Plinio Corrêa de Oliveira O Castelo de Chambord e a teoria do maravilhoso
Santo do Dia, 25 de maio 1967 |
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A D V E R T Ê N C I A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Infelizmente não se conseguiu a fotografia original que serviu de base à exposição, assim postamos várias fotos do castelo, de diversos ângulos, para facilitar a compreensão das explicações de detalhes do mesmo. Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
Uma vez que falamos do senso do maravilhoso, vamos fazer hoje um "Santo do Dia" sui generis. Os Srs. se lembram que foi resultado de uma visita minha a Minas Gerais, e de um trabalho que chamávamos lá no grupo de Minas de “europeização”, que nasceu a idéia de comentar uma vez por mês uma obra-prima na linha de “Ambientes, Costumes e Civilizações”, mas com um ponto de atenção especial: [uma] obra-prima da civilização cristã.[ Para revigorar] esse senso do maravilhoso, quero fazer [algumas conferências comentando] alguns “Ambientes e Costumes” focalizando o aspecto maravilhoso de várias obras-primas da civilização européia, que despertem em nós o gosto do maravilhoso. É isto o que chamo “europeização”: a inalação do gosto do maravilhoso do europeu, para sabermos depois criar e aproveitar o nosso maravilhoso brasileiro. É para isso que se fazem essas exposições.
Então, tomo aqui uma fotografia do Castelo de Chambord, um dos monumentos maravilhosos da Europa. A arte da fotografia mostra a apetência que o fotógrafo tem pelo maravilhoso, porque o povo europeu aprecia a fotografia que apresente o maravilhoso, notem bem isto. Eu não entendo de fotografia, mas quando vejo uma fotografia bem tirada me regala examinar o talento do fotógrafo, sob o seguinte aspecto: exatamente o formar o quadro, se ele soube escolher bem a delimitação do campo visual, de maneira que o monumento ou objeto a ser fotografado fique o melhor possível dentro da área enquadrada pela objetiva. Os Srs. vêem que o fotógrafo teve o critério de instalar o castelo entre um fundo de floresta que se perde no infinito, depois algo que se confunde com o céu. E aqui muito arborizado e escuro, com uma parte da frente que é o contrário. Enquanto ali é a natureza no que tem de ainda vivo e não ajardinado, aqui os Srs. tem a natureza no que tem de penteado, e penteado à la francesa: é uma relva lisa, de um verde que é o verde europeu, da tal grama que dá trabalho - não é qualquer grama que se enfia dentro do chão e dá gramado — mas é um verde estudado para dar grama esmeralda, não é o verde de um preguiçoso, de um vagabundo, mas é verde de quem gosta de um verde bonito. É um verde lindíssimo!
E aqui os Srs. encontram, então, um tabuleiro reto, ou plano, com uma estrada retíssima, larga. Podia parecer muita chata essa parte de frente; ela faz um contraste agradável com a parte do fundo, porque enquanto esta última é meio selvagem digamos - silvestre pelo menos - a parte de frente, pelo contrário, é inteiramente ajardinada. É a fantasia e a ordem que se contrastam, tendo no meio o admirável castelo. A idéia de ordem é acentuada por esta estrada e essa entrada por esse outro caminho. Nessa entrada e por essa primeira parte de edifício ou de construção do castelo, que é uma parte baixa, reta, chata, com apenas uma portazinha de entrada que dá acesso ao pátio interior. Mas, para a parte de ordem não ficar por demais rígida, o próprio jardineiro ou organizador do jardim soube fazer a disposição dos elementos muito bem. Os Srs. tem aqui essa linha curva que forma como que uma moldura para o castelo que se abre numa bonita alameda, reta de novo. Essa curva quebra o que haveria por demais retilíneo no panorama. E aqui, uma estradazinha faz outra curva, que é uma curva divergente desta e que dá uma certa nota de fantasia. Aqui os Srs. tem uma espécie de praçazinha. Imaginem como seria feio esse conjunto se não houvesse essa espécie de estrela; imaginem que fosse linha reta chegando até o castelo e os Srs. verão como ficaria feio. E, para os Srs. poderem perceber a beleza e a razão de ser de tudo isso, imaginem que nesse jardim não houvesse essas duas estradinhas, esses dois caminhozinhos... Ficaria feio também, porque seria muito monótono o acesso ao castelo. Se não houvesse essas linhas curvas, tanta linha reta ficaria medonha; mas tudo isso forma um conjunto muito bonito, porque é uma verdadeira dupla moldura ao castelo.
