Plinio Corrêa de Oliveira

 

O estilo de vida do Marechal Foch

Aplicações à vida interior e concreta

 

 

"Santo do Dia" – 22 de maio de 1976

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Marechal Foch

Marechal Foch, em gravura de ~ 1915

Continuação da leitura do artigo sobre a ordem no Quartel General do Marechal Foch (2-10-1851 – 20-3-1929), narrado por Weygand (21-1-1867 – 28-1-1965), publicado pela revista francesa "Historia" (Editions Tallandier, Janeiro de 1965. Para ver a primeira parte do artigo e os respectivos comentários, clique aqui):

 "Depois do almoço, o general sobe um instante em seu quarto e, por volta da uma e meia, ele está no estado-maior."

“...em seu quarto”, não. “...a seu quarto”. Eu não sei quais são os sedentos de normalidade de português aqui, os entusiastas da gramática... mas eu vou indicando as correções a fazer, por inconformidade com a má gramática. Eu seria também contrário a um grande entusiasmo pela gramática. A gramática tem seu valor, pequenininho e indispensável. Não se deve desprezá-lo, nem aumentá-lo

Não me lembro a que horas era esse almoço para medirmos mais ou menos quanto tempo Foch tomava de sesta. Mas os Srs. estão vendo que ele fazia sesta.

Eu queria que os senhores se colocassem na perspectiva dele. Quer dizer, o canhão troando ao longe, os exércitos do mundo inteiro se movimentando na maior guerra que tinha havido até então [I Guerra Mundial], e Foch tranqüilamente se dirige ao andar de cima e vai fazer sua sesta. Seguro de seus planos, certo do que tem ou não tem que fazer, ele dorme tranqüilo, e acorda capaz.

Tenho certeza de que a maior parte dos senhores teriam a idéia de que o verdadeiro general é aquele preso à mesa, agarrado, berra: “Você tem notícias? Eu preciso saber!” Manda um estafeta... quando chega, pula... Nada disso. Calma, serenidade...

 * O pensamento como fator de direção da atividade humana. É mais importante "ver e julgar"; o "agir" é uma tarefa secundária

Hoje, pela primeira vez, vi uma frase (...) que, bem concebido um plano diplomático, qualquer homem deveria ser capaz de executá-lo. Ele queria se referir a "qualquer diplomata", não a qualquer homem que anda pela rua.

Então, bem entendida e compreendida uma relação de situação entre países, de interesses, uma relação de objetivos etc., e que um diplomata trace o objetivo do seu país, o plano é fácil de executar. O que é difícil é entender o que é preciso fazer.

E aqui os senhores encontram a importância do pensamento como fator de direção da atividade humana. São Tomás de Aquino põe a elaboração de um plano dependente de três etapas: ver, julgar, agir.

É preciso primeiro "ver", quer dizer, descrever uma situação, analisá-la, ver como são as relações entre os vários dados da situação. Depois, "julgar": essa situação é atacável ou inatacável? Depois, "agir".

O menos importante é o agir. Bem visto e bem julgado, a ação é mais fácil. A questão é ter tido uma noção clara, feita de boa descrição, boa análise, bom julgamento, a respeito de determinada situação. Agir depois fica fácil.

O Prof. Fernando Furquim foi aluno de um professor de matemática, famoso, chamado Luigi Fantappiè, italiano. Era um grande teorizador. Ele ia ao quadro negro e começava a fazer aqueles teoremas, ia tirando conclusões. Uma vez, um aluno perguntou: "Mas professor, tudo isso são conclusões que o senhor tira; mas e a demonstração? Onde está o fundamento de tudo isso?"

Ele olhou com desprezo e disse: “La dimostrazione qualunque bestia lo fa” [A demonstração, qualquer besta faz].

Enquanto eu viver, não me esquecerei dessa resposta... faz parte do fogo italiano. É evidentemente um exagero, mas um homem bem dotado, comum, faz as demonstrações. A questão é ter percebido a coisa, ter percebido o fim da coisa.

Assim também na arte militar. Foch era homem metodicíssimo, bem informado, bom analista das situações e bom julgador. O resto? Tem Estado Maior. O Estado Maior cumpre. Ele vai fazer sesta. Ele dirá: "Desencadeie a ofensiva da artilharia" ou “Recue até tal ponto". Depois vai dormir...

Qual o trabalho dele? Ver e julgar, e escolher os que iam agir. 

* O sistema de Churchill trabalhar durante a Segunda Guerra. "Em todos os problemas que os senhores estejam, não comecem por agir"

Não sei se os Srs. conhecem o sistema de Churchill para trabalhar durante a guerra. É a Segunda Guerra, não a Primeira. Mas era também um grande homem.

Churchill fazia o seguinte: levantava cedinho e ia para o Ministério do Exterior, conforme a ocupação que tinha, ou para o Departamento do Primeiro Ministro, e se punha deitado na cama, com uma toalha molhada amarrada na cabeça, no subsolo para ter certeza de que não caía nenhuma bomba. E lá, depois de ter-se levantado, começava a receber os despachos. Depois de ter dado ordem a todos os despachos da noite, ele dormia. E habitualmente dava uma palavra de ordem: "Exceto se os alemães desembarcarem na Inglaterra, não me acordem." Depois ele acordava e, com o talento resplandecente dele, ia tocando a guerra. As coisas são assim...

Nas dificuldades, em todos os problemas que os senhores estejam, não comecem por agir e, portanto, não comecem por falar. Façam-se a seguinte pergunta: "Eu vi bem essa situação? Estou julgando bem essa situação?" Depois falem, depois intervenham. Do contrário, não adianta de nada. De passagem, são os ensinamentos que a vida de Foch pode nos proporcionar.

"Se alguma visita sobre o "front" não está prevista, esta é a hora do passeio a pé..."

Portanto, depois da sesta vai dar um passeio a pé. É verdadeiramente incrível, por exemplo, para o homem habituado a ver o corre-corre dos que trabalham em qualquer frenética megalópolis. 

"...um tempo detestável, é o único fator que pode protelar este passeio."

 Protelar... Quer dizer, espera acabar a chuva ou o mau tempo e aí vai dar o passeio.

 "Ele dura uma hora pelo menos e se faz sempre em pleno campo."

Nada de passear dentro da cidade. Vai para o campo. 

"Nestes passeios, o general leva consigo um companheiro, jamais dois, e é necessária uma circunstância particular para que este companheiro não seja seu chefe de estado-maior."

 É o Weigand. Ele, aqui, se valoriza... Quer dizer, é o grande homem com quem o grande Foch gostava de conversar. Está bem introduzido o papel dele no caso. 

* Os grandes pintores não pintam seus quadros de uma só vez. Às vezes, levam anos pintando vários quadros sucessivos 

O Marechal Foch, ao centro, ladeado pelos generais Weygand e Desticker

Como é o descanso de Foch? Aí os Srs. vão ver como é o trabalho de Foch. Todo mundo tem a idéia de Foch, por exemplo, pensando numa batalha: ele se senta junto a uma mesa, começa a pensar, pára de pensar, e depois descansa. Não. Ele vai pensando assim aos poucos; às vezes pensa continuadamente, e às vezes ficam aqueles planos na cabeça remoendo... De vez em quando ele acrescenta algo...

Os senhores sabem que os grandes pintores não pintam, em geral, os quadros de uma (só) vez. Por exemplo, senta e passa um mês pintando o quadro, depois deixa. Não é assim que faz um grande pintor. Os grandes pintores levam, às vezes, dez anos para pintar um quadro, vinte anos! Eles vão pintando vários quadros sucessivos, porque têm aquilo na cabeça. De repente vem a solução para tal problema: onde colocar o braço de tal personagem? Mais para cima, mais para baixo? Aí ele pinta aquilo. De repente vem outra solução: aquela posição da orelha estava bem coerente com a posição da cabeça? Volta e corrige. Assim vai tocando todos os seus quadros ao mesmo tempo.

Assim também nós maturamos os nossos planos na cabeça, maturamos as nossas idéias. Às vezes sentados e ruminando, mas às vezes – e isso é o mais precioso – pensando neles enquanto fazemos outras coisas, enquanto fazemos a barba estamos pensando, pensando, pensando...

Assim é que eu gostaria que um membro da TFP, um cooperador da TFP, ou um sócio da TFP tivesse seu espírito estruturado. Então, vamos ver como passeava o Foch, para vermos se passeamos assim. É uma confrontação interessante. 

* Os passeios nos campos e as pequenas prosas que Foch travava com os camponeses, durante a Guerra

"Quando o lugar de nossa residência é uma aldeia ou uma casa isolada, saimos a pé; quando é uma cidade pequena como Cassel ou Senlis, um automóvel nos leva para fora das casas ou numa floresta vizinha."

 É preciso notar que a floresta européia em geral é composta de árvores plantadas e alinhadas em enormes filas, com uma vegetação agradável de se transpor. Não tem cobra, poça d'água, formigueiro que avança etc. Tudo é ingênuo, agradável, amável.

Os Srs. imaginem, então, a floresta européia: grandes árvores alinhadas como soldados; as folhas que às vezes são mais bonitas no outono do que na primavera ou no verão, porque caem... e que são um verdadeiro tapete; adiante um riozinho que corre, faz ruído agradável; um pássaro que canta, e a gente passeia. É uma coisa feita para a gente pensar.

 "...o general caminha através dos campos ou através dos bosques com o passo elástico característico dos habitantes dos Pirineus."

 É [área de] montanhas, não? Subida. Então, ficam elásticos. 

"Ele se interessa por todas as coisas da natureza e da cultura."

 E a guerra está troando! Ele se interessa por todas as coisas da natureza e da cultura. 

"Ele não perde uma só ocasião de se entreter com os cultivadores que encontra, a respeito do estado de suas colheitas, de suas esperanças e de suas dificuldades. Ele gosta, sobretudo, nas vésperas das operações ofensivas, de fazer-lhes falar um pouco das previsões do tempo, cuja influência pode ser tão grande sobre o valor de uma preparação de artilharia."

 Os Srs. estão vendo, portanto, ele vai passeando e encontra, digamos, um resto de ruína romana. Chama alguém que esteja por perto e pergunta. Mas se é um agricultor ele pergunta pelo tempo, para preparar a batalha. É um pêndulo entre a batalha que ele está preparando e o que ele está vendo. Continuamente.

No que ele não está pensando? Em si mesmo. E é um dos defeitos das gerações que se seguiram a Foch: é pensar demais em si mesmas, ter a atenção demais voltada para si mesmas, fazer pose pensando: "Se um jornalista agora me fotografa, que impressão vai ter de mim? Vou andar de jeito ereto na floresta". Não tem jornalista, não faz papel de bobo, não tem nada! Se tiver, também não tem importância. Cuide, isto sim, de pensar no que tem de pensar! Não tenha a mania de pensar em si, de pensar que cara fez, o que o outro achou, que cara vai fazer. Isso não tem importância! Isso um homem que tem dois dedos de bom senso pura e simplesmente não pensa. Ele pensa nos temas em que ele tem que pensar. Acabou-se. O resto degrada um homem, diminui um homem. Não é bom nem sequer para uma senhora, nem mesmo para uma senhora faceira. Não tem propósito.

 "Na conversa, que jamais se arrasta ao longo do próprio passeio, o general aborda metodicamente todos os assuntos."

 Os Srs. estão vendo que é meio-passeio, meio-revista de temas com o chefe do Estado-Maior.  

