Plinio Corrêa de Oliveira

 

"Nosso destino deve ser de heróis

e não de sibaritas"

 

 

 

 

Discurso como paraninfo do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, 22-11-1936

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Revista "Echos", nº 29 (1937) 

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Arcebispo Metropolitano,

Reverendíssimo Irmão Reitor,

Reverendíssimo Senhor Inspetor,

Reverendíssimos Senhores Sacerdotes,

Minhas Senhoras,

Meus Senhores. 

Permiti que esta oração, que nasceu do âmago de meu coração e contém o mais sincero de meus sentimentos, seja dirigida, em nome da gloriosa mocidade católica, que tenho a honra de representar nesta solenidade, aos meus jovens amigos, os bacharelandos do Colégio Arquidiocesano, de 1936 (palmas).

Quando recebi o honroso convite a que devo minha presença nesta tribuna não tive um único momento de ilusão sobre os verdadeiros motivos que determinaram a escolha de meu nome.

De há muito, a ilimitada generosidade dos que comungam comigo na mesma Fé, me habituou a ser o alvo imerecido de homenagens que, depositadas nas minhas mãos, se dirigem, não a mim que delas não sou digno, mas à imensa e gloriosa legião de meus companheiros de luta.

Atentai para as Nações européias que, logo após as lutas dramáticas da (Primeira) Guerra Mundial, quiseram imortalizar a memória dos heróis que as defenderam no campo de batalha. Poucos são os monumentos que elas erigiram a seus grandes cabos de guerra, aos Foch, aos Hindenburg, aos Petain ou aos Ludendorf. Em geral, preferiram escolher um soldado anônimo, entre os milhares de soldados tombados em combate, e concentrar sobre este anônimo todas as homenagens, toda a gratidão, toda a glória conquistada por aqueles que, juntamente com ele, ombro a ombro, regaram o chão das trincheiras com o seu próprio sangue.

Não foi outro o pensamento com que, em 1933, vinte e quatro mil católicos de São Paulo, elegendo-me deputado à Constituinte Nacional, me destacaram das fileiras de meus irmãos de luta. Congregado anônimo, para me incumbirem da defesa de sua Fé. A mocidade mariana é a primeira linha, a tropa de choque, a legião de assalto da milícia católica. A ela, pois, incumbia naturalmente o nobre encargo de representar e defender o Brasil católico na Assembléia augusta, em que se iam traçar os destinos do Brasil. Mas sobre quem, entre os milicianos de Maria, deveria recair a honrosa delegação? São Paulo resolveu a questão com o acerto e a delicadeza de sentimentos que distinguem o brasileiro. Não sobre os destacados chefes do luzido Estado Maior deveria recair a escolha: ela deveria parecer mera distinção conferida às qualidades pessoais de quem merecesse a preferência. Convinha que, para homenagear as legiões azuis dos soldados de Maria, a eleição recaísse sobre um miliciano obscuro que, novo soldado desconhecido, não tivesse outra credencial, senão a fita azul e o entusiasmo ardente que caracterizam todos os Congregados Marianos. Daí a minha escolha.

Ao paraninfar os bacharelandos de hoje, sinto que se renova para mim a situação de 1934. É que eu fora, então, incumbido de advogar perante os representantes do Brasil de hoje, a causa da Fé. E agora, posso dizê-lo sem exagero, venho pleitear a mesma causa perante o Brasil de amanhã. Não é mais à Assembléia Constituinte, que devo falar em nome de meus companheiros de luta. Mas é a um pugilo de moços de minha Terra, que me devo dirigir. E são os moços como estes, que hoje saem dos cursos ginasiais, os que vão traçar os rumos do Brasil. Em 1934, falei aos que construíram o Brasil de hoje. Em 1936, falo aos que construirão o Brasil de amanhã.

As gerações que precederam a esta, que hoje ingressa na vida, estão divididas em campos antagônicos. Uma imensa divergência intelectual separa seus expoentes mais representativos. Do alto das cátedras universitárias e das tribunas parlamentares, através das colunas dos jornais ou das páginas dos livros, pela palavra ampliada ao microfone ou abafada no segredo das confabulações políticas, procuram os professores, os escritores e os estadistas do presente traçar os rumos por onde querem guiar o Brasil.