Primeira moldura, repito, a elegante moldura do jardim; segunda, a moldura fantasiosa de uma natureza silvestre. Os Srs. estão vendo aqui um modo de apanhar as condições de maravilhoso do conjunto que foi percebido pelo fotógrafo. E dentro disso fica o castelo maravilhoso. O que esse castelo tem de maravilhoso? Se os Srs. procurarem definir isso, perceberão que ele tem três ordens diversas de maravilhoso. O primeiro plano é este edifício aqui, que já comentei e que vamos examinar mais um pouquinho. O segundo é esta parte formada pelo corpo do castelo propriamente dito e que tem sua beleza própria. O terceiro plano é o telhado do castelo, que tem sua beleza própria também. São três formas de beleza características. Qual é a beleza desta parte? Consiste na regularidade da linha. Os Srs. tem um corpo central flanqueado por duas torres maciças, quase que se diria exageradamente pesadas. Se os Srs. imaginassem essas duas torres uma junto da outra, dava um monstro, dava um silo de guardar trigo. Mas, assim separadas, por uma fachada cheia de janelas, até uns arcos vazios, os Srs. tem então uma construção muito forte, muito consistente, mas cujo lado maciço, que facilmente poderia dar em maçudo, é temperado com a presença delicada desse corpo de edifício cheio de janelas. As janelas arejam, dão o contraste entre o forte e o delicado dentro de algo muito simétrico, muito bem arranjado. Depois, como que o mesmo contraste se desdobra. Como o leitmotiv de uma música que se abre em comentários colaterais, os Srs. têm aqui ao lado dessa torre um novo corpo de edifício, que suaviza o que essa torre tem de muito maciço. E depois, uma nova torre mais maciça ainda do que a do lado, que põe um ponto final vigoroso. Como uma música que se desdobra em harmonias caprichosas e depois termina forte, dá um ponto vigoroso terminal. E como isto se repete aqui do lado de cá - os ângulos são torreõezinhos como escadas maravilhosas -, os Srs. tem então uma simetria perfeita. Uma metade imita a outra metade. Há uma relação muito bem feita entre o diâmetro das torres e a extensão desses corpos e a altura dos corpos. E esse ponto terminal forte indica muito bem o vigor e a força da realeza, a solidez e a confiança que a realeza tem em si mesma. Quer dizer que tudo é alígero, leve, fica contido entre duas torres vigorosas. O maravilhoso mais maravilhoso a meu ver não está nisto, mas no telhado. Os Srs. estão vendo o telhado como é cheio de pequenas construções e todas elas se dirigem para o alto, como que num concurso. A gente tem a impressão de que o prédio começa a voar e que várias partes de seu teto começam a subir para o céu, levadas por uma força oposta à lei da gravidade. E aí está outro bonito contraste do castelo. Tudo aqui nos fala de solidez na terra, aqui nos fala de leveza que vai para o céu. É um contraste harmonioso, cheio de beleza. Os Srs. vêem então mil torreõezinhos, mil chaminés, que parecem numa espécie de porfia, querendo subir ao céu.
