No cinqüentenário da revolução constitucionalista

Discurso do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1932 delineia perfil de um Brasil renovado

 

 

 

 

 

 

 

“Catolicismo” Nº 378, Junho de 1982

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São Paulo, 1º de setembro de 1932.

Após quase dois meses de revolução, os paulistas traídos e abandonados haviam compreendido que uma vitória militar não seria possível. Mas, conhecendo a insegurança e a fraqueza das bases de sustentação de Getúlio Vargas, São Paulo prosseguia numa resistência tenaz e heróica, na esperança de que seu exemplo pudesse despertar novos focos de  reação em outros pontos do País.

A esta altura, pelas ondas de duas emissoras paulistanas, as Sociedades  Rádio Educadora Paulista e Rádio Cruzeiro do Sul, chega a todos rincões do Estado a voz ardorosa e cheia de fé de Plinio Corrêa de Oliveira, o jovem líder católico que tão importante pape! iria desempenhar na  fundação da Liga Eleitoral Católica, e na defesa dos postulados religiosos durante a Constituinte de 1934.

Foi o primeiro discurso a tratar dos assuntos relativos à organização  que seria dada ao Brasil se vitoriosa a revolução de 1932. Por este motivo, a censura, querendo evitar explorações políticas, permitiu que se pronunciasse o discurso, mas impediu sua divulgação pelos jornais. A própria autorização concedida ao orador deveu-se ao fato de o texto se caracterizar pelo teor católico e extrapartidário.

Como São Paulo estava sob severa censura de guerra, o orador teve que se ater estritamente às informações oficiais, divulgadas pelo governo paulista. Os leitores notarão que os princípios defendidos no discurso são exatamente os mesmos que nortearam, nos últimos 50 anos, toda a atuação pública do fundador e Presidente da TFP. Para este jornal, é particularmente grato ressaltar que tais princípios, em linhas gerais, são os mesmos que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira teve em vista ao redigir, em janeiro de 1951, nosso editorial-programa “A Cruzada do Século XX”.

É esse discurso inédito que “Catolicismo” se rejubila em apresentar a seus leitores, por ocasião das comemorações do cinqