Plinio Corrêa de Oliveira

 

A TFP não tem ideia fixa,

mas fixidez nas ideias

Tradição e progresso autêntico

Perguntas e respostas sobre a TFP

 

 

 

 

 

Curitiba, Reunião Extra, 22 de maio de 1971

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Disseram que havia alguns elementos novos que gostariam de conhecer alguma coisa sobre a TFP. Não sei se alguns já conhecem algo, ou se estão vindo aqui pela primeira vez, ou como é que é. Mas em vez de fazer uma conferência, seria muito melhor fazer uma sessão de perguntas e respostas. De maneira que eu estou à disposição; me perguntem o que quiserem, espero que façam também objeções. Quer dizer, apenas perguntas corteses, não. Eu gostaria de receber perguntas a respeito de tudo quanto se diz da TFP, e nem tudo quanto se diz da TFP é cortês. De maneira que os senhores perguntem inteiramente à vontade. Quem é que quer romper as...

A pergunta não é sempre uma coisa em que todos estejam de acordo, mas pode ser assim: “Eu gostaria de saber tal coisa da TFP”. Se alguém ouviu alguma coisa sobre a TFP e gostaria de saber. Ou então, “gostaria de defender a TFP contra tal acusação que se faz. Gostaria de justificar com tais argumentos, com algum argumento, tal posição doutrinária da TFP; qual é o argumento?” São mil formas de se apresentar uma pergunta. Então, qual é o primeiro?

Pergunte sentado mesmo. Também qualquer ponto de doutrina que eu saiba responder.

(Pergunta: Não é sobre a TFP propriamente, mas o que é que é um diplomata? Está fora...)

Propriamente, ao pé da letra, um diplomata é um sujeito diplomado. Ao pé da letra, se o senhor tomar a etimologia da palavra. Mas essa palavra ficou especialmente ligada aos indivíduos incumbidos de representar em nível político e não apenas em nível comercial, um país no exterior. Agora, o modo de fazer tradicional das coisas, levava assim um indivíduo que representasse um país no exterior, que não fosse assim um puro procurador, um representante encarregado de negócios, mas fosse uma espécie de encarnação ou personificação simbólica do país no exterior. De maneira que o representante do país carregava consigo algo da dignidade, algo da importância, algo do esplendor do país que ele representava.

Então o fato do indivíduo ter uma representação política, mas ao mesmo tempo uma espécie de representação social e simbólica, deu ao cargo um esplendor próprio a um Estado, a um país. Um país - qualquer país - é uma entidade que é dotada de soberania. E o fato do diplomata representar um país soberano, comunica-lhe como que algo do brilho da soberania.

Bem, então veio a conotação: quais são as qualidades do diplomata? Deve ser um homem inteligente, culto, instruído, capaz de conduzir com habilidade as negociações de maneira brilhante, de um trato afável, capaz, portanto, não só de com muita perícia gerir os assuntos de seu país no lugar onde exerce as funções, mas também de representar com certo esplendor. Isso, então, é um diplomata.  É meio um procurador, meio homem-símbolo. Não sei se minha resposta, responde bem à sua pergunta.  Agora, por extensão, fala-se muitas vezes que um indivíduo é diplomata de um homem que não tenha função de diplomata, mas tem algo do espírito diplomático. Está claro?

É uma pergunta que está vindo? Então, vamos ver. Então, eu formulo uma pergunta. Formulo em forma de adestramento, perguntando ou não?... Vejamos uma pergunta:

Quem é que pode me dizer, dos que ainda não são membros da TFP, quem é que pode me dizer qual é o objetivo da TFP? Alguém pode me dizer qual é o objetivo da TFP, assim definido, ta-ta-ta? Por exemplo, a TFP é uma sociedade religiosa? Como uma Congregação Mariana, por exemplo? Não é. A TFP é um partido político? Então, o que é a TFP? Não é uma entidade religiosa, não é um partido político. É uma entidade cultural? É uma entidade voltada ao ensino? A TFP tem uma ideologia ou não? Quem é que me responde a isso? Então, vamos ver os veteranos. Como é, veteranos, como dar uma saída para esse caso?

(Resposta: a doutrina da TFP é a doutrina católica. É uma aplicação concreta da doutrina às circunstâncias...)

Está bem respondido. A TFP é, portanto, uma organização que se preocupa com problemas políticos, sociais, econômicos, culturais, os problemas em geral de uma nação; a TFP se preocupa com eles, preocupa-se à luz da doutrina católica.

Agora, no que a TFP não é uma associação religiosa? Porque uma associação religiosa é dirigida pelo clero e vive sob a responsabilidade do clero. E a TFP toma uma porção de atitudes que não são da responsabilidade do clero, nem é próprio ao clero tomar. É próprio aos civis tomar. Porque a doutrina católica, o clero dá.

