Plinio Corrêa de Oliveira
Conferência promovida pelos Diretórios Acadêmicos de Medicina, Engenharia, Odontologia e Farmácia da Universidade de Minas Gerais
Auditório da Escola de Medicina de Belo Horizonte, 30 de outubro de 1961 |
|
Despertou assinalado entusiasmo a precisão de pensamento e a agilidade de espírito com que o Prof. Plinio respondeu às perguntas de inspiração comunista e/ou socialista, para as quais dera preferência entre as numerosas que lhe foram formuladas. Com efeito, os mineiros (proverbialmente reservados), tanto nesta Conferência como na do dia anterior, aplaudiram de pé o ilustre convidado (cfr. “Catolicismo”, N.° 132, dezembro de 1961) * * * Exmo. Sr. Dr. Paulo Salvo, Secretário da Agricultura e representante do senhor Governador do Estado, Exmo. Sr. Herbert Francisco Hudson, presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, Exmo. Sr. Josaphat Macedo, Presidente da FAREM, Sr. Prof. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, Sr. Milton Alvares Cordeiro, presidente da U.E.E. (União Estadual dos Estudantes), Senhor presidente, meus prezados amigos. É com muita satisfação que agradeço a oportunidade que me dão de dirigir a palavra, nessa sessão honrada pelo aparecimento de tantas personalidades representativas da vida cultural, política e religiosa de Belo Horizonte. Satisfação que é realçada pelo fato de que, no momento de extraordinária gravidade para o País, o tema que constituirá o objeto da palestra de hoje está sendo debatido, quase nos mesmos dias, por vários conferencistas em sentido oposto. Há nisso uma garantia do interesse que a opinião pública de Belo Horizonte toma pelo assunto, e que como sempre sói acontecer, que um dos fatores mais dinâmicos, um dos fatores mais vivos da opinião pública é precisamente a classe acadêmica, parece-me de verdadeira importância que nesse momento, me seja dado dirigir algumas palavras sobre esse magno problema da reforma agrária, a uma importante parcela de acadêmicos de Belo Horizonte. Ontem à noite, na conferência que proferi na U.E.E., eu tive ocasião de desenvolver um esquema, que não faço senão lembrar, para que se possa ter uma visão de conjunto da problemática como eu a considero. Na reunião de ontem à noite eu tive oportunidade de mostrar que, segundo a encíclica Mater et Magistra, podem se considerar dois tipos de reforma agrária: uma reforma agrária boa, que é precisamente para a qual a encíclica Mater et Magistra dá os lineamentos com uma extensão e uma precisão admirável, mas ao lado disso uma reforma agrária socialista e anti-cristã, que a encíclica Mater et Magistra repudia. Dando primeiro os lineamentos da reforma agrária boa, da reforma agrária cristã e caracterizando em seguida os lineamentos da reforma agrária anti-cristã, eu tive a oportunidade de mostrar que a grande característica da reforma agrária anti-cristã e socialista é seu ataque ao direito de propriedade. E tive ocasião de insistir no fato de que o direito de propriedade é um princípio inerente à moral cristã, defendido pelos Papas em todos os séculos, defendido pelo Papa João XXIII em nossos dias com particular vigor, diante da imensa onda do Leviatã comunista que se ergue no panorama político de nossos dias. E eu tive ocasião depois de mostrar como a ilusão de um socialismo católico, a ilusão de que possa haver uma conciliação entre o socialismo que nega de modo direto ou indireto a propriedade privada e a religião católica, a doutrina católica, a sociologia católica, essa ilusão se dissipa ao lermos com atenção os textos pontifícios, insofismáveis que há a respeito, especialmente do Papa Pio XI na encíclica Quadragésimo Anno, corroborada em seguida pela encíclica Mater et Magistra, que repete e reafirma expressamente a condenação do socialismo, feita pelo Papa Pio XI. Nessas condições, depois de fundamentar o direito de propriedade de acordo com a doutrina católica e mostrar a extensão e também as limitações, eu tive a oportunidade de concluir fazendo um apelo para que os meus ouvintes lutassem denodadamente em favor de uma reforma agrária cristã, mas contra a deturpação das instituições fundamentais da civilização brasileira, no sentido anti-cristão. Foi para mim uma satisfação muito viva, quando ao descer aquelas rampas do edifício tão novo e tão rico da Escola Politécnica, eu me encontrei abaixo com uma comissão de agricultores da FAREM, que me esperavam. E me esperava para dizer que a opinião desse órgão coincidia exatamente com os propósitos enunciados na minha conferência, pedindo-me um dos elementos da FAREM que ali se encontrava, que aproveitasse a oportunidade de hoje – e eu o faço na preliminar dessa conferência com muita satisfação – para esclarecer que a FAREM não se opõe de nenhum modo a uma reforma agrária. Deseja apenas que ela não seja atentatória do direito de propriedade, para a salvaguarda dos legítimos direitos dos proprietários, mas sobretudo para a defesa dos postulados da civilização cristã e para a defesa dos interesses mais fundamentais do Brasil. E no documento que foi estabelecido pela FAREM, do qual eu tenho aqui uma via, se declara inicialmente que a classe rural mineira “aceita e recomenda uma reforma agrária evolutiva, democrática e cristã”. Vejam que há uma distinção entre aceitar e recomendar. Aceitar pode-se aceitar até a morte, quando não há remédio. Mas recomendar é promover, recomendar é favorecer, recomendar é simpatizar com, recomendar é desejar e é essa atitude que está enunciada nesse documento. Além disso se afirma, e de um modo muito taxativo, que a classe rural mineira preconiza o aproveitamento imediato e racional das terras públicas. E acrescenta: “toda e qualquer desapropriação que se torne imperativa, face ao interesse social, se deve processar com estrito respeito aos princípios da Constituição Federal vigente”. Pode-se pedir menos? tem-se o direito de pedir menos do que isso? Não me parece. A isso eu devo acrescentar, fazendo aqui o enunciado dessas proposições da FAREM, que o orador que tem a honra de lhes dirigir a palavra no momento não é fazendeiro. Eu não sou fazendeiro, não fui fazendeiro, não tenho jeito para ser fazendeiro. Eu não defendo direitos próprios, não tenho nesse assunto o menor interesse privado, mas eu defendo um patrimônio que vale muito mais do que um direito. Eu defendo um patrimônio que vale incomparavelmente mais do que qualquer vantagem patrimonial. Eu defendo algo que o homem honrado deve amar como a luz dos seus olhos e como a sua própria vida. Eu defendo princípios, eu defendo os princípios da tradição e da civilização cristã. É nesse sentido que eu lhes vou dirigir a palavra nesse momento. Eu vos falarei no momento a respeito dos problemas rurais do Brasil. Mas falando dos problemas rurais, evidentemente não vou falar daqueles, daquelas providências cujo atendimento o Papa João XXIII recomenda. E das quais extensamente me ocupei ontem como sejam: o problema da evasão do campo, a questão de se dotarem de estradas, transportes e comunicações as zonas rurais, o fornecimento de água potável, as habitações convenientes, assistência sanitária, escolas elementares, assistência religiosa, assistência técnica profissional, equipamentos, etc., etc., que longamente a Mater et Magistra consigna. Mas eu pretendo tratar de outros problemas rurais, dos problemas rurais que mais particularmente caíram debaixo da alçada de minha observação, não como agricultor, não como economista, mas como homem público que tem a sensibilidade dos problemas do seu País, que conhece bem exatamente o seu País, que o observa com amor e com dedicação, e que com autoridade de brasileiro pode dizer alguma coisa a respeito do assunto. Eu devo começar por falar a respeito desses problemas rurais, acentuando um ponto que me tem impressionado imensamente no debate da questão agrária. Eu sei muito bem que nós temos no Brasil grandes técnicos a respeito dos assuntos rurais, eu não desconheço que nós temos agricultores profundamente enfronhados nos problemas do campo. Mas o que me impressiona de modo geral no debate da questão agrária – e é isso que eu quero colocar como pórtico da conferência de hoje – é o freqüente e desolador alheamento dos homens de responsabilidade, seja qual for a sua opinião, no debate da questão agrária. Poder-se-ia dizer, se alguém folheasse o material publicado a respeito do problema agrário no Brasil, até o momento, exceção feita de alguns discursos no Legislativo, que pouco chegam ao conhecimento da massa popular - e ainda assim haveria o que descontar - poder-se-ia dizer que a agricultura no Brasil é uma desconhecida. Realmente, Alexis Carrel escreveu, há um certo número de anos, aquele livro que ficou famoso: “O Homem, Esse Desconhecido”. E nesse País rural nós poderíamos dizer, a julgar por esse debate, que a agricultura é verdadeiramente uma desconhecida. E nós vemos isso sobretudo pelo vazio, nós vemos isso sobretudo pelo sentimental, pelo precipitado, pelo vago, pelo generalizado da ofensiva do reformismo agrário socialista. E melhor do que ninguém, como co-autor do livro “Reforma Agrária - Questão de Consciência”, eu tive oportunidade de sentir isso pela polêmica que o livro deu lugar. Livro publicado com uma larga difusão no Brasil, tendo dele saído, apesar do seu caráter técnico, mais de vinte mil exemplares até o momento presente, e estando com uma quarta edição no prelo para ainda sair, com uma aceitação muito grande, esse livro foi objeto de que espécie de refutação? A história da refutação ou da impugnação do livro se divide em dois períodos. Logo que o livro saiu, na imprensa – e eu tenho isso cuidadosamente colecionado – apenas apodos. Nenhum artigo grande, nenhuma refutação séria. Epítetos: “reacionários, advogados dos latifundiários, inimigos do povo”, não sei mais o que. Mas reacionários por que? E o que quer dizer reacionário? Reagir contra o quê? Não se deve reagir contra nada? Um médico que dá um reativo a um doente é um reacionário? Um homem que reage contra uma afronta é um reacionário? Um homem que defende a honra insultada de sua mãe é um reacionário porque ele reage? Reagir é um mal? Cruzar os braços é sempre um bem? Para que acusar alguém de reacionário, no sentido pejorativo, é preciso primeiro mostrar que aquilo contra que se reage é bom ou é mau. Porque contra o mal é preciso reagir e contra o bem é um mal reagir. Então não basta atirar a alguém o apodo vago de reacionário, mas é preciso provar que aquilo contra o que a reação está sendo feita é um bem, porque do contrário aquele que reage não merece crítica, mas merece aplauso. “Latifundiário”!... Que palavra!... Se não fosse a solenidade da reunião, eu diria: que “bicho papão”! Um homem que tem um latifúndio... Esse “úndio” parece que dá um tom de monstruosidade à coisa... [risos] Que terrível! Ele é um “latifuuuuundiário”. Que coisa horrorosa! O que será? Será um homem que tem uma propriedade grande; será um homem que tem uma propriedade que ele está procurando valorizar; será um homem que dispõe de terras que ele aproveita para o bem do Brasil, às vezes em gêneros de cultura que só comportam propriedades grandes. Latifundiário!... Se a propriedade é grande demais, é um mal ser latifundiário. Mas quando uma propriedade é grande demais? E é verdade que toda propriedade grande é necessariamente um mal? Onde está o debate sério da questão? Mas debate com números, debate com dados, debate com argumentos filosóficos. Nada. Uma palavra vaga jogada ao ar: “latifundiário”. E nosso povo, e todo povo, que nas épocas de crise está superexcitado e se move muito por slogans, olha espantado: “pode haver algo de mais terrível do que um advogado de latifundiários?” Então, o direito de propriedade do latifundiário não existe? Só existe o direito de propriedade do pequeno proprietário? Se só existe direito de propriedade dos pequenos e dos médios e não dos grandes; se a propriedade é algo que se pode tirar uma fatia sem mais nem menos, depois do dia em que se corta o grande, cortar-se-á o médio; e quando se tiver cortado o médio, acabar-se-á por cortar o pequeno. Porque se a coisa é cortável, então acabará sendo cortada até os pedaços. O direito de propriedade é uno; o direito de propriedade é um todo. Ferido num, ele é ferido em todos. Se eu hoje souber que um homem inocente foi condenado à morte no Brasil, eu estremeço embora nada tenha que ver com ele. Porque o direito à vida de todos os homens é um só, grandes ou pequenos, ricos ou nobres, potentados ou plebeus. E basta que eu saiba que um homem, seja ele até um latifundiário, foi condenado à morte, para que eu sinta meu direito à vida abalado. E assim se dá com o direito de propriedade. Ele é uno e o atentado feito contra ele é um atentado que atinge a todos. Nessas condições, depois desse primeiro período de apodos, em que se chegou a fazer brincadeiras pelos jornais - eu me sinto tão seguro disso que posso contar -, um dos jornais dizia que eu era um homem riquíssimo e que era especializado - os senhores estão me conhecendo agora e eu não tenho dúvidas em contar - era especializado em guardar uma suntuosa coleção de gravuras pornográficas em minha casa: um absurdo, um non sense. Depois desse período eu escrevi um artigo no “Diário de São Paulo” e convidava os adversários, os impugnadores do livro a publicarem um estudo, uma refutação metódica do trabalho. Os apodos cessaram, porque a demagogia é sensível. E ela que tanto faz careta, tem medo de cara enérgica. Ela se recolheu. Os demagogos se recolheram e um homem, que não merece o nome de demagogo, porque é um dos valores do Brasil intelectual, um homem cujo nome deve ser declinado com consideração, um grande escritor, o Sr. Gustavo Corção, saiu com três artigos contra esse livro. A esses três artigos eu respondi com três outros, que se intitulavam o seguinte: “Reforma Agrária – Questão de Consciência, o livro que o Sr. Gustavo Corção não leu”. Porque eu tive ocasião de demonstrar peremptoriamente que o livro absolutamente não tinha sido lido por ele. E que por precipitação, por essas paixões que as questões sociais causam – eu estou longe de falar da boa fé dele – ele saiu a público para atacar algo que ele não conhecia. O resultado disso foi a mais estrita e rigorosa das coisas, a mais absoluta: foi o silêncio. Mas um silêncio completo, um silêncio de pedra e de chumbo. Depois de eu haver afirmado que esse crítico não leu o livro, esse crítico ficou quieto. Algum tempo depois, um engenheiro de valor de São Paulo, o Sr. Plínio Xavier da Silveira, publicou um artigo comentando que a parte econômica do livro, feita pelo distinto economista Luís Mendonça de Freitas, infelizmente também não tinha sido refutada. O artigo ficou como ficou, e outro silêncio absoluto seguiu-se a isso. Quer dizer, aquela imensa massa de dados, aquela imensa massa de informações em que tão facilmente o economista podia se enganar, em que são sustentadas tantas teses e haveria alvo para tanto tiro, aquilo tudo está incólume porque até o momento presente, das hostes agro-reformistas nenhuma objeção se levantou. Nessas condições e passando de lado uma outra polêmica, que eu prefiro não mencionar, nessas condições me parece que tratar de alguns aspectos pouco conhecidos do problema rural, mas aspectos fundamentais sem os quais o problema rural não pode ser resolvido, tratar desses aspectos é algo de fundamental para encaminhar a opinião pública do Brasil para a consideração do problema e o encontro das suas verdadeiras soluções. Mas antes de fazê-lo, eu gostaria de repetir convosco um pequeno exercício criteriológico, que eu tive ocasião de fazer ontem na reunião da U.E.E. E que é de pedir-vos que escapeis de um modo de ver o problema rural, agrário, que é o modo simplista, segundo o qual nenhum problema se resolve. Nada é mais difícil e nada é mais delicado do que resolver um problema social; mas nada é mais fácil, nada é mais agradável do que simplificá-lo e conversar sobre ele. É um ótimo tema para prosa, mas é um duro tema para estudo. E é exatamente porque eu receio essa simplificação, tão característica da demagogia e que encontra um eco tão grato no coração do brasileiro, é porque eu receio essa simplificação que eu começo por evocar aqui, ante os vossos olhos, alguns dos argumentos que, comumente, costumam ser dados para justificar a reforma agrária, levantando uns tantos problemas do campo. O modo mais comum de argumentar consiste em criar uma espécie de atmosfera, que eu não sei como chamaria e talvez chamasse de subliminal, na qual se evoca, aos olhos da pessoa que trata do problema, um binômio falso: de um lado, o fazendeiro e de outro lado o colono. Mas o fazendeiro, suposto sempre o fazendeiro do asfalto, e não só o fazendeiro do asfalto, mas o pior tipo do fazendeiro do asfalto: um homem riquíssimo, que quase não vai à fazenda, que possui um automóvel parecido com um foguete trifásico com várias volutas sucessivas, imponente, desses que não se sabe se vão para frente ou para trás e que deslumbram os moleques na rua, que desce rapidamente acompanhado de companhias elegantes e despudoradas do seu automóvel sensação, para se enfurnar nas boites que estão próximas; que acumula milhões sobre milhões num luxo fantástico. E depois, na outra ponta, o colono. O colono, então, é o colono esquálido, o colono pobre que mora numa dessas casas de sapé, em que há buracos e tem pedaços de jornal colados para que não entre o vento, cujo filho está cheio de [feridas], é uma criança doente, que provavelmente vai morrer; que recebe um ordenado insignificante. E então se estabelece o binômio: aqui está esse que tem demais e tem um luxo assombroso e faz um uso imoral do seu luxo; e além está aquele que vive na miséria extrema. Então, remédio, justiça de Salomão: corta pela metade. Tira desse e dá para aquele. E depois está tudo resolvido, a gente vai passear. Como se os problemas sociais comportassem essa simplicidade, e como se fosse assim, com essa simplicidade, que as coisas se podem ver. Eu tive ocasião de dizer ontem e me parece uma obrigação repeti-lo hoje, que se o Brasil está na voragem dessa crise de inflação, deve-o precisamente a esse fato, a essa superficialidade no conceituar os problemas, em que entra também o nosso bom coração. Quem pode não sentir ver um lar operário que passa necessidades? A vida está cara. Resultado: aumenta o ordenado. É tão simples. Ah, é simples! Queira Deus que ficasse nisso. Mas depois sobe o custo de vida. Então, mais outro golpe de simplicidade: aumenta mais uma vez o ordenado. E aí nós temos essa espiral, ao cabo da qual nós estamos na situação que chegamos. Não quero eu mesmo simplificar, não quero dizer que a causa única da inflação seja essa, mas eu quero dizer que isso contribuiu poderosamente para a inflação. E que é esse modo simplista de resolver os problemas que nós devemos evitar. Antes de nós analisarmos qualquer problema, nós temos que nos preparar para reconhecer a complexidade do problema e para agir asceticamente diante dessa complexidade, tomando-a como ela é, sondando-a nas suas profundidade, não tendo medo de a ver na sua realidade objetiva, para só depois nós termos coragem de falar em solução e em remédio. Sei que pedindo-vos isso, peço algo que está muito de acordo com o espírito mineiro. Eu me lembro bem, o orador aqui se referiu ao tempo em que fui deputado, eu me lembro bem o primeiro contato metódico que eu tive com mineiros, como me impressionou nesse sentido. Eu era deputado jovem. Eu sou paulista, minha mãe é paulista, eu sou filho de um pernambucano. Eu trago, portanto, no meu modo de ser, aquela decisão rápida do paulista e aquele gosto pelo palavreado inerente ao pernambucano. Eu era incumbido de fazer aprovar na Constituinte as emendas católicas. E começo a procurar esses deputados, aqueles, aqueles outros, etc., e encontro também com os deputados mineiros. Primeiras conversas, ótima disposição. Mas eu falava, falava, falava, eles que eram tão agradáveis no trato, tão simpáticos, oradores tão bons, tão distintos, quando eles percebiam que se tratava de uma coisa séria, a primeira coisa eram vários diafragmas que se fechavam e uma atitude de silêncio. A gente falava, falava e a resposta vinha amável: “vamos ver”. Eu ficava desconcertado: como “vamos ver”? É ou não é! Era a prudência mineira, era a sabedoria mineira, era o senso de que as coisas não se resolvem numa conversa, que não se resolvem de uma só vez, mas que é preciso dormir sobre os assuntos por causa da complexidade inerente a esses assuntos. Era isso que entrava em jogo no momento, para fazer com que tudo fosse ponderado, tudo fosse pensado antes de ser devidamente resolvido. E é para isso que eu vos convido, meus senhores, nesse momento, começando por lembrar que essa figura de fazendeiro é contra ela, que antes de tudo, que devemos investir. Se é verdade que existe o fazendeiro do asfalto, é verdade também que existe outro tipo de fazendeiro, que é o fazendeiro da fazenda. O fazendeiro que passa a maior parte de sua vida na fazenda, passa em contato com os problemas locais da fazenda. E que, mais do que ter contato com os problemas locais da fazenda, forma como que um todo moral só com os seus colonos, que vive neles uma sociedade humana e verdadeira. E que, ao par do colono esquálido, e cuja sorte tanto nos deve compadecer e cuja situação nós devemos ter tanta e tanta pressa em corrigir e moderar, ao par dele existe também o colono próspero muitas vezes, o colono às vezes em franco progresso e franca ascensão, de tal maneira que há zonas inteiras, por exemplo, do Estado de São Paulo, ou Estado do norte do Paraná, que nos mostram grande número de fazendeiros, que não eram senão antigos colonos. Diante de uma situação econômica, diante de uma situação social imensamente complexa e que não pode se reduzir a esses quadros simples e que deveria começar por ser estudada antes de ser tratada assim com esse açodamento, nós encontramos um ponto fundamental. E é esse que nós vemos a população do campo dividida em duas categorias. Uma é a categoria dos colonos, outra é a categoria dos fazendeiros. E diante dessa desigualdade de condições sociais, exatamente o agro-reformismo socialista, brandindo um espectro, brandindo a arma de uma propaganda que procura envolver com ares cristãos, procura fazer a seguinte afirmação: não deve haver desigualdade de classes sociais; a desigualdade das classes sociais é algo de ilegítimo e deve ser combatido; nós devemos, ao contrário dessa desigualdade, ter uma igualdade absoluta, que foi aquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo pregou; e por causa disso é preciso acabar com os grandes e médios proprietários e é preciso estabelecer apenas os pequenos proprietários. Desse igualitarismo, o que acha a Igreja? A respeito desse igualitarismo, o que pensam os Papas? Os documentos pontifícios a esse respeito são dos mais taxativos. Em primeiro lugar nós temos Pio XI, na encíclica Divini Redemptoris, que tem essa afirmação: “Lembrem-se também os empregados das obrigações de caridade e justiça para com os empregadores e que fiquem certos de que, dessa maneira, melhor ainda defenderão os seus próprios interesses”. Quer dizer, a distinção entre empregados e empregadores não só é uma distinção legítima, mas há uma unidade do corpo social, da qual nós falaremos daqui a pouco, que faz com que o empregado e o empregador sejam ambos solidários na manutenção dessa desigualdade, nos termos e nos limites que daqui a pouco enunciaremos. Na encíclica mesma Graves de Communi, diz Leão XIII: “As classes superiores não são menos úteis que as classes inferiores para conservação e melhoria da sociedade.” Vede bem que não se trata, portanto, de um privilégio injusto. Não se trata de uma desigualdade odiosa, mas trata-se de uma desigualdade que, circunscrita nos termos que eu narrarei daqui a pouco, é uma condição para o bem comum. E atentar contra essa desigualdade é atentar contra o próprio bem comum. E Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum mesmo diz: “O erro capital – notem bem que a expressão “erro capital” é muito grave - na questão presente, é crer que as classes sociais são inimigas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos contra os pobres e os pobres contra os ricos, para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Essa é uma tal aberração, que é necessário colocar a verdade numa doutrina inteiramente oposta. Porque, assim como no corpo humano os membros, apesar de sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exatamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também na sociedade as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra. Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. A concórdia traz consigo a ordem e a beleza; ao contrário de um conflito perpétuo, só pode resultar confusão e luta selvagem”. Vós vedes, portanto, como apresentar a distinção de classes como algo de anti-cristão, e apresentar aquele que ocupa na sociedade, a qualquer título, uma situação eminente, como inimigo daquele que ocupa uma situação modesta, é intrinsecamente combater a doutrina católica para, professando aquele erro – que é o erro capital na matéria, diz Leão XIII - não é um erro qualquer, mas é o erro sumo, é o erro mais grave, é o erro mais direto, é o erro do igualitarismo, é o erro de querer nivelar tudo, de querer reduzir tudo a uma só categoria. E o Papa São Pio X, no seu Motu Proprio sobre a Ação Católica, acrescenta: “Disto resulta que, segundo a ordem estabelecida por Deus, deve haver - não é “pode” haver, mas “deve” haver - na sociedade príncipes e vassalos, patrões e operários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus, os quais todos unidos por um laço comum de amor, se ajudam mutuamente para alcançarem seu fim último no Céu, o seu bem estar moral e material na terra”. Notem os senhores que não são opiniões minhas, que pouco lhes interessariam e muito legitimamente, mas trata-se de outra coisa: são opiniões daqueles que governam a Igreja em nome de Deus, que são os vigários de Jesus Cristo na terra. No que consiste essa desigualdade e no que consiste essa igualdade? Os Papas – e eu tomarei a liberdade de ler mais alguns textos aqui, porque é necessário que se ouça a voz dos Papas e que nenhum orador se substitua ao Papa para dizer a palavra da verdade - os Papas ensinam brevemente o seguinte: que nos homens, como Deus os fez, nós notamos uma igualdade fundamental e uma desigualdade relativa. Todos nós homens somos rigorosamente iguais enquanto homens. E se tomarmos o mais alto, o mais nobre e o mais inteligente dos homens e se tomarmos o último e o mais vil dos homens, eles entretanto são iguais debaixo desse ponto de vista: eles são homens, são animais racionais criados à imagem e semelhança de Deus e que têm a mesma natureza humana. Mas ao mesmo tempo que há entre eles essa igualdade fundamental, que é algo de sagrado, existe também entre eles uma desigualdade profunda, que é acidental e não fundamental. Mas apesar disso é enorme, por onde nós vemos que os homens diferem enormemente uns dos outros, não só pelo temperamento, não só pela inteligência, não só pela vontade, mas por todos esses mil imponderáveis que constituem a personalidade humana. Eu falo aqui diante de um auditório repleto, de um auditório que me distingue nesse momento, com uma atenção que me impressiona. Eu vejo as reações ao que eu vou falando. Que reações temperamentais diferentes... Que reações intelectivas diferentes... Diante de caras todas compostas, afinal, de olhos, nariz, boca, testa e queixo, quantas variedades em tudo! Que diferenças de tamanho! Cada homem é um verdadeiro pequeno universo e nesse sentido todos nós somos diferentes uns dos outros. Nós somos diferentes e nós somos desiguais. E nós somos desiguais pela Providência Divina, de maneira tal que uns têm dotes supereminentes e outros estão privados desses dotes. Mas estabelecendo essa desigualdade, Deus não quis, de nenhum modo, estabelecer algo de mal. Não foi em conseqüência do pecado original que apareceu a desigualdade na terra. Esse é um erro que já foi condenado por São Tomás de Aquino, há muitos séculos atrás, na sua famosa Summa Contra Gentiles. A desigualdade é um bem. A desigualdade foi feita por Deus para que os maiores sirvam e protejam os menores e para que os menores apoiem e sirvam os maiores. E para que nesse serviço mútuo se firme o amor dos homens uns pelos outros e todos dêem glória a Deus. De tal maneira isso é verdade, que se os senhores olham para o universo, os senhores encontram que a ordem do universo é desigual. São Paulo diz muito bem stella difert a stella, todas as estrelas são diferentes umas das outras. Os senhores olham para o universo visível e os senhores o vêem dividido em categorias desiguais, em seres inanimados, em plantas, em animais, depois nos homens. E a Fé nos ensina que acima de todos os homens existe um reino angélico imenso, um número de Anjos maior - ensina Santo Tomás de Aquino do que todo o número de homens que foram, que são e que serão criados até o fim do mundo; e entre os Anjos, nessa ordem superior diáfana e perfeita, entre os próprios Anjos uma desigualdade tão grande que a desigualdade é maior do que entre os próprios homens. A teologia nos ensina que, enquanto nós todos somos iguais por natureza e por essência, a desigualdade é em nós um acidente, mas que nos Anjos não, a desigualdade é de essência. De maneira que nós chegamos à conclusão de que entre os Anjos as desigualdades são maiores do que entre os homens. E que na ordem feita por Deus, a