand. Ele me disse: "Por que tanto convívio? É perda de tempo! Era melhor reduzir esse convívio a folhas escritas que circulam, e depois os senhores se dispersam por aí e vão levar...". É o contrário da teoria do Foch. Mas por quê? Porque a pessoa que disse isso era um francês de quinta categoria, enquanto se vê um homem que tinha cabeça, e que era um francês de primeira.

Participar da existência.” Ele há pouco usou a expressão “intimidade intelectual”.  E dá aqui a definição muito interessante de intimidade intelectual: “Seguir o trabalho de seu pensamento.” Quer dizer, ver o homem não quando ele apresenta a resolução feita, mas ao contrário: enquanto está elaborando a resolução, enquanto está hesitando quanto à conceituação do problema, enquanto está cambaleando para encontrar a solução verdadeira, enquanto está penando, e seu pensamento dá vai-e-vem, de maneira tal que quando a gente vê o homem apresentar a composição final, tudo no itinerário da fórmula, foi visto.

Então se conhece o homem e o produto do pensamento muito melhor do que simplesmente olhando nas folhas de seu trabalho. O pensamento do Marechal Foch se conhecia muito melhor exatamente nessa elaboração. E um dos deveres do chefe consiste em deixar exatamente que a elaboração de seu pensamento fique a nu.

Pensei nisso ao considerar aquelas máquinas impressoras de um jornal volumoso que ficam com um vidro embaixo, de tal sorte que quem passa ali vê o jornal sendo feito. A cabeça do chefe deveria ser assim; deveria ter “vidro” para seus cooperadores verem suas idéias nascerem. E nascerem com as imperfeições, os erros, com tudo aquilo que caracteriza a elaboração da idéia verdadeira. É por causa disso que em geral se guardam e se estudam as sucessivas fases da preparação de grandes obras, para que os verdadeiros críticos literários e os historiadores estudarem os originais dos grandes livros. É para ver como é que o escritor titubeou, hesitou...

Já vi, por exemplo, páginas de composições de Chateaubriand. Ele escrevia às vezes com um espaço grande entre uma linha e outra, e às vezes em espaço apertado, para terror de seu secretário. E, depois, “andares” de palavras, e depois arabescos corrigindo, sempre com terror para o secretário. Um secretário poca diria: "Mas porque o senhor não escreve de outro jeito?"

Nos imponderáveis da cabeça do escritor, aquilo é melhor fazer assim; não vale a pena poupar o serviço dele para ganhar o do secretário... Esse é exatamente o secretário errado, canhestro, que tem as duas mãos esquerdas... É claro! O secretário ambidestro - que tem as mãos direitas - que sabe se dobrar à personalidade do chefe compreende que isso é cacete, mas que em seu trabalho tem coisas cacetes como tem no do chefe. E deve se lembrar que, se para ele é cacete copiar, para o chefe ainda foi muito mais cacete encontrar cinco adjetivos para ir colocando um em cima do outro, um em cima do outro, e riscando... Cada um arca com sua caceteação. Feliz aquele cuja caceteação é apenas copiar... É evidente. Vamos adiante:

“...seguir o trabalho de seu pensamento como fui admitido a fazê-lo teria alcançado o mesmo resultado que eu.”

Isso é um modo de dizer "como tive a honra de fazê-lo, como tive a honra de ser admitido a isso".

“Pois convém abrir uma brecha na lenda de seu hermetismo. Segundo certos autores, ele não se exprimia a não ser por aforismos ou por enigmas...”

Quer dizer, isso é um tormento para qualquer pessoa. A gente pergunta qualquer coisa e o chefe dá uma resposta enigmática: “Júpiter dizia que não sei o quê...” Lá vou eu entender o que o Oráculo de Delfos falava!... Esse é o chefe inumano, gagá, vaidoso, mega. Isso é horroroso. Não sei se é porque também sou muito duro para decifrar aforismos, mas tenho particular horror a isso.

“...quando não, somente por um gesto. Não chegarei a dizer que o Marechal Foch deixava de ter exatamente como Monsieur de Turenne...”

É o grande Marechal de Turenne!...

“...suas obscuridades, mas era sob condição de me explicar a respeito delas.”

Quer dizer, ele tinha obscuridades, mas sob a condição dele entender quais eram elas.

E agora vem um trecho que eu acho que é dos mais bem sacados desse tratado: a teoria das obscuridades do chefe. Não é que eu esteja pleiteando a minha própria causa, mas, enfim, aqui vai a teoria:

“Essas obscuridades não estavam em seu pensamento – isso não se dá com o meu –, sempre simples e claro, nem também na expressão desse pensamento que, por ser sempre original e às vezes abrupta, não era por isso menos capaz de reter a atenção e menos compreensiva. Elas provinham da dificuldade que sentia seu interlocutor em segui-la.”

Isso é o auge da humildade e da delicadeza! Vejam os senhores, portanto, um pouco a teoria da expressão do pensamento. O pensamento tem que ser simples e claro, primeiro. Segundo, a expressão também deve ser simples e clara. É o contrário do estilo de Ruy Barbosa, por exemplo. Estou lendo um livro com críticas ao estilo dele.

           

Ruy Barbosa (1849-1923) “é como um fortificante chamado Óleo de fígado de bacalhau que a gente toma em pequeno: era só obrigado, não havia outro meio”...

Aliás, um livro interessante, pertence aqui à biblioteca e, para alguém que tenha curiosidade desse gênero de coisas, vale a pena folhear. Ler é tremendamente indigesto: “Ruy, o mito e o homem”. Mas então, para descalçar (criticar) o Ruy, cita trechos dele e eu refresquei um pouco minha memória de uma ou outra coisa que fui obrigado a ler, imperativamente, do Ruy, quando eu era pequeno. Porque eu só lia o Ruy sendo obrigado. É como um fortificante chamado “Óleo de fígado de bacalhau” que a gente toma em pequeno: era só obrigado, não havia outro meio. Assim também o Ruy: só obrigado.

Mas dessa vez não fui obrigado: foi pelo desejo de encontrar no que ele escreveu fundamentos para as críticas que lhe eram feitas. E aí eu vi o vácuo e a futilidade do Ruy Barbosa. Este achava que para dar ênfase para alguma coisa, em vez de dizer a respeito disso três adjetivos com conceitos diversos, era preciso pôr três adjetivos sinônimos... Compreende-se uma vez ou outra que se use tal artifício, mas não como processo absolutamente crônico de ação. Por exemplo: "Essa coisa é branca, alva, imaculada..." Espere um pouquinho, diga de uma vez que é imaculada, já se entende. Não, era uma acumulação inútil de sinônimos. Isso é o contrário de simplicidade. Os senhores verão mais adiante o elogio da simplicidade.

O pensamento tem que ser claro e simples, mas não pode ser acaciano (que diz coisas óbvias, n.d.c.). É, portanto, bom que por vezes seja original. Dizer coisas que todo mundo já está vendo aonde vão chegar é de desolar... Pelo menos, de vez em quando, é preciso ter algo com a chama do novo. Porque original não quer dizer extravagante. Mas significa que teve origem nele, que ninguém antes dele pensou. Não é engraçado, não é chanchada. Continua:

“...sempre original e às vezes, abrupta.”

É o estilo francês. De vez em quando: bam! Lá vem aquilo à maneira de um trambolhão. Mas que faz cintilar coisas inteligentes. É como quem chacoalhasse estrelas: sairiam chispas de toda ordem... É abrupto, mas que abrupto!

“Não era por isso menos capaz de reter a atenção”,

É um erro falar de tal maneira, que os outros tenham dificuldade de prestar atenção.

Uma coisa que sigo muito quando eu faço uma conferência é o nível de atenção dos meus ouvintes. Há uns tantos que não prestam atenção. Eu já qualifico: porque há uns os que têm cara de gente que nunca presta atenção em nada; então não dou importância. Mas quando começo a notar que uns tantos deles começam a não prestar atenção - fato crônico em toda conferência, ao menos quando o conferencista sou eu -, já compreendo que a exposição tem que sofrer imediatamente uma adaptação, porque do contrário o número dos que prestam atenção vai caindo. E, no fim, é o deserto: palminhas secas e todo mundo se dispersa...

Quer dizer, trata-se de um trabalho que é preciso exercer quando fazemos uma conferência... e até quando se é chefe e se dá ordem. É preciso se dar ao trabalho de procurar ser tão interessante quanto a parcimônia dos recursos naturais da gente permita. Mas não se tem o direito de ser cacetíssimo, nem para os mais íntimos.

Bem, então, o Foch era capaz de reter a atenção e ser compreensivo.

“...pois, se bem que a ordem e a clareza estivessem na primeira linha das qualidades de sua inteligência...”

Se a inteligência é desordenada e confusa, fique por si mesma, não presta para nada.

“... ele podia desnortear por seu modo sintético de se exprimir, indo diretamente ao essencial, saltando sobre os argumentos intermediários, como também sobre as contradições aparentes, derivando igualmente de raciocínios não explicitados...”

Tudo isso são enfermidades muito freqüentes, e todos as sentiremos em nós. Sou o primeiro a senti-las muito em mim. Quais são esses inconvenientes? Primeiro lugar: é o modo muito sintético de se exprimir. Quando pensamos longamente sobre uma coisa, e reduzimos a uma fórmula, temos o direito de pensar que dando a fórmula, todo mundo entende o que tem dentro. É muito freqüente esse defeito.

Outro defeito é o seguinte: saltar sobre os argumentos intermediários. Como já pensamos, a gente dá as grandes etapas dos argumentos, mas o outro, que está tomando contato com o pensamento, não se contenta com isso. Ele quer todas as etapas, do contrário não vê o encadeamento lógico. Não perceber que as contradições aparentes podem afligir o amigo com quem a gente está conversando e, sobretudo, a dificuldade de explicitar os raciocínios. Muitas vezes isto para mim é uma dificuldade tremenda. E creio que mais ou menos todos nós devemos ter isso.

Um exemplo: ninguém apreciava mais do que Foch as faculdades do espírito em todos os domínios. E, entretanto, acontecia-lhe manifestar mau humor contra os dons de certas pessoas. Não que os recriminasse por ter recebido esses dons, mas porque não os utilizavam suficientemente.  Às vezes, ele via uma pessoa muito dotada e ficava nodoso porque a pessoa negligenciava os seus próprios dotes. O que acontece também, os senhores hão de concordar.

“No trato das questões militares, os que o conheciam imperfeitamente tinham dificuldade de colocar-se em seu regime de pensamento. Como o automóvel, ele poderia estar em marcha direta ou em primeira velocidade. Em marcha direta, assim chamamos o vasto domínio da concepção. Ele via tão vastamente e tão longe, que era necessário galopar firme para segui-lo”.

Esse é propriamente o chefe! Quando trata de planejamento, a linha geral deste é audaciosíssima, magnífica. Depois, quando trata da execução, muito devagar. Ou seja, planificação arrojada, rápida; execução pensada, prudente, calculando passo a passo. Isso é propriamente o chefe! Terceira velocidade para a concepção; depois, muito devagar na execução. É esplêndido esse trecho do Weygand!

“Quando, pelo contrário, em primeira velocidade, isto é, às voltas com as dificuldades de execução, considerava que nenhuma contingência era negligenciável, e a levava até o pormenor, com investigações destinadas a evitar toda má execução ou qualquer esquecimento.”

De maneira que, depois de ter o espírito pairado nos mais altos problemas da estratégia militar, e de ter perguntado como evitar que houvesse uma ruptura de relações entre o Estado Maior Britânico e Americano, por exemplo, para a ofensiva final contra a Alemanha, [considerava] um probleminha: "Temos polainas suficientes para os soldados executarem isso? O que é preciso para ter polaina?" - "Marechal, há uma rivalidade entre tal departamento e tal outro para fornecimento do feltro da polaina". – "Existe outro tecido que não feltro que sirva para polaina?"

E lá vai, de questãozinha a questãozinha, até fazer uma pequena amabilidade para o Sr. João Ninguém, que é o homem-chave das coisas... E quantas coisas têm, como homem-chave, o Sr. João Ninguém!... Quer dizer, passa-se das estrelas para os vermes. Quem não souber fazer tais coisas ao mesmo tempo, não presta nem para as estrelas, nem para os vermes! É preciso saber fazer.

“E se se tinha cavalgado o Pégaso era necessário descer dele e se colocar com o marechal no terra-a-terra do caso concreto a resolver.”

E ele poderia ter dito do “casinho” (em vez de “caso concreto”), porque quem diz o “casinho” é paspalho.

“Tal pessoa então, que numa troca de vistas precedente tinha percebido que pensava curto demais, se via no outro dia chamada a exame meticuloso das questões que, comparadas às abordadas na véspera, pareciam minúsculas.”

Vamos dizer, por exemplo, um sujeito que tenha – eu tenho experiência disso - lumbago. Ele não pode nem se levantar muito nem se agachar muito, porque tem o tronco impedido no seu movimento. Um que seja destro, pelo contrário, vai ao minúsculo e se ergue na ponta do pé. Ele tem todos os movimentos. Esse é o medíocre; só tem o movimento comum, nem sobe às grandes questões, nem tem humildade suficiente para compreender a importância das minúsculas. É o medíocre. Isso é medíocre.

O outro é o Foch, homem que sabe as coisas. O interlocutor, então, diz: "Eu não compreendo mais nada...!" É mais ou menos como uma pessoa que, não sei, tomou o reflexo de Pavlov, tanto subiu e desceu a perspectiva, que o sujeito diz: "Fiquei com o cansaço dos materiais...” Ouvi dizer que até ferro cansa, barras de ferro de vez em quando cansam. E a situação degringola.

“O interlocutor, então, não compreendia mais. A mudança poderia ser mais desconcertante ainda quando se produzia no decurso de uma mesma conversa...”

É do gênero do homem que afirma: "Como eu disse aos senhores, estou empenhado em associar todas as outras nações do mundo a meu plano. Para isso eu comecei por mandar comprar blocos de escrever". Como? O que é isso? Mas, realmente, às vezes é preciso começar por aí...

“... e o general dizia um “vire a página”, outra expressão favorita dele, ou mesmo por um simples gesto virava essa página imaginária.”

Quer dizer, mudou de assunto. A gente está vendo o medíocre se fritar. Se esse medíocre fosse humilde... não seria medíocre: seria apenas mediano, e acabaria se adestrando e nunca se fritaria. Mas os senhores estão vendo irritabilidades, complexos, preguiça, demônio entrando pelo meio etc., tudo junto.

“É então necessário mudar de velocidade e se pôr no mesmo regime que ele, sob pena de fazer nascer certos agastamentos.”

Essa atitude do Foch não era louvável, naturalmente. E agastamento de francês é do outro mundo! Falou-se muito do murro alemão. Eu não sei se o agastamento francês, debicativo e ronronante, não é uma coisa pior do que o murro alemão... Porque um murro é uma ofensa; a pior ofensa não é desagradável como um debique merecido. Isto é o que pode haver de pior. Chamar de cretino, passa. Mas dizer um dito oblíquo por onde o sujeito tem a vivência da própria cretinice, é muito pior! É claro! pium, lá vai... Porque na injúria, a gente pode sempre responder por dentro: “não sou”. Mas quando o sujeito pôs a mão da gente na nossa cretinice... “como é que não sou cretino?”

“Isso não era sempre fácil de fazer compreender àqueles que me punham questões antes de serem introduzidos ao general. Muitas vezes perguntavam-me eles: “está ele de bom humor?” - Mas é claro, como sempre. Era eu tentado a lhes responder: somente não o deixem de mau humor...”

Aqui, por exemplo, está o dito francês que põe a mão do interlocutor na sua própria bobeira... Quer dizer, não jogue contra as regras do jogo, que ele não fica de mau humor. Ou seja, se alguma coisa mancar, é você o responsável por isso. Mas está dito de tal maneira que o sujeito põe a mão na própria estultice. É o gênero francês... Muito pior do que dizer simplesmente "não seja bobo", porque a gente diz "não sou bobo". Mas aqui, não: quase que lambemos a própria bobeira. O que fazer? É terrível o estilo!...

E o brasileiro – de modo geral - quando toma uma dessas fica com 15 dias consecutivos de complexo: fica na baixa, tem desejo de vingança...

Os senhores conhecem a deformação que foi feita para o português daquela canção “Sur le Pont d’Avigon”? É uma canção francesa para lá de linda: “Sur le pont d’Avigon on y danse, on y danse tous en rond. - Sobre a ponte de Avinhão, a gente dança, dança, formando círculos”. Isto foi abrasileirado e deu numa canção caipira cantada no ritmo do “Sur le Pont d’Avignon” e que é a seguinte: “Suponte da vingança, todo mundo passarãosur le pont d’Avignon on y danse tous en rond.

“...somente não o deixem de mau humor não o compreendendo, ou lhe repetindo várias vezes o que ele terá compreendido da primeira vez.

“Entremos, depois desse parêntese, no vivo de nossas ações de trabalho. Para esclarecer mais, diferenciarei aqui ainda duas ordens de idéias: a concepção e a execução, às quais todas as questões que nós tínhamos a tratar podem mais ou menos se reportar: as que se relacionavam com uma concepção de uma operação de guerra, as que se relacionavam com sua execução.”

Divisão perfeita: primeiro se concebe um plano e é toda uma ordem de problemas; depois se trata de sua execução. É toda outra ordem de problemas.

Inglaterra - Foch, no desfile da vitória da I Guerra Mundial

“Clareza e precisão

“A atividade guerreira do General Foch estava como que impregnada pelo adágio napoleônico: a guerra é uma arte simples e toda de execução”.

Eu pergunto o que não é “simples e toda de execução”, depois de ter sido, segundo a expressão pitoresca de um conhecido nosso, “craneada” convenientemente?...

“Também considerava ele que nessa execução nada deveria ser negligenciado. O teor de uma ordem regulando essa execução era, de sua parte, o objeto dos cuidados mais atentos. (agora Weygand vai mostrar como se faz uma ordem) Quando ele próprio redigia era, no mais das vezes, sob a forma de uma nota com sua bonita escritura regular, cujos parágrafos numerados se sucediam com uma lógica implacável...”

Vejam: os senhores conhecem muitos chefes que não têm uma bonita escritura regular. Quanto a dividir em parágrafo e numerá-los equivale a dizer ao leitor o seguinte: "Isto aqui é no cosmos. Pare e engula isto antes de engolir a parte segunda".

É como quem pega os vários pratos do menu e diferencia: "Esse menu tem batata. - Mas, espera um pouquinho, o que é? Salada de batata? É sopa de batata?  É bolo de batata?..." O estilo do Foch é assim: primeiro uma coisa, depois outra, depois outra. E depois coma cada coisa por sua vez.

Esses parágrafos, com uma lógica implacável”. Assim que se dá uma ordem: Fulano, está vendo aquele monte? Suba lá. E depois inutilize o homem que está ali. Mas espere um pouco. Pense antes de perder o fôlego e então... você não perderá o fôlego.

“...e a respeito da qual, depois de a ter lido e examinado sob todos os pontos de vista, a gente se dava conta de que não faltava nenhuma idéia, nenhuma palavra”.

É a perfeição da ordem bem dada! Também não precisa mais elogio nenhum: a ordem está perfeita!

Os senhores estão vendo que o Weygand várias vezes procurou ver se encontrava uma falha, uma frincha na ordem do Foch. Não encontrou nunca. Porque examinar sob todos os pontos de vista, quer dizer, procurou defeito em tudo. E ainda mais francês...

“Se era eu o autor, ele submetia o texto a um exame terrível.”

É uma das muitas coisas em que o subordinado precisa ter paciência: entregar um texto que julgava estar perfeito, e ver o superior considerar debaixo de um ângulo que ele não tinha observado quando redigiu. Então, tudo aquilo muda: de losango passa a sair círculo... Grande desaponto!

“Fazia-me ler esse texto, e se abandonava sua leitura para o comentar, é porque não estava suficientemente claro para si mesmo. Aí, como por toda parte, a clareza, a precisão lhe pareciam coisas indispensáveis, pois para ele a largueza de espírito e o vago não eram sinônimos”.

Isto não é raro em brasileiro: "Fulano é um espírito largo!..." Você vai ver o que é, diz coisas vagas... Isso é divagar, é um um divagador, não é um espírito largo. Espírito largo é o que vê largamente coisas precisas. Isso é que é.

“Uma frase a que faltasse clareza, era detida sempre: “O que o senhor quis dizer?” Resposta: tal coisa. Resposta: “Pois bem, diga tout bêtement.”

Quer dizer, não empole, não enrole. Diga com a naturalidade da conversa caseira o que você quis dizer que sai direito. Mas diga.

“E era verdade. Tinha muitas vezes chegado a uma frase obscura porque as formas habituais do vocabulário militar se prestam mal à expressão da idéia. Mas se dissesse tout bêtement...”

Quer dizer, sem pretensões técnicas.

“...o que queria dizer, meu texto retomava a clareza e a idéia encontrava novamente sua força. O quanto o general era exigente sobre o fundo, sobre a justeza da expressão, tanto se mostrava largo sobre a forma, quer se tratasse de instruções pessoais, de ordens de operações ou de simples notas”.

Quer dizer, a ordem não é para ser bonita, não é para ser literária. Há certo tipo de advogados, por exemplo, que quando redige escritura pública, ou um requerimento, se preocupa exageradamente com a beleza do português. A correção, sempre; a beleza, não. Por quê? É outra coisa, não é literatura, não é madrigal. Cada coisa tem seu propósito. Uma ordem também: tem que ser simples e clara. Não vá procurar fazer literatura.

“Não se preocupava com nenhum formulário de ordem. Não lhe haviam notado, com alguma ironia, no seu curso da Escola de Guerra, que o ilustre Bherthier fazia questão de que todas as caixetas da ordem fossem cheias?”

Não dizer também coisas muito esquemáticas, em que entra pelo meio algumas acacianas. A gente só diz aquilo que o indivíduo de si não percebe. O resto pode saltar. O método, portanto, consiste em dizer o que o outro não sabe, e não de fazer uma espécie de esquema do sabido e não sabido. Isso é bobagem...

“Uma vez definitivamente estabelecido um texto, o general não tolerava o menor atraso na confecção material do documento pelo Terceiro Bureau.”

Os senhores estão vendo o Foch passar de uma elaboração mental muito alta, para uma coisa prática: tem que andar depressa.

“Feito o documento, esse lhe era levado logo que pronto, sendo a hora da assinatura um rito desconhecido entre nós”.

Numa guerra não se concebe isso de, por exemplo, às seis horas da tarde se assinam as ordens. Quer dizer, uma ordem sofre duas, três horas de delonga só porque não chegou a hora de ser assinada...!

“Relia-o ainda com atenção e exigia sua imediata remessa. O Estado Maior havia se adestrado desde o começo a não faltar a essa prescrição. A esse respeito não posso fazer outra coisa senão citar uma passagem de suas memórias, das quais o General Réquin quis dar-me conhecimento”.

Agora passa ao Requin. Os senhores verão como desce um pouco o nível. Não é a concisão do Weygand, é um fatinho um pouco anedótico. Enfim, o fato é muito curioso:

“Os poucos oficiais que trabalhavam, em 1914, na prefeitura de Kassel se lembram sem dúvida da brusca aparição do General Foch, e dessa apóstrofe que nos lançou, sem nenhum preâmbulo, pela porta entreaberta: “Se três minutos depois que eu tenha dado uma ordem urgente para o destacamento do Exército da Bélgica, o automóvel que a deve levar não seguiu, quem quer que seja eu mandarei preso por 30 dias por motivo infamante.

Está acabado. Pois é claro! Está no auge da batalha, os minutos pesam enormemente na decisão. Aquele mesmo homem que os senhores viram ontem trabalhar na calma de uma como que abadia beneditina, conta os minutos.

Os senhores dirão: "Mas, Dr. Plinio, era o caso de fazer uma ameaça dessas? Não poderia ser mais amável, dizendo algo na linha de: eu peço aos senhores a gentileza de...?" Isso corrompe tudo dentro da disciplina militar. Porque, se é preciso seguir, deve-se usar o modo mais direto, e este o modo mais direto de fazer os homens andarem é o medo. Os senhores dirão: "Ah! mas o zelo, o amor de Deus..." Querem ter muito zelo? Comecem por pensar no inferno, porque elimina uma porção de obstáculos e a pessoa corre.

De maneira que dentro do exército – é claro que a vida nossa, como de qualquer civil, não é bem exatamente isso, mas tem seu tanto disso. Para um exército não há outro modo. A coisa é essa!

“Ele havia desaparecido e nós nos olhávamos estupefatos, o Coronel Weygand com os outros. Nós não sabíamos do que se tratava, mas o prestígio do General Foch era tal, que qualquer um de nós pensava: “ele deve ter razão.”

Essa é uma atitude pouco comum ao brasileiro, o qual é tendente a ficar ressentido, ir olhar pela janela...

“Fizemos um rápido inquérito. O sub-oficial estafeta não estava no assento do seu automóvel quando a ordem lhe foi levada. Havia ido procurar seu capote, em vez de o ter junto de si. O substituto de serviço não tomara automaticamente o lugar de seu colega, e o General Foch, observando de sua janela – é claro –, marcou sete minutos antes da partida do carro. Renovamos imediatamente a experiência. O Coronel Weygand escreveu uma ordem. Dois minutos após ela estava registrada e o estafeta partia”.

Adiantou ou não adiantou? É assim que se tocam as coisas.

“Abordemos agora a concepção. Pondo-me à vontade, o general me convidara, desde o início e de uma vez por todas, a lhe falar sem temor a respeito de qualquer assunto, a nada lhe ocultar a respeito do meu modo de ver, mesmo se o sentia oposto ao seu”.

Isto é esplêndido! Nas relações entre superior e inferior, “planeta”-“satélite”, é magnífico! É assim que deve ser.

“E isso não era um modo de dizer. Seu horror à adulação e sua sinceridade intelectual confluía no seu desejo de sentir em seu colaborador imediato a personalidade e a necessidade da resistência.”

Quer dizer, não é a resistência pela resistência, mas é que o inferior apresentasse os obstáculos que realmente lhe pareciam, em toda sinceridade, que o plano encontrava.

“A única coisa que considerava a seus olhos era a de ver com exatidão.

O Presidente francês Poincaré entrega a Foch o bastão de Marechal, a 6 de agosto de 1918, no castelo de Bombon

“O trabalho na discussão

“Tomemos o caso de uma idéia nova. O general a lançou com o seu “pense nisso.” Não se trata de um pensamento vago, mas de um estudo sério, destinado a chegar a um termo. Penso, portanto, e, quando preparado, volto para lhe falar a respeito, se ele próprio não introduziu o assunto em nossa conversa, pois ele acelera sempre.”

É outra tarefa do chefe: estar sempre acelerando. Vejam a diferença disso com o sujeito que diz: “você vá pensando...” Ele diz: “pense nisso; vá pensando em tal coisa. Depois, quando eu encontrar com você nós conversamos”.

Considerem o caso de um coitado que tomou isso a sério e diz ao superior: “olhe, eu pensei...” - No que mesmo? (diz o superior) Não, nisso penso eu! Você, por que pensou nisso? Eu já resolvi!” Horrível...! É o contrário do estilo do Foch.

“Então o assalto começa: às objeções responde não por golpes agastados, mas por raciocínios, tomando em grande conta os argumentos que lhe são opostos. À medida que o assalto se prolonga...”

Vejam que interessante descrever isso como um assalto; cordialmente falando tem um quê de assalto, de defesa.

“...sua idéia se exprime com uma clareza e uma riqueza de características crescentes”.

É exatamente a vantagem do diálogo, no bom sentido da palavra: obriga a explicitação. As dificuldades não são de quem tem mau espírito, oposto ao do general, mas são as dificuldades técnicas de pensamento e de explicitação, e que ajudam no modo mais possante para a explicitação de uma idéia. De maneira que é uma verdadeira colaboração.

“É um método de trabalho instintivo nele. Trabalha discutindo como um esgrimista que prepara o match fazendo assalto com o ajudante de esgrima para distender os músculos e assegurar a justeza de seus golpes”.

É o que nós chamamos “bate-bola”. Nas reuniões do MNF, por exemplo, Dr. Adolfo, Dr. Paulinho sabem que isso se desenrola ao infinito, mas ao infinito. Muita coisa que o Sr. X e eu estivemos fazendo esses dias sobre o livro “Diálogo” participa disso. Por quê? Porque é exatamente assim que se explicitam as idéias.

“Se nada tivesse a me opor, ele ficaria quase queixoso, far-me-ia descer em sua consideração, me incluiria na categoria daqueles que Lyautey chamava pitorescamente “les beni-Oui-Oui” [o equivalente a “Yesman”, que concorda com tudo quanto lhe dizem, n.d.c.], porque não tinha encontrado em seu colaborador um dos serviços que pedia: o de ajudar a coesão, a expressão rigorosamente justa do seu pensamento.”

É bem o trabalho da explicitação, mas feito por um indivíduo que tem o mesmo espírito que ele, não um péssimo espírito, que objeta pelo gosto de objetar com o outro.

“É isso tão verdade que um dia o general, tendo, contrariamente a seu hábito, elevado o tom e interrompido o trabalho, voltou um instante depois ao meu escritório. “O senhor sabe”, disse-me ele, “que quando me ponho em cólera não é contra o senhor, mas contra mim, porque não consigo fazer-me suficientemente compreender, se bem que sinta que tenha razão.”

Está perfeitamente bem! Um outro diria: “Sabe, as brumas de minha cabeça...” Não, não é. Eu tenho razão, estou vendo, estou sentindo, mas não sei dizer.

“De fato, disso me apercebia, e, como dizia Réquin: ele tinha sempre razão.”

Em princípio, para um grande chefe, dá-se isso. Só um grande subordinado tem a coragem de dizer isso. Subordinado poca pensa outra coisa: “Eu agora dou cada beliscão nele! Eu tirei dele cada coisa... saiu cada bobagem! E, no fundo, os outros não percebem o meu valor, e só percebem o dele. Por isso é que ele é chefe. Mas se percebessem o meu, dava um chefe de chefe!..." Esse é o subordinado sabugo.