Depois tem a aplicação da doutrina católica às circunstâncias concretas; supõe uma análise da circunstância concreta. Agora, essa análise da circunstância concreta já não é da responsabilidade do clero, é responsabilidade do leigo. Cada um analisa segundo os dados que tem. Saber se nesse momento a solução verdadeira à luz da doutrina católica, é essa solução que eu dei, também é uma coisa que supõe uma porção de dados que escapam à doutrina católica: apreciação de fatos materiais, de fatos contingentes,  de fatos políticos que os católicos podem não estar de acordo. Nós representamos, então uma associação que faz, como o senhor disse bem, a aplicação dos princípios aos fatos. Daí uma série de atitudes tomadas pela TFP: atitude contra o divórcio, atitude contra a reforma agrária, atitude contra a lei do inquilinato, atitude a favor da manutenção dos monumentos históricos nacionais, das tradições nacionais, atitude anticomunista etc., etc.

Agora, eu faço, então uma pergunta: se a atitude da TFP é contra o divórcio, é contra a reforma agrária, é contra o comunismo, é uma entidade do “contra” então? É anti-tudo? O que é que vale uma entidade que é do contra, que não constrói nada de positivo? A TFP então não constrói nada de positivo? Quem é que me responde a essa pergunta?

Há uma regra de matemática, que é a seguinte: menos multiplicado por menos é mais. E ser contra o contra, é fazer. Ninguém pode dizer, por exemplo, que combater uma epidemia é fazer uma coisa negativa. Porque combater a epidemia é a mesma coisa que trabalhar pela saúde. A epidemia ataca a saúde e quem ataca a epidemia trabalha pela saúde. Não é? A TFP lutando, por exemplo, contra o comunismo, que é a destruição da ordem de coisas natural de um país, a TFP luta pelo país; luta contra os adversários do país.

Lutando contra a reforma agrária, a TFP luta pela propriedade privada e pelo progresso rural garantido pelo regime da propriedade privada. De maneira que é pró. É contra apenas no modo de formular. Mas é pró. Quer dizer, ela é pela família, pela tradição, pela propriedade. Isso é a TFP, o que visa fazer.

(Pergunta: a TFP defender a tradição. A sociedade toma o aspecto de coisa antiga, ultrapassada).

Ela deve ser entendida da seguinte maneira: eu vou explicar um conceito geralmente admitido, que todos tomam como certo, para depois transpor esse conceito para o terreno em que as pessoas têm como duvidoso.

Se eu tomo, por exemplo, não sei, geometria. A geometria tem tradição? Sem dúvida tem, há até uma história da geometria, que vai mostrando os conhecimentos que a geometria vem fazendo na humanidade, desde os antigos gregos, até nossos dias. Então, o que é tradição? Na geometria é o seguinte: o que os antigos pensaram, que é depurado daquilo que eles erraram, conservado aquilo que eles acertaram e acrescido pelos novos. Isso é tradição na geometria. Daí o fato, se o senhor vai fazer história da geometria, o senhor encontra Pitágoras, o senhor encontra os antigos gregos dando o fundamento da geometria.

Com base nisso foram feitos sucessivos progressos no meio de erros, porque muitas vezes, como todas ciências, a geometria também tem cambaleado, num ponto ou noutro tem errado, tem formulado mal, depois vem outros e retificam. Mas se o senhor estuda a história da geometria o senhor vê que apesar desses cambaleios e dessas depurações, há uma continuidade. Essa continuidade é a tradição na geometria.

O que vem a ser a tradição? É a soma de todos os conhecimentos que o passado foi acumulando e que pareceu aos homens digno de ser conservado por ser verdadeiro, e que chega até a plenitude atual.

Então, o que há de mais moderno na geometria é o contrário dos fundamentos da geometria, lançados pelos gregos? Não. É o complemento. Todos os séculos foram dando seus complementos até chegar ao nosso século que deu seu complemento à geometria. Então, o que é a tradição na geometria? É isso: são as verdades do passado, que vão sendo depuradas da ganga de algumas aplicações erradas e vão sendo conservadas para construção de uma ciência total

Bem, se isso é a tradição em matéria de geometria, nós temos também uma tradição em matéria de vinho, para tomar uma coisa concreta. Os senhores tomem as bebidas dos povos bárbaros e o senhor compara uma bebida de índio, uma cachaça de índio, por exemplo, o senhor compara com whisky, compara com champanhe, o senhor percebe que houve  um longo percurso de gerações sucessivas, tateando para ver qual era a bebida que mais agradava o paladar humano e a análise que a inteligência humana faz e que reflete no paladar. De maneira que a gente pode tomar whisky, pode tomar champanhe, vê-se que são bebidas ultra civilizadas, mas um povo bárbaro não inventa essa bebida. Como é que veio? De uma longa tradição que veio construindo, mas  também depurando umas tantas coisas, para chegar até um ponto supremo, mas que pode eventualmente ter outros progressos, sucessivamente. Não é isso? Isso é uma coisa que todo mundo admite.

Vamos dizer, a história dos hotéis. Os senhores peguem os hotéis no tempo dos romanos, por exemplo, a bem dizer quase não havia hotéis. Era estalagens miseráveis, mesmo os ricos tinham que dormir nesses lugares. Os senhores tomam o hotel moderno, o senhor vê uma evolução enorme do hotel, até o hotel com água encanada para quem gosta – o que eu vou dizer agora, eu sou contra - música quase obrigatória em quase todos os quartos, como é esse hotel que eu estou aqui. A gente tem que fugir da música.

Mas, enfim o senhor encontra uma evolução enorme. Em mil coisas a vida se faz disso. É a conservação do que o passado fez de bom, a depuração do que não convém e o acréscimo. Então, criação, transmissão, depuração e acréscimo se apresentam um só movimento. Esse movimento que se chama progresso.

O que é, dentro disso, a tradição? É a transmissão. Tradere, em latim, é transmitir, é entregar. É o que uma geração recebe do passado, o que o passado entrega para a geração: isso é a tradição.

Se há então uma tradição para tudo, deve haver uma tradição também nas ideias: filosóficas, sociais, políticas, econômicas etc. É a tradição que a TFP defende. A TFP defende que do legado cultural do passado algumas coisas são permanentes; correspondem, nessa matéria como na geometria, como na arquitetura, em tudo que os senhores queiram, correspondem a algo de definitivo para o gênero humano, que não deve ser destruído, mas deve ser acrescido, deve ser depurado, adaptado e acrescido. Mas algo tem que ficar. Esse é o ponto de vista da TFP.

Bem, a esse ponto de vista se choca com a mentalidade evolucionista.  A mentalidade evolucionista, de fundo comunista, ensina o contrário. Mas ensina contra toda evidência das coisas: é que cada progresso não é continuação do passado, não é este misto de continuação e da depuração do passado, mas é a destruição radical do passado. E que assim como há uma luta de classes, há uma luta de gerações. E que cada geração que vêm, faz o papel dos vândalos em relação à geração anterior: deve destruir tudo o que a geração anterior construiu. Faz parte da filosofia marxista: tese, antítese, síntese.

Então, uma geração pensa de um jeito, outra geração pensa de outro jeito: choque. Desse choque nasce uma terceira coisa. Essa terceira coisa vai entrar em choque com outra. Quer dizer, a história não é um prolongamento harmonioso como eu descrevi aqui, mas é uma série de embates catastróficos, dos quais, entretanto, vai saindo alguma coisa. Mas vai saindo por via de destruição. Enquanto na nossa concepção vai saindo por via de continuidade depurada. Bem, então nós afirmamos a tradição, nesse sentido da palavra. E contra o comunismo.

Agora, há uma outra escola, que é contra a tradição também, e que não é propriamente a escola comunista. Seria uma escola que nós poderíamos dizer “hollywoodiana”, diferente da mentalidade europeia. Esta última, pelo menos nos países não comunistas, é uma mentalidade que procura muito conservar o que o passado tem de aproveitável.

Eu não posso me esquecer, na primeira vez que eu fui a Paris, entrando num dos melhores hotéis  de Paris, dos mais atualizados, dos mais agradáveis, eu passo a mão no telefone, à minha cabeceira, para falar, e dou com um telefone igual ao que se usava no tempo, vamos dizer, no fim do século, aqui no Brasil. Num dos melhores hotéis de Paris. Eu fiquei surpreso com aquilo e indaguei: Por que? Está funcionando bem, não há razão para trocar. Quer dizer, essa é a ideia europeia. O que funciona bem, não se liquida, conserva-se. Isso de destruir para fazer outra coisa, segundo a mentalidade “hollywoodiana” se faz assim: uma ponte está com aspecto antiquado, dinamite na ponte, e faz outra...

Quer dizer, sempre a ideia de que nossa época chegou a uma tal plenitude que ela pode apagar completamente o passado; porque do passado ela nada recebeu de bom; e que todos os aspectos antigos da vida moderna são aspectos que devem ser destruídos. Em relação a isso nós somos radicalmente contra. Nós achamos que há muitos aspectos antigos da vida moderna que devem ser conservados. Aqui está um ponto.