desigualdade é uma coisa tão nobre, que quanto mais um ser sobe de categoria, maior é a desigualdade que existe nesse reino dos seres. Os senhores tomem, por exemplo, no reino mineral, a diferença que há entre um brilhante rútilo e um pedregulho do caminho; como é menor do que a diferença que vai de um leopardo para um beija-flor. Mas como essa diferença é menor do que a que vai de um homem genial para um homem sub-inteligente. E depois, como essa diferença é menor da que vai de um Anjo para outro Anjo. Essa desigualdade, portanto, desde que ela seja feita de tal maneira que aqueles que têm mais não tenham tanto que impeçam os outros de terem o que é de acordo com sua natureza, essa desigualdade é algo de sagrado, é algo de legítimo que não se trata apenas de tolerar, mas se trata de amar. E eu insisto nesse conceito. É necessário que aqueles que tenham a natureza humana, tenham tudo quanto convém para se manterem como homens. E nesse sentido, os costumes, as leis, as instituições, a Igreja devem concorrer para esse efeito. É preciso mesmo que essa igualdade fundamental seja tal que o homem não tenha apenas com que viver, mas que ele receba a honra e a distinção a que ele tem direito. Mas feita essa ressalva, meus senhores, a idéia possa agradar ou possa desagradar, ela está na doutrina católica. E eu vou ler textos pontifícios a esse respeito. A idéia é essa: a desigualdade foi estabelecida por Deus entre os homens. Ela deve ser amada e ela deve ser respeitada. Nesse sentido eu passarei a ler um texto de Leão XIII, muito concludente. Diz ele: “Se considerarmos que todos os homens são da mesma raça e da mesma natureza, e que devem todos atingir o mesmo fim último, e se olharmos os deveres e os direitos que decorrem dessa comunidade de origem e destino, não é duvidoso que todos sejam iguais”. É aquela igualdade fundamental de que lhes falei. “Mas como nem todos eles têm os mesmos recursos de inteligência e como diferem uns dos outros seja pelas faculdades do espírito, seja pelas energias físicas, como, enfim, existem entre eles mil distinções de costumes, gostos e caracteres, nada repugna tanto à razão, como pretender reduzi-los todos à mesma medida e instituir na vida civil uma igualdade rigorosa e matemática.” Notem a expressão: “Nada repugna tanto à razão”. Nada repugna tanto à razão, portanto, quanto querer suprimir a classe dos patrões, para reduzir tudo a operariado. Mais adiante o próprio Leão XIII nos diz: “Os Pontífices Romanos tiveram sempre um igual empenho em proteger e melhorar a sorte dos humildes, como proteger e elevar as condições das classes inferiores. Eles são, com efeito, os continuadores da missão de Jesus Cristo, não somente na ordem religiosa, mas na ordem social. E Jesus Cristo, se quis passar sua vida privada na obscuridade de uma habitação humilde e de ser tido por filho de um artesão, se na sua vida pública comprazia-se em viver no meio do povo fazendo-lhe bem de todas as maneiras, entretanto, quis nascer da raça real, escolhendo por mãe Maria e por pai nutrício José, ambos filhos da raça eleita de Davi. Ontem, na festa de seus esponsais, podíamos repetir com a Igreja suas belas palavras: ‘Maria se nos manifesta fulgurante, nascida de uma raça real’. Por isso, a Igreja pregando aos homens que eles são todos filhos do mesmo pai celeste, reconhece como uma condição providencial na sociedade humana a distinção das classes sociais. E nada será mais subversivo do que a igualdade das ordens e das categorias sociais”. Alguém me dirá: “está bem; mas nós temos muitos necessitados, nós temos muita gente a quem falta o essencial para a vida; e é portanto justo que se tire de uns para dar para outros”. Ainda aí, esse princípio merece uma reserva e uma ressalva. Não diria que ele é absolutamente falso, mas é preciso ponderar o que diz a esse respeito a Rerum Novarum de Leão XIII, nos termos seguintes: “Ninguém, certamente, é obrigado a aliviar o próximo privando do seu necessário e de sua família. Nem mesmo a nada suprimir do que a conveniência e a decência impõe à sua pessoa”. Conveniência e decência querem dizer o estilo de vida próprio a uma determinada categoria social. E ele acrescenta: “Mas desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres”. Os senhores estão vendo, portanto, que é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres, mas não é um dever suprimir a classe dos ricos, tirando-lhes os meios para se afirmar com o exterior e com o aparato, inerentes a uma classe social distinta. O ensinamento dos Papas vai mais longe e aborda a questão da herança. É legítimo que um filho herde de seu pai, embora ele não tenha trabalhado? Eu tenho aqui vários textos pontifícios, dos quais vou apenas ler um, porque é muito rápido e direto, mas que responde inteiramente à questão, embora depois, no período das perguntas que eventualmente haja, eu lhes possa ler os outros textos. É um trecho do mesmo Leão XXIII. Pio XII tem textos magníficos a esse respeito. “A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos. Vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento de sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação de um patrimônio que o ajude a defender-se na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas esse patrimônio poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos, que possa transmitir-lhe por via de herança? Jamais.” Quer dizer, a hereditariedade dos bens de fortuna também está de acordo com a doutrina católica. Nessas condições, o problema que à primeira vista parece mais impressionar no debate agro-reformista, que é a questão das desigualdades sociais, resolve-se assim: fazer tudo, fazer com a maior urgência, fazer com a maior generosidade para que impere a justiça e a caridade nas relações entre patrões e empregados. Mas ao fazer isso, tomar o cuidado de não caminhar para um nivelamento social, que represente a abolição de categorias sociais que existem de acordo com a ordem providencial. Uma vez que isso é assim, poderíamos considerar alguns outros problemas da vida rural brasileira, que mereceriam uma análise especial. Muito sucintamente, me parece que alguns devem ser mencionados. E ao mencionar o primeiro, eu não posso deixar de manifestar a minha admiração pelo povo mineiro, que me parece estar em inteira conformidade com o que eu vou dizer, ao contrário do que acontece em outros Estados do Brasil. É o dever de residência. Parece-me que nada é mais doloroso numa fazenda, onde o fazendeiro firma para si uma situação especial, que é representada inclusive pela sua casa, pela sua moradia, pelos seus objetos, que atraem a atenção de todos os colonos, nada me parece mais triste, mas eu devo acrescentar que nada me parece mais perigoso, do que a ausência sistemática e habitual do fazendeiro. O fazendeiro ausente, a casa vazia e abandonada, a cessação das relações de contato, de convívio, de compreensão entre patrão e empregado. O fato de que não só o fazendeiro está ausente, mas a família do fazendeiro está ausente também. E que aquelas relações humanas se reduziram inteiramente a relações econômicas, isso dá uma espécie de confrangimento. E se é verdade que muitas circunstâncias podem obrigar um fazendeiro a viver ausente de sua fazenda, é verdade também que é perigoso para ele fazê-lo. Porque, à força de não o ver, é impossível que os colonos se perguntem do que ele serve. E a partir do momento em que não compreendam do que é que ele serve, é difícil que eles não pensem em o suprimir. Eu não posso me esquecer, quando nas atividades minhas de advogado, eu fui recentemente visitar uma fazenda no Estado X. Cheguei à fazenda e encontrei o seguinte: a casa do fazendeiro era um apartamento com dois ou três quartos e banheiro, apêndice da casa do administrador. Perto, um campo de pouso pequeno. O fazendeiro morando numa cidade muito distante, indo uma vez por mês – e às vezes nem isso – à fazenda, para fazer os pagamentos, verificar as contas, conversando apenas com o administrador e com mais ninguém. Depois, indo de automóvel para o campo de pouso e levantando vôo. Diretamente, quando a gente abria as janelas, já encontrava os pés de café. Poder-se-ia dizer que o café entrava janelas a dentro. Nem um jardim, nada que significasse um pouco de comprazimento, um pouco de distensão. Uma capelinha microscópica, construída para cumprir uma promessa e a mais econômica possível, como gente ingrata cumpre promessa. Naquela fazenda faltava uma alma, faltava um coração. Aquela fazenda estava reduzida a um negócio. E ahi!, meus senhores, das coisas que se reduzem apenas a negócio. Quando as coisas se reduzem apenas a negócio e só há negócio de cá e negócio de lá, e se tira o conteúdo humano dessas relações para transformá-las em cifrão, ali se estabelece o reino da ganância. E onde se estabelece o reino da ganância, o reino é do mais forte. E em nossos dias a tendência é para que a força maior esteja em mãos da multidão. Como é diferente isso do convívio compreensivo, tão de nossa tradição, entre proprietário e colono. Convívio compreensivo, que não é apenas o fato do proprietário entender o colono e o colono entender o proprietário, mas é que o fazendeiro seja ele autenticamente um homem do campo, compreendendo o campo e gostando das coisas do campo. Ontem me dizia, com muita formosura, um dos representantes da FAREM presente à minha conferência, que ele tinha outros negócios, e que não sabia verdadeiramente porque era fazendeiro, porque sua fazenda não lhe dava muito lucro. E depois acrescentou isso, que eu achei estupendo: “Eu sou fazendeiro por amor ao campo”. Eu tive vontade de lhe apertar a mão. Porque eu não sou fazendeiro, mas é assim que eu compreendo o fazendeiro. Eu não compreendo o médico que seja médico apenas para explorar. Eu não compreendo o advogado que seja advogado apenas para ganhar. Eu não posso compreender também, pela mesma razão, um fazendeiro que seja fazendeiro apenas pelo dinheiro. Ele precisa ter a alma do fazendeiro, ele precisa compreender o campo e a terra. Porque é na compreensão do campo e da terra que ele aprenderá a compreender o colono também.
O fazendeiro verdadeiramente fazendeiro evita de espantar e estarrecer a colônia com suas modas extravagantes. O que dizer de um fazendeiro que diante de um homem simples, sensato, que trabalha de sol a sol, como é o seu trabalhador manual, que é um homem de espírito afeito às verdades gerais e sem complicação, aparece de repente um homem, como eu conheço tantos fazendeiros em algumas zonas, um homem de sessenta anos, lá sei de que idade, com uma calcinha amarela verde canário, uma camisinha azul, uns braços de fora, com ar de playboy, com ar de quem vai tocar uma guitarra, cantar de repente, em vez de trabalhar. O que é isso? E ao que fica reduzido o princípio de autoridade quando ele é servido por exterioridades dessas? Por outro lado, ele deve ser um modelo de virtude. Porque quando a virtude – e entre as virtudes eu menciono principalmente a fé – quando a virtude não preside a vida da fazenda, quando o colono não tem admiração pela moralidade de seu fazendeiro, é inútil esperar estabilidade das coisas da fazenda. Por fim, o camponês é preciso que seja formado, mas formado em todo sentido, pelo seu patrão. Quer dizer, como diz muito bem o Papa João XXIII na Mater et Magistra, é necessário que o agricultor assuma o encargo de formar a si e aos outros nos valores da civilização. E a esse respeito, eu creio que haveria algo a fazer. Nós temos uma literatura nacional e nós temos uma pintura nacional que insistem muito a respeito do tipo do jeca, a respeito do tipo do caipira, mostrando o seu pitoresco. É, por exemplo, Almeida Júnior com seus quadros excelentes, que põe a nu a finura de espírito e inteligência do caipira. É por exemplo Monteiro Lobato, com seu Jeca Tatu, que também pôs a nu, de algum modo, a finura e a esperteza do caipira. Mas nisso entrou o estado de espírito de que o nosso caboclo, para ser verdadeiramente ele mesmo precisa ser perpetuamente magro, precisa ser perpetuamente subalimentado, precisa perpetuamente viver numa choça. E isso, evidentemente, é um erro muito grave. A ação do fazendeiro deve exercer-se sobre o colono no sentido de o estimular a que tenha uma habitação agradável, a que tenha um alojamento interessante, a que tenha condições de vida humanas. Deve despertar nele essa apetência para o progresso. Porque se não houver no próprio colono a apetência para o progresso, não adianta nós pensarmos em progresso. E com isso eu passo a um outro ponto muito frisado pelo Papa João XXIII. Os problemas rurais não devem ser considerados exclusivamente como podendo ser determinados, resolvidos pela lei. A lei pode pouco nessas matérias. Mais do que a lei, o que é preciso haver são os costumes. Mais do que a lei, o que é preciso haver é o esforço individual de cada um. E João XXIII frisa muito bem esse princípio, declarando o seguinte: “Na verdade, estamos persuadidos de que, quando se trata da agricultura, os protagonistas, seja do desenvolvimento econômico, seja do progresso cultural e social, devem ser os próprios interessados, ou seja, os lavradores. Lavrador proprietário, lavrador trabalhador manual, de qualquer maneira, é preciso que parta de dentro do lavrador, pela ação de exemplo do proprietário, o desejo de uma melhora de vida, para que realmente o nível da fazenda possa levantar”. Vós me direis, naturalmente, que isso é muito difícil. E me perguntareis de que modo se chegará a isso. E a resposta que eu vou dou é a seguinte: pode ser difícil, mas é indispensável. E quando uma coisa é indispensável, ela tem que ser obtida. Nós não podemos imaginar que a massa rural é algo de inerte e que nós podemos impor progresso a essa gente mais ou menos como Pedro o Grande (da Rússia) fez. Ele decretou progresso na Rússia, mandava agarrar as pessoas na rua, cortar a barba, cortar as túnicas, obrigar a vestir uma roupa como ele queria. O resultado deu uma monstruosidade. Nós não podemos ter a ditadura do progresso, como não devemos ter nenhuma outra espécie de ditadura. E se nós quisermos um progresso verdadeiramente humano, a condição que nós devemos ter é que esse progresso seja desejado. Nada mais anti-democrático, no bom sentido da palavra, nada mais errado, do que o progresso imposto à chibata, a decreto e regulamento. É um falso progresso, é uma coisa que o homem não digere nem assimila. O verdadeiro, o único progresso é esse progresso que nasce de dentro para fora. É esse progresso que nasce da apetência de todo um povo. E os líderes sociais, que são os fazendeiros, devem assumir a si – como aliás tantas vezes já têm feito – devem assumir a si a tarefa de organizar e de promover esse progresso. De promover esse progresso e com a promoção desse progresso, fazer uma outra coisa.
É indispensável, para a solução dos problemas sociais, que as coisas não se resolvam nas capitais, que as coisas não se resolvam no papel e na lei. Os problemas sociais devem ser resolvidos pelos costumes, de acordo com os hábitos de cada região. Os direitos dos operários, dos trabalhadores manuais, como assegurá-los? A introdução de garantias para os trabalhadores manuais do campo, tão e tão desejável e urgente, como introduzi-la, como fazê-la sem levar a uma verdadeira catástrofe? Como é que se pode fazer tudo isso? É preciso que em cada região, todo mundo persuadido da necessidade dessas coisas, desejando-as intensamente, se crie um estado de espírito por onde, por toda parte, todos vão se movendo para que isso se realize. Sem que um grande povo tenha uma grande convicção e um grande ideal, nada se pode realizar. As leis são impotentes e frias. E eu seria tentado a aplicar aqui, com um pouco de abuso do texto, aquela palavra de São Paulo: “A lei mata, o espírito que vivifica”. Nós precisamente precisamos ter esse espírito de desejar esse progresso, ordenadamente, sem perturbação das categorias sociais, de maneira que todos queiram trabalhar, de maneira que todos queiram subir, de maneira que todos queiram melhorar as suas condições de vida, dentro dos cânones da doutrina católica. E se nós tivermos o progresso organizado por essa maneira, os senhores sabem bem qual é o resultado: nós seremos um dos maiores Países do mundo. Mas se nós não tivermos o progresso organizado por essa maneira, se continuarmos no regime da estampilha, do decreto e do regulamento, quanto mais as leis se estenderem, quanto mais tivermos regulamentos e decretos, mais o Brasil vai ficar parecido com aquilo que é o produto típico da lei, do decreto e do regulamento: o Lloide brasileiro e a Central do Brasil. Nós vamos nos transformando num imenso Lloide que não navegará. Assim, com esse movimento geral de todas as forças sociais para um mesmo fim comum, com esse movimento geral de todas as forças sociais para a realização dessa civilização cristã, as regiões autênticas vão se definindo, porque os campos de interesse vão se especializando e as soluções regionais aparecerão. Nada me parece mais absurdo do que falar de uma só lei agrária para o Brasil inteiro quando há, na realidade, unidíssimos, fraternamente unidíssimos, tantos e tantos brasis dentro do Brasil. Um regionalismo sadio, um ardente movimento de opinião para a melhora das condições do fazendeiro e do colono, um desejo de realizar isso dentro das sendas da civilização cristã e de acordo com o espírito de hierarquia e com respeito à propriedade privada inerente à civilização cristã. Isso é que me parece que está na raiz da verdadeira reforma agrária. Não há reforma nenhuma sem um movimento de alma, sem um impulso de coração, sem algo de humano. É esse fator humano, nos termos em que acabo de descrever, que me parece indispensável para a solução do problema agrário. E aqui, dessa Minas Gerais que tanto significa para o Brasil, porque muito mais do que estar no centro do Brasil geograficamente, ela é o centro do Brasil pelas suas qualidades de brasilidade intensa, pela sua estabilidade, pela sua seriedade, pelo seu bom senso, pela sua subtileza de espírito e, sobretudo, pelo fato de ser tão e tão ardentemente cristã, a Bretanha do Brasil, o baluarte católico do Brasil. Dessa Minas Gerais eu tenho o prazer de vos fazer a vós e a todos aqueles que depois vão ouvir essa conferência gravada, que vai ser distribuída em vários círculos do Brasil, eu tenho o prazer de fazer uma elevação de coração e de olhos para o nosso grande Brasil. Meus senhores, nós estamos numa bifurcação: de um lado, as forças da demagogia hiantes e sedutoras nos convidam para uma luta que será nossa morte. Mas, de outro lado, a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo nos convida pela voz do Papa, para uma solução efetiva, séria e urgente dos problemas do campo, mas dentro das vias da civilização cristã. Não faltará muito em que, o aproveitamento integral de nossos recursos estupendos, junto à força de alma que nos terá vindo da solução desse grande problema em termos cristãos, fazendo nascer no Brasil uma sociedade verdadeiramente agrícola, orgânica, viva e católica. Essas energias de alma, dadas a um povo que eu o posso dizer, porque nas minhas viagens eu o verifiquei com toda certeza, é dos mais inteligentes e ágeis de espírito da terra, a esse povo que tem um tão grande território, a esse povo a quem Deus deu uma tão grande inteligência, a esse povo a quem Deus deu uma felicidade maior do que essa, que é a posse sincera e quase unânime da verdadeira fé, a esse povo estará fadado o maior destino da história nos séculos a vir. E para isso Deus nos proteja e nos abençoe e nos guie Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil. [Aplausos] Eu cumpro um dever [de gratidão para com o] Secretário da Agricultura e a gentileza que teve o senhor Governador de se fazer representar e as digníssimas autoridades aqui presentes.
Pergunta: Interessa-nos saber porque V. Sria. não fala sobre a reforma agrária independente de religião. É possível? Resposta: A essa pergunta devo responder o seguinte: a reforma agrária é, à primeira vista, um assunto de caráter técnico, é um problema de produção. Mas quando se analisa um pouco melhor, a gente percebe que há uma porção de problemas de justiça que estão envolvidos na questão agrária e até questões de caridade. Quer dizer, é preciso saber até onde um homem é co-responsável pelo destino de outro. Até onde um homem tem o direito e tem o dever de ir para defender os seus próprios direitos. Ora, quando se fala em direito, em dever, em justiça, em caridade, é a moral que está envolvida, que está implicada. E quando a moral está implicada, o assunto entra para o domínio da Igreja Católica que, por instituição divina, é a única verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que Ela seja a única verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo é fato que eu creio com uma certeza maior do que qualquer outra certeza que possa haver em minha alma. De maneira que, se o mundo inteiro pensasse de outra maneira, eu, com toda convicção e com toda a tranqüilidade, ainda pensaria assim. E eu não conseguiria tratar de questões de reforma agrária em seu aspecto de justiça e de caridade, sem as tratar debaixo do ponto de vista religioso. Mas acontece que a reforma agrária é para ser feita para o Brasil e o Brasil é um povo quase unanimemente católico, para o qual, portanto, os problemas dessa natureza são vistos debaixo do ângulo da doutrina católica. E, nessas condições, uma reforma agrária que abstraísse do ponto de vista religioso poderia ser feita para qualquer outro povo, não, porém, para o povo brasileiro. O que tem como conseqüência que é do ponto de vista religioso que os aspectos morais da reforma agrária devem ser considerados. Pergunta: O senhor baseou-se na desigualdade dos Anjos para defender a desigualdade dos homens. Mas eu não acredito em Anjos. Qual argumento concreto que o senhor pode apresentar para sustentar essa afirmativa? A realidade atual brasileira? Resposta: Certamente não a realidade atual brasileira, como nenhuma realidade atual de nenhum País. Não se trata de fundar o direito à desigualdade no aspecto que um País tenha nessa época ou naquela. Trata-se de fundar na própria natureza humana que é a mesma para todos os Países. Eu mencionei os Anjos como um argumento muito válido, mas colateral. O argumento essencial que eu apresentei é esse fato evidente, até mesmo para quem não tem convicções religiosas, e que é que todos os homens são iguais enquanto homens. Quer dizer, eles têm a mesma natureza, a mesma inteligência, a vontade, sensibilidade, alma, corpo. Mas que eles são desiguais em todos os seus acidentes. E que se as relações entre os homens quiserem tomar em consideração essa ordem natural, devem considerar os homens fundamentalmente iguais e ao mesmo tempo profundamente desiguais. Qualquer outra estrutura de relações sociais seria feita para entes que não fossem humanos. Seria uma estrutura de relações sociais inumana. Pergunta: A Igreja não é infalível apenas nos assuntos religiosos? Resposta: A palavra “religiosos” não está empregada aqui com precisão. A Igreja é infalível em matéria de fé e de costumes. Quer dizer, no ensinamento da moral Ela é infalível e esses princípios sociais que eu acabo de enunciar são princípios incorporados e pertencentes à moral católica. Nessa matéria a Igreja tem autoridade para ensinar e inclusive para ensinar em grau infalível, de maneira infalível ex cathedra, se assim Ela entender. Pergunta: Por que sempre que se fala em socialismo, toma-se essa palavra como sinônimo de comunismo? Resposta: Eu não tenho visto isso e se isso fosse feito, não seria justo. E, ao mesmo tempo, seria justo. Os comunistas se intitulam socialistas. Eles se dizem socialistas marxistas. Há outras correntes que se intitulam socialistas também, mas que não professam a integridade das teses comunistas. Elas desejam uma limitação do direito de propriedade e uma ampliação da esfera do Estado, sem querer eliminar inteiramente esse direito e sem querer, ao mesmo tempo, levar o Estado a tudo. Elas estão portanto para o comunismo, mais ou menos como a gripe está para a pneumonia, ou como a cor de rosa está para o vermelho. Os senhores me dirão: o senhor confunde uma gripe com uma pneumonia? Eu digo: não. Mas eu digo que gripe mal tratada dá em pneumonia e que socialismo mal refutado conduz ao comunismo. [Aplausos] Pergunta: O direito ao uso da terra é anterior ao direito de propriedade. O que o ilustre conferencista nos diz a essas palavras? Resposta: O direito ao uso da terra é, de fato, anterior ao direito de propriedade. Quer dizer, quando Deus criou a terra e criou o homem na terra, Ele criou a terra para todos os homens. Daí se deduz o fato de que qualquer sistema de repartição da terra que seja tal que uns não tenham nada e outros tenham muito, tenham demais, é um sistema injusto e que é preciso caminhar para a reforma desse sistema, de maneira que todos ganhem o suficiente. Assim, portanto, o direito ao uso da terra autoriza não uma reforma para dar terra a todo mundo, mas uma reforma como eu tive ocasião de explicar ontem à noite – e seria um pouco longo demais desenvolver agora, porque tenho consciência de que minha conferência foi um pouco longa – autoriza o fato de que se deva intervir para que todos os homens ganhem o suficiente para se manterem dignamente, manterem a sua família, manterem num valor proporcionado ao seu trabalho e poderem ter ainda um pecúlio para formar modestas economias. É preciso, portanto, absolutamente chegar a isso. Mas isso não quer dizer divisão de terras e muito menos divisão sem justa e adequada indenização. Eu gostaria de dizer mais uma coisa. É que o Papa Leão XIII, segundo um texto que eu li ontem à noite e que se meu amável interpelante quiser conhecer, eu terei muito gosto em mostrar depois, porque tenho na minha pasta, mas não quero ter a trabalheira de tirar aqui e tomar tempo de todos os outros, o Papa Leão XIII diz esta coisa curiosa: que o homem, pelo fato de ser homem, tem o direito de ser dono não só dos frutos da terra, mas da própria terra. Quer dizer, ter um direito de propriedade não só sobre o uso da terra, mas sobre a terra. E dizer que é o animal que só usa a terra e que é o homem que apropria, querer, portanto, reduzir a propriedade do homem sobre a terra ao uso, parece democracia, é demagogia e reduz o homem à categoria de animal. Pergunta: Existe diferença entre a concepção da Igreja e a concepção socialista do capitalismo? Qual? Resposta: A diferença essencial – eu me desculpo também de dar apenas o traço essencial, para não me tornar por demais longo – a diferença essencial entre a doutrina da Igreja e do socialismo consiste na seguinte. De acordo com a doutrina da Igreja, o homem pode tornar-se dono da terra, dono do que colhe, dono do que planta, dono do lugar em que planta, dono do instrumento de produção que ele faz para plantar. E ele pode - porque ele se torna dono - pode convidar outros para trabalharem no lugar. E do produto do trabalho do operário, [ele pode] tirar uma parte que corresponde à terra, quer dizer ao capital. Pelo contrário, pela doutrina socialista, o direito de propriedade não sendo legítimo, é preciso que o operário ganhe todo o produto daquilo que ele trabalha. As correntes mitigadas do socialismo atenuam isso de um modo ou de outro, mas a essência da coisa é essa. Os senhores estão vendo que a diferença é um problema de moral. Se o direito de propriedade é legítimo ou não. Pergunta: Muitos atribuem os males do Brasil à estrutura tida como capitalista em que vivemos. Seria realmente um mal de estrutura o mal do Brasil? Há realmente necessidade imperiosa de reformar as estruturas sociais e econômicas, inclusive a estrutura agrária? Resposta: Respondo por partes. “Muitos atribuem os males do Brasil à estrutura tida como capitalista em que vivemos”. O senhor Luiz Mendonça de Freitas, na segunda parte do livro “Reforma Agrária – Questão de Consciência”, mostra exatamente que a agricultura brasileira vive em condições imensamente sacrificadas, que ela carrega o peso da industrialização, que ela carrega o peso pesadíssimo da burocracia e, muitas vezes, da burocracia supérflua. E que enquanto as outras atividades do País são altamente protegidas, a agricultura não só não tem proteção, ou uma proteção magérrima, mas ela sofre medidas que têm quase o caráter de uma repressão. Nessas condições, como provar que nossa deficiência de produção [tenha como causa isso]? Além disso, é verdade que temos deficiência de produção? Pelo contrário, não se pode provar que a produção agrícola é proporcional às necessidades do País e que há apenas a ação de atravessadores que tornam os produtos realmente caros e apodrecendo nos lugares de origem? O Sr. Luís Mendonça de Freitas afirma muito documentadamente que sim. Por outro lado, há um outro problema: nossa estrutura é boa? Qual é a solução para o problema? é dividir terras já usadas? ou usar duas terças partes incultas do território nacional? Nós costumamos raciocinar a respeito do problema como se não tivéssemos terras devolutas. É um verdadeiro absurdo. Eu soube exatamente com satisfação, que o governador Magalhães Pinto está estudando uma reforma agrária em que a primeira idéia é de aproveitar as terras devolutas do Estado, o que é uma necessidade evidente. Quando eu estive recentemente em Brasília, na Câmara dos Deputados, eu soube que um deputado tinha sintetizado o problema da reforma agrária de um modo muito pitoresco, que eu tive ocasião de referir ontem. O problema do Brasil não é de “joão sem terra, mas é de terra sem joão”. Não é preciso dar terra para o joão, mas é preciso dar joão para as terras. E realmente para mim é esse o elemento capital do problema agrário. Se a estrutura não é boa, por que ficar aqui? Por que não emigrar? Em todas as épocas da história o povoamento do mundo deu-se assim. Há um lugar que é habitado, as terras começam a tornar-se insuficientes, então vão para outro lugar. Do contrário, o mundo não teria sido habitado. Inclusive os portugueses não teriam vindo cá. Porque se Portugal tivesse todas as terras que havia no Brasil, eles não teriam atravessado o oceano. Eles teriam feito o que fizeram os nossos antepassados: teriam feito as bandeiras. E se os paulistas, de alguns séculos atrás, tivessem mentalidade agro-reformista, eles não teriam povoado Minas Gerais. Eles teriam ficado em São Paulo, se matando e discutindo questões sociais. E Minas Gerais não existiria. Agora, por que esse processo não se desenvolve? Por que não ocupamos essas terras, em vez de nos matarmos a nós? Quer dizer, eu acho verdadeiramente absurdo, me permitam a trivialidade do termo, mas eu acho estapafúrdio que, havendo um latifundiário que é dono de dois terços das terras, que é o Estado, o Estado queira dividir terras dos outros para resolver o problema agrário. Enquanto eu viver, eu não hei de compreender isso. Se Deus quiser, pois no dia em que eu tiver compreendido, é sinal que eu estou louco.
