Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Legionário”, n° 145, de 13 de maio de 1934

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Um resumo do discurso abaixo transcrito foi, também, publicado no “Estado de São Paulo”, de 6 de abril de 1934, 1ª. página.

Anais da Assembléia Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XIII, pp. 244-258

112ª. Sessão, em 5 de abril de 1934

Apelação ex officio das sentenças declaratórias de nulidade do casamento e direito de voto dos religiosos

O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. Corrêa de Oliveira.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Sr. Presidente, a atuação que tenho tido nesta casa dá aos meus ouvintes, por certo, a impressão que trago à tribuna o desejo de tratar das reivindicações religiosas, aqui suscitadas. No entanto, outro assunto de alta relevância - e que se deve resolver no terreno da mais pura técnica jurídica -, me força a dividir meu tempo entre dois temas, dos quais o primeiro será a constitucionalidade da apelação ex officio das sentenças declaratórias da nulidade de casamento, e o segundo uma impugnação à proibição do voto aos religiosos, acompanhada de um exame sucinto da situação dos religiosos, membros de ordens religiosas, no substitutivo da Comissão dos 26.

O anteprojeto do Governo Provisório continha um artigo tornando obrigatória a apelação ex officio com efeito suspensivo, para as sentenças declaratórias de nulidade de casamento. Esse preceito, altamente moralizador, e que produziria os melhores efeitos sobre a unidade da família brasileira, foi abolido pela Comissão dos 26, no estudo que empreendeu, prejudicando com isso gravemente os verdadeiros interesses, quer da honestidade e da probidade da Justiça nacional, quer da unidade da família.

Não posso compreender quais tenham sido os móveis da Comissão dos 26 ao estabelecer a supressão de que trato; só a posso atribuir ou a considerações versando sobre os inconvenientes da apelação ex officio como remédio processual, ou então sobre a inconstitucionalidade da medida pleiteada. No entanto, em que pese à autoridade dos doutos jurisconsultos que fazem parte da Comissão dos 26, eu me vejo na contingência de deles discordar, procurando demonstrar, por um lado, que no terreno processual a apelação ex officio é um remédio perfeitamente cabível e absolutamente consentâneo com os interesses das partes em litígio e do Estado; e, por outro lado, pretendendo demonstrar também que é perfeitamente constitucional dentro da acepção moderna que se dá à palavra “constitucionalidade”. Abstenho-me, no entanto, de provar a existência do mal que o Governo Provisório tinha em vista remediar, quando incluiu no anteprojeto que nos remeteu, a obrigatoriedade da apelação ex officio. Efetivamente está isso no consenso de todos. As anulações de casamento feitas entre nós têm obedecido muitas vezes a motivos inconfessáveis, têm sido realizadas de modo absolutamente irregular, acarretando como conseqüência a introdução virtual do divórcio a vínculo, exatamente para uso daqueles que, pelas somas avultadas de dinheiro de que podem dispor, têm em suas mãos a faculdade de anular os seus casamentos por meio da peita e do suborno. E particularmente grave se apresenta a irregularidade que quero coibir, por ser justamente nas classes mais elevadas da sociedade, naquelas que, pelos seus meios de vida, pela sua cultura, pela sua posição, dão exemplo a todo o corpo social, por ser justamente nelas que se manifesta a gangrena, o germen de dissolução da família brasileira.

O Sr Arruda Falcão - Felizmente, casos muito raros.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Muito raros, em alguns Estados. Infelizmente, e os meus colegas podem confirmar o fato, vão se tornando cada vez menos raras essas anulações em algumas das unidades da Federação.

O Sr. Pinheiro Lima - Realmente, tenho observado que o mal se vai tomando ameaçador, pela rápida multiplicação dos casos de anulação irregular.

O Sr. Almeida Camargo - Também eu me tenho impressionado com isto. V Ex.cia tem razão. Tais casos, já numerosos, tendem a multiplicar-se pronunciadamente.

O Sr. Arruda Falcão - V Ex.cia está constatando fatos verídicos, ainda que raros, e cumpre legislar para que se não multipliquem.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Sr. Presidente, levanta-se habitualmente, a este propósito, objeção que pretende desfazer minha argumentação.

Alega-se que estabelecer a obrigatoriedade de apelação ex officio para as sentenças declaratórias de nulidade de casamento é, implicitamente, proclamar a falência da Magistratura brasileira, seria incidir em desprimor para com a Magistratura de primeira instância. No entanto, não posso aceitar esse argumento, porque me parece que a honradez insuspeita e incontroversa da grande, da imensa maioria dos nossos juízes de primeira instância, só poderá encontrar motivos de júbilo diante de medidas legislativas que tenham por efeito coibir abusos de alguns de seus colegas que desmereçam da confiança com que, ao lhes conferir a Magistratura, os honrou a Nação brasileira.