"Ele falar-me-á com maior confiança, à medida que me conhecer melhor, a respeito de sua infância, sua juventude, de sua família, de sua casa nos campos da Bretanha. Ele me interrogará também sobre o meu passado, sobre os meus, sobre os meus gestos."

"É assim que o segui nos colégios das cidades onde a carreira administrativa de seu pai o conduziu, para chegar até o colégio de São Clemente de Metz."

 É o tal colégio dos jesuítas.

 "É à volta destes passeios que eu sem ter me encontrado com nenhum deles, travei conhecimento com todos os membros de sua família. Ele me falava muitas vezes de seu filho e me dava conselhos que foram preciosos para a educação dos meus."

 Não ficam pasmos de ver que é disso que fala Foch?

O manoir Trofeunteuniou em Ploujean, Finisterra

 Trofeunteuniou, propriété du Maréchal Foch, à Ploujean (Finistère)

"Um assunto sobre o qual ele se alegrava em tratar era o de sua propriedade de Ploujean, na Finisterra. Ele adquiriu este solar vinte e cinco ou trinta anos antes, atraído para a Bretanha por Madame Foch, originária de Saint-Brieuc."

Quer dizer que Madame Foch era bretã enquanto ele era gascão.

 "A exceção das duas alamedas centenárias de tílias e de faias, os bosques não existiam ainda quando ele se tornara proprietário deste imóvel. Ele os tinha replantado e falava com amor dos bosques que começavam a crescer. Quando, depois da guerra, fiz minha primeira visita a Ploujean, não me espantei de nada. Conhecia já o que eu ia ver."

 Estão vendo o poder de descrição desse homem. Com que atenção ele contava tudo, quando tinha tão graves responsabilidades dentro da cabeça.

* Têm valor as pessoas que fazem coisas que o dinheiro não compra

 Aqui cabe um parêntese de caráter econômico. Certa ocasião uma pessoa me dizia o seguinte: "Toda a propriedade vale o dinheiro que se der por ela e, portanto, o homem não é dono da propriedade mas dono do dinheiro. Porque qualquer coisa está continuamente à venda. E se obtiver um preço bom, qualquer homem vende qualquer coisa." E acrescentava: "Esse é, Dr. Plinio, o princípio fundamental do capitalismo."

É um modo completamente errado de ver as coisas, porque há certas coisas que não se vendem. Os Srs. estão vendo aí que essa propriedade Foch não ia vender, simplesmente porque há vinte e cinco anos atrás já vinha plantando ali, estavam crescendo as árvores que ele tinha plantado. E que ele via ali o seu próprio passado e sua própria história.

Se Foch não venderia essa propriedade nem por dez vezes o preço, os Srs. podem imaginar se o filho dele iria vender essa propriedade. Ele que ali tinha a possibilidade de conviver com as recordações do pai e de dizer aos amigos: "Você quer vir passar um fim de semana comigo na casa do Marechal Foch?"...

É uma dessas coisas que não tem preço! É falso que o dinheiro seja a medida de todas as coisas numa civilização verdadeira, embora os Srs. encontrem muita gente que pense isso.

Então eu digo: as pessoas que vendem tudo por dinheiro são pessoas que não valem nada. Porque têm valor as pessoas que fazem coisas que o dinheiro não compra. Esse é o princípio que não devemos perder de vista.

 "Se, pelo contrário, uma visita a um Quartel General era prevista para a tarde..."

 Eram naturalmente visitantes importantes: ministros, Primeiro-Ministro, Presidente da República, generais, marechais, almirantes de exércitos aliados, políticos, intelectuais, etc. 

* O automóvel de Foch, o caminho que percorria, as conversas que entabulava quando furava um pneumático...

 "...o general passava rapidamente pelo Estado-maior para se assegurar de que nada o retinha lá e nós nos púnhamos a caminho imediatamente."

 Ele ia visitar alguma coisa.

 "Eu o acompanho sempre; assisto a todas as suas conversas com os comandantes do exército, de corpos de exércitos ou de divisão."

 Que privilégio! Assistir a todas as conversas do Foch, e conversas essenciais da guerra!

 "Em razão da extensão das frentes de combates, estes giros ocupavam mais ou menos toda a tarde. A palavra de ordem consistia em não perder tempo, nós íamos bem rapidamente, a oitenta quilômetros por hora..."

 Naquele tempo era muito.

" ...desde que o caminho o permitisse, velocidade boa para a época."

 Também não era uma velocidade de louco. Velocidade boa, apenas.

 "O carro do General era uma notável Rolls-Royce..."

 Os Srs. sabem que o Rolls-Royce é o melhor automóvel do mundo. É um automóvel de fabricação inglesa em que todas as peças são acabadas manualmente e que - fato digno de nota - se valoriza com o tempo. O Rolls-Royce mais antigo é o mais apreciado.

" ...requisitada no começo da guerra no momento em que saía da usina. Destinada ao representante de uma grande firma alemã, sua construção tinha sido particularmente cuidada."

 Era um alemão que o tinha comprado e importado na França. Declarou-se guerra, os franceses deitaram a mão em cima.

" Uma viatura de socorro nos seguia sempre para fazer face ao risco de um distúrbio de longa duração."

 Quer dizer, no caso de haver uma pane na Rolls-Royce ele tinha outra viatura de emergência para continuar a sua viagem.

 "No caso de um pequeno incidente ou de um pneumático a trocar, as equipes dos dois automóveis se punham no trabalho enquanto nós tomávamos a dianteira a pé. Estes mecânicos são tão hábeis e tão exercitados que raramente chegávamos a fazer um quilometro sem sermos alcançados."

 Coisa curiosa: ele não parava; não ficava sentado dentro do automóvel; ia andando a pé na frente e o automóvel alcançava depois. Aproveitava para fazer exercício.

" Durante estes trajetos, não há lugar, ao contrário do que acontecia com os passeios, para outros assuntos senão os de nossa tarefa."

 Estava em trabalho. Ia visitar o front, aí só se fala em trabalho. O resto passou a ser “conversa mole”.

 "A recreação estava terminada. Ora o General pensa alto, ora fica silencioso longos momentos formulando uma questão, pedindo uma opinião ou reemergindo em suas meditações."

 Os Srs. estão vendo que Weigand não dirige a palavra ao Foch. É o Foch que fala com ele. Quando fala, ele responde. Mas o Foch está nas suas elucubrações.

Então, às vezes: "Como é tal coisa assim?" Weigand responde. Às vezes, trocam um pouco de idéias. Às vezes fica longamente quieto, e Weigand, naturalmente, olhando pelo canto dos olhos para ver se Foch precisava de qualquer coisa. E o automóvel, na velocidade impressionante no tempo dele, de oitenta à hora, correndo rumo ao campo de batalha. É uma bonita situação, os senhores hão de concordar.

 "Nos dias em que nós não deixávamos o Quartel General, o trabalho era retomado depois do passeio, mas o general, mais do que de manhã, gostava de ficar só. É, aliás, o momento em que, no mais das vezes, os visitantes se apresentavam."

"Mas jamais se escoa uma hora sem que eu não tenha de comparecer diante dele, seja a seu chamado, seja por minha própria iniciativa, para lhe apresentar um documento ou fazer um relato, pois ele exige ser posto ao corrente de tudo, imediatamente."

 Aconteceu, conte. Interrompa qualquer coisa e conte. O que é muitíssimo bem pensado.

"No fim do dia, o General recebe os oficiais de ligação que voltam das missões exteriores."

Atraio apenas a atenção dos Srs. para esse ponto: a manhã é silenciosa, a tarde costuma ser mais silenciosa do que a manhã, quando não tem visita. Ver, julgar, agir, diante de mapas, fazendo planos. O resto, exageradíssimamente falando, qualunque bestia lo fa. 

"A refeição noturna, fixada para as dezenove horas, interrompe o trabalho que se reinicia às vinte horas. É o momento em que começam a chegar dos exércitos os relatórios de fim de dia, ou em que o chefe do segundo "Bureau" vem apresentar ao general a síntese dos acontecimentos do dia."

 * O horário quem dá é o pensamento explicitado e concluído

s vinte e três horas exatamente, uma vez dadas as ordens e estabelecidas as previsões para o dia seguinte, o general termina seu dia. Realizado o trabalho, ele faz seu repouso regularmente, nada vendo de útil em um ato de presença estéril."

"Suas noites são sempre boas..."

 Dorme sempre bem.

" ...e podem ser encurtadas, como por exemplo, no começo da batalha de Ypres ou da ofensiva das bombas de gás."

 Podem ser encurtadas. O resto é calmo.

Devo dizer aqui uma coisa: cada povo, ou cada grupo de povos tem seu modo de ser. Para nossa ótica de brasileiros – não sei como para espanhóis, chilenos, venezuelanos, etc., se deve considerar isso – é um pouco geométrico demais.

Interromper um trabalho quando está batendo onze horas, sou o primeiro a dizer que não saberia fazer. Porque se na minha cabeça não deram onze horas, no relógio pode dar o que quiser que a coisa não está feita. É preciso que um certo ciclo de serviço, ou uma certa zona do pensamento esteja preenchida, para poder ir dormir. Porque do contrário, de manhã eu não vou retomar as idéias como elas estavam à noite. Alguma coisa do esforço feito para levar a idéia à sua maturidade terá faltado. Será uma fraqueza de minha memória? É muito possível, porque eu tenho má memória. Mas então seria preciso achar que os cento e dez milhões de brasileiros [Nota: população do Brasil à época desta conferência] têm memória fraca... Mas acho que é um modo de ser, e eu não sei como é em outros países.

" Antes de se retirar, o General entra em meu escritório e se dirige a mim, mais ou menos invariavelmente nestes termos: Boa noite, Weigand, vou deitar-me e convido-o a fazer o mesmo."

"Invariavelmente também eu lhe desejava uma boa noite, respondia afirmativamente ao seu convite para ir deitar-me e me assentava novamente."

"Pois esta era a hora espreitada por meus oficiais, aquela onde eu deveria lhes pertencer pelo tempo que eles tivessem necessidade, a fim de tratar das questões que não puderam ter sido tratadas durante o dia. É também o momento de pôr em dia o jornal de marcha."

Que o militar cumpre.

* A vida de um grande homem está na preparação do que deve realizar;  não está propriamente no trabalho que executa

 Assim, cada povo tem seu modo de ser. E eu não sei se interpreto mal os meus compatriotas, mas eu creio que neste ponto somos todos os mesmos; à noite e a essa hora, terminado o serviço, vem a conversa que tem que durar mais ou menos uma hora, e em que sai mais ou menos de tudo. Num tom leve, com um pouco de brincadeira saem notícias do dia, saem informações, saem coisa que a gente fica prestando atenção para ver o que aconteceu, o que não aconteceu, em que a gente tira também as suas conclusões, em que a gente desabafa um pouco e depois vai dormir.

Não sei se é assim com as gerações que seguiram à minha, e não sei como são os senhores. Não sei se os Srs. conseguem se imaginar nessa situação: ao fim de um dia de trabalho, o que é melhor: ir diretamente dormir, ou conversar uma hora, por exemplo, tomando um cafezinho, ou bebendo alguma coisa. Mas a julgar pelas fisionomias, o entusiasmo pelo cafezinho e pela conversota de fim de noite, é indiscutível.

Mais uma vez, não sei como é em outros países... não me adianto portanto. 

"Creio que disse bastante a respeito do caráter essencialmente pessoal do meu comandante chefe, de sua atividade, de sua necessidade de contato direto com os homens, para que se apanhe o aspecto da vida bem regulada que acabo de traçar, como fundo de quadro de sua existência, como a parte que era conhecida somente pelos seus colaboradores imediatos, aquela cujo trabalho prepara um outro todo exterior."

 Então, essa é a parte do trabalho que prepara o trabalho exterior. A vida de um grande homem está na preparação, não está propriamente no trabalho.

 * A importância do contato pessoal, da relação humana do General com os seus subordinados

A todo momento, como se viu, o General foge deste quadro para ir fazer sua ação lá onde era necessário. Suas relações com os comandantes de exércitos ou corpos de exércitos são constantes."

 Quer dizer, relação constante com o pessoal que está na frente de batalha. Já se usava o telefone, o pombo correio etc., e estava informado constantemente.

" Nada portanto de menos sedentário, de menos burocrático, que sua existência de guerra. Jamais ele se julgou dispensado do ato pessoal pelo envio de uma instrução ou de uma ordem escrita. É a homens que ele comanda, como ele, que ele faz questão de combinar seus empreendimentos. Procura ter com eles os mais constantes contatos."

 Ele descreveu a vida sedentária desse homem, não descreveu a vida de ação.

De fato, Foch com freqüência interrompe seu trabalho e os seus contatos com seus subordinados nas várias frentes de combate não são contatos apenas por bilhetinhos, contatos burocráticos. São, tanto quanto possível, pessoais, em que ele fala, dá a palavra de ordem, dá o estímulo, conhece o estado de espírito dos homens com quem ele trata.

Quer dizer, esse fundo que pode dar aos senhores a impressão de exageradamente burocrático, ou exageradamente de caserna, esse fundo se contrabalança com uma ação intensa, que ele não descreveu porque a história conta. Ele conta aqui o que a história habitual não conta. Onde Foch foi, em que dia esteve presente em tal batalha, isso tudo a história narra. Ele conta aqui o que a história não narra.

Creio que é aqui que termina essa parte. Exatamente.

Eu creio também que seria o caso de nós fazermos uma aplicação disso à vida do católico, do ultramontano. Porque essas são considerações de ordem natural, são puras considerações naturais: como é que se trabalha, como se faz etc. Nada disso é imediatamente inspirado na Revelação. Tudo isso é tirado do bom senso. Na realidade, que relação se pode estabelecer disso com a doutrina católica e com a vocação que os senhores têm na TFP? Nós devemos, agora, tratar desse ponto. 

* Traços da vida de Dom Chautard, o homem que desenvolveu no campo da Religião, o que Foch fez no campo da Guerra

Os Srs. sabem que há um livro – e eu pergunto quantos dos Srs. já o leram – a "Alma de todo apostolado", de Dom Chautard.

Nessa "Alma de todo apostolado" Dom Chautard desenvolve idéias que são baseadas na Revelação, e que têm uma analogia muito grande com as de Foch. Mas, naturalmente, todas elas embebidas de fé e de espírito católico. De maneira que é o momento de eu fazer uma transposição dessa experiência de Foch para a de Dom Chautard, no livro "A alma de todo apostolado".

Quem foi Dom Chautard? Eu li uma vez uma biografia de Dom Chautard (* 12-3-1858 + 29-9-1935). Ele era filho de um pequeno tabelião, uma coisa assim, de Briançon.

Ele sentia que era um moço de muito valor, seu pai sentia isso também, e entendia que ele tinha que fazer a carreira dele fora, em outro lugar. Durante a adolescência relaxou um tanto na prática da religião, mas sem deixar de ser católico praticante. E foi para Marseille, e ainda na mocidade dele, a graça o tocou e ele quis ser trapista.

 * A ordem trapista: suas regras, costumes, jejuns e penitências

 Os trapistas, como os Srs. sabem, são uma ordem religiosa que resultou de uma reforma da ordem cisterciense (empreendida no séc. XVII).

Os monges, vestindo-se perpetuamente de branco, vivendo em grandes conventos, com extensões de terra enormes que eles mesmos trabalham com suas próprias mãos, levam uma vida extraordinariamente austera: jejuns, penitências.

O silêncio observado pelos trapistas sempre me impressionou por causa talvez do meu temperamento muito expansivo. A minha família materna é paulista, mas ao contrário do que costuma acontecer com os paulistas, muito expansiva. E meu pai era pernambucano, portanto, nordestino. Os senhores sabem que os nordestinos são exuberantemente expansivos. Eu, portanto, por natureza - os Srs. vêem bem - falo muito, falo aos borbotões e é evidente que gosto de falar.

E me lembro o choque que eu tive quando pela primeira vez eu li uma referencia à particularidade da vida dos trapistas que passam a vida quietos, não falam nunca, a não ser nos casos de extrema necessidade, quando a Regra dá ordem. E eles têm essas ocasiões marcadas pela Regra, que também não podem interromper, a não ser em caso de extrema necessidade.

Numa das trapas da França - eu já não me lembro qual - se vê na parede essa coisa maravilhosa: a parede da igreja está rachada. Foi um terremoto que o produziu enquanto os trapistas rezavam o Ofício. Nenhum interrompeu o Ofício e nenhum saiu das estalas da igreja porque, segundo a Regra, era hora de rezar. Também não consertaram a parede. É claro! Aquilo é uma glória. Consertar aquilo seria uma gafe irremediável. Ficou ali para lembrar a fidelidade trapista à regra.

Acordam – não me lembro mais se duas ou três vezes à noite, (inclusive) no frio europeu – para ir rezar na igreja e voltar a dormir de novo.

Portanto, grandes sonos gostosos nas camas macias, onde a gente mais desmaia do que dorme horas seguidas, não existem para os trapistas. Jejuns de espantar...  Lá vai a coisa para frente.