Não se iludam, porém, os pregadores de ideologias boas ou más, construtoras ou demolidoras: sua doutrinação só será fecunda, na medida em que ela penetrar no espírito e no coração das gerações novas. A estas, é que pertence o futuro. Para onde ela se orientar, orientar-se-á o Brasil de amanhã. Os pregadores de doutrinas não são, hoje em dia, senão meros advogados de causas santas ou de causas fraudulentas. À nova geração é que incumbe a augusta função de juiz.

É, pois, supérfluo que vos diga com que imenso ardor desejei falar à mocidade que hoje festeja sua primeira vitória na vida. Visando-a, não quero apenas atingir os quarenta adolescentes cheios de vida e cheios de ideal, que aqui se encontram. Meu alvo é maior. É à mocidade de minha Terra, que falo. Receba ela a minha palavra como a mensagem de vinte mil moços paulistas, que convidam para o bom combate os seus irmãos, no dia em que estes pisam pela primeira vez a grande liça da vida.

Meus jovens amigos.

Há onze anos, precisamente, quase dia por dia e hora por hora, eu me encontrava na situação em que hoje vos achais. Concluía os meus estudos ginasiais, e tinha abertas diante de mim as portas de cursos superiores. Nos discursos dos paraninfos, que os jornais publicavam, nos comentários dos meus colegas, nos cumprimentos de meus amigos, ecoava essa grande e justa alegria, de quem vence uma etapa na vida, e repousa por um momento sobre os louros legitimamente conquistados, antes de encetar nova caminhada. Incessantemente, se me dizia que minha vida passava por uma fase feliz que era como um laço de ouro, reunindo uma infância risonha e saudosa, a uma mocidade cheia de prazer e, talvez... a uma idade adulta cumulada de honras e de glória.

E, no entanto, no meio de tanta alegria, eu me sentia interiormente devastado por uma grande angústia, feita de nostalgia e de apreensões. As felicitações que minha geração recebia, os prognósticos felizes com que a presenteava, as perspectivas risonhas que lhe eram apontadas, me pareciam de um oco e cruel formalismo, à vista do drama que eu sofria no isolamento de minha vida interior. Eu sentia que a geração que nos tinha educado faltara lamentavelmente à missão para conosco. Onde procurávamos diretrizes, só encontrávamos gentilezas. Onde procurávamos conselhos, só ouvíamos frases gastas pela banalidade e repetidas sem convicção.

Não quero que alguém dentre vós me faça a censura muda mas amarga, com que minha geração condenou a maior parte dos paraninfos e conselheiros que teve.

Disse o eloquente orador que, em vosso nome, discursou há pouco, que vós me escolhestes para ser o cavalheiro experimentado na luta da vida, que vos arme, a vós também, guerreiros da vida. Esperais, pois, que eu seja para vós outra coisa que não um cicerone amável e insincero que vos mostre todos os encantos da vida, escondendo as agruras e os percalços que nela encontrareis.

Não vos direi, portanto, as gentilezas convencionais ou as promessas falaciosas que já se tornaram de estilo em circunstâncias como esta.

O que ouvireis de mim e por meu intermédio, da mocidade mariana de São Paulo, é uma palavra franca até à rudeza, mas sinceramente amiga. Mentiríamos perante Deus, perante vós e perante nós, se vos apresentássemos essa vida como uma sucessão de triunfos fáceis e de acontecimentos felizes. Trazemos na alma as cicatrizes dos grandes combates que travamos. Como um hino marcial, sentimos vibrar a todos os instantes, em nossos corações o chamado divino que nos convoca para a grande batalha. Concebemos a vida, não como um festim, mas como uma luta. Nosso destino deve ser de heróis e não de sibaritas. É esta verdade sobre qual mil vezes meditamos, que hoje vos venho repetir.

Qual é a angústia que sobre os meus companheiros de turma e sobre mim baixava como um crepúsculo cheio de dúvidas, exatamente na fase de nossa vida, que a literatice dos discursos oficiais convencionara chamar de aurora radiosa?

Esta angústia era, na sua expressão mais aguda e mais cruel, a grande crise da adolescência, que constitui um dos fenômenos mais importantes da História da civilização contemporânea.

Pouco têm escrito sobre ela os sociólogos e os historiadores. Não importa. Tratemos de analisar esta crise, de lhe apontar as origens, de lhe investigar os efeitos, e chegaremos à conclusão de que nela se encontra uma das causas mais ativas da grande catástrofe do mundo contemporâneo.

A crise da adolescência é, em via de regra, o fato culminante daquilo a que se poderia chamar a história interior de toda a humanidade, nos últimos cem anos. É na diferença das atitudes tomadas por nós e nossos avós perante esta crise, que se encontra, em grande parte, o segredo da radical oposição entre o século XIX e o século XX, na filosofia, na sociologia, na política, na literatura e nas artes.

Nos cento e poucos anos que medeiam entre a queda de Napoleão e os dias que vivemos, a sociedade tem educado a infância em princípios que, geralmente, são cristãos.

Faça-se a estatística do número de adolescentes que, anualmente concluem o curso em colégios católicos, e ter-se-á uma idéia da extensão que a influência cristã tem na formação da infância contemporânea. Por mais que, em nossos dias, os fatores do ambiente contrariem esta influência, ela ainda é considerável. E muito mais considerável ela foi nas gerações anteriores tão céticas quanto a nossa, mas mais respeitadoras – por espírito de tradição, se quiserem – da moral cristã.

No século passado (XIX), como neste século ainda, o lar e o colégio, os dois principais ambientes em que transcorre a infância, foram guiados, em via de regra, por um espírito que, ora mais ora menos intensamente, apresenta matizes cristãos.

No colégio católico, a doce figura do Cristo irradia sobre os alunos o esplendor de sua harmonia moral. Por mais que essa irradiação seja inconscientemente recebida como muitas vezes ocorre, ela não deixa de ser real. O Cristo que se contorce em sofrimentos e em súplicas pela humanidade, no Crucifixo do refeitório, o Cristo que, no altar da Capela, aponta aos alunos o seu peito entreaberto, no qual pulsa um coração abrasado de amor, o Cristo cuja doçura e cuja imensa misericórdia são ensinadas na aula de Religião, exerce sobre os alunos uma impressão profunda, a que não se furtaram sem sequer os campeões da impiedade do século XIX.

No lar, o Cristo também figura como um protetor benigno e supremo dos interesses domésticos. É à sua bondade, que se deve toda a felicidade da família. É à sua clemência, que a família recorre nos momentos amargos da provação. É à sombra de sua lei, que florescem castamente as afeições domésticas, é dEle, que emana o ambiente de pureza sem o qual a vida da família não é possível. O Cristianismo floresce no ambiente doméstico, não apenas pela eficácia do culto que aí se pratica, como na carícia casta da mãe, da irmã, na austeridade do pai, e na inocência da vida dos filhos.

No século XIX como no século XX – aliás no século XX menos do que no século XIX – é esta a regra geral.

Mas, com a adolescência, rompem-se os véus que ocultavam à infância o verdadeiro aspecto da vida moderna. E o jovem, afeito a um ambiente de Fé e de pureza, se vê forçado a ingressar inesperadamente em um mundo que prega uma lei diametralmente oposta à que ele aprendeu a respeitar.

A família, que até a véspera era o anteparo de sua moralidade, lhe comunica que, d'ora avante, abriu-se para ele a era das orgias e dos prazeres. Sobre sua face, não se pousarão mais, tão somente, os beijos castos dos afetos familiares. Seus braços não cingirão apenas o corpo puro da mãe ou da irmã. A chave da casa paterna, que lhe é entregue como símbolo de sua nova liberdade, significa que, para ele, estão igualmente abertas as portas do lar e dos lupanares. "Mocidade – dizem-lhe – é isto". E se "isto" contraria a lei do Cristo, o Cristo que se arranje como puder.

Enquanto, por um lado, a família trai seu dever, transformando-se em pregoeira ou cúmplice da corrupção, por outro lado, o colégio católico, anteparo da Fé, é substituído, na formação intelectual do adolescente, pela universidade laica. E lá lhe ensinam que a irreligião é o fruto necessário da razão, que a Fé é um instrumento para disciplinar meninos buliçosos, mas que deve ser rejeitada como crendice indigna, por um jovem cioso do seu brio intelectual.