O Sr Ferreira de Sousa - Há o seguinte: a apelação ex officio, em todas as sentenças anulatórias de casamento, foi medida adotada inicialmente no Estado do Rio, em vista de certos fatos muito nossos conhecidos, ocorridos em determinadas comarcas, próximas da capital; mas é de acrescentar - e para isso dou a informação a V. Ex.cia - que tais apelações ex officio não têm dado resultado, porque, normalmente, o Tribunal da Relação confirma as sentenças anulatórias de casamento, simplesmente porque houve conluio, na primeira instância, entre as partes.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - O meu nobre colega, com seu aparte esclarecedor, vem confirmar o que acabo de sustentar, isto é, que são, realmente, numerosos esses casos de anulação de casamentos e que a apelação ex officio é a melhor providência de que nos devemos socorrer para evitar o mal.

Na elaboração das leis que virão depois do Pacto Constitucional será, no entanto, necessário prever outros meios de fraude, como os que o colega denuncia, que não estão na alçada de uma Constituição, porque a pequena relevância de suas minúcias não cabe dentro da gravidade, da austeridade de um pacto fundamental. Mas o legislador futuro não deverá parar na etapa constitucional do caminho que desejo apontar; deve ir muito além, descendo a minúcias muito criteriosas a fim de coibir de vez o abuso.

Interpreto, portanto, o aparte do ilustre colega, como uma confirmação das minhas palavras.

O Sr. Ferreira de Sousa –  Interrompi V Ex.cia, não direi para esclarecer, mas apenas para citar casos que corroboram as afirmações do digno colega.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Sr. Presidente, como dizia o Sr. Deputado Ferreira de Sousa, o Governo Provisório já teve ocasião de legislar a respeito dos abusos que agora nos preocupam, estabelecendo a obrigatoriedade da apelação ex officio, e o Ministro Oswaldo Aranha - nós o podemos constatar no livro do Sr. Mendonça de Azevedo, Elaborando a Constituição - quando teve de apresentar a parte do projeto referente à família, na comissão elaboradora do anteprojeto governamental, com a sua autoridade de antigo titular da pasta da Justiça, sugeriu a medida que ora defendo, justificando-a com os termos mais enérgicos, e verberando, de modo o mais categórico, isso que chamava “os maiores escândalos verificados no Brasil ultimamente”. (Muito bem.)

Parece-me que posso passar à segunda parte das minhas considerações, uma vez que está pacífico entre os meus dignos colegas que o mal é da maior gravidade, e que merece remédio legislativo.

Argumentou-se contra a conveniência da apelação ex officio, como meio processual.

O Sr. Arruda Falcão - É de toda a conveniência, porque há vários casos em que o interesse em litígio justica a revisão da sentença do Tribunal Superior.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Exatamente. Como dizia, tem sido afiançado que os tribunais de segunda instância, já sobrecarregados por processos de toda a ordem, só muito lentamente poderão decidir as apelações ex officio, encaminhadas ao seu conhecimento, e que as apelações tornam muito lentos os processos de anulação de casamento, com grave prejuízo para as partes. A esta objeção, eu respondo que, se entre o prejuízo para as partes e o gravíssimo prejuízo para os interesses da sociedade, houvesse de se estabelecer um conito, eu estaria inteiramente ao lado dos interesses coletivos, contra os interesses individuais.

O Sr: Xavier de Oliveira - Com V. Ex.cia está a maioria da opinião nacional. (Muito bem.)

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Muito obrigado a V. Ex.cia.

Devo ponderar, no entanto, a V. Ex.cia que, parece-me, esse argumento absolutamente não procede porque ele descobre apenas um mal de que talvez devamos tratar nesta Constituição, ou que será afeto à sabedoria dos Constituintes Estaduais, quando se ocuparem do assunto. O mal é exatamente o acúmulo de tarefas com que se vêm assoberbadas as segundas instâncias das justiças estaduais, acúmulo esse que redunda forçosamente em prejuízos para a Justiça. Entretanto, não é porque o aparelhamento da Justiça dos Estados seja insuficiente para dar vazão a todas as suas necessidades, que se deverá pôr em risco a estabilidade do vínculo conjugal; não há de ser por esse motivo que haveremos de permitir que o suborno se introduza no seio da nossa Magistratura, e que a mancebia tome ares de legalidade, pretendendo ombrear com famílias legítimas, em situação de igualdade na consideração social.