Pergunta: Crê o senhor ser possível infundir no colono o desejo pelo progresso, como afirmou? Quando esse mesmo colono ganha, em muitas regiões do País, menos de cem mil réis por dia? É possível progredir com tal ordenado? Resposta: Eu me lembro de uma conversa que D. Sigaud, um dos autores e tão ilustre do livro “Reforma Agrária - Questão de Consciência”, teve há pouco tempo com um norueguês. D. Sigaud ainda era Bispo de Jacarezinho, no norte do Paraná. Esse norueguês se referia aos problemas do norte do Paraná, sobre o surto magnífico que tem, etc., a Noruega muito parada. E ele dava uma explicação, ele dizia: aqui existe exatamente o contrário da Noruega. Na Noruega os salários são tão altos que ninguém quer progredir; aqui, apertados pela vida, os senhores que não têm salários tão altos, se esforçam de todos os jeitos para progredir. Os senhores estão vendo que é a visão oposta da questão: é o salário muito grande tendendo à indolência. A verdade é que o salário não é o elemento fundamental do problema. O problema é o problema moral. Quando o homem não tem o hábito do trabalho, ou perde o hábito do trabalho, se ele é rico, ele não trabalha porque é rico; e se ele é pobre, ele não trabalha e diz que não trabalha porque ele é pobre. Eu me lembro de uma canção popular, que eu não sei se os senhores ouviram aqui em Minas, cujas primeiras estrofes são assim: “ó vida malvada, não adianta fazer nada, para que trabalhar...” etc., é isto. É a canção da indolência pobre, como na Noruega é o sono narcotizado da indolência rica. Não é o salário que resolve o problema humano, é o homem que resolve o problema do salário. [Aplausos]
Pergunta: O senhor defende o sistema das castas existente verbi gratia na Índia? Outra pergunta muito relacionada: quando diz que a desigualdade dos homens é acidental, isso quer dizer que ela é secundária? Resposta: Houve uma vez um egiptólogo famoso, diretor do museu de egiptologia do Cairo, que encontrou um arquivo, um arquivo um pouco incômodo e pouco portátil, como eram os do tempo – porque os arquivos das relações exteriores do Egito eles faziam em ladrilho – os senhores podem imaginar o que era uma correspondência. Então, havia nesse arquivo um ladrilho que era uma lousa, que era uma carta de um agente comercial do Egito na Assíria dirigida ao faraó. E a carta começava assim: “Fulano de tal, teu escravo, e indigno de beijar os teus pés, e indigno de beijar as patas do teu cavalo, beija o pó em que essas patas pousaram”. E depois vinha a carta. Esse era o sistema de todos os povos pagãos, que acabavam de dizer que seus reis tinham origem divina e que adoravam os reis como semideuses. Os senhores tiveram ainda em nossa época a cerimônia do imperador do Japão, comparecendo diante do povo do Japão para afirmar essa coisa terrivelmente velha para nós, e parece que nova para ele, que ele não descendia de Deus nenhum. Os senhores estão vendo, portanto, qual é a idéia da divinização do poder. Veio Nosso Senhor Jesus Cristo e afirmou o contrário: nenhum homem tem nada de divino. Todos os homens são iguais pela sua natureza. Eles apenas são desiguais em seus acidentes. E, portanto, tanto é homem o rei, quanto é homem o plebeu. E por isso os historiadores nos contam que o mais representativo dos reis do Ocidente, aquele que mais encarnou a idéia da realeza no seu esplendor e na sua majestade, o rei Luís XIV, que se chamava a si próprio o Rei Sol, o rei Luís XIV, quando passava pelas galerias do castelo de Versailles, quando ele encontrava uma senhora, ele tirava o chapéu para cumprimentar, fosse ela qual fosse, ainda quando fosse sua lavadeira. Desse rei que tira o chapéu para a lavadeira, sem deixar de ser rei – porque se alguém no mundo não foi demagogo era ele – para o pobre do escravo que diz que não é digno de pousar os lábios na pata do cavalo do faraó, há uma imensa transformação e essa imensa transformação foi exatamente o Evangelho que introduziu. Essa transformação que fez com que no regime da civilização cristã, por mais distantes que os homens fossem e por mais que essa distância devesse marcar, era uma distância sempre feita de homem a homem e nunca uma distância feita de homem a escravo, nem de homem a bicho. E por isso uma das glórias da civilização cristã foi de ter acabado com a escravatura. Por isso mesmo, os senhores encontram no mundo pagão antigo uma diferença muito grande com o mundo de hoje e mesmo com o mundo medieval, no que diz respeito às classes. No mundo pagão antigo, por exemplo, na Índia, quem nascia de uma classe nunca podia passar para a classe superior. Na Idade Média era a coisa mais freqüente a pessoa mudar de classe social. Quer um plebeu que prestava grandes serviços à pátria, por exemplo, no campo de batalha e que era promovido a nobre; quer o nobre que era degradado a plebeu por causa de crimes que praticava. Ou por causa de uma tal decadência que acabava, ao cabo de algumas gerações, nem mais conseguindo viver como nobre. Quer dizer, se o regime de castas é um regime estagnado em que a água apodrece porque nunca se muda e o regime demagógico é de uma torrente que nunca pára, o regime cristão é intermediário. É como de uma piscina que parece parada, mas cujas águas são sempre frescas, porque há sempre um sair de água usada e há sempre um entrar de água nova. Não sei se respondi bem a pergunta feita. Há uma pergunta a respeito de socialismo católico que é a seguinte, diz o professor Arnaldo Xavier da Silveira que ela resume todas as outras. Pergunta: Não é aceitável um socialismo cristão visando a eliminação dos monopólios? Em caso negativo, o que é possível adotar? Resposta: Eu acho que é melhor responder pelos lábios do Papa Pio XI, cujo ensinamento foi repetido e confirmado por João XXIII na encíclica Mater et Magistra. Eu sei que a leitura de textos é enfadonha, mas eu quero que os senhores saiam daqui com a sensação de que não afirmei apenas, mas que eu documentei. De maneira que eu leio. Pio XI começa dizendo o seguinte. Houve tempo em que os socialistas eram a mesma coisa que os comunistas, depois evoluíram. Ele explica que essa evolução levou os socialistas a terem várias reivindicações em comum com os católicos. E ele pergunta, se uma vez que há isso, se pode haver um socialismo católico. E ele responde nesses termos: “Por esse caminho podem os princípios desse socialismo mitigado vir, pouco a pouco, a coincidir com os votos e reclamações dos que procuram reformar a sociedade segundo os princípios cristãos. Esses com razão pretendem que certo gênero de bens sejam reservados ao Estado, quando o poderio que trazem consigo é tal que, sem perigo do mesmo Estado, não pode deixar-se em mãos de particulares”. Agora vem a resposta específica à pergunta. “Tão justos desejos e reivindicações em nada se opõem à verdade cristã e muito menos são exclusivos do socialismo”. Como o senhor fala ali, a luta contra determinados monopólios. Vem o Papa: “Por isso, quem só por eles luta não tem razão de se declarar socialista”. A resposta é luminosa. Se a luta contra certos monopólios não é própria só do socialismo, por que vou dizer que lutando contra os monopólios sou socialista? Não há razão. Isso não é típico deles, não é privativo deles. Por que? Ele continua: “E se o socialismo estiver tão moderado que no tocante à luta de classes e à propriedade particular, que já não mereça nisso a mínima censura, terá renunciado por isso à sua natureza essencialmente anti-cristã? Eis uma dúvida que a muitos traz suspensa”, inclusive ao meu amável consulente. E o Papa responde, com sua autoridade, o seguinte: “O socialismo – ouça bem meu amável consulente – quer se considere como doutrina, quer como fato histórico, ou como ação, se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã”. Como pode, então, ser socialista cristão? Quer dizer, eu sou cristão anti-cristão, sou um preto-branco, sou um ser não-ser, eu sou um monstro. E se esse erro, que é o socialismo - como todos os demais - encerra algo de verdade, o que os Sumos Pontífices nunca negaram, funda-se o socialismo, contudo, numa concepção da sociedade humana diametralmente oposta à verdadeira doutrina católica. Diametralmente oposta. “Socialismo religioso, socialismo católico – eu continuo a ler a encíclica – são termos con-tra-di-tó-rios. Ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”. [Aplausos] Pergunta: Se a propriedade é um roubo, com que direito o homem possui a terra em detrimento dos demais? Resposta: Eu respondo: como a propriedade não é um roubo, ele possui. Quem disse que a propriedade é um roubo? Foi Proudhon. Onde está a prova? De acordo com a doutrina católica, prova nenhuma. É claro que, admitido que a propriedade é um roubo, não se pode ter roubo, não é? Mas então eu digo também o seguinte: se dois mais dois fossem igual a quatro e meio, o que o senhor diz do cinco? É igual a dez mil. Pronto. Pergunta: Se a revolução social está em marcha e, consequentemente, o capitalismo e a burguesia em decomposição, não desaparecerão? Resposta: É claro. Se está em marcha e nós não reagirmos, sim. Se está em marcha e nós reagirmos, não. Vamos reagir e está acabado. [Aplausos]
Uma pergunta deliciosa: Por que só agora a Igreja despertou para a questão social efetiva? Resposta: A “questão social efetiva”… Qual é a questão social inefetiva? E depois, com que direito se vem dizer que a Igreja só agora despertou para a questão social efetiva? Meu caro amigo, o senhor nunca passou em frente de um convento de vicentinas? O senhor nunca passou diante de qualquer hospital onde freiras cuidam dos pobres? O que está sendo feito ali? É não cuidar da questão social? Está sendo posto arsênico naquelas feridas? Está sendo posto veneno naquelas bocas? Ou, ao contrário, está sendo feito todo o possível em favor do pobre? Eu desafio um só demagogo que possa apresentar diante de Deus e dos homens maiores provas de serviço a favor dos pobres do que a mais humilde das religiosas. [Aplausos] Pergunta: É possível falar de reforma agrária à beira de uma guerra atômica? Resposta: Enquanto a bomba atômica não explodir, é... [Risos] Pergunta: Qual a origem do capital, em sua opinião? Qual sua opinião sobre a plus valia? Resposta: A origem do capital é a origem da propriedade privada. O que vem a ser o capital? Há duas formas de propriedade privada. A propriedade privada que eu uso para meu próprio uso e a propriedade privada que eu uso para dela tirar uma renda, ou para transformar em elemento de trabalho e de produção para mim. Por exemplo, minha casa é uma propriedade privada que não é fruto de vantagem econômica para mim. A terra ou o dinheiro que eu emprego em ações, é fruto de vantagem econômica para mim, além do trabalho que eu ponho, e pelo simples fato de eu ser dono daquilo. E aquilo seria chamado capital. Eu começo a negar a autenticidade dessa distinção. Porque se eu tenho uma casa e não sou obrigado a pagar aluguel, ou eu tenho uma casa que alugo para outro e sou locatário de outra, qual a diferença de situação? Absolutamente nenhuma. Quer dizer, não é consistente isso. Eu ser dono de uma casa não é capital, eu ser dono de um lugar que eu exploro, aquilo é capital. Isso é inconsistente. Eu ser dono de uma casa não é uma vantagem que se traduz numa economia para mim? Não é a mesma coisa que o lucro de um aluguel? Quer dizer, eu nem vejo bem a consistência dessa distinção. Mas vamos utilizá-la para argumentar. Se é verdade que a natureza humana confere ao homem o direito de ser dono, o homem quando trabalha, quando ele tem uma terra, ele pode obter um lucro que não é só de seu trabalho, mas é da propriedade da terra. Mas, pelo contrário, se ele trabalha, se ele não é dono, então essa atitude dele é uma atitude extorsiva. Ele é dono ou não é? Eu não posso entrar aqui na exposição que fiz pormenorizadamente ontem na UEE. Mas eu poderia dizer, em duas palavras, que Leão XIII prova que está na natureza do homem, por ser ser inteligente e livre, prover ao seu próprio destino com seu trabalho e que, portanto, o direito de propriedade que tem sobre seu trabalho é o direito que ele tem sobre sua própria pessoa. E que querer negar o direito de propriedade ao salário, ou o direito de propriedade às economias que são o capital e que Leão XIII chama muito bem de “salário condensado”, querer negar isso é querer negar a propriedade do homem sobre si mesmo, bem tipicamente a posição de quem nega todos os direitos individuais para afirmar uma ditadura que se esconde atrás da Cortina de Ferro. Pergunta: O que o Sr. nos diz a respeito da distribuição de terras no Estado, proposta pelo secretário Paulo.... [não está claro o sobrenome] ? Resposta: Eu digo o que eu acabo de dizer. Eu creio que se trata de alguém que estava no fundo da sala e talvez não me tenha ouvido. Eu disse exatamente que a divisão das terras pertencentes ao Estado me parece algo de excelente, porque favorece a pequena propriedade, sem atacar o direito de propriedade. E porque cumpre a obrigação que está no Gênesis: “Povoai a terra”. Ninguém tem o direito de ser dono de terras enormes no Estado brasileiro e não as franquear ao povoamento. Pergunta: O projeto de reforma agrária do governador de Minas é, de fato, uma reforma agrária ou apenas uma revisão fiscal? Resposta: Depende de saber o que é uma reforma agrária. Se a reforma agrária... aliás, eu passo a palavra ao Secretário aqui ao lado... Não, V. Excia. é que é o autor da lei, pode exprimir-se melhor do que eu. O Secretário: Em primeiro lugar, eu agradeço a oportunidade que o Professor me concede. Amanhã eu irei falar sobre a reforma agrária. De maneira que hoje vou falar muito pouco, senão acaba o meu assunto para amanhã. O que eu posso dizer em matéria... [Pede o bilhete onde está a pergunta e relê] A revisão fiscal é um aspecto importante da reforma agrária, mas a