Bem, nós achamos outra coisa: há aspectos modernos da vida moderna que precisam ser consertados e retificados. E o que é mais curioso é que os dois extremos, dentro do mapa ideológico brasileiro de hoje, podem ser considerados a TFP e os hippies. Entretanto, em alguma coisa existe um ponto de contato: nós não temos entusiasmo pela civilização “hollywoodiana” enquanto criadora de cidades enormes, nas quais o indivíduos se perde completamente; de uma vida totalmente técnica, onde a naturalidade desaparece completamente; de algo que é feito todo em base de mecânica, artificial, antinatural, onde o homem come comida enlatada, o ovo que vem para ele já vem descascado, colocado num receptáculo de matéria plástica, o travesseiro dele já não tem paina, não tem plumas  não tem nada, é uma espécie de espuma. Tudo sai da indústria, enfim.

É esta espécie de super industrialização da vida no que, no total, nos parece antinatural e desumano. E nesse sentido nós achamos que o homem não soube guiar bem o progresso e que a civilização atual, nesse sentido, se volta até certo ponto contra o homem. E sem estarmos de acordo com as loucuras e os exageros dos hippies, nós achamos que uma certa moderação nessas megalópoles contemporâneas,  e uma certa naturalidade na vida, impedir o excesso de artificialismo da vida, que isso faz parte de uma orientação especial que a era moderna tem que receber e que ela rejeitou, recusando demais o passado.

Os senhores vejam, por exemplo, esse fato entre outros. Eu acho que os senhores ouviram falar do minhocão, em São Paulo. Alguns até acho que andaram pelo minhocão. Bem, visto por um curitibano, o “minhocão” deve parecer uma coisa sumamente simpática.

(Talvez nem todos saibam o que é o “minhocão”).  

 

Acima, vídeo postado em outubro de 2017. A partir dos 4'45", inicia-se o documentário a respeito do "minhocão", confirmando as observações feitas pelo Prof. Plinio em 1971...

A título de curiosidade: quem não sabe o que é o “minhocão”? Quem sabe levante o braço. “Minhocão” é uma espécie de avenida que se construiu em São Paulo - o prefeito, Maluf - construiu em cima de colunas: que passa por cima das casas, das ruas etc., e corta a cidade. O automóvel entra numa ponta do minhocão, atravessa a cidade, sai noutra ponta. Bom, resultado, é uma velocidade enorme. A pessoa pode correr com o automóvel a toda a velocidade, tem duas pistas, pode apostar corrida, não acontece nada. O que não pode mesmo é entrar pedestre lá.

Bem, os senhores não acham que seria uma beleza um minhocão percorrendo Curitiba de ponta a ponta? Sumamente simpático. Atravessar Curitiba em meia hora de ponta a ponta seria uma coisa que poderia seduzir. Eu concebo que seduzisse alguém. Na realidade, eu estava comentando com o Dr. Luizinho, que veio agora de Curitiba. Ele me contou que saiu do apartamento em que mora lá em Higienópolis, para ir para o aeroporto. Como, vejam o que essas comodidades trazem, como o caminho para o aeroporto foi muito encurtado por causa do minhocão, ele ficou trabalhando às carreiras, até mais tempo. Ficou trabalhando mais, e depois tomou o automóvel e tocou pelo minhocão a toda, para pegar o avião no último instante. E veio à Curitiba quase sem fôlego. Caiu sem fôlego aqui.

Agora, aparentemente, um progresso. Na realidade, isso é uma coisa humana? Ele me disse que desceu aqui em Curitiba e teve uma sensação de distensão, de tranquilidade, de calma, de quem escapa quase de uma masmorra. Por quê? Porque São Paulo já é uma cidade de tamanho exagerado, e que cria para seus habitantes condições de vida que muitos reputam inumana. Um dos membros da TFP, que mora em São Paulo, estava comentando a suavidade da vida de Curitiba, em comparação com a pressão tremenda da vida de São Paulo.

Agora, meios modernos de comunicação. Isso aqui (microfone). Agora, como Curitiba tem discagem direta para São Paulo, eu estou aqui, e a qualquer hora posso receber uma consulta da TFP do Amazonas, da TFP do Rio Grande do Sul. Aparentemente é muito bom. Mas no fundo, quem é que lucra com isso? Todo mundo corre muito mais, perde o fôlego e a vida se torna muito mais difícil.

Os senhores imaginem que o progresso chegue até onde deve chegar, chegue ao ponto terminal. Todos os homens disponham de uma maquinazinha assim, num jeito para a qualquer momento falar com qualquer homem no mundo...

A pergunta é: isso foi um progresso?

É uma pergunta que a gente pode fazer. Então, aparece o conceito de progresso que é? Uma coisa é o conceito de progresso, o puro progresso técnico; uma técnica, duas técnicas, vinte técnicas.