Ao adolescente, educado no amor da Fé e da pureza, a sociedade dirige, no limiar da vida, uma frase que é a antítese da do famoso bispo de Reims: "curva a cabeça, cristão, queima o que adoraste e adora o que queimaste."

Se o adolescente tiver o heroísmo de resistir, o mundo o apupará como um covarde. Se tiver a covardia de ceder, aplaudi-lo-á como um herói.

Esboçando em largos traços o panorama da crise da adolescência na sociedade semi-cristã dos últimos cem anos, não tive a pretensão de enquadrar, nesta descrição, com todos os seus detalhes particulares, a imensidade de aspectos diversos que, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, essa crise pode assumir.

Em todos estes aspectos, no meio de tantas variantes, só quis destacar um traço fundamental, que se conserva invariável. Hoje como ontem – e, repito-o, ontem muito mais do que hoje – a influência da Religião se exerce sobre a infância, de modo todo particular. Essa influência, que a sociedade moderna tolera por um resto de Fé ou de tradição, entra em choque com as exigências do ambiente que rodeia a mocidade. Deste choque, nasce para os adolescentes a necessidade de optar por Cristo ou contra Ele. Mais consciente em uns, menos consciente em outros, esta necessidade se impõe a todos. E é nas lutas íntimas que esta opção provoca, que consiste, em síntese, a crise da adolescência.

Nesta crise, como procedeu o homem do século XIX? Colocado na contingência de optar pelo Cristo ou contra Ele, que partido tomou?

Um e outro. Ou melhor, nem um nem outro. A atitude do século XIX, na crise da adolescência, foi sobretudo, uma atitude de vacilação. Desta vacilação nasceu a grande característica do século, que foi a incoerência.

É peculiar ao Catolicismo uma admirável harmonia entre sua doutrina religiosa, seus princípios morais e suas diretrizes sociais. Não é possível negar a primeira, sem atacar os fundamentos dos outros. Como não é possível rejeitar a esta, sem se colocar em oposição flagrante com aquela. O monólito, desde que seja fragmentado, deixa de ser monólito. O Catolicismo, desde que seja privado de uma de suas partes, deixa de ser Catolicismo.

Não percebeu isto o século XIX. E exatamente por isto, na imensa vacilação que foi a causa de sua incoerência fundamental, o século XIX raras vezes chegou a repudiar completamente o Cristo pela boca de seus principais pensadores.

Era frequente encontrar-se, entre os maiores campeões da irreligião, um sentimento secreto e imperioso, que lhes ditava palavras de admiração para com aquela mesma religião que negavam.

Ouvi a confissão preciosa de Renan. É o grito de alma de uma pessoa que odeia o Cristo com um ódio ardente, mas que ainda sente, profundamente impressa na parte mais secreta de sua alma, aquela fascinação do Cristianismo, que o perseguia, mesmo no mais intenso de seu delírio de impiedade: "Tive a ventura de conhecer a virtude – dizia ele – sei que coisa é a Fé. Do tempo que já lá vai, conservei uma experiência preciosa. Sinto que minha vida é sempre governada por uma Fé que já não tenho. Tem a Fé isto de singular: opera mesmo depois de ter sido abalada. A graça sobrevive com o hábito, ao vivo sentimento que dela tivemos."

Renan, na sua estranha "Vida de Jesus", procurou destruir o Cristianismo. No entanto, a todo o passo encontram-se lado a lado, em sua obra, a blasfêmia pesada, e a admiração intensa. Jesus, na sua pena fantasiosa e incoerente, é, ora um prestidigitador de aldeia, que, para recrear os convivas de uma festa nupcial, soube fingir a transformação da água em vinho; ora um filósofo orgulhoso, que na exaltação do seu "eu" chegou às raias da loucura; ora finalmente o mais encantador dos homens, o mais sublime e o mais suave dos filósofos, o mártir heróico cuja morte foi tal, que, se um Deus morresse, morreria como Jesus.

À vista de uma tal incoerência, compreende-se este outro grito da alma, que foi encontrado entre os papéis mais íntimos de Flaubert:

"Eu quereria ser místico; deve haver belas volúpias em se crer no Paraíso, em afogar-se em ondas de incenso, em aniquilar-se aos pés da Cruz, em refugiar-se sob as asas da pomba. A primeira Comunhão é qualquer coisa de inocente. Não zombemos dos que choram. É uma bela coisa um altar coberto de flores que embalsamam o ambiente.

"Não há vida mais bela do que a dos santos, e eu quisera morrer mártir. E se há um Deus, um Deus bom, um Deus pai de Jesus que me envie sua graça, seu espírito, e eu o receberei, e me prosternarei. Eu compreendo bem os que jejuam e gozam a sua fome e sua privação. É um sensualismo muito mais fino do que qualquer outro. São as volúpias, os hábitos e as beatitudes do coração."

Esta a atitude do expoente da irreligião. Não foi diversa a atitude da generalidade dos homens.

A maior parte deles admirava a moral cristã, exigindo dentro do lar a sua rigorosa observância. O que não era obstáculo a que negasse os princípios religiosos em que se estribava esta moral, e se julgasse livre de a violar na vida extraconjugal.

A família continuava a viver cristãmente, ainda mesmo depois de perdida a Fé. Como dizia Renan, a sociedade do seu tempo conservava vestígios do Cristianismo, sem conservar a Fé, como um vaso que tem por algum tempo o perfume das flores que dele retiraram.

Outros, faziam o contrário. Conservavam a Fé mas desprezavam todas as conseqüências morais que dela decorrem. Católicos na igreja e no lar, eram pagãos na política, na vida profissional e, sobretudo, na vida extraconjugal.

Espíritos fragmentados, admirando verdades a que não obedeciam, ou obedecendo a princípios que não aceitavam, os homens do século XIX tinham dentro de si o imenso mal-estar que a prosperidade material apenas conseguiu anestesiar, e que tumultua necessariamente no coração de todo o homem que não estabeleceu dentro de si o reinado da coerência.

Fora deste imenso caudal de homens incoerentes que representava o pensamento do século XIX só dois filetes humanos corriam para direções divergentes. De um lado, os católicos completos – seria mais correto dizer simplesmente: os católicos – e de outro lado, os anti-católicos completos, isto é, os comunistas.

A incoerência é, para as sociedades, um estado transitório. No próprio século XIX já se haviam formado os dois polos de atração para os quais a humanidade deveria caminhar necessariamente, na ânsia de restabelecer a coerência.

De um lado, os comunistas, que estabeleceram a coerência na negação completa do Cristo. De outro lado, os católicos, estabelecidos na coerência da afirmação completa do Cristo.

A atitude do século XIX perante a Religião e a Moral foi uma atitude essencialmente contraditória.

A Religião e a Moral não eram consideradas necessárias e obrigatórias para todos os seres humanos, em todas as idades. Pelo contrário, para cada sexo, cada idade, cada condição social, havia uma situação religiosa e uma conduta moral oposta à que o século XIX preceituava para sexo, idade e condição social diferente. O século XIX admirava a "fé do carvoeiro", na sua simplicidade e na sua pureza. Mas ridicularizava como preconceito inconsciente a Fé do cientista. Admitia a Fé nas crianças. Mas condenava-a nos jovens e nos homens adultos. Quando muito, tolerava-a na velhice. Exigia a pureza para a mulher. E exigia a impureza para o homem. Exigia a disciplina para o operário. Mas aplaudia o espírito revolucionário do pensador.

Evidentemente, contradições tão profundas deviam gerar crises íntimas, de grande intensidade.

Em geral, foi em crises assim, que se formaram todos os agitadores que, no século XIX, atearam na Europa o incêndio dos ideais revolucionários.

E foi também em crises assim, que se formaram quase todos os grandes convertidos ao Catolicismo, que proclamaram bem alto, contra o mundo e o século em que viviam, a sua Fé na Igreja de Deus.

Os acontecimentos dramáticos de que o século XX tem sido ator e testemunha, só concorreram para precipitar o desenlace desta crise.

Cada vez mais, a atitude de incoerência das gerações passadas vai sendo repudiada pelas gerações presentes. A bem dizer, nas gerações que despontam, só se deixam governar pela moral fragmentária do século passado os insuficientes, os displicentes, os indiferentes.