Não é, portanto, argumento que se possa apresentar, máxime num momento como este em que temos em nossas mãos os destinos do País, com a possibilidade de alterar ou reformar todos os pontos de sua legislação.

Tem-se argumentado, também, a respeito de custas; não sei se esse ponto merece que me alongue muito. É preciso, entretanto, ponderar que, ainda aí, seria mais vantajoso prescindir das custas decorrentes das apelações ex officio, do que cobrar essas custas altas, caras como as que atualmente se cobram, para evitar graves inconvenientes para a família que, do contrário, ficará com a sua estabilidade prejudicada.

Afirma-se, também, que nos processos de anulação de casamento intervém, forçosamente, um curador para defender os interesses superiores do Estado, de sorte que a apelação ex officio se torna desnecessária.

Penso que esse argumento também não merece exame detido. Os fatos que acabam de ser tão claramente comprovados pelos meus eminentes colegas, mostram, eloqüentemente, que a intervenção dos curadores tem sido inoperante e, por isso, é indispensável recorrer a medida processual de outra natureza.

O Sr Ferreira de Sousa - A intervenção dos curadores não é nem operante nem inoperante; depende, simplesmente, do modo de ver do juiz que nomeia o curador. Há juízes, por exemplo do Distrito Federal, que só nomeiam curadores ao vínculo advogados reconhecidamente inimigos do divórcio, de sorte que eles sabem, de antemão, que esses advogados vão naturalmente defender o vínculo; mas, quando o juiz se acumplicia com as partes para nomear curadores ao vínculo, que com elas também se combinam, não há eciência do curador nem do próprio juiz.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Por esse motivo, dizia eu que os curadores são inoperantes, pois que sua ação falha exatamente naqueles casos em que deveriam funcionar com mais severidade, e com conhecimento mais austero de seus deveres, isto é, quando devem servir de fiscais à inconsciência de um juiz venal.

Quanto à constitucionalidade da medida, devo notar, in limine (no limiar, antes, n.d.c.), que o eminente jurisconsulto João Mangabeira, na comissão elaboradora do anteprojeto constitucional, do Governo Provisório, quando o Sr. Ministro Oswaldo Aranha pretendeu introduzir no projeto da Constituição alguns dispositivos relativos à indissolubilidade do vínculo conjugal, alegou não ser esta matéria constitucional. O Sr. Ministro Oswaldo Aranha - e essas informações podem ser lidas no livro Elaborando a Constituição, que todos os Srs. Deputados têm em mãos - fez sentir ao Sr. João Mangabeira que, uma vez que o casamento era posto sob a proteção do Estado, em nada repugnava que se procurasse assegurar a indissolubilidade do vínculo conjugal, por meio de preceito constitucional.

O Sr. João Mangabeira, então, num gesto de alta compreensão de seus deveres, como representante do pensamento brasileiro, declarou que, pessoalmente favorável ao divórcio, no entanto, dentro da comissão ou, se fosse Deputado, dentro da Constituinte, votaria contra o divórcio, por estar certo de que [votar a favor] representaria medida altamente antipática para a maioria da população brasileira; motivo pelo qual, consciente de seus deveres, aceitava os argumentos do Sr. Ministro Oswaldo Aranha e dava seu voto para que a afirmação da indissolubilidade do vínculo conjugal constasse na Carta Constitucional.

Quando se tratou da medida que ora me preocupa, nem o Sr. João Mangabeira levantou o menor protesto. Adversário, no entanto, da indissolubilidade do vínculo, já era para ele medida mansa e pacífica a constitucionalidade da apelação ex officio, das sentenças anulatórias do casamento.

Seria muito de desejar que essa largueza de vistas fosse extensiva a todos os Deputados. Infelizmente, porém, por uma circunstância ou por outra, talvez porque não quisessem ver, com clareza, a unanimidade que há, no Brasil, contra o divórcio, alguns de nossos constituintes entenderam que essa medida seria inconstitucional, que seria inconveniente talvez, e, por isso, suprimiram-na no substitutivo.

O Sr Arruda Falcão - Foi um erro. Não atenderam a que estamos elaborando uma Constituição em sentido lato, isto é, não limitada à organização do Estado, mas estendendo-se à organização social.