Outra coisa é o progresso humano, que até certo ponto me serve a mim como homem. Se o homem é a medida de todas as coisas, o progresso só serve na medida em que serve o homem. Essa civilização de corre-corre serve ao progresso? Ponto de interrogação. Aí a TFP chega e põe: conforme. Quer dizer, na medida em que não serve, a TFP defende a tradição exatamente. Quer dizer, condições de vida do passado que o excesso de técnica vai destruindo, e que vai com isso eliminando. Não sei se está claro esse ponto de tradição.

(Pergunta inaudível)

Não serviria ao homem. O senhor quer ver uma coisa, por exemplo, em que o progresso é questionável? O senhor imagine – eu não sei, no mapa do Paraná, que tamanho faz o município de Curitiba – mas Curitiba é um exemplo grande demais para o caso concreto que eu quero tomar. Vamos dizer, Londrina. Eu não sei, no mapa do Paraná que tamanho tem o município de Londrina, mas deve ser um município de bom tamanho, que tem como sede a cidade importante do Paraná, que aliás, eu conheço. Já estive mais de uma vez em Londrina. Os senhores imaginem que houvesse um cataclisma – Londrina planta café (ao menos a última vez que estive lá, era café). Não sei se estão plantando alguma coisa importante da Índia, ou do Turquestão. Mas....... progresso moderno, era o café, vindo, aliás, da Arábia.

Está bem, em Londrina planta-se café. E como é que está organizada a vida econômica de Londrina? Londrina planta café muito mais do que seus habitantes bebem; e exporta então café para outros lugares. Em compensação, importa uma porção de coisas que ela não produz porque produz café. Então, há um intercâmbio e desse intercâmbio é que vive Londrina.

Agora, pergunta-se o seguinte: é bem verdade que Londrina vive desse intercâmbio? Resposta: é.

Mas é bem verdade que Londrina só desse intercâmbio poderia viver? Imaginem que houvesse um maremoto desses históricos, e que sobrasse uma ilha que fosse o município de Londrina. Aquele pessoal morreria de fome? Ou eles tiravam de dentro de Londrina o necessário para viver? Eu sou de opinião que se o município está na proporção da cidade – eu não sei se está ou não está, mas se está – é certo que eles acabavam tirando do que viver lá dentro.  E que eles viveriam do que produziriam lá.

Viveriam de um modo bem diferente. Eles não teriam, por exemplo, conservas norte–americanas, discos norte-americanos; eles não teriam champanhe francês, eles não teriam uma porção de coisas. Eu sei bem disso: eles não teriam artigos produzidos pela indústria de São Paulo; eles não teriam madeiras dessa parte litorânea do Paraná. Eu sei que eles não teriam.

Mas eu pergunto: não haveria casas? não haveria comida? não haveria roupa lavada e engomada? O grosso da vida não existiria em Londrina? A resposta é: existiria. Mas existiria com uma certa originalidade. Porque como eles não poderiam importar as coisas de fora, eles acabariam construindo, aproveitando aquilo segundo a psicologia deles, temperamento deles, as necessidades do lugar, acabariam preparando ali uma espécie de ambiente tipicamente londrinense e que nós poderíamos chamar uma civilização londrinense.

No fundo, esse mundo construído deles e para eles não era mais um mundo na medida deles do que um mundo que importa mil coisas do mundo inteiro, e que não está de acordo inteiramente com a psicologia deles nem com o modo de vida deles?

Eu dou um exemplo caraterístico. Tome a Bahia antiga. Não sei se alguém aqui é baiano. Mas a Bahia é uma maravilha. Eu não tenho sangue baiano e posso elogiar.  É uma verdadeira maravilha. Mas é uma maravilha com suas caraterísticas. Tem a preta velha, tem o canto baiano, tem o pitoresco das ladeiras baianas, da gastronomia baiana, da arte local baiana; e isso é certo que os baianos produziram no tempo em que a Bahia vivia como um rincão isolado. Eles tinham o essencial para viver. Hoje não se faria mais uma cidade original como a Bahia. A gente faria quinhentas Londrinas. E a gente somando dez mil Londrinas dava um São Paulo. Tudo igual. É como brinquedo de criança; com cubos faz uma casa, derruba, faz uma casa pequena com esses cubos, tudo estandardizado.

Eu pergunto: essa internacionalização do comércio até esse ponto não tira algo da originalidade da vida e da adaptação da vida a cada povo? Eu acho que sim.

Então, esse comércio muito internacional não desumaniza até certo ponto a vida? Acho que desumaniza. Quer dizer, são os excessos de coisas modernas contra os quais os sociólogos modernos se levantam. Quer dizer, é meio antiquado o sujeito que censura a TFP por antiquada por ser contra essas coisas...

Foto acima, uma vista do porto de Nova York. Ao fundo se levantam as silhuetas dos prédios imensos que se tornaram famosos em todo o mundo. Estão imersos no nevoeiro, todo feito de fuligem, poeira e detritos, que empesta o ar da grande cidade. No primeiro plano, um enorme transatlântico, deitando fumaça, presta seu eficiente contributo para a poluição da atmosfera.

Por exemplo, o ar poluído das grandes cidades. É ultra moderno atacar isso e acreditar em outras coisas. Eu não sei se os senhores conhecem o negócio do obelisco de Nova York. Em Nova York eles compraram – porque tudo se compra, depois tem dinheiro para comprar tudo – compraram um obelisco que trouxeram do deserto do Egito e puseram na ponta da Quinta Avenida, em qualquer lugar lá de Nova York. O obelisco, quando chegou, tinha passado uns quatro mil anos tomando todos os ventos e as intempéries do deserto. Estava perfeito. Olhem que no deserto, é duro! Os dias são quentes, as noites são, às vezes, geladas, os ventos vêm com rajadas de areias tremendas. O clima no deserto é muito duro. Veio perfeito, hein! Puseram no local, o obelisco está se deteriorando em menos de cem anos. O que se dá com o obelisco, não se dará com os homens?

Um primo meu que esteve nos Estados Unidos há pouco, veio contando que em lugares centrais da cidade de Nova York há prédios inteiros abandonados. A população vai fugindo para os subúrbios, e já não quer ocupar aquele centro. Quando nós atacamos essas coisas aqui, uns basbaques atrasados dizem que nós somos anacrônicos. E a coisa mais triste, mais melancólica é o sujeito supermoderno de ontem... O tradicional se compreende, mas o moderno atrasado... a gente tem vontade de chorar. A última moda de ontem é como uma garrafa de cerveja aberta na véspera. Essa não se justifica. O vinho de 30 anos pode ter sabor. Mas cerveja aberta na véspera é porcaria.

O sujeito que está na última moda de ontem urrando, estertorando, é um caipira defasado que dá pena na gente.

Inúmeras das objeções feitas contra a TFP por que a TFP ataca esses aspetos da vida moderna, são feitas por modernos antiquados...

Eu estava ainda lendo agora nessa Carta Apostólica de Paulo VI, essa última que foi publicada nos jornais, Paulo VI faz ali uma crítica das grandes cidades. Diz ele que elas são nocivas ao desenvolvimento do homem etc., etc. É verdade que é uma matéria em que ele não tem uma autoridade de Papa para falar; ele fala como um observador, como homem inteligente, mas não é uma coisa que se tire da Revelação. Mas é um papa que ninguém considera antiquado. Pelo contrário, é um papa considerado super moderno. Bem, esse papa é que faz a crítica das grandes cidades.

Se a TFP fosse fazer a crítica das grandes cidades haveria muito padre progressista que sairia contra a TFP: “está vendo, atrasados! Vocês querem a cidade pequena... onde é que se viu!” Mas a grande cidade está sendo criticada e contestada sobretudo nos países de grandes cidades. E são as regiões de cidades pequenas que ainda se embasbacam com arranha–céus... Então, o que é o moderno aí? O que é o tradicional?

(Aparte: Existe no mundo uma tendência a superpopulação. Qual é a posição da TFP sobre isso? ela aceita, nega, propõe alguma solução?)

Aqui o senhor tem um tema bem dentro do que eu estou dizendo. A técnica é, afinal de contas, o conjunto de métodos para o homem dominar a matéria, conseguindo fazer dela tudo o que entende. Ou, se o senhor quiser, dominar a natureza, fazendo dela tudo o que ele entende.

Agora, acontece que a técnica tanto ensina o homem a construir como a destruir. E que a técnica que ensinaria ao mais alto auge do domínio da natureza, forçosamente ensinaria o meio de destrui-la. Assim como, por exemplo, na medicina. A partir dos progressos da medicina para curar, vão aparecendo gazes cada vez mais requintadas para matar. Por exemplo, todas as noções, os métodos a respeito da respiração humana chegaram à cura da tuberculose – hoje em dia uma doença facilmente dominável – chegaram aos gases tóxicos também. Não é verdade?

Agora, o que acontece?

Se o aumento da técnica não for acompanhado de um aumento muito grande da virtude, de maneira que exista a certeza de que a técnica é dirigida segundo a virtude, ela mais dá um modo de destruir do que um modo de construir. Porque não é possível uma humanidade sem virtude, não ficar louca, e não é possível uma humanidade enlouquecida não usar mal da técnica que ela aprontou.

Não sei se minha resposta responde com clareza sua pergunta.

(Pergunta inaudível)

Eu quero esclarecer um ponto de sua pergunta, para ser bem compreendida, antes de responder. O senhor acha que o crescimento fabuloso da técnica é indispensável para acompanhar o crescimento enorme também da população. Agora, por outro lado, o crescimento da técnica pode, ela mesma, trazer condições de destruição. Então, qual é a solução para o caso. É bem isso?