reforma agrária que o eminente governador Magalhães Pinto pretende realizar e irá realizar em Minas Gerais, inclui os mais variados aspectos, tendo por ponto principal o homem e, em segundo lugar, a parte propriamente econômica da questão. Envolverá não somente uma remodelação completa na estrutura agrária do Estado, mas também incluirá aspectos de fundo humano interessantíssimos, como por exemplo, esse da localização em Jaíba de quatro mil famílias, que ali serão assistidas sob todos os aspectos de ensino, de saúde, técnica, agronômica, enfim, em todos aqueles aspectos que não podem faltar numa reforma agrária realmente correta, realmente eficiente. O programa que irá ser realizado em Jaíba é um programa que eu classifico emocional, em relação à vida de Minas Gerais. E é um programa, como eu falei, da maior amplitude, um programa que será dado a conhecer em seus detalhes dentro de dez dias, porque a programação para Jaíba constará de mais de duzentas páginas datilografadas – numa exposição de apenas vinte páginas mas os demais adendos técnicos serão consubstanciados em quase duzentas páginas. Não é uma aventura, não é um financiamento de fracassos, mas sim uma tentativa honesta de se financiar resultado e de se financiar vitórias, para o homem e para a economia do Estado. Por ocasião de ter ouvido a palavra do Sr. Secretário da Agricultura, eu interrompo a seqüência normal da exposição, para responder à pergunta de um médico, que manda me afirmar que tem um chamado médico e que precisa sair logo. Eu acho que a precaução dele é muito boa de se fazer ouvir já, porque os senhores calculem que o professor Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira computou em 50 as perguntas que ainda estão para ser respondidas. Se eu consagrar 3 minutos a cada pergunta, nós teremos, portanto, duas horas e meia... Eu estou disposto, duvido da disposição... Pergunta: Não acha o senhor que o problema se agrava quando há a associação agrária-industrial, ou melhor, quando há agricultura-indústria? Resposta: A conjugação da indústria com a agricultura é algo de muito vantajoso debaixo de vários pontos de vista. Descongestiona os grandes centros, dá para o operário industrial um habitat mais humano, como é o próprio campo; estabelece condições mais fáceis para o transporte da mercadoria, porque a usina ou a fábrica se estabelece no lugar onde existe a produção da matéria prima. Mas, naturalmente, conjugando, multiplica os problemas, porque aparece ao lado do problema industrial o problema rural. Mas se isso é verdade, também de outro lado os dois problemas de tal maneira diminuem de gravidade, que realmente me parece muito bem inspirado João XXIII, quando preconiza para muitos casos essa conjugação. À vista do grande número de perguntas que existem e me parecendo realmente impossível responder a todas as cinqüenta, porque é uma pletora, eu dou preferência àquelas que parecem provir de um quadrante ideológico inteiramente diferente do meu, porque assim tenho oportunidade de dar um esclarecimento que talvez outra circunstância não apresente. Portanto, vou resolver essas perguntas. Pergunta: No princípio a Igreja não era uma sociedade comum? Não repartiam os cristãos tudo o que eu possuíam entre si? Não havia, portanto, socialismo? Resposta: Realmente, no começo, nos primórdios da Igreja, quando a Igreja era um grupo muito pequeno ainda, os seus membros viviam entre si como uma ordem religiosa. E, portanto, praticando entre si a comunidade de bens que nas ordens religiosas se praticava. Mas isso não era um ideal para a humanidade inteira. Era um ideal para um grupo de fervorosos que queriam viver como vivem os frades. Eram os precursores dos frades. Mas à medida que a Igreja foi crescendo tanto, que foi se identificando com o gênero humano, foi se transformando em toda a sociedade, o regime de propriedade privada nasceu naturalmente, porque ele está na ordem natural das coisas para o gênero humano, para os Países e não para pequenos grupos de fervorosos. Assim mesmo, a comunidade de bens nunca foi obrigatória, mesmo entre os primeiros cristãos. Eles a praticavam na sua maioria, não porém na sua totalidade. E os senhores têm um exemplo nítido disso no fato de Ananias e Safira. Eles ocultaram os bens que tinham e fingiam que deram tudo. A resposta que lhes foi dada é: a mentira era um grande pecado e que, além disso, não precisavam ter ocultado porque não eram obrigados a dar. Os senhores estão vendo bem que não havia obrigatoriedade. E é esta a resposta que se deve dar.
[Dirigindo-se ao Dr. Arnaldo Xavier da Silveira: Eu preferia perguntas de elementos presumivelmente não católicos. Vamos dizer a palavra, sem explodir demais, de origem comunista ou para-comunista, aos quais eu me dirijo cordialmente. Eu lhes dou uma preferência que é uma preferência no desejo cristão de lhes comunicar essa verdade inefável, que eu tenho a certeza que todo católico possui. Bem..., então, próximas, cheirando a... Pergunta: Dr. Plínio, sendo que o direito de propriedade privada abrange propriedades de qualquer tamanho, seria então direito um só dono para todas as terras de um País? Resposta: Não, de nenhum modo. A pergunta é muito matemática. Os franceses dizem que para resolver os problemas é preciso ter os dois espíritos de que falava Pascal: espírito geométrico e esprit de finesse. A pergunta é muito geométrica, mas lhe falta finesse. Pela razão seguinte: a grande propriedade tem como limite o ponto em que ela começa a ser prejudicial para o bem comum. Ora, quando ninguém é proprietário, há nisso um grave prejuízo para o bem comum, que é o próprio prejuízo do regime comunista, que é a impossibilidade das pessoas progredirem na vida, de alcançarem situações e de serem donos de coisas. De maneira que esse regime se identificaria com o comunismo. Quer dizer, o regime desse tipo de propriedade seria a morte do regime de propriedade. Pergunta: Dr. Plínio, não acha que a terra tem uma finalidade especial que deve ser cumprida? Resposta: Perfeitamente. A terra tem uma finalidade social que deve ser cumprida. E qual é? É de dar alimento para o País todo, em primeiro lugar. E em segundo lugar, também para que um número grande de cidadãos possam ser proprietários. E daí vem exatamente o fato de que a Igreja, preconizando o regime de propriedade privada com propriedades desiguais, recomenda expressamente que seja possível que o número de proprietários vá crescendo, que seja bastante ponderável sem absorver as outras propriedades. A propriedade deve, portanto, ter essa função de organicamente ir se dividindo, e isso dá. Eu, uma ocasião, tive um negócio de um convento em São Paulo, do qual eu era advogado, e pediram uns títulos de propriedade. Eu fui procurar o frade e ele me disse com uma simplicidade que me pareceu maravilhosa: “Título de propriedade eu não tenho, mas é [algo de] tão antigo que é histórico: é Brás Cubas, fundador de Santos, que nos deu essa propriedade”. Peça de museu. Mas então já tinha o usucapião, o título não valia nada, tinha interesse só histórico. Então eu fui ver como era essa propriedade. Era uma faixa de terra que ia de São Paulo até Santos. No tempo de Brás Cubas era compreensível. Foi se dividindo espontaneamente sem nenhuma reforma agrária, como por todo o Estado de São Paulo, por todo o Paraná, as terras vão se dividindo sem reforma agrária. O progresso da agricultura e a valorização das terras vai estabelecendo uma divisão, que não é o empobrecimento dos ricos, e é o enriquecimento dos pobres. E isso é uma coisa fecunda, que atende à função social da propriedade. Quando a propriedade por qualquer razão não atende a isso, ela então deve ser desapropriada. Por justo preço, mas deve. Por exemplo, a Europa superpovoada tem partes de caça. Há, por exemplo, proprietários que para caçarem faisões mantêm zonas de terras enormes, sem utilização agrícola, com prejuízo para o País. Essas terras têm sido desapropriadas. Nada de mais justo. Porque não é possível estar criando faisões, enquanto o País sofre fome. Mas nós temos tanto onde criar faisão no Brasil… Veja esse meu amigo, por exemplo, que pergunta faz: Pergunta: O senhor admite a existência de imensas fazendas - isso faz parte do dono da cadillac, essas tais miragens... imensas fazendas, com dois ou três por cento das terras cultiváveis, realmente aproveitável? Que solução propõe? Resposta: Eu acho que essas fazendas com dois ou três por cento cultiváveis, não podem deixar de existir realmente em certas zonas do Brasil, porque são as cabeças de ponte da penetração colonial. Quando um homem sai de São Paulo, ou de Belo Horizonte, ou do Rio, para ir ser fazendeiro no fundo de Goiás ou Mato Grosso, e encontra muita terra inabitada e barata, o regime que ele tem de colonizar é de comprar uma terra bem grande e colonizar aos poucos. E há um período em que dois ou três por cento só estão colonizados. E sem isso uma colonização não começa. Se se trata de terras que estão em zonas densamente povoadas, eu distingo. Para os tipos de cultura em que isso é o melhor – e os há muitos – está bem. Para os tipos de cultura em que isso não é o melhor, ainda distingo. Se não produz prejuízo para ninguém, pode. Se produz prejuízos para outros, então é o caso de uma desapropriação, por justo preço. Alguém dirá: “é um absurdo supor que não produz prejuízo para ninguém”. Depende: muitas vezes não produz, porque há terras incultas ali, mas há terras que estão à espera do joão. Então, o joão não tire o que é dos outros e vá para as terras. Pergunta: Pela reforma agrária cristã, então não há reforma, continuando tudo do mesmo modo? O senhor não acha algo de muito certo nessa afirmativa: a terra é de quem a trabalha? Resposta: Eu li ontem tudo quanto propõe o Papa João XXIII para uma reforma agrária. Os senhores vêem a esplêndida declaração dos bispos do Vale do rio Doce sobre a reforma agrária. Se feito aquilo, se puder dizer que tudo continua como está, então realmente eu não sei o que significam as palavras. Mas é preciso ler. Agora, se “tudo como está” quer dizer que continua o regime de classes sociais hierárquicas, eu digo: continua e Deus nos livre, para o interesse dos pobres, quer dizer, daqueles que trabalham com seus braços, que deixe de continuar. Agora, pergunta-se se é verdade que a terra é de quem a trabalha. E eu pergunto o contrário: alguém que trabalha não tem o direito de adquirir a terra? Tem. Se alguém que trabalha tem direito de adquirir a terra e convida alguém para trabalhar lá, ele perde a terra? Aquela terra não é o salário dele que está condensado ali? Quem trabalha é dono da terra? Não é verdade. Pergunta: Para que não houvesse luta de classes, o senhor não acha que seria melhor que se pedisse que os ricos não explorassem os pobres, o que acontece muito nessa estrutura podre em que vivemos? Resposta: “Estrutura podre em que vivemos”. Aqui está bem o eco – eu não quero dizer que seja demagogia – mas está o eco da demagogia. Por que é que essa estrutura é podre? Vamos ver porque. Por que há gente pobre nessa estrutura? Há, há injustiças, é preciso melhorá-las. Mas isso prova que é podre? Se fosse podre, essa casa não teria direito de existir. Porque entra um homem com uma doença, eu olho e digo: “Tipo podre; não vale a pena que exista!” É um doente, algo nele não vai bem, ele inteiro é podre e tem que ser liquidado? Uma estrutura social apresenta defeitos, então se forma o slogan: “essa estrutura podre”. Por que podre? Com defeitos, sim. Vamos corrigi-los, porque tudo que vive deve ser corrigido e deve ser salvo. Agora, a outra pergunta: se eu acho melhor, para não haver luta de classes, que os ricos não explorassem os pobres. Onde houver pobres explorados por ricos, é preciso que isso cesse, ainda que não nasça daí a luta de classes. Porque o que nos deve fazer amar o pobre, e o que nos deve fazer amar a justiça e a caridade não é o medo do comunista, mas é o medo de Alguém infinitamente mais alto, infinitamente mais poderoso e diante do qual os comunistas não são senão um brinquedinho: é Nosso Senhor Jesus Cristo, Juiz de nossa consciência cristã. [Aplausos] Como é possível que depois de uma conferência, que pode ter tido todos os defeitos do mundo, mas curta não foi, uma conferência tal, tão longa, um ouvinte que enquanto me ouvia, ouvia outros ecos, me pergunte depois o seguinte: Pergunta: Reforma agrária é pôr uma capelinha em cima dos morros, com uma cruz apontada para o infinito? Resposta: A essa ironia eu pergunto o seguinte: ouvir uma conferência é estar prestando atenção no que disse um outro conferencista e não ouvir o que se disse na sala onde se está? [Aplausos] Pergunta: O que acha da reforma agrária de Fidel Castro? Ela não se adaptaria bem em nosso País? Resposta: Não, porque se é verdade que ela é um roubo, o roubo não se adapta num País verdadeiramente cristão. Não e não. [Aplausos] Eu fico confrangido de que a mão de um jovem e de um jovem brasileiro, bastante educado para ter formulado a sua pergunta em termos polidos, me faça a pergunta seguinte: os senhores vejam por detrás desse meu jovem patrício agro-reformista, e sem que ele talvez suspeite, o que está:
Pergunta: Qual será a sua posição após a próxima revolução socialista brasileira? Pois sendo o senhor a favor da luta pela vida, terá que se adaptar. Resposta: Eu vejo bem qual é a pergunta que está por detrás disso. Eu vejo que nessa pergunta não é a luta pela vida. Eu estou fazendo aqui, meu jovem amigo, muito mais do que uma luta pela vida, eu não estou ganhando um tostão, eu não estou tirando vantagem nenhuma. Eu estou consagrando uma noite afanosa de minha existência para fazer algo de infinitamente mais nobre de que a luta pela vida: é a luta por um princípio. Eu estou lutando por muito mais do que a vida. Mas por detrás dessa pergunta, o que está naturalmente é o paredón. E eu devo dizer: se algum dia, algum paredón deve ser salpicado com meu sangue, morrendo eu por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, eu antes de morrer direi de mim mesmo o que dizia Jó de si mesmo: “Bendito o dia em que me viu nascer e benditas as estrelas que me viram pequenino”. [Aplausos prolongados] Pergunta: Pela sua exposição, vê-se que o senhor não conhece o problema de nosso camponês. O Jeca Tatu é o protótipo do camponês brasileiro. Gostaria que o senhor enfrentasse a realidade, pois fazer reforma agrária em gabinetes com ar refrigerado, qualquer um faz. [risos] Resposta: Vejam os senhores a leveza, a inconsciência, a superficialidade. Eu não queria por nada de agressivo no que vou dizer, mas o playboismo sociológico dessa pergunta... [risos] “O senhor não conhece”… Eu tinha vontade de dizer: meu amigo, o senhor conhece? O senhor conhece, por exemplo, o trabalhador rural de várias zonas de São Paulo? Ou então de Santa Catarina, por exemplo? Ou do Rio Grande do Sul? O senhor conhece o trabalhador rural de várias zonas de sua nobre e querida Minas Gerais para poder falar? Quem é que lhe disse e onde é que o senhor encontra alguém que afirme que só existe o Jeca Tatu como colono brasileiro? Admitamos que ele exista. Que argumentos se tiraria daí? Eu mesmo em minha conferência afirmei que muitas vezes ele existe, e que é preciso exatamente criar nele, antes de tudo, o desejo de não ser Jeca Tatu, o desejo de progredir. É o que foi dito há pouco nessa sala. No que possa haver nisso um desconhecimento da realidade brasileira, eu não sei. Eu sei o seguinte: que o primeiro passo a gente conhecer a realidade brasileira é a gente conhecer bem as conferências que ouve. [Aplausos] Pergunta: No início da conferência o senhor disse que a reforma agrária demagógica não usava termos concretos. Como que o senhor não disse um dado concreto? Resposta: Eu não disse propriamente que a reforma agrária demagógica não usava termos concretos. Eu disse que ela não dava argumentos concretos. O que quer dizer, evidentemente, argumentos definidos, argumentos palpáveis, argumentos que se possa responder com argumentos, e não exclamações, uivos e aliciamentos de demagogia. Isto que eu... Eu tenho certeza que aqui não houve nem exclamações, nem uivos, nem aliciamentos de demagogia. Pergunta: O senhor falou em propriedade privada, mas não considerou a divisão entre bem de produção e bem de consumo. Será certa a propriedade privada de bens de consumo. Será certa a propriedade privada de bens de produção? Em caso afirmativo, não ficaria ao arbítrio individual o progresso agrícola do País, mesmo considerando a necessidade das classes ricas continuarem como estão? Em caso negativo, a terra é bem de produção? Resposta: Eu me exprimi em termos genéricos abrangendo tudo. Aliás, eu não tive por objeto demonstrar isso. Eu disse apenas que demonstrei ontem. De maneira que é preciso se reportar à conferencia de ontem. Eu não posso encaixar duas conferências numa só. Mas, enfim, o que eu disse é o que eu disse ontem: que Leão XIII sustentava que o homem, sendo dono do seu corpo, é dono do esforço do seu corpo. Sendo dono do esforço do seu corpo, ele é dono do seu trabalho, e portanto, ele é dono do produto do seu trabalho. E sendo dono do produto do seu trabalho, tanto ele pode ir trabalhando para viver cada dia, como ele pode trabalhar mais e acumular mais do que o necessário para cada dia, constituindo para si um pecúlio. Ele pode também, para isso, apropriar-se não só de um instrumento de produção que ele faça, como apropriar-se da terra, ou transformar seus bens em dinheiro para colocá-los. E nessa justificação, tanto os bens de consumo quanto os bens de produção entram indiscriminadamente. Quer dizer, a distinção não vinha como tal ao caso, porque a justificação abrange todas essas categorias. Os senhores me dão licença de uma coisa: eu estou muito disposto, muito alegre em responder a todas as perguntas que representam um grande interesse pelo assunto. Mas eu tenho receio de que alguns dos senhores estejam aqui por cerimônia e gostassem de se retirar. Nesse caso, eu considero a coisa mais natural do mundo que se retirem, inclusive as autoridades aqui presentes, que se quiserem retirar eu considerarei a coisa mais explicável do mundo. Eu realmente tenho prazer em estar aqui e responder a essas perguntas. Pergunta: O senhor falou em desigualdade, determinismo que marca todas as coisas que nos cercam. A desigualdade condena o homem a ser inferior. Possibilita ao nosso homem humilde, sem condições econômicas para se realizar humanamente, desde que a desigualdade o condene a ser inferior? E se houvesse uma divisão eqüitativa dos bens econômicos, esse homem símbolo de uma população não se realizaria igualmente, a exemplo do que o corre nos Países abastados? Resposta: Em primeiro lugar, quais são esses Países abastados? Já que se trata de um exemplo, quais são? Eu gosto de saber quais são os Países abastados. É abastado um País onde se está e do qual não se quer sair. Não é abastado um País do qual se foge de todos os jeitos, como gato foge de uma fornalha, por todas as frestas e por cima de todos os muros... [risos] Então eu devo concluir que esses famosos Países abastados não são os Países que ocultam sua abastança através de uma muralha de ferro e berram daqui: “eu sou riquíssimo!”, mas são aqueles que permitem ser visitados e que a gente vê quais são. Então eu imagino que os Países abastados aqui sejam os Países principais do Ocidente e que a pergunta se refira, por exemplo, aos Estados Unidos, por exemplo à Alemanha Ocidental, por exemplo, à Itália de após guerra ou à França de após guerra que se reergueram extraordinariamente, digamos o Canadá, etc. Então admito por hipótese que nesses Países e, de um modo geral pode-se dizer que se realiza, nesses Países realmente haja um grande nível de vida para aos trabalhadores manuais. Então eu tomo a pergunta assim e eu a relaciono com a primeira parte. Então esses homens, apesar de terem bom nível de vida, são obrigados a serem inferiores? Isso é justo? E eu digo: ou isso é justo ou é injusto? Porque se Deus fez homens mais inteligentes e homens menos inteligentes, ele estabeleceu nisso uma desigualdade muito mais dolorosa para o orgulho humano do que a desigualdade de dinheiro. Porque ser rico é muito pouco em função de ser inteligente. Eu conheço muita gente, não só rica, mas riquíssima, mas quando a gente vê acompanhar as coisas: um olho parado, marasma... [Mas] sempre que se fala de um veleiro, de um automóvel... [sái do marasma]. Se considera pouco o médico, se considera pouco o advogado, se considera pouco o engenheiro. Um médico dos mais ilustres de São Paulo contou-me precisamente esse fato - os senhores me desculpem o parênteses, mas era uma coisa que era preciso ser dita - contou-me que ao cabo de alguns anos de atividade profissional, ele acumulou laboriosamente “x” milhões de cruzeiros. Ele falou com um amigo que lhe disse: “Fulano, você sempre nessa medicina, história que não acaba mais, cura esse, enterra aquele, etc., você não sai do lugar, eu não vejo você ficar rico. Você deve dar um pontapé nessa medicina e entrar nesse ramo de comércio, ou nesse outro de indústria e fica rico de uma vez.” E esse homem muito respeitável deu essa resposta muito respeitável também: “Eu não quero, porque eu gosto de minha medicina”. Resposta: “Rapaz, você é um poeta. Então vamos fazer uma coisa: você me dá seu dinheiro, eu aplico”. O amigo, no ano seguinte, devolveu a quantia multiplicada por dois. Esse homem disse: “Eu ganhei em pouco tempo, tanto quanto ganhei em toda a minha vida profissional. Como eu fico diante desse homem que maneja milhões assim à vontade? Fico apequenado”. Exatamente o que me alarma é isso. Eu falo que desigualdade social não se entenda que é desigualdade sobretudo de dinheiro. Dinheiro é um complemento. A desigualdade social é a desigualdade de uma sociedade de homens, onde há desigualdade de homens muito mais que desigualdade de dinheiro. Pergunta: Considerando-se a um fato no Brasil a existência de fazendeiro de asfalto, que tem a fazenda somente para lhe dar dinheiro ou passar um agradável fim de semana, qual a solução que o senhor propõe nesse caso? Resposta: Eu sei que vou exasperar meu consulente, mas sei que sou obrigado a ser verdadeiro, mesmo quando se desespera. O Padre Antônio Vieira, com aquele seu talento oratório excepcional, falava a respeito de Deus numa certa situação: “Deus de tal coisa processou de tal modo, Deus de outra coisa processou de outro modo e tal outra coisa Ele providenciou não providenciando”, quer dizer, deixando correr as coisas. Muitas coisas em sociologia e política a gente providencia de um modo, outras providencia de outro modo e outras a gente providencia não providenciando. Por mais antipática que seja a figura de fazendeiro de asfalto enquanto [indo à] boite, enquanto [indo a] lugar perdido, enquanto não tendo contato com o povo, etc., etc., é o caso da gente estabelecer uma lei para reprimir isso? Isso faz parte de nosso estado de espírito pelo qual a lei deve resolver tudo. Então, se se bebe demais, vem a lei seca, se se mente, vem o departamento policial de mentiras, DPM, para reprimir todas as mentiras que possa haver. Se alguém dorme demais, vem a delegacia dos dorminhocos, que manda todo mundo acordar. E assim por diante. É o [estado de espírito] de achar que a lei deve corrigir tudo. Ora, os senhores notem que a lei é necessária, e que o País sem leis seria o País mais desgraçado do mundo. Mas na ordem das desgraças, logo depois do País sem leis, o País mais desgraçado, quer dizer, o mais próximo a esse, seria o País com leis demais. E eu conheço um País chamado Brasil, um pouco parecido com isso. As leis não resolvem tudo. É a moralidade, são os costumes, é o espírito cristão, é preciso pregar, é preciso fazer apostolado, é preciso dizer as verdades. E as verdades podem transformar o mundo. Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Veritas liberabit vos - A verdade vos libertará”. Não é a polícia que nos libertará, nem é a lei. São as verdades que nos libertarão. Mas é preciso dizê-las. Pergunta: Como se cumpririam, no caso do campo, os princípios da co-gestão operária e participação nos lucros, defendidos pelo Papa João XXIII na encíclica Mater et Magistra? Resposta: Eu acho a palavra “defendidos” pouco precisa. A participação nos lucros, na gestão da empresa etc., são coisas desejadas pela Igreja em certas circunstâncias. De nenhum modo próprias para serem impostas pela lei obrigatoriamente. Esse é o ensino de Pio XII e esse é o ensino de João XXIII na Mater et Magistra. Agora, voltando ao caso, como é que se cumpriria? Eu acredito que certo tipo de cultura, com certo tipo de relações muito boas entre patrões e empregados, isso poderia surgir como um produto natural e favorável da ordem espontânea das coisas. Eu não acredito de nenhum modo que seja possível impor isso pelas leis. Entra mais uma vez aqui a legomania, que é tão inconveniente para o bem comum. Pergunta: Realmente, é lógica a impossibilidade de igualdade de classes. Mas o senhor acha cristão que uma classe use de todas as prerrogativas que lhe são dadas e até crie algumas outras, enquanto outras classes não gozam dos mínimos direitos da pessoa humana, como o direito à constituição da família, direito à vida, direito ao repouso, direito à educação, etc.? Resposta: Eu diria o seguinte: deve haver uma certa proporção no corpo entre o bom aparelhamento da cabeça e o bom funcionamento de todo o corpo. De maneira que é melhor ser um homem bem constituído do que ter, por exemplo, um olfato prodigioso, olhos penetrantíssimos, um ouvido incomparável, uma dicção maravilhosa, mas ser paralítico. Quer dizer, realmente deve haver uma proporção das excelências distribuídas por todo o corpo. Mas quando há concentração das excelências de um lado e há deficiência do outro lado, o que a gente faz? O remédio consiste em dividir em pedacinhos a parte mais sã e fazer uma reforma cabeçária? Ou o remédio consiste em difundir esses bens, estimulando o progresso de todas as partes sociais? Vem sempre a idéia da divisão. Mas trata-se realmente de dividir? Ou trata-se de fazer uma política de salários, uma política de trabalho, uma política de produção para todas se enriquecerem. O problema é tirar de uns para dar para outros, ou fazer colaborar todos para que todos tenham tudo? É evidentemente a segunda solução. Pergunta: Pergunto ao senhor o que existe mais no Brasil: fazendeiros que lutam pelo bem-estar de seus agregados, ou fazendeiros que são, como o senhor falou, fazendeiros do asfalto? Se existe mais o tipo fazendeiro do asfalto, como faríamos para mudá-los? Resposta: Bem, uma resposta da pergunta está dada, mas eu gosto muito da pergunta: que tipo de fazendeiros existe mais? Eu acho que o fazendeiro do asfalto é uma minoria, mas por que não se estuda isso antes de fazer reforma agrária? A precipitação: vê-se um fazendeiro do asfalto, já se fica elétrico: “é o caso de todos os fazendeiros!...” Por que não estudar? Por que esse medo do estudo do agro-reformismo socialista, que me dá a impressão de medo de criança quando vai tomar banho de mar. Ao mesmo tempo fica atraída pelo mar e tem medo das ondas. Então, fica pulando na entrada do mar. Assim também começam com afirmações: bem, é, não é, palavras vagas. Se são mais numerosos, apresente uma prova. Vá, estude! Faça como nós. Tivemos o trabalho de fazer. Eu que não sou fazendeiro, nenhum dos quatro autores é fazendeiro. Aqui está o livro. Por que não se faz um contra-livro provando que está tudo errado, provando que há uma multidão de fazendeiros do asfalto, etc.? Aqui estão os prelos; eu pago a tinta. Pergunta: O senhor não percebe que os homens da política atual, ambiciosos, opulentos (os senhores não levam a mal), ligados a grupos econômicos, jamais tentarão uma reforma agrária concernente à situação lamentável dos oprimidos, dos escravos, isto é, pequenos fazendeiros e colonos? Resposta: “Escravos, isto é, pequenos fazendeiros e colonos”. 