A mocidade que ora ingressa na vida, já não é mais capaz de admirar e combater simultaneamente o Cristo, como fez o século de Renan. Ou de crer no Cristo mas desinteressar-se de Sua causa, como fez a turbamulta dos católicos indiferentes que no século passado cruzaram os braços ante a investida revolucionária desfechada contra a civilização católica.

Extremados no ódio como no amor, os moços de hoje são capazes de se aproximar do Cristo para adorá-lo com a adoração profunda de um São João Evangelista, ou para serví-lo com a abnegação levada ao martírio, de um São Pedro ou de um São Paulo. Ou para dinamitar suas igrejas e destruir seus monumentos, desejosos de reduzir a pó os últimos alicerces da Fé, com o mesmo ódio frio e meticuloso com que o centurião romano cravou a lança no flanco do Divino Salvador. É fácil encontrar-se, nas gerações que nascem, a adoração sem reserva ou o ódio sem limites. Entre os moços de hoje, encontra-se quem siga a Jesus ou quem siga a Barrabás. Mas vai desaparecendo cada vez mais a raça espiritual de discípulos do Pôncio Pilatos.

Hoje, mais do que nunca, o Catolicismo e o comunismo aparecem claramente como os dois polos opostos, para os quais converge a humanidade. Entre o Catolicismo e o comunismo não há meio termo possível. Aqueles que procuram encontrar um terceiro caminho para a humanidade, que não seja, nem o caminho de Roma nem o de Moscou, se extraviam por um labirinto no qual, depois de longo caminhar, chegarão necessariamente ou ao Vaticano ou ao Kremlin.

Atendei bem para esta afirmação, meus jovens amigos. Além de verdade teórica, ela encerra uma lição dada pela experiência. Se o mundo tem de ser salvo pela esquerda, a salvação só pode estar no comunismo absolutamente radical, absolutamente ateu, absolutamente materialista. Se ele tem de ser salvo pelo Cristianismo, só poderá ser salvo pelo Catolicismo, que é a sua expressão mais autêntica, mais completa, mais coerente.

Quem se embrenha pelas sendas escorregadias do socialismo corre o risco de descambar – inconscientemente embora – para o comunismo, ou de permanecer eternamente em um meio termo no qual não pode estar a salvação. Quem sobe pelas veredas abruptas do espiritualismo, ou atinge a culminância em que está o catolicismo, ou se expõe a errar perpetuamente por caminhos inóspitos, ladeados de precipícios e de perigos, sem encontrar para o espírito, nem guarida, nem repouso.

Queirais ou não queirais, o vosso destino será este: ou sereis soldados da Cruz, ou servireis nas hostes da foice e do martelo. (Apoiados e palmas).

Compreendeis, agora, qual a mensagem que vos trago.

As falanges marianas são, no Brasil, um exército quase inumerável, de moços que, em um combate de todas as horas e de todos os minutos, pugnam pelo Cristo e pela civilização, contra o mundo contemporâneo que rola pelo abismo da anarquia, impelido pela força de seus próprios vícios.

Nossa luta não se trava por enquanto em campo de guerra com as armas na mão.

Antes de tudo, nossa luta é interior. Se queremos que o Cristo reine no mundo contemporâneo, devemos começar por querer que Ele reine em nós. É inadmissível que queiramos o Brasil governado pela lei do Cristo, mas que esta Lei não reine invariavelmente em nossa inteligência, em nossa vontade e em nosso coração. Nossa maior luta, nosso primeiro combate é todo interior. Combatemos dentro de nós mesmos o mundo moderno, que nos quer arrastar para uma vida que nossos princípios condenam. Em um mundo impuro esforçamo-nos por sermos puros. Em um mundo entregue aos prazeres, vivemos de trabalho e de austeridade. Em um mundo sedento de dinheiro vivemos de renúncia e de abnegação. Em um mundo apaixonado pela desordem e pela indisciplina, vivemos na disciplina por amor à Ordem.

Vencida no íntimo de nós a investida anti-cristã, que ronda em torno de todos nós, tratemos de vencê-la no cenário do Brasil hodierno.