E a alternativa para a oração e para o trabalho é o estudo, que é uma forma de trabalho. Em geral eles têm boas bibliotecas, mas assim mesmo não são bibliotecas sobre qualquer coisa, em que um trapista pode, por exemplo, abrir um livro "As viagens maravilhosas do Sr. Fulano", e ficar vendo como é o Ceilão, como é o Alasca, como é Paris, como é a nossa bela Espanha. Nada disso. Só sobre assuntos de vida espiritual: ascese e mística, ou altos assuntos de contemplação teológica. Mais nada. Nisso o trapista que entra jovem ainda passa vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos, até que Deus colha sua alma.

 * A vocação de Dom Chautard foi de alertar que a principal tarefa do sacerdote era santificar-se

Essa é a vocação que teve o grande Dom Chautard. Homem dotado de uma tal personalidade que – não preciso dizer outra coisa ao Srs. – uma vez em que esteve no Extremo Oriente para fundar uma trapa por lá, estava em um lugar onde desembarcavam mercadorias, uma espécie de alfândega e havia um leão numa jaula. Ele era dotado de muitos talentos, entre outros era um hipnotizador exímio. Ele então fez a experiência – para se distrair com algumas pessoas que estavam com ele, porque fora da trapa o trapista pode conversar – de hipnotizar o leão. Daí a pouco o leão estava mansinho, deitado no chão. Dom Chautard tinha hipnotizado o leão. Pode-se imaginar o domínio que precisa ter um homem para ser hipnotizador de leões...

D. Chautard

D. Chautard

Os senhores deveriam procurar uma fotografia de Dom Chautard: cabeça grande, enorme, possante; olhos serenos e profundos, uma espécie de firmamento; a cabeça apoiada na mão, como que ao peso do pensamento; o traje branco, imaculado, expressão da pureza dele, e ele pensando. É uma coisa magnífica! É pena eu não ter pensado que trataria de Dom Chautard hoje com os Srs., do contrário eu teria arranjado uma projeção de Dom Chautard. Creio que alguns dos Srs. já viram a fotografia dele e não é necessário estar projetando.

De qualquer forma, Dom Chautard chamou a si o seguinte apostolado: de, — numa época posterior à I Guerra Mundial, mas sobretudo depois da II Guerra Mundial, em que a influência da civilização mecânica, comercial, material de nossos dias estava também atacando e fazendo devastações no clero — convencer os padres de que o principal da vida sacerdotal não é de estar cuidando das almas, não é estar cuidando da própria Igreja Católica, Apostólica, Romana: é de estar cuidando da sua própria alma.

O padre que se santifique a si mesmo – vamos ver daqui a pouco o que é se santificar na concepção de Dom Chautard – e procure ser um modelo de padre, implacavelmente destinando a esse fim todo o tempo necessário; depois disso, o padre que faça seu apostolado.

Então ele terá um apostolado que tem verdadeira alma, porque ele formou a sua alma na oração. Formando sua alma na oração, ele tem o que dizer aos outros. Quer dizer, ele é, portanto, um homem capaz de impressionar os outros com aquela forma especial de impressão que o padre deve exercer, ou, não sendo padre, o leigo católico deve exercer sobre aqueles com quem trata. 

* Santo Cura d'Ars tinha uma grande vida de pensamento, uma grande vida de meditação, uma grande vida interior 

O Cura d'Ars

O Cura d'Ars

Ele conta de um santo que viveu no século passado e do qual os senhores com certeza já ouviram falar, o bem-aventurado Cura d'Ars, – é santo hoje, São João Batista Vianney – que um advogado de Paris foi fazer uma visita à cidadezinha de Ars, de que São João Batista Vianney era vigário, para conhecê-lo, porque ele era um homem de quem falavam muito. Quando voltou a Paris, perguntaram-lhe:

– O que o senhor viu lá em Ars?

– Vi uma coisa: Deus num homem.

Porque era só ele começar a falar, que as almas se comoviam e se modificavam; e as conversões que ele fazia eram espantosas e numerosíssimas.

Dizia bem Dom Chautard: qual é a razão dessa conversão? Por que ele conseguia converter – era um homem pouco inteligente o Cura d’Ars – enquanto outros padres tão inteligentes, muitas vezes, não convertem ninguém? A resposta era: ele tinha uma grande vida de pensamento, uma grande vida de meditação, uma grande vida interior. E porque tinha essa vida interior, estava imbuído e compenetrado das doutrinas que ensinava. E quando ele ensinava, as pessoas tinham a sensação de ter um contato vivo com as verdades das quais ele era o arauto. O resultado é que a pessoa se convertia como se visse Deus num homem.

Às vezes a voz dele era fraca e nem conseguia ser ouvido bem por todo mundo. Não havia alto-falante naquele tempo, não conseguia fazer-se ouvir por todo o mundo. Mas de vê-lo, e de vê-lo falar sem ouvi-lo, muitas pessoas já se convertiam. Ele possuía internamente isso que vemos no Foch, de outra maneira.

Quer dizer, um homem muito pensativo e que pensava a respeito do que tinha que pensar. Nós veremos daqui a pouco no que ele tinha que pensar e como é que pensava. Ele pensava a respeito do que tinha que pensar e como devia pensar. E por causa disso, tinha um amor profundo às verdades da Doutrina Católica a respeito das quais pensava. Por causa disso, contagiava com esse amor os outros, convertia as pessoas em grande quantidade.

Como é que pensa um católico? E é só esse contágio a força de conversão do verdadeiro católico? A esse respeito cabe-me dizer aos Srs., como uma pequena introdução à “Alma de todo apostolado”, alguma coisa de muito rápido, de muito sumário por causa do horário. 

* Relacionar tudo com Deus e ter uma alma profundamente admirativa é um pressuposto ao apostolado

O verdadeiro sacerdote, o verdadeiro católico leigo que consagra sua vida à causa católica – e assim desejamos ser todos nós – tem um modo de pensar em que ele relaciona tudo quanto vê, tudo aquilo com que trata, ele relaciona com Deus.