O Sr. Ferreira de Sousa - Há uma espécie de fetichismo pelas fórmulas feitas. A matéria constitucional é abstratamente declarada inconstitucional, quando deveriam compreender que numa constituição pode gurar tudo que convenha, aos altos interesses do País, considerar como medida de caráter permanente.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Os apartes dos nobres colegas muito me satisfazem e de certa maneira vão antecipando a demonstração da matéria de que me ocupo, e que, já agora, julgo não ser tão necessária.

Um dos mais eminentes membros desta Casa, o Sr. Carlos Maximiliano, sustenta - e é um dos paladinos desse pensamento -, a velha doutrina da constitucionalidade, que se admite apenas em casos restritos, atendendo exclusivamente à natureza especial da matéria que se quer incluir na Constituição.

O Sr. Homero Pires, entretanto, em memorável discurso pronunciado dessa tribuna, provou, cabalmente, que a constitucionalidade de uma matéria não depende hoje em dia da natureza do assunto, mas apenas da sua relevância. Para este efeito, citou uma série de disposições legislativas, adotadas em outros países, que pretendo reproduzir.

Dizia o Sr. Carlos Maximiliano, por exemplo:

A hierarquia, como todo mundo sabe, mas é preciso no momento aludir a ela, consiste em colocar em primeiro lugar um código supremo. Com essa série de necessidades, a que de passagem me referi, com essas exigências da civilização contemporânea, por mais concisa, por mais resumida, por mais perfeita sob o aspecto técnico que ela seja, já não pode ser tão breve, tão curta quanto às leis anteriores congêneres.” §

Mesmo ele já admite alguma elasticidade no seu conceito inexível.

Em todo o caso, porém, forma a cúpula de todo o sistema; é apenas o arcabouço da legislação nacional. Corporica o pensamento do povo naquele momento...”

Se quiséssemos corporificar, agora, o pensamento do povo brasileiro...

...e atende de maneira global às suas mais prementes necessidades. Depois, vêm as leis orgânicas, também já não alteráveis tão facilmente, um pouco mais desenvolvidas, mas expondo os princípios cardeais para a justiça, para as Forças Armadas, e para a higiene, para a educação. Em seguida, as leis ordinárias.”

Vimos como esta Casa - na votação que fez em primeiro turno - rejeitou, radicalmente, essa orientação, admitindo, no substitutivo, medidas referentes às Forças Armadas, à justiça, à educação e, até, à família, aceitando ainda como assunto constitucional a indissolubilidade do vínculo conjugal - que S. Ex.cia pretendia não fosse constitucional -, e mantendo como constitucional um artigo que trata da proteção ao patrimônio artístico do país.

Outra tendência, a do professor Homero Pires, foi muito brilhantemente expressa. Quero reproduzir algumas das palavras do seu discurso.

Dizia S. Ex.cia, depois de defender o sentido lato da noção de constitucionalidade, aceito pelas modernas constituições:

Nesse sentido o que é constitucional e o que não é constitucional? Difícil se torna a resposta... Precisamos compreender a Constituição como a soma de todos os interesses familiares, econômicos, industriais, cientícos, morais e jurídicos da nação brasileira.

E o eminente professor mostra, a seguir, que o único critério é o da relevância da matéria, sob qualquer dos aspectos acima enumerados.

Aristóteles, citado pelo famoso constitucionalista anticatólico Jiménez de Assua (Comentários da Constituição Espanhola), define a Constituição:

A ordem estabelecida no Estado, com referência às diferentes magistraturas e ao seu funcionamento, determina a soberania do Estado e o objeto de cada associação política.”

Jiménez de Assua mostra, muito bem, como, com a evolução do espírito jurídico, a parte dogmática - e insisto nesta palavra que é empregada por um escritor anticlerical -, introduzida pela Revolução Francesa nas constituições políticas, já lhes alargou o conceito.

O Sr. Ferreira de Sousa - Perfeitamente.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Mais tarde, lentamente, se verificou que a vida de um povo não podia depender apenas de uma carta constitucional, tratando de problemas rigorosamente políticos e jurídicos, pois que o desenvolvimento das ciências sociais demonstrou cabalmente que as questões políticas estão intimamente ligadas às de ordem social, cuja solução condicionam de maneira muito importante.

Chegando a ciência jurídica a essa conclusão, não foi mais possível fechar as cartas constitucionais às soluções de problemas de natureza social. E temos [o Sr.] Carlos Maximiliano contrariando a orientação do eminente jurista, quase todas as cartas promulgadas na Europa depois da guerra, e algumas até anteriores, repudiando formalmente qualquer diferenciação sobre a constitucionalidade por força da natureza do assunto, para aceitar como critério apenas a sua relevância.