Eu respondo ao senhor da seguinte maneira: em 1º lugar, eu não tenho aqui os dados em mãos, mas essas estatísticas que o senhor cita em muitos ambientes, até universitários, apresentados como indiscutíveis, em meios de alta indagação católica são apresentados como muito discutíveis. Porque é verdade que há um surto populacional no mundo, mas é verdade também que as áreas do mundo para serem habitadas são áreas ainda muito maiores do que se costuma calcular nesse tipo de cálculo. E há a objeção de que esse tipo de cálculo é muitas vezes feito com a tendência subconsciente ou não de criar uma espécie de terror diante da situação humana, que é um terror que as circunstâncias não justificam inteiramente. Quer dizer, pesa, portanto, em muitos círculos cultos uma hipoteca de dúvida sobre a inteira veracidade desses cálculos.

Mas imaginemos que os cálculos fossem verdadeiros. Bem, admitidos os cálculos como verdadeiros, não  tem dúvida que dois dados são verdadeiros também: um é que o progresso da ciência, portanto, da técnica, vai revelando que o homem pode nutrir-se de uma porção de coisas que até aqui não eram consideradas alimentícias, e que portanto, a utilidade das coisas existentes no globo, para nutrir a humanidade, é muito maior do que a gente imagina. Me lembra ainda algum tempo atrás, o Magalhães Pinto quando era Ministro do Exterior dando uma entrevista em que  ele sustentava – não sustentava,  por que ele não é especialista – mas ele contava, ao alcance do povo, uma coisa que se sabe: o conteúdo do mar bem aproveitado dá para sustentar muito mais  homens do que a terra. Ora, a parte da terra ocupada por água, a parte do globo ocupada por água é muito maior do que a parte ocupada pela terra. Já se sabe que do petróleo se tiram alimentos, e daí por diante. Portanto, a capacidade de abastecimento que nosso planeta tem é uma capacidade indefinida.

Bem, é verdade que se pode calcular um ponto ômega no horizonte, no qual não caberá mais gente no planeta. É bem verdade. Mas com o desenvolvimento astronáutico nós não sabemos que possibilidades concretas existem de encaminhar esse superávit para os outros astros. E é uma coisa sem a qual também não se pode fazer nenhum cálculo. De maneira que nós podemos nos perguntar se o mundo, não de hoje, não de amanhã, mas num ponto ômega, não estará para os outros astros como a Europa super povoada pré-colombiana estava em relação a Cristóvão Colombo, ou, vamos dizer ao mundo colombiano. Porque a Europa encheu. Só Portugal, o que produziu aqui no Brasil é uma coisa fabulosa. É um país pequeno, não é verdade?

Agora, isso supõe, portanto, à primeira vista, um desenvolvimento enorme da técnica e um desenvolvimento, se o senhor quiser, até certo ponto homicida da técnica. Porque a babel da técnica dentro da qual encontra-se o homem.

Bem, agora acontece que também a esse respeito o quadro é menos claro do que à primeira vista se põe. Porque se é verdade que a técnica é necessária para a vida do homem, a gente pode perguntar se a técnica não cria muitas necessidades para o homem, e muitas necessidades que não são necessidades verdadeiramente humanas. E se numa vida menos técnica e, portanto, debaixo de certo ponto de vista, menos complicada, os homens não poderiam mais encontrar a fórmula de seu caminho com menos emprego de meios técnicos, e menos falseamento de todo o ambiente natural, adulteração de todo o ambiente natural.

Bem, eu acho que a resposta é pela afirmativa. Agora, o senhor diz: está bem, mas qual é o programa da TFP nesse ponto? Eu respondo de modo sucinto uma coisa que exigiria uma verdadeira conferência. Mas a TFP sustenta o seguinte: as grandes coisas da história não foram feitas – e aqui está mais uma fricção da TFP com o espírito mundo dirigista moderno – as grandes coisas da história não foram feitas tanto por consensos que planejam com muita antecedência o que fazem, mas pelo fato de uma determinada mentalidade, fecunda em princípios, fecunda em germes, estar disseminada por toda uma população; e haver a marcha cadenciada de toda uma população rumo a um determinado sentido.

Eu me exprimo melhor.

Os senhores tomam, por exemplo, a cultura romana, ou então a cultura grega no passado. Os romanos, por exemplo, conquistaram o mundo mediterrâneo. Bem, o senhor vai analisar os grandes homens que fizeram Roma, a primeira resposta que há é a seguinte, a respeito deles: eles não eram grandes homens isolados, eram grandes homens à testa de um grande povo. Bem, grandes homens que polarizaram em si os anseios de domínio universal de um grande povo. Grandes homens que polarizavam em si o tino político, a sabedoria administrativa e o tino militar de um grande povo. E que mais esses homens foram empurrados por um grande povo do que puxaram um grande povo para a frente.