Como relaciona com Deus? Veremos daqui a pouco.

Mas ele vê todas as coisas em função de Deus. E pelo fato de ver em função de Deus, percebe o que é o bem e o que é o mal, o que é verdade e o que é erro. E deve ter uma alma profundamente admirativa. A alma incapaz de admiração é incapaz de verdadeira vida de piedade.

Ele toma, então, aqueles vários aspectos da Doutrina Católica a respeito de Deus, do pecado, da Redenção, do Verbo Encarnado, da Maternidade Divina, dos sacramentos, da Igreja, da Lei de Deus, vai analisando, vai se enlevando, se entusiasmando com aquilo, aprofundando cada vez mais e admirando cada vez mais.

Porque as coisas da Igreja de tal maneira são aprofundáveis que, ainda que se passe uma vida pensando sobre uma delas, ainda haverá alguma coisa que se tirar de dentro, de tal maneira são ricas e, até, inesgotáveis. E ele, conforme as apetências de sua alma, vai pensando nisso, relacionando com aquilo e à medida que relaciona, conhece mais. É o ver. À medida que conhece mais, admira mais: julgar. A admiração é um julgamento. A admiração é a conclusão de que certa coisa é admirável e, portanto, ele admira. Só depois é que vai agir: faz apostolado.

Mas que apostolado faz uma alma assim imbuída de meditação e de admiração!

Ora, essa meditação e essa admiração é que se chama oração. Oração não é só rezar – é também e é em larga medida, em venerável medida. Oração é a elevação da mente a Deus. Quer dizer, não ficar pensando apenas no palpável, mas sair do palpável e pensar em Deus. Aí se tem a elevação da mente a Deus. E é o relacionar tudo assim, com a mente posta em Deus, que é o fazer oração. Imbuir-se do espírito católico para difundir o espírito católico em torno de si.

Numa palavra, como é que se faz isso? Os senhores têm aqui atrás de mim duas criaturas de Deus: uma é um paredão de pedra; e os senhores têm depois um estandarte de couro, com o leão rompante. Como é que do paredão de pedra a gente eleva a mente até Deus? Como é que do leão rompante, a gente chega até Deus? Eu falaria demais se fosse pegar todas essas coisas juntas – tem ainda uma alabarda, e há uma imagem de Nossa Senhora – que nos podem falar de Deus... Não sei de qual delas os Srs. gostariam mais que eu fizesse a aplicação. Vão levantando o braço... O leão ganhou. E eu não censuro. É explicável. Não é necessariamente a imagem de Nossa Senhora — nem sempre uma imagem é aquilo que mais nos toca — mas é outra coisa que Deus criou para tocar a nossa alma de mil modos.

 * O leão, símbolo da reta ordenação – Carlos Magno, “o leão coroado”

Dr. Plinio em frente ao estandarte de couro sobre parede de pedra.

Dr. Plinio, diante do estandarte, durante uma conferência

Os senhores têm ali o leão – eu não o tenho diante dos olhos, mas eu o tenho melhor que diante dos olhos, na retina – o leão dourado, que intencionalmente a pessoa incumbida da decoração da sala quis de um tamanho um pouco descomunal. O próprio estandarte é de um tamanho um pouco descomunal que é para impressionar quem o vê. Não sei se pensaram como essa sala seria diferente se o estandarte fosse pequenininho. A baixa de nível que seria. E uma alabardinha assim, onde o estandarte estivesse pendurado... a tristeza. Mas precisava ser uma alabarda de bom tamanho e, pendurado nela, um estandarte pesado, de couro. Nada de sedas farfalhantes. Couro resistente, curtido, capaz de levar golpes, pintado de vermelho e, nele, um leão áureo.

Que impressão esse leão causa à alma? Evidentemente causa a impressão estilizada do que a fera leão costuma causar. Quer dizer, o rei das selvas no exercício dos seus direitos, de sua soberania. O ordenador da selva, diante do qual todos se curvam, e que encontra um adversário que se opõe ao bem, à reta ordenação da qual ele é símbolo. Então ele se levanta com todo o seu vigor, com toda a sua decisão e ataca de garras de fora, como quem diz: "Se isso está torto, eu acerto”. Isso diz o nosso leão.

O que é isso? É evidentemente uma rememoração, um símbolo das almas que Deus suscitou na Igreja Católica, símbolos da coragem, símbolos do direito, símbolos do heroísmo, de um grande Carlos Magno, por exemplo, que poderia ser chamado "o leão coroado", de Godofredo de Bouillon, de quantos outros ao longo da História.

É só isso? O leão é o símbolo do homem; o homem é símbolo de Deus. Por detrás do homem majestoso, régio, pleno como foi Carlos Magno, por cima dele, infinitamente por cima dele, nós podemos ver Deus Nosso Senhor, que não é só majestoso, mas é ‘A Majestade’; não é só régio, mas é ‘A Realeza’; não é só forte, mas é ‘A Força’; não é só colérico contra o mal, mas é ‘A Cólera’ contra o mal. E que possui, de modo personificado e inimaginável, todas essas coisas que no leão de tal maneira eu admiro. 

* Aplicação das qualidades do Leão a Nosso Senhor Jesus Cristo

 Então, eu olho esse leão e penso: "Quantas coisas a Igreja pôs na vida parecidas com esse leão! Que admirável a Igreja Católica! Nosso Senhor Jesus Cristo é chamado pela Escritura o Leão de Judá; e quando o ódio do mundo inteiro se levantou contra Ele, Ele enfrentou de peito aberto e generoso, desdenhando até de entrar em luta com aquela gente. Perguntaram-lhe se Ele era Jesus de Nazaré, Ele disse: ”Eu o sou." Todo mundo caiu de cara no chão! Depois Ele se entregou. Como quem diz: "Eu tenho uma missão muito maior do que vocês. Vocês o que são? Instrumentos. Agora eu vou sofrer pela humanidade." Coisa maravilhosa! Nós pensamos mais ainda na própria essência divina.

Então, do leão subimos ao homem; do homem, subimos ao Homem Deus, a Deus Nosso Senhor. Essa é a meditação: elevar-se até Deus através das coisas sensíveis.

O verdadeiro católico faz isso. Por exemplo, munido da [obra] RCR [Revolução e Contra-Revolução], ele tem o espírito contra-revolucionário e odeia o espírito revolucionário. Ele se perguntará em torno dele o que é Revolução e o que é Contra-Revolução; o que é conforme à Revolução e conforme à Contra-Revolução. Conforme uma coisa ou outra, ele vai admirando ou vai detestando. Mas subindo até Deus, que é a personificação de todas essas perfeições. Isso é fazer oração, isso é levantar a sua mente a Deus.

Por um pouquinho que os Srs. façam, os Srs. compreenderão que isso é viver. A vida assim é interessante de observar, é bonita até quando é feia.

É ou não verdade que isso abre os horizontes? É ou não é verdade que isso une a Deus Nosso Senhor, que essa é a vida do verdadeiro católico? 

* Menos ganhamos as lutas do apostolado fazendo apostolado, do que ficando sós e pensando nas coisas de Deus

E o católico faz com sua vida o que Foch fazia com sua guerra: tem horas em que ele pensa nesses assuntos e não pensa em outros. São as horas de seu isolamento, de sua solidão, de sua meditação. Dessas horas ele sai para o campo de batalha. É a vida quotidiana. Mas levando no espírito as recordações dessas coisas e observando. De maneira que qualquer lugar onde ele deite os olhos, ele observa sobretudo a Revolução e a Contra-Revolução, os contrastes, o que a Igreja – que é a alma da Contra-Revolução - pôs de lindo no mundo, o que a Revolução pôs de feio, de asqueroso. E quem assim procede, se é inteiramente assim, pode ser como uma TFP inteira.

Se Foch não tivesse sua vida de militar de pensamento, teria perdido a guerra. E ele ganhou a guerra menos indo ao campo de batalha do que aproveitando sua solidão; ficando só e aproveitando sua solidão. Nós também. Menos ganhamos as lutas do apostolado fazendo apostolado, do que ficando sós e pensando nas coisas de Deus. 

* Um general que queira ganhar uma batalha sem refletir é menos louco do que um católico que queira fazer apostolado sem a graça de Deus

 Sobretudo porque há um ponto que eu deixei intencionalmente para o fim, e sobre o qual direi uma palavra, embora seja um ponto de importância transcendental: é o papel da graça.

Quando somos batizados, recebemos a graça de Deus que é posta em nós. Para fazer uma comparação: mais ou menos como se enxerta uma planta na outra – toda comparação é claudicante – e nós passamos a viver de uma vida que não é só nossa, mas é uma verdadeira participação da vida de Deus, passamos a participar da vida de Deus. É pela graça de Deus que temos a fé; pela graça de Deus é que somos capazes dessa admiração, cujo nome é amor, da qual falei há pouco.

Essa graça, essa vida, nós podemos comunicar a outros. Pelo nosso contato um outro pode receber a graça de Deus. Fazendo circular a graça, nós fazemos circular a vida de Deus pelo mundo, porque sem a graça de Deus nada feito; e com a graça de Deus é tudo.

Então, estão vendo que eu tenho uma intenção fazendo os senhores meditarem a respeito do Foch. É através do exemplo de um grande soldado – e agora através da palavra de um grande monge – preparar o espírito dos senhores para essa consideração: nossa vida deve ser, antes de tudo, essa vida de pensamento, alimentada, no caso de nossa vocação, pelas reflexões baseadas em “Revolução e Contra-Revolução”.

Aí os Srs. poderão ver a beleza da Doutrina Católica, da qual temos a honra imerecida de sermos porta-vozes particulares – não oficiais, porque não somos da Hierarquia, mas quand même, porta-vozes. E aí compreenderão bem como tudo isso diz respeito à vocação dos senhores.

Muito mais no caso dos senhores do que no caso de Foch. Porque um general que queira ganhar uma batalha sem refletir é um homem menos louco do que um católico que queira fazer apostolado sem a graça de Deus. É uma impossibilidade! E para ter essa graça de Deus ele precisa ter esse recolhimento.

Assim, meus caros, terminou a reunião. Eu quis colocar intencionalmente o exemplo do monge junto com o do guerreiro porque ainda há - creio eu - restos de impressão de que o verdadeiro católico - e sobretudo o monge - é mole, efeminado, não é um herói, não é um homem enérgico.

Aí os Srs. tem os dois grandes homens conjugados, para aprofundarem em seu espírito essa noção: vida interior é a alma de todo apostolado. Não há Contra-Revolução sem vida interior.

Se os Srs. pudessem saber até que ponto é deleitável a vida interior, até que ponto a vida é maçante sem vida interior, e como a vida interior é agradável para tudo, seria uma verdadeira maravilha!

Está nos meus planos remotos, depois de terminado o Foch, depois de ter visto Foch e Dom Chautard, sobretudo se o Sr. “X” não me deixar esquecer dessa seqüência de temas, quando se fizer a exposição sobre a RCR, fazer cada vez a aplicação da parte da RCR a um ponto da vida concreta, para vermos como se vê o lado R e CR da coisa, para amarmos ou detestarmos; para irmos todos juntos nos habituando a esse discernimento católico-anticatólico; amar a verdade e o bem, execrar o erro e o mal. E ficarmos assim verdadeiros filhos de Nossa Senhora. Essa é a nossa vocação (*).


(*) A respeito da “vocação da TFP” vide "Guerreiros da Virgem - A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE - A TFP sem segredos", Cap. V, 2, A).


 

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