Mas a vitória está nesta parte central, bem no meio, e que domina todo o resto do castelo, porque ela é seu elemento monárquico. A afirmação monárquica do castelo está aqui neste alto. É deste ponto que pende toda a nobreza e toda a dignidade do castelo. Algo de delicado, que quase se confunde com o céu, que está bem no centro de todas as simetrias, das leves como das pesadas, que é mais alto do que tudo e que é o ponto em torno do qual o castelo se ordena. Resultado: os Srs. olham o castelo e tem a seguinte sensação: algo que ainda é o reino do comum e do trivial separa o castelo feérico do resto da existência quotidiana. Entra-se na segunda parte do castelo, já é uma espécie de feeria. Já de longe está insinuado que isto não é a vida de todos os dias. Isto é uma [vida ?] com uma alta virtude, com um grande espírito de fé que habita dentro do reino da corte. Em ultima análise, o Céu dominando a terra, a Fé dominando a vida terrena, o espírito dominando a matéria e tudo se resolvendo numa ordem única, que aponta para o Céu. É propriamente o maravilhoso expresso no castelo de Chambord. Os Srs. vêm como o arquiteto teve o senso do maravilhoso. Depois como o fotógrafo soube fotografar admiravelmente o maravilhoso. E os Srs. tem, então, como tentativa de explicação, o gosto do maravilhoso, da civilização que criou isto, ao mesmo tempo, do povo que mantém isto na admiração, no entusiasmo, etc., etc. Os Srs. então compreendem porque este castelo passou por tantas vicissitudes e não caiu. Durante um certo período este castelo foi para uso real. Depois que a vida política francesa se centralizou em Paris, os reis vieram cada vez menos a Chambord e ele praticamente ficou sem história. De vez em quando morava alguma pessoa, a quem o rei cedia o castelo vitaliciamente para ficar durante algum tempo: um general vitorioso, algum príncipe da casa real meio aposentado, meio retirado. Mas passou a ser um castelo sem história. Ele transcorreu assim até a Revolução Francesa (1789), a transpôs e durante o reinado de Carlos X (1824-1830), havia um conjunto de empresas demolidoras que destruíam castelos velhos para [recuperar] materiais de construção. Durante a Revolução Francesa fizeram venda dos bens da coroa, de nobres, etc., e este castelo passou para o domínio particular. E o proprietário vendeu Chambord a um demolidor que ia proceder à destruição do castelo. Esses demolidores chamavam-se “La bande noire”, a banda negra. Para salvar o castelo, abriu-se uma subscrição em toda a França, e todos os franceses compraram o castelo, por um valor muito alto, para salvá-lo. E o ofertaram ao herdeiro do trono, que era uma criança e usava o titulo de Duque de Bordeaux, o qual passou então a chamar-se Conde de Chambord. Ou seja, houve o concurso de dinheiro de um povo inteiro, no século passado (XIX), para salvar esse castelo. Houve um como que plebiscito de amor do povo francês por Chambord. Isto equivale propriamente a um ato de amor ao maravilhoso, sentido não só pelos literatos, pelos artistas, pelas pessoas de alta educação, mas sentido pela massa inteira de um povo. Foi o triunfo do senso do maravilhoso sobre a sovinaria, e uma glória para os franceses daquele tempo. Ai os Srs. compreendem porque todo mundo vai à Europa... O que é que os Srs. têm aqui? Há no homem - pelo fato de ter sido criado por Deus, para Deus - uma necessidade de maravilhoso, que é uma expressão da necessidade de seu Criador. O homem procura uma ordem de ser mais alta que ele e assim procura o próprio Deus. Então os Srs. vêem os povos do mundo inteiro que vão lá, provenientes desde o Afeganistão até Estocolmo ou até a Guatemala, para ver uma coisa dessas. Os Srs. compreendem então o que eu quero para nós brasileiros e para o mundo inteiro. É esse senso do maravilhoso que nos faria apreciar melhor nossos panoramas, nossas praias - não como elemento de exibição, de nudismos asquerosos - mas da praia pela praia, pela beleza que há em nossos litorais e tanta outra coisa. E assim inspirar uma arte que visasse o maravilhoso.