2, isto é, 4 ou 5. Escravo o que é? É o que não tem direito a nada, nem à vida e que o Direito Romano definia como sendo tratado como um objeto, isto é, que a gente quebra à vontade, isto é um escravo. Depois ele diz: “um outro que tem direito à vida e que até tem direito a salário, tem direito a mudar de patrão e até pequeno fazendeiro”. Isso tudo é igual nessa sociologia agro-reformista. E vai a galope: escravo, isto é, pequeno fazendeiro e trabalhador manual. 2 = 5 ou 8... Matemática nova... Pergunta: Não surgindo líderes honestos, o senhor não acha que ao camponês compete fazer a sua reforma? Resposta: Há grupos econômicos que oprimem, etc., etc., eu não tive tempo de estudar isso. Mas eu faço um convite. Se há, escrevam, digam que há, denunciem, provem, protestem. Agora, não é ficar sentado sussurrando: queimar isso, matar, escangalhar… Não senhor, arraste os outros brasileiros ao ataque. Dê as suas provas. Fale alto. E antes de destruir e de queimar e de injuriar, pense em argumentar. Pergunta: Os colonos reduzidos a isso deveriam agir? Resposta: Estão “reduzidos a isso”? É fato que são todos desonestos? Eu protesto, não posso aceitar essa afirmação assim. Pergunta: O problema não é existir terra sobrando. É que se morre à fome e com carência de luz de espírito, porque nossa lavoura é trabalhada com métodos de Idade Média. Não havendo riqueza, não existe ensino, alimentos ou habitação decente. Que sugestão o ilustre conferencista sugere? Resposta: Eu sugiro verificar essas afirmações. Como é que o problema é não existir terra sobrando... Meu jovem amigo. Aqui está afirmado que dois terços do território nacional não são cultivados. Ou isso está falso e o senhor então dê a prova que é falso. Então, até esbandalho esse livro, porque era o caso. Ou se isso não é falso, não diga que o problema não é que haja terra sobrando. Por que como pode ser isso: numa casa, dois terços do pão existente não está sendo comido, a gente pode dizer que não há pão sobrando? Então, o que é sobrar? E como é, meu caro amigo, que levado por impressões, o senhor, provavelmente ainda tão jovem, afirma todas essas coisas com esse desembaraço precipitado? Então, diz que “se morre à fome com carência da luz do espírito, porque nossa lavoura é trabalhada com métodos da Idade Média”. Em primeiro lugar, eu sou um obscuro professor universitário de História e a Idade Média está no meu distrito. Se esse meu jovem amigo quiser me fazer uma visita, eu terei oportunidade de provar a ele que a agricultura conheceu na Idade Média uma das maiores épocas de progresso relativo daquele tempo. Não havia de fato motor diesel naquele tempo, mas não era preciso o motor diesel para que a humanidade tivesse algum progresso e produzisse homens muito notáveis. Aristóteles e Platão existiram apesar de não haver motor diesel e a agricultura se estendeu por toda a Europa apesar de não ter motor diesel. Alguma coisa eu lhe posso dizer, meu amigo, sobre a Idade Média. É uma coisa que com os conhecimentos que o senhor tem de ginásio, o senhor já pode verificar o que é. O senhor sabe, com certeza, que a Idade Média começou quando os bárbaros invadiram o Império Romano e que, em conseqüência disso, as estradas se romperam, a civilização se desfez, os homens morreram em boa quantidade e as terras cultivadas passaram a ser mata. Então havia na Europa duas matas, ou dois tipos de mata: as matas que eram cultas romanas, que voltaram a ser mata e a mata dos lugares selvagens nunca habitados: Alemanha, Hungria, Polônia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Holanda, Áustria etc. Os romanos tinham do sertão alemão e dinamarquês tanto medo, que eles diziam que eram habitados por bárbaros que tinham orelhas tão grandes que se embrulhavam nas próprias orelhas quando fazia frio. Como se a orelha não sentisse frio. Eu não compreendo bem essa concepção térmica, mas era o que eles achavam. Quando a Idade Média acaba, vamos dizer que ela tenha acabado com a queda de Constantinopla nos meados do século XV, os senhores encontram toda Europa plantada. Não só a Europa ex-romana que está plantada também, mas os senhores encontram toda aquela zona da Alemanha, etc., que está plantada também, até seus últimos confins. Um jovem amigo meu, amigo por ser brasileiro, amigo por ser jovem, me fala com essa despreocupação: “métodos da Idade Média”... Pensar um pouco, não? Pergunta: Não havendo riquezas, não existe ensino, alimento ou habitação decente. Que sugestão o ilustre conferencista sugere? Resposta: O conferencista, infelizmente, não é tão ilustre, mas tem uma sugestão. E essa sugestão se reduz a uma objeção: “não havendo riqueza não existe ensino, habitação ou alimento decente”. Está bom. Então, façamos riqueza. Façamos como fizeram os nossos maiores. Quando Cabral veio para cá, não havia ensino nem alimentação decente. Isso foi tirado a braço de dentro da terra. Nós vamos para o nosso interior e tiramos isso a braço de dentro da terra. Aparecerá riqueza, alimentação decente etc., etc. Aí está minha sugestão. Pergunta: A reforma agrária não é um meio de tirar ao rico e dar ao pobre, mas sim um meio de impedir o acúmulo de riquezas nas mãos de uns em detrimento de outros. No início, talvez, seja necessário tirar dos ricos e dar aos pobres. Mas as leis devem ser feitas de tal maneira a limitar o latifúndio. Resposta: Os senhores me perdoem, mas me escapa da boca. Não sei se os senhores viram certos gramofones, certas vitrolas em que o disco está com defeito e repete então: tão, tão, rão, tão, tão, tão, rão, tão... Porque mais uma vez nós voltamos ao caso. A reforma agrária não é um meio de tirar ao rico e dar ao pobre. Não é, mas depois nós vamos ver que é. Porque ele diz o seguinte: “no início talvez seja necessário”. Então, é porque nós estamos no início. Nós estamos no fim? Mas os senhores não me levem a mal, digo isso com muita cordialidade. Sabe por que eu friso isso? É para mostrar uma espécie de hipnotismo que a demagogia exerce e que é muito interessante. Porque se isso fosse dito por rapazes sem inteligência, sem boa fé, se fosse sem inteligência, eu diria: coitado! E ficaria quieto para não desiludir. Se fosse sem boa fé, eu não responderia. Mas estão hipnotizados. A gente diz uma coisa, eles ouvem, mas depois, disco [riscado]... Está colocado assim num labirinto, volta e vem todo o problema. Nós acabamos de falar da nossa imensa reserva de terras. Por que então a necessidade de tirar de uns para dar para os outros, se tem algo que não é de ninguém? Esse argumento nem entra nessa problemática. É virgem dessa problemática. Pergunta: Em que sentido existe o termo “socialização” na Mater et Magistra? Resposta: Como já respondi isso ontem, e quero abreviar o mais possível, o consulente tenha a gentileza de vir aqui e eu lhe dou o pormenor do assunto. Mas o assunto em linhas gerais é esse: os senhores sabem que todo documento pontifício tem um texto latino, que é o texto oficial, e depois tem as traduções que não são oficiais. Embora feitas até pelo Vaticano, não são traduções oficiais. Oficial é só o texto latino. É mais ou menos como uma lei. Uma lei pode ser publicada no “Diário Oficial” e no texto oficial. O que for publicado depois num jornal do governo, que não é o “Diário Oficial”, é um jornal oficioso, é um texto oficioso, mas não goza das garantias do texto oficial. Isso mesmo se dá com a encíclica Mater et Magistra. Foi publicada em latim. E eu a estudei diretamente no seu texto latino. E verifiquei o seguinte: várias traduções da Mater et Magistra falam de socialização, mas no texto latino a palavra socialização não existe. E não só a palavra socialização não existe, mas cada vez que a tradução fala em socialização, o texto emprega um sentido que nada tem que ver com socialização, ou melhor, que nada tem que ver com socialismo. A palavra socialização foi empregada num sentido que não insinua socialismo nem de longe. Quais foram os textos do documento oficial que foram traduzidos como socialização? Primeiro sentido de socialização: socialis rationes incrementa, foi traduzido por socialização. Ora, o que dizer, socialis rationes incrementa? Quer dizer, o “incremento das relações sociais”. Então as pessoas têm relações sociais, intensificam isso. Isso é socialismo? Pode ser chamado socialização, se quiser, derivado da palavra sociedade. Mas então é uma socialização que nada tem a ver com socialismo. Uma senhora de muitas relações sociais é uma senhora muito socialista...! Socialis vitae processus, foi traduzida por socialização. Ora, o que é Socialis vitae processus? É o “progresso na vida social”. Isso é socialismo? Não, pode-se chamar de socialização, derivando-se a palavra de sociedade, talvez. Mas não tem nada que ver com socialismo. Outro trecho: increbrescentibus socialis vitae rationibus, ou seja, as “crescentes relações da vida social”. Não tem nada com socialismo. Outro trecho: socialis vitae incrementa, isto é, o incremento da vida social. E outro trecho ainda: Socialium rationum progressus, isto é, o “progresso das relações sociais”. Se isso tem alguma coisa que ver com socialismo, então é o caso de dizer que eu não sei mais latim, não sei mais português, não sei mais pensar. Não cheguei até lá ainda. As perguntas, agora, são de natureza mais delicada. O prof. Arnaldo diz que há 31 perguntas que são, de um modo ou de outro, a repetição disso. E eu confesso aos senhores que começo a me cansar. E os senhores, muito amáveis, devem estar muito mais cansados ainda. Não aconteceu isso, não acontecerá, mas se algum dos senhores me fizesse alguma pergunta sobre minha vida de família, eu responderia, porque eu acho que a vida de um homem deve ser um livro aberto. Mas eu responderia com o respeito devido às pessoas de minha família e à instituição de minha família. Ora, foram-me feitas – eu não censuro, não vejo a menor censura nisso, acho perfeitamente natural – perguntas que dizem respeito à vida de uma família muito mais alta, à qual todos nós pertencemos e que é a Santa Igreja Católica. As perguntas que me foram feitas, eu as vou responder com o respeito devido também. Mas eu não quero deixar nada sem resposta. Pergunta: Fala o senhor em nome da Igreja cristã? Como explica o senhor a oposição de tantos bispos ao livro escrito por V. Excia.? É de seu conhecimento a campanha pró-reforma agrária encetada pelos senhores padres Viegas e Lages? Parece-nos que o movimento encabeçado por esse sacerdote é revolucionário e do ponto de vista cristão difere do que prega V.S. Usariam esses padres a batina como uma camuflagem ao seu comodismo? Qual o seu ponto de vista a esse respeito? Dr. Plínio, considerando que a conferência aqui mesmo feita pelo eminente padre Viegas foi fundamentalmente diversa da vossa; que diversos arcebispos do Brasil se manifestaram em desacordo com o livro “Reforma Agrária - Questão de Consciência”; que no próprio Antigo Testamento vê-se o repúdio da propriedade da terra como inerente ao homem, considera o senhor vossa opinião como de toda a Igreja una? É socialista a reforma agrária paulista? Se é socialista, por que tem a aprovação de grande parte do episcopado nacional? Resposta: Respondo primeiro com um preito de respeito ao episcopado nacional inteiro, sem divisões, nem distinções, vendo neles, no seu conjunto, aquilo que se poderia chamar, sob a direção e a autoridade do Papa, a Igreja brasileira. E nesse preito de respeito, envolvendo uma afirmação da fundamental unidade da Igreja brasileira, dentro dos limites e do âmbito sagrado da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Eu na Igreja sou leigo. E eu, que acabo de falar a respeito do princípio da hierarquia e a respeito da desigualdade, eu devo tomar em consideração o princípio enunciado por São Pio X, que é o seguinte: que na Igreja há duas classes; uns foram feitos para reger, para ensinar e para santificar; e outros foram feitos para serem regidos, serem ensinados e serem santificados. Eu sendo leigo, não tenho atribuição nem para reger, nem para ensinar, nem para santificar. Eu sou um súdito da Igreja Católica e não tenho, muito menos ainda, funções para corrigir, para retificar ou para polemizar com qualquer sacerdote, a fortiori com qualquer arcebispo, com qualquer bispo ou qualquer mais alta autoridade. Eu afirmei a minha doutrina. Afirmei-a em consonância com dois ilustres arcebispos. Eu justifiquei com textos pontifícios a doutrina que está firmada aí e estou disposto a derramar por ela o meu sangue. Além disso, estou disposto a dar todas as explicações que se queira a esse respeito. E quando há uma opinião divergente entre bispos, o fiel tem o direito de, obedecendo ao seu bispo, formar a sua consciência estudando os documentos dos Papas como eles são. Eu estou certo de que nesse livro está a verdadeira doutrina católica. Não recebi nenhum argumento que me convencesse do contrário. Enquanto não receber esse argumento, eu não mudarei de opinião. Mas eu quero fazer aqui uma declaração e nessa declaração vai minha alma inteira: Se porventura algum dia, eu que estou disposto a derramar o meu sangue por qualquer letra desse livro, [se se provar] que esse não é o pensamento do Santo Padre o Papa, eu imediatamente desdigo o que está aqui. Porque mais certo do que isso e mais certo do que tudo na vida, eu estou certo de que a Igreja é una e de que o Papa é o Vigário de Jesus Cristo na terra e é infalível. Com um hino de amor ao Papa eu desejo terminar a reunião dessa noite. [Aplausos prolongados] |