Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentários à

“Carta Circular aos Amigos da Cruz” de  São Luís Grignion de Montfort - I

 

 

 

 

 

Conferências realizadas em maio e junho de 1967

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução" (RCR), cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

Vamos ler um trecho da Carta Circular aos Amigos da Cruz de São Luís Grignion de Montfort.

"Amigos da Cruz, que estudais um Deus Crucificado, o mistério da Cruz é um mistério desconhecido dos gentios, repelido pelos judeus e desprezado pelos hereges e pelos maus católicos. É, porem, o grande mistério que deveis aprender praticamente na escola de Jesus Cristo e que somente em sua escola podeis apreender. Procurareis em vão, em todas as academias da antiguidade, um filósofo que vô-lo haja ensinado; consultareis em vão a luz dos sentidos e da razão; não há senão Jesus Cristo que, por sua graça vitoriosa, vos possa ensinar e fazer saborear este mistério.

“Tornai-vos hábeis, pois, nesta ciência, supereminente, sob a direção de tão grande Mestre, e tereis todas as outras ciências, pois ela as contem a todas soberanamente. É ela a nossa filosofia natural e sobrenatural, nossa teologia divina e misteriosa e nossa pedra filosofal, que muda, pela paciência, os mais grosseiros em metais preciosos, as dores mais agudas em delícias, as pobrezas em riquezas, as humilhações mais profundas em glórias. Aquele dentre vós que melhor sabe levar a sua cruz, mesmo que não conheça o A nem o B, é o mais sábio de todos. Escutai o grande São Paulo, que ao voltar do terceiro Céu, onde conheceu os mistérios ocultos aos próprios Anjos, exclamava não saber e não querer saber senão Jesus Cristo crucificado. Regozijai-vos, pobre idiota, ou pobre mulher sem espírito e sem ciência: se souberdes sofrer alegremente, sabereis mais que um doutor da Sorbonne que não soube sofrer tão bem quanto vós...“

A alma com amor à cruz: uma “pedra losofal” - generosa, sobrenatural

Há muitos pensamentos aqui. Um deles é o princípio de que o amor à Cruz confere à alma uma categoria e uma qualidade pelas quais ela muda numa pedra filosofal.

A pedra losofal, como admitiam os antigos, era uma pedra misteriosa que, pelo seu simples contato, transmudava em ouro as matérias mais vis.

O amor a Cruz é, portanto, comparado à pedra filosofal, por São Luis Grignion. Quer dizer, a pessoa que tem o amor da cruz de Cristo se transforma completamente. De uma alma banal, vulgar, sem horizontes, tíbia, centralizada em si mesma, se transforma, pelo amor à Cruz, numa alma generosa, sobrenatural e os defeitos como que desaparecem.

Digo “como que” porque é claro que a raiz dos defeitos fica sempre, mas o consentimento cessa e a alma se vê libertada da responsabilidade moral deles.

É o que está escrito naqueles versos de São Luis Grignion que Da. E.D. desenhou em letras góticas para nós: “La croix la rend fervente et pleine de vigueur” (a cruz a torna fervorosa e cheia de vigor).

Amor à cruz: aceitação teórica e viva da necessidade do sofrimento

Agora, o que é este amor à cruz? É claro que, como objeto imediato, é o amor à dor de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto crucificado; à paixão, dores e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A cruz é o objeto material do suplicio dEle, mas é, por detrás disso, a aceitação do princípio de que, depois do pecado original, é necessário que o homem sofra; que o homem que não está com a alma resolvida a enfrentar o sofrimento e, de fato, sentir o peso dele sobre si e cumprir o seu dever, que este homem não vale nada; enquanto que, se ele tem a disposição de aceitar o sofrimento - a cruz - então ele se transmuda completamente.

Pode ser grandes cruzes ou pequenas cruzes, conforme à escola espiritual de cada um. Mas o que é preciso é a renúncia ao mito de que esta vida deve passar sem cruz, a renúncia ao horror de qualquer sofrimento e a formação de uma alma forte.

 Forte no sentido de que, em união com Nosso Senhor Jesus Cristo e com as lágrimas de Maria, a alma obtém energia para sofrer aquilo que a Providência dela pede. Grandes sofrimentos, se a Providência pede um sofrimento grande; pequenos sofrimentos, se a Providência pede sofrimentos pequenos, mas sempre dizendo "sim" para os pedidos de cruz da Providência. É isto de que se trata neste amor à cruz.

 

Amor à cruz e necessidade da graça – Papel de Nossa Senhora

Este amor à cruz é uma ajuda sobrenatural que não se obtém sem uma graça. Se a pessoa começa a pensar “tenho ou não tenho esse amor à cruz”, pensa uma tolice. Ter, não se tem; todos têm horror ao sofrimento, não tem amor a qualquer forma de sofrimento.

É uma graça do Céu a ser obtida por meio de Nossa Senhora em vista dos méritos e dores dEla e sobretudo dos méritos infinitos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. É esta a graça que devemos pedir e é assim que a alma se toma vigorosa. 

Exemplo de ação da graça: o cerco do Alcácer de Toledo

Faz pouco tempo, ouvimos uma narração do cerco do Alcácer de Toledo, durante a guerra civil espanhola de 1936. Foi uma reação de católicos contra comunistas, numa luta aberta, em que católicos quaisquer e comuns acorreram ao Alcácer. Gente que quase ao acaso foram ao Alcácer. Não há acaso, porque há desígnio da Providência nisto.

Mas gente que, com certeza, nunca pensou em ser heroica, e, entretanto, realizou feitos de heroísmos maravilhosos, porque naturalmente veio uma graça, a qual corresponderam e que lhes deu a força para fazer coisas absolutamente extraordinárias. Aí a gente vê o poder da graça.

É o homem da rua - o individuo qualquer; a mulher qualquer - que é levado para dentro de uma fortaleza e se transforma num herói católico, numa heroína católica, produzindo – em nossos dias – um dos feitos de  gesta mais importantes do heroísmo católico em todos os séculos.

A TFP: um “Alcácer ideológico”

Isto, que se passou com eles, pode se passar em nós: a graça pode nos colher e nos transformar em heróis.

Realmente a vocação de um membro de “Catolicismo” é para herói de Alcácer. A TFP é um “Alcácer ideológico”.

Tudo quanto se conta daquela fortaleza sitiada é, na ordem moral, comparável ao nosso lutar tremendo, aos nossos esforços e às nossas reações, etc. É preciso, portanto, que peçamos este amor à cruz que naquela gente inopinadamente se tornou tão insigne.

Eu diria: “Bem, o povo espanhol é muito heróico etc., etc.” E responderia: “É muito heroico, mas sabe fugir também! A Espanha não é a terra só de D. Quixote mas também de Sancho Pança. E, no mundo inteiro, há Sanchos Pança: não se escapa disto”.

Mais ainda: o general que comandou a defesa do Alcácer de Toledo, terminada aquela epopeia, ele se "Sanchopancizou" de novo! Porém, na epopeia, foi um grande homem e houve verdadeiras maravilhas ali. É um exemplo concreto de amor à cruz e, de outro lado, de como é sobrenatural este amor e como eleva a pessoa, de repente, por uma graça de Nossa Senhora.

Até sugeri que se repetisse a conferência sobre o Alcácer de Toledo para outros porque tenho certeza que aproveitarão muito em tomar conhecimento dos feitos de heroísmo que naquele lugar ocorreu.

(continua)


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