É por pouco disto que os Srs. encontram o charme da Bahia. A Bahia é a Europa do Brasil. Por quê? Porque ali um pouco disso foi realizado naquele casario baiano, nas encostas daquelas montanhas, naquelas igrejas, no cantante que há na Bahia. No baiano, na Bahia, existe exatamente um apelo ao maravilhoso, que é mais parcimonioso em outros lugares do Brasil. E é tão e tão seco no hirto e dinâmico estado de São Paulo, feito de cimento, pesadão e movimentado ao mesmo tempo. Aqui está um primeiro ensaio, não para incutir nos Srs. o gosto do maravilhoso, porque sei que ninguém ficaria no Grupo sem ter tido em algum recanto da alma um desejo, um amor ao maravilhoso. Mas é para que com exemplificações dessas o nosso Movimento faça essa espécie de apostolado do maravilhoso, que é uma das coisas mais sensíveis, por onde mais atrai a opinião publica. (*)
Eu me estendo um pouco, mas é só um minuto a mais. "Y" e eu recebemos há alguns meses atrás a visita de um húngaro chamado "Z". E desenvolvi um pouco na conversa com "Z" essa idéia da falta do maravilhoso que há [hoje em dia]. Ele saiu impressionado, dizendo: “Como é que pode haver um homem que acredita no maravilhoso?” Ele expressava isto elogiosamente, eu não sei se ele não achava isto meio infantil. É o único jeito de nós, em grande estilo, arrastarmos gente moderna e procurarmos preparar as almas é exatamente desfraldando o estandarte do maravilhoso. E é por isso que os nossos estandartes impressionam. Os nossos estandartes dizem algo que os nossos livros não dizem, que nosso fraseado não diz. Não é tema comum de propaganda nosso, mas eles dizem algo que - se todos nós somos comparáveis a este castelo [debaixo de certo ponto de vista] - eu desejo que o nosso cerimonial diga, desejo que a cerimônia e a cortesia existente entre nós diga, desejo que as nossas sedes digam, [que] é uma coisa que está no conjunto das nossas coisas como esta ponta está no conjunto de Chambord. Quer dizer, é a proclamação da maravilha.
A gente solta na rua um estandarte rubro, mas de um rubro éclatant, de um rubro maravilhoso; com um leão dourado, mas de um ouro primaveril e um leão como quem defende a causa da maravilha e do maravilhoso contra a trivialidade de nossos dias - e fica assim dito que os nossos livros são isto em relação à nossa alma e nossa família de almas que é isto; em relação ao nosso desejo de maravilhoso, de sobrenatural, de imponderável, que é isto dentro do conjunto de nossa alma. Aí os Srs. teriam uma teorização do castelo de Chambord, uma apresentação, uma teoria de nosso apostolado, que é exatamente o apostolado do maravilhoso em alguns dos seus aspectos. (**) Esta sede (***) tem muito de [brasileiro]. Por exemplo, o empenho que eu tive em ter aqui essa mesa, mobiliário [de estilo] brasileiro da sala da lareira, o crucifixo de Dr. Paulo que é uma obra prima de arte nacional (ver foto ao lado), foi um empenho enorme; o altar, as estalas da capela, etc., etc. Mas nós queremos ter muito [disto], para as lufadas do maravilhoso entrarem a largos haustos. O maravilhoso batizado. Isto não é para sultões nem para odaliscas, nem é para um gozo material da vida, mas é um gozo da vida em que o espírito entra mais do que a matéria. É um gozo cristão da vida. Na aurora de um movimento deplorável da Renascença, os Srs. ainda tem reminiscências da Idade Média (em Chambord) que são essas torres e esta linha aqui, que se reduz em última analise a uma ogiva. Este seria, portanto, o objetivo dessas nossas exposições. Vamos ver se conseguimos outro material para ir alimentando cada mês ou cada dois meses, conforme for possível arranjar, esse nosso gosto do maravilhoso. Se algum dos Srs. tiver alguma pergunta a me fazer a esse respeito, pode fazer que em outro “Santo do Dia”, se Deus quiser, eu respondo.
(*) Aqui o Prof. Plinio se refere aos membros da TFP. Tendo esta se originado, mais recentemente, do “Grupo do Catolicismo”, isto é dos redatores e de todos aqueles que militavam em torno à Revista “Catolicismo”, generalizou-se, na linguagem interna da TFP, referir-se a si mesma como o “Grupo”. (**) Sobre a teoria do "maravilhoso" sugerimos a nossos visitantes a leitura do livro A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do UniversO mais especialmente a segunda parte, A contemplação sacral do universo. (***) O Prof. Plinio se refere à então Sede do Conselho Nacional da TFP situada na Rua Pará, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Posteriormente essa sede foi substituída pela Sede da Rua Maranhão, atual sede do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira. Nossos leitores poderão fazer uma visita virtual a tal sede (como estava decorada até meados de 2004) clicando aqui. Para outros aspectos da referida sede ver aqui ou ainda aqui.
Visita do Prof. Plinio ao Castelo de Chambord em 14
de outubro de 1988
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