Pela palavra, pelo exemplo, pelo estudo, o Congregado Mariano é um pregador infatigável do grande ideal pelo qual vive. Indiferente à admiração de alguns como ao desprezo de muitos, ele segue o seu caminho invariavelmente reto, cumprindo o dever, amando o próximo, amando a Pátria, servindo a todos os semelhantes, por amor de Deus. De sorte que, na sepultura de cada Congregado Mariano, a Pátria possa escrever um dia, como epitáfio, aquelas palavras admiráveis que o Apóstolo disse do próprio Cristo Jesus: "Pertransiit benefaciendo – Passou pela vida praticando o bem.”

Mas o amor ao bem tem como corolário necessário o ódio ao mal. O Congregado Mariano é um inimigo irredutível do mal. Onde muitos se calam, onde tantos se acovardam, onde quase todos silenciam, a voz do Congregado Mariano se ergue altiva e denodada, para estigmatizar o mal, para desmascarar seus partidários, para contrariar os ardis dos inimigos da civilização. Com a mesma indiferença com que enfrenta hoje os sarcasmos e as perseguições, enfrentará amanhã os canhões e as baionetas. Não há barreira que seu idealismo não vença. Não há dificuldade que sua abnegação não supere. Não há obstáculo que prevaleça contra a sua tenacidade enérgica e invencível.

Se, em vez de vinte mil congregados desta têmpera, o Brasil tivesse duzentos mil, dizei-me: ter-nos-ia algum dia ameaçado o perigo comunista? Ainda subsistiria ele em nossa Pátria? Evidentemente, não.

Meus jovens amigos:

Uma tradição já consagrada impõe aos paraninfos o dever do acenar aos bacharelandos com risonhas imagens de felicidade.

Não quero fugir à regra. Mas, em lugar de vos dirigir simplesmente um voto de felicidade, quero fazer-vos aqui uma promessa solene. Sede dos nossos, e a felicidade descerá sobre vós como uma aurora magnífica, no seio de todas as lutas, de todas as tribulações, de todas as dificuldades que a vida nos possa apresentar.

Colocai o Cristo no centro da vossa vida. Fazei convergir para Ele todos os vossos ideais. Diante da grande luta, que é a nobilíssima vocação de vossa geração, repeti ao Salvador a frase famosa: "Domine, non recuso laborem – Senhor, não recuso o trabalho que me pedis”.

Com esta frase, integrados nas nossas fileiras, salvareis o Brasil.

Nos meus braços, que ora se abrem afetuosamente para vós, estão os vinte mil amplexos dos vinte mil Congregados Marianos do Estado de São Paulo. Neste imenso amplexo com que vinte mil corações e vinte mil almas vos esperam no caminho do dever, no campo da luta pela Igreja e pela civilização, sentireis eflúvios dulcíssimos em que palpitaram o heroísmo e o amor que só aos pés do Cristo se podem haurir.

Não tenhais medo da luta que se abre diante de vós. É dos que lutam como vós, a felicidade.

E é esta a felicidade que eu vos prometo.

Há vinte séculos já foi ela prometida ao mundo, do alto de uma montanha da Palestina:

"Felizes os que têm o espírito desapegado das riquezas desse mundo, porque deles é o reino dos céus."

"Felizes os mansos, porque eles possuirão a terra."

"Felizes os que choram, porque eles serão consolados."

"Felizes os que têm fome e sede de virtude, porque eles serão fartos."

"Felizes os misericordiosos, porque eles alcançarão a misericórdia."

"Felizes os puros, porque eles verão a Deus."

"Felizes os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus."

"Felizes os que padecem perseguição por amor da virtude, porque deles é o reino dos céus."

"Felizes sereis quando vos amaldiçoarem e perseguirem, e mentindo disserem todo o mal contra vós, por ódio ao Cristo. Enchei-vos de alegria e exultai, porque o vosso galardão é muito grande nos céus."

Meus jovens amigos:

É esta a felicidade que vos desejo. Felicidade profunda, felicidade completa, felicidade solidamente alicerçada na maior fonte de venturas que o homem possa ter e que é a paz de um coração que vive na lei de Deus.

Com Cristo, meus jovens amigos, sede felizes.


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