Eles não tinham um programa explicitado. Eles tinham um sentido profundo, que através de muitas gerações abriu seu caminho na história Isso é diferente da comissão de técnicos trabalhando numa sala fria, com estatísticas, luz néon, isolados da realidade e construindo babéis...

Então, a posição da TFP perante o problema é incutir essa reserva em relação à solução do técnico para o plano técnico, querendo incutir  em toda a população algo que é um conjunto de princípios fundamentais que deem a ela a expressão de sua própria mentalidade, que deem a ela o sentido do desenvolvimento de sua própria alma, e que um povo todo possa marchar numa determinada direção. É assim que se marcam os rumos da história.

Em última análise, a TFP acha que a gente faz história mais ou menos como o jardineiro que trabalha na botânica. Ele cria condições para que uma planta surja, mas a planta surge com a vitalidade própria da semente. E nisso o jardineiro tem uma função apenas secundária. Ela surge na medida em que ele cria condições para ela, mas ele não pode espichá-la como quem espicha – não sei - chiclete. Não é verdade?

É exatamente acautelamento do mundo de hoje contra esses desvios super técnicos e essa nota – que é uma nota de sabedoria permanente, mas que a TFP quer salientar em nossos dias – essa nota de que uma sociedade é um organismo vivo, que tem que progredir por movimento conjunto de todos os elementos do organismo, segundo um princípio vital uno de todo esse organismo, e que a mentalidade nacional, essa nota não deve ser esquecida num mundo cada vez mais dominado pelos tecnocratas.

Bem, nós não estamos fabricando o futuro, mas estamos preparando o futuro, o que é uma coisa diferente de fabricar. Um pouco longo o resumo, mas a certas perguntas só se pode responder longamente.

 

(Aparte: Eu estava conversando com uma pessoa e ela falou que a TFP é uma organização que tem uma ideia fixa; segundo ele, não admite ideias contrárias. Agora, eu quero saber como a TFP contra-ataca a isso.)

Diga a esse seu amigo o seguinte que o senhor me perguntou, e que eu mandei dizer a ele que é diferente: que a TFP não tem uma ideia fixa, mas tem fixidez nas ideias. O que não é um jogo de palavras.

O que é uma ideia fixa e o que é a fixidez nas ideias?

A ideia fixa é uma ideia à qual o indivíduo se aferra obcessivamente, de maneira tal que mesmo quando ela deixa de ter atualidade, o indivíduo ainda está aferrado naquilo. Isso é ideia fixa.

Na TFP o senhor vê continuamente a inteira atualidade dos problemas de que ela trata. Pode ser que as soluções não sejam tomadas como atuais. Mas que os problemas de que ela trata são os mais candentes possíveis, basta ver a candência que ela produz em torno de si. Se ela aquece, se ela morde é porque ela pega no que existe. Se eu fosse fazer uma sociedade de egiptologia os senhores não estariam aqui me ouvindo. Os senhores vieram aqui porque a TFP tem vida, tem bulício. Isso não tem dúvida nenhuma.

Quer dizer, ela está com os pés bem dentro do mundo contemporâneo, remando, talvez, num sentido diferente em que o mundo contemporâneo rema. Mas que ela está inteira dentro do barco, isso não tem dúvida nenhuma. Que não é uma ideia fixa, não é, porque nós não estamos aferrados a ideias que vieram, mas estamos aferrados à problemática do nosso tempo. Nós temos fixidez nas ideias, o que é uma coisa diferente. Quer dizer, nós temos motivos, temos argumentos, temos algumas verdades que nós provamos, que são verdades eternas, de todos os tempos e que o homem, portanto, tem que ressalvar.

Há outras coisas que não são verdades eternas, mas são costumes milenares e que se identificaram com o modo de ser de uma civilização, e se queremos salvar essa civilização, nós temos que salvar isso. E que essas coisas a TFP quer salvar da voragem, tomando isso como uma missão especial dela. Isto é uma fixidez nas posições, uma fixidez nas ideias, e não ideia fixa.

É mais ou menos como dizer, por exemplo, que um engenheiro que constrói um prédio com alicerces muito sólidos, dizer que ele tem uma mania de fixidez, tem ideia fixa de prédio sólido. Não. Seu amigo deixou-se enganar pela própria sabedoria. Está claro?

Não sei se lhes posso ser útil em mais algo. Tem mais alguém? Então, eu agradeço a presença e peço que tendo algumas objeções, tendo alguns problemas com a TFP não deixem de comunicar; porque a TFP está sempre à disposição para se explicar. E que Nossa Senhora os ajude.


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