“Jamais compreendi tão bem como junto a ele o sentido profundo dessa observação de Maurice Barrès: “como é prudente não se pôr em contradição com o gênio.”

Charles de Gaulle em 1963 (Wikipedia - Di Bundesarchiv, B 145 Bild-F015892-0010)

Um dado interessante para os senhores saberem o que De Gaulle não é: olhem para aquela carona dele, aquela espécie de massa carnuda onde a testa é grande e não representa nenhum papel na fisionomia. Os senhores olhem para aquilo e imaginem se ele era capaz de um sistema de trabalho desses como descreve Weygand. Absolutamente não. Ele desandaria em discurso: “La grandeur de la France...” (a grandeza da França). Mas ele fugia disso, porque falta toda a seriedade.

“Na grandeza do marechal Foch reconheci todas as simplicidades”.

Isso eu acho estupendo! Porque ou uma grandeza é feita de todas as simplicidades, ou é o De Gaulle...

“Mas a mais emocionante, para o seu colaborador imediato, foi a que consistiu da parte dele em confiar a seu colaborador o seu pensamento no simples traje de seu despertar”.

Acho isso uma coisa estupenda! Quer dizer, o pensamento está em seus trajes matinais, de pijama. Como se levanta da cama, com o cabelo desarranjado, com o pijama amarrotado: assim as idéias nascerem na cabeça dele todas amarrotadas e desalinhadas. E juntos irem alisando, passando a ferro e ajeitando a idéia, até dar na sua versão final. Acho uma coisa magnífica isso! Depois, essa forma bonita como está expresso aqui. Isso é fazer bonito! Não é usar palavras empoladas.

“Poucos homens, creio, poderão permitir-se tal ausência de artifícios”.

É claro, porque a idéia mesmo quando nasce, toda esgrouvinhada, não nasce aleijada e não nasce abraçada apegadamente a uma besteira.

“É que para enfrentar, sem enfeites, a plena luz, a beleza é indispensável.”

Dito francês; não exige mais nada. Acabou-se. Nem posso comentar...

“O pensamento do general, mesmo quando ainda não se tinha revestido do seu traje de gala...”

Os senhores estão vendo a expressão engraçada [pensamento em traje de gala], o contrário do [pensamento de] pijama inicial.

“... tinha sempre uma beleza: a da potência...”

Considero isso magnífico! Mesmo nascendo o pensamento [tinha potência]... isso aqui é que é fogo! Não era uma dessas idéias que vão ganhando força à medida que caminham, chupando a força dos outros, mas nasce forte.

“...potência de penetração, de extensão, de equilíbrio...”

Vejam as três ordens de potência como estão bem expressas! A idéia tem três dimensões: a penetração, a amplitude e o equilíbrio. É uma pequena teoria da idéia, exposta de passagem, mas quão bem, que me faz considerar exatamente esse artigo aqui um tratadinho.

Eu aconselharia aos senhores que cada um guardasse esse artigo. Isso é um pequeno tesouro.

“...que pouco a pouco ligará em torno dela os governos e os comandos aliados e pela qual será posto em terra um inimigo corajoso, forte e bem organizado”.

Vejam bem: é essa potência do pensamento do general que vai alcançar tudo isso. Mais do que as armas, mais do que todo o resto, é a potência em três dimensões do pensamento do general a falar sobre isso. Os senhores vêem como isso dignifica o homem, põe a alma no primeiro plano, como é uma concepção espiritualista das coisas, ao contrário da concepção materialista.

“Certas personalidades políticas, certos escritores, tanto franceses como estrangeiros, julgaram poder me atribuir o papel que recuso ao chefe do Estado Maior, de um verdadeiro chefe: eu teria sido o inspirador de Foch”.

Que coragem de recusar uma coisa dessas! Que dignidade!

“É um erro, que a honestidade mais elementar me obriga a retificar. A honestidade, mas também uma indignação contra essa necessidade sádica, por demais freqüente entre nós, de tender a diminuir tudo quanto é grande, com risco de atentar ao patrimônio francês e dar armas aos estrangeiros, que eles não são os conservadores de nossas glórias”.

Entra aí o chauvinismo francês, com uma pontinha de graça francesa, mais uma vez.

“A inveja, le péché mignon dos medíocres...”

“Péché mignon” é o pecadinho engraçadinho “dos medíocres”, e é bem verdade.

“... os leva a baixar os homens de gênio por golpes dessa natureza”.

É verdade: é a dentada da cobra no calcanhar. Não consegue se pôr à altura do grande homem, então inveja: “eu vou diminuí-lo quanto puder”. O que é bem parecido com o “non serviam” de Satanás, seja dito entre parêntese.

“Certamente não chegarei a dizer, por falsa modéstia, que não prestei serviço a meu chefe. Se isso fosse, não me teria feito a honra de conservar-me junto de si por muito tempo”.

Essa maneira do sujeito que sobe à tribuna e diz: "Meus senhores, eu devo começar por pedir desculpas de estar aqui falando, porque eu sei que sou indigno de estar aqui, porque eu sou o último dos homens, um ignorante, um tartamudo..." Mas se é assim, então saia e vá embora... Se você está convencido disso, não deveria ter subido; se subiu, vá embora! É claro...

“Poupei-lhe a preocupação e o cansaço de todas as tarefas secundárias...”

É estupendo como dignidade, como autenticidade, como verdadeira superioridade de alma!

“...provando-lhe, pela exatidão e a consciência que introduzia em as tratar, que podia guiar-se sobre mim quanto ao seu cumprimento. E para as grandes tarefas, trabalhei com ele como seu temperamento reclamava que trabalhasse”.

São as duas tarefas: no pequeno, foi um executor perfeito. No grande, ele adaptou-se ao temperamento do chefe, ao qual era possível adaptar-se. Ele se adaptou ao temperamento do chefe e fez o trabalho devido. Não precisa de mais nada...

“Por aí contribuí para a manutenção de seu belo equilíbrio...”

É bem verdade e é a coisa mais preciosa que se pode querer.

“...como lhe poupei agastamentos, esforçando-me em arredondar os ângulos em torno dele”.

Quer dizer, fazendo compreender como era o chefe, e evitando irritações contra ele.