O Sr. Ferreira de Sousa – V. Ex.cia pode citar a própria França, onde a Constituição é muito resumida. Hoje, uma das grandes campanhas no sentido de reformá-la visa alargar o seu campo de ação, estendendo-o a outros problemas.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA – Perfeitamente.

Vem muito ao caso citar alguns exemplos. A Grécia, verbi gratia, a Grécia ortodoxa - não pensem que é arrojo dos católicos - declara inalterável o texto das Sagradas Escrituras e proíbe edições não autorizadas pela igreja ortodoxa autocéfala.

A Suíça atribui à União a incumbência de legislar sobre caça e pesca, com a particular recomendação de conservar a caça maior e defender as aves úteis à agricultura e silvicultura, e ordena que as reses destinadas a serem sacrificadas se insensibilizem previamente.

A Alemanha coloca as paisagens, em sua Constituição, sob a proteçao do Estado.

O Sr. Mário Ramos - Não pode haver maior detalhe.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - A Holanda traz numerosas disposições, na sua Constituição, referentes às águas. O México tem legislação particular, de natureza constitucional, sobre o petróleo e os carbonatos de hidrogênio. Os Estados Unidos, cujo modelo procuramos seguir em matéria constitucional, incluíram na sua Constituição a lei seca. A Espanha admitiu como matéria constitucional o divórcio a vínculo. É exatamente para justificar este exemplo que argumenta Jiménez de Assua dizendo ser perfeitamente constitucional o preceito do divórcio a vínculo, uma vez que tal matéria é relevante para o interesse do Estado...

O Sr: Ferreira de Sousa - Aliás, a Constituição espanhola o consagrou.

O Sr. Barreto Campello - Em sentido contrário ao nosso.

O Sr. Arruda Falcão - Mas a matéria jurídica é a mesma.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - ...mostrando a que ponto na realidade o pensamento jurídico moderno quebrou os moldes de aço dentro dos quais o Sr. Maximiliano queria comprimir nossos trabalhos constitucionais, admitindo-se hoje toda a sorte de assuntos como matéria para uma constituição.

Na nossa Constituição de 91, as liberdades individuais tiveram a maior proteção e desenvolvimento. Se os Constituintes de 91 não fugiram diante no expediente de incluir na Carta Constitucional medida eminentemente processual, como o hábeas corpus, por reputá-lo imprescindível para a defesa das liberdades individuais, por que motivo não havemos de acompanhar a marcha dos espíritos e a evolução da ciência jurídica? Por que motivo não havemos de incluir na Constituição as apelações ex officio, para as sentenças anulatórias do casamento, uma vez que este também passa a ser matéria constitucional e é colocado sob a proteção especial do Estado?

Parece que foi suficientemente demonstrada a inanidade do argumento que se opõe a essa medida, altamente salutar e moralizadora.

O Sr: Arruda Falcão - V Ex.cia permite um aparte?

Quero apenas dizer que não será só pela relevância da matéria, mas pela sua própria natureza, que a Constituição legislará, pois cumpre ao Estado regular a existência das instituições e entre todas, portanto, da família.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Aliás, a família é instituto de direito público. O aparte de V. Ex.cia vem esclarecer minha tese.

O Sr. Almeida Camargo - Basta que nos dispamos do tabu das definições.

O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - É exatamente este o mal.

Houve alguém em São Paulo, o Dr. Plinio Barreto, que [a] comparou à antiga Arca da Aliança, na qual não se podia tocar sem ser fulminado. Infelizmente, estou me expondo a ser excomungado da ciência jurídica, por parte de alguns dogmatistas, inimigos contraditórios de outros dogmas, que aceito. Mas eu faço mesmo questão de parecer herege na sua igreja, exatamente como eles o fazem quanto à minha.

Creio, Sr. Presidente, que não será mais necessário que me estenda a respeito dessa matéria, que encontrou tão boa aceitação. Uma vez estabelecido que o único critério para a constitucionalidade de qualquer assunto é sua relevância, [creio] apenas necessário lembrar que também é relevante esta medida, que vem enfrentar exatamente dois perigos mortais, debelando germes de corrupção, que se instituíram em partes absolutamente vitais, da organização do País, como seja a estabilidade do vínculo conjugal e a honestidade da magistratura.

Posso, portanto, passar à parte segunda das minhas considerações, que versa sobre matéria inteiramente outra.

(continua em outra postagem)


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