“Por essa forma, poupei-lhe, com a calma e a serenidade, o tempo da meditação.”

Oh! Quanto isso vale! Ter poupado o tempo do chefe... Para quê? Para que ele pudesse pensar. Para que pensar? Porque foi o pensamento do chefe que ganhou a guerra. Ele não estava ganhando horas-tanque, nem horas-fogo, nem horas-avião, ele estava ganhando horas muito maiores: estava ganhando minutos-pensamento! Esses minutos-pensamento valiam por tudo. Isso é uma concepção de categoria! O resto é “de lo último”...

“É, penso, o serviço mais eficaz que podia prestar-lhe, pois, assim como se disse de um modo excelente, era necessária uma presença que jamais prejudicasse a sua solidão”.

É estupendo! É uma dessas fórmulas que merecem terminar um artigo como esse. Os senhores entendem bem qual é a presença que não prejudica a solidão? É aquele que pensa na mesma direção, que intervém na hora certa, que ajuda a elucubração mental da solidão. Não é exatamente o tagarela que quebra a solidão. Seria o caso do Foch fazer o que outro dia li de um escritor francês.

Foch e Weygand durante a I Guerra Mundial (Document Dazy)

Os senhores conhecem a fórmula que o nosso Dr. Fabio gosta tanto de empregar e que é “honneur, plaisir” (honra, prazer) que se usava no século passado na França, quando alguém se apresentava a outrem. Em vez de dizer um banal "prazer em conhecê-lo", dizia-se "Eu tenho a honra e o prazer em conhecê-lo". Então “honneur, plaisir”.

Um escritor que tinha medo com certeza de interlocutores que não ajudassem sua solidão, mas a atrapalhassem, escreveu do lado de fora uma frase assim: "Aqueles que me visitam me fazem honneur; aqueles que não me visitam me fazem plaisir". Acabou-se! E ainda dito em francês, fica uma pirueta. É como um vôo de gaivota: vai lá em cima e belisca o coitado em baixo...

“Minha satisfação era grande quando, entrando em seu escritório, via um pouco inclinado para trás em sua poltrona, ele, com o cachimbo ou o charuto entre os dentes, refletindo diante de seus mapas. Dessas meditações saía sempre algo de bom, ou de grande”.

Está perfeito! Também ele é que tinha conseguido o tempo-mapa do marechal.

“Aos visitantes que o surpreendiam nesses momentos, e que nas horas de êxito vinham trazer-lhe as homenagens e os louvores, ele dizia: “Eu nada faço. É Weygand que faz tudo.” Pois tinha ele a generosidade, bem pouco comum aos homens altamente colocados, de exagerar os méritos daqueles que o servem. Esta generosidade, tão largamente manifestada a meu respeito, me obrigaria mais ainda a não deixar subsistir qualquer equívoco sobre o que foi nossa colaboração”.

Como é simples, não? Depois, eu seria capaz de instituir aqui um prêmio: quem é que poderia me dizer um modo melhor de terminar esse artigo? Não tem. Com toda simplicidade, fechou com chave de ouro.

Conclusão: à força de se esfregar no Foch, ele tomou, por osmose, algo da carga do Foch. Não tem mais nada. É um grande homem escrevendo um grande artigo sobre um grande tema. E esse tema é: Eu não fui o primeiro; vejam como é o primeiro. Esse é um grande tema, engrandecidíssimo, engrandecidíssimo!

Volto a dizer: eu recomendaria aos senhores que conservassem esse artigo, porque, como vêem, cada linha tem chispas. A gente poderia fazer uma semana de comentários desses, se quisesse. É que ainda o artigo se prestaria a isso...

Para terminar, nós temos as perguntas. Algum dos senhores do lado de cá, quer me fazer perguntas? Algum dos senhores do lado de lá?

(Pergunta inaudível)

É verdade. É tanta, tanta aplicação, que a gente até quase perde um pouquinho o pé. Eu diria, em vez de aplicação, vamos dizer assim, fazer uma espécie de adaptação da linha geral, em vez de uma espécie de aplicação de cada ponto concreto talvez fosse melhor.

Vide, a tal propósito, a obra "Guerreiros da Virgem - A Réplica da Autenticidade. A TFP sem segredos" (Plinio Corrêa de Oliveira, Editora Vera Cruz, Dezembro de 1985, pags. 109-113), Cap. V, item A) A alta vocação da TFP: combater a guerra psicológica revolucionária, a principal tática de conquista do imperialismo comunista, em nossos dias

Podemos dizer que estamos numa guerra? (*) Até que ponto isso é verdadeiro e até que ponto isso é falso? A partir disso: até que ponto os grandes princípios essenciais desse artigo se aplicam a nós?

A luta do homem que é vítima do indiferentismo religioso contra o homem religioso é uma luta que tem todos os ódios, que tem as características da guerra de religião. Com efeito, nunca houve ódio maior à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, do que o ódio que existe hoje; nunca houve um ultramontanismo mais amoroso da Santa Igreja, do que o dos (verdadeiros) contra-revolucionários.

Por fim, nunca houve um número tão grande atacando tão poucos. E por aí os senhores vêem – uma vez mais - a guerra tremenda e nossa obrigação de valorizar todos os recursos para essa guerra não sangrenta.

Dentro da concepção Weygand, em que a guerra era sobretudo o desenvolvimento do pensamento do marechal, estamos numa guerra que é exatamente sua substância: é a guerra de pensamento. E não tem o lado mais baixo da guerra, que é o entrechoque dos corpos; tem o lado mais alto da guerra, que é o entrechoque das idéias.

De maneira que essa “guerra” exige a concentração do pensamento, exigindo esforço, exigindo, enfim, toda uma vida mental por causa da natureza da “guerra” em que estamos empenhados.

Acima, edição na Rússia de "Revolução e Contra-Revolução". Abaixo, na França

No que consiste essa “guerra”? No que consiste o estudo dessa “guerra”? Perdoe-me a verdade óbvia, acaciana, mas ele consiste em estudar essa “guerra”. Em outros termos, consiste em ler a RCR [Revolução e Contra-Revolução], em conhecer a RCR, porque ela é a teoria e a prática de nossa “guerra”. Consiste em ler os nossos outros livros, em ler o "Catolicismo" com olhos da RCR, procurando ali dentro a confirmação dos princípios da RCR, procurando acompanhar as Reuniões de Recortes com ouvidos de RCR e procurando presenciar a nossa vida de todos os dias com o senso de observação de quem analisa as coisas à luz da RCR.

Quer dizer, vendo o choque da Revolução e da Contra-revolução, o choque dos espíritos, o choque dos métodos opostos, ajustados a cada espírito, as variações das técnicas, a gradação das últimas metas e das metas mais próximas, a diferença no conceber e depois no executar.

Procurar perceber como a direção da TFP considera os problemas e como os resolve, procurando ver através de cada uma dessas coisas um método, um estilo, portanto o tônus dominante em tudo.

Edição no Japão de "Revolução e Contra-Revolução"

Então, vivendo dessa forma, verdadeiramente atuaremos bem nessa “guerra”. Não é, por exemplo, fazer o seguinte cálculo: quais são as novidades do dia? E minha primeira pergunta é: o que eu fiz? Ah! É que eu peguei tal coisa assim. Dr. Eduardo, ou Dr. Fernando, ou qualquer outro, mandou e eu fiz assim...

Se num dia houvesse muita gente que fizesse isso, o dia não tinha prestado para nada! A novidade do dia não é essa. A pergunta deve ser a seguinte: "Em função das grandes metas da Causa Católica, da Contra-Revolução, quais foram os fatos importantes que aconteceram?" Isso sim! Não é o que eu fiz, o que caiu debaixo de meus olhos. Porque eu deveria ter passado o dia inteiro com os olhos atentos nessas metas, nessa visão RCR, fazendo meu serviço como se eu só tivesse que pensar nele, mas com o melhor de minha alma posta nesse outro nível.

E é assim que eu então saberia as novidades verdadeiramente novas do autêntico dia que se passou. E não o dia superficial, de aparências, com os problemas que estão à primeira vista.

Isso posto, depois poderíamos fazer a aplicação nas relações de pessoa a pessoa aqui dentro.

As relações de pessoa a pessoa devem ser essas: somos uma articulação de chefes e de subordinados, até o escalão em que não há mais subordinados. E devemos, então, cada um em relação ao respectivo chefe, procurar ser Weygand; e cada chefe, em relação ao seu subordinado – guardadas todas as proporções, não vamos ficar com vaidades, fazer megalices - tem que procurar ser Foch. Quer dizer, saber objetar, saber conversar, saber repousar o nosso chefe das atividades secundárias, amoldarmo-nos ao modo de ser dele e, por essa forma, haurirmos o espírito e o estilo que vem de cima.

Quer dizer, há uma espécie de articulação que, “de proche en proche” (de ponto em ponto), chega até o mais alto escalão. E é por essa forma que podemos fazer uma aplicação desses princípios.

Em terceiro lugar, na ordem da ação, uma grande coisa preciosa que esse documento nos dá é a precedência do pensamento sobre a ação. E eu poria assim: a precedência da oração sobre o pensamento, e a precedência do pensamento sobre a ação.

Não é uma precedência assim: eu primeiro rezo, depois penso, depois executo. Mas, eu primeiro rezo e de vez em quando lanço uma jaculatória ao longo do pensamento e da ação. Eu primeiro penso, depois penso, mas quando for agir, eu vou agir refletidamente.

É por essa forma que minha ação terá toda elevação de metas, todo descortino de horizonte, todo espírito sobrenatural, toda precisão e toda exatidão nos pormenores que a verdadeira ação deve ter. É por essa forma que eu terei praticado, de modo excelente, as virtudes cardeais que estão todas compendiadas nisso.

Até certo ponto, isto é um tratado de virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. Tudo isto combinado dá no homem do pensar superior e elevado, ainda que ele tenha apenas a tarefa do Manuel (dedicado e fiel porteiro da sede da TFP à Rua Martim Francisco, n.d.c.). Porque, tal é a dignidade do homem, que até a tarefa do Manuel pode ser exercida com sublimidade.

Depois é preciso, com essa elevação de vistas, fazer tudo de maneira que não só as ações que são pecado ou não pecado, mas em todas as nossas atividades se note esse acerto, essa elevação, essa oportunidade, essa força, essa destreza e essa justiça, que são as característica de todo operar do verdadeiro varão de Deus.

No dia em que cada membro da TFP tiver esse espírito, tenho impressão de que se eu tiver morrido, os meus ossos se revolverão de alegria na sepultura, de tal maneira é isso o que desejo numa sede da TFP, ou melhor, como a finalidade da TFP.

Não sei se eu respondi adequadamente à sua pergunta. Meus senhores, mais alguma pergunta, ou não? Não havendo perguntas, eu creio... José Fernando, você ia perguntar alguma coisa?

(Pergunta inaudível)

Aliás, é preciso dizer o seguinte: isso aqui não é um tratado completo. Sobre essa mesma matéria haveria muitas outras coisas a dizer. Mas é um tratado que diz excelentemente, e de um modo vivo, coisas que muita gente não diz.

Eu gostaria que uma vida de Santo fosse escrita assim. Para mim, hagiografia é isso! É ver um Santo à la Foch/Weygand. As qualidades de um Santo, que são isso levadas ao ponto sobrenatural; é muitíssimo mais do que isso!

(Pergunta inaudível)

É, exatamente, analisar em São Pio X o jogo das virtudes cardeais, depois a sabedoria etc. Mas, pelo contrário, em boa parte das hagiografias as virtudes são sempre apresentadas fragmentárias. Por exemplo: São Pio X era casto; nunca mentiu e, por exemplo, nunca roubou... Por que diz isso dele? “Porque três fatos provando isso caíram no meu conhecimento...” - Mas, isso pinta todo o Santo? Faça uma historiografia decente! Estude o homem inteiro! Leia a vida inteira, e não pegue três fatinhos; pegue o homem em sua totalidade. Mas totalidade, a “heresia branca(mentalidade religiosa com forte dose sentimental, levando-se mais pelas sensações do que pela Fé e pela lógica, exagerando o papel de uma canhestra “caridade”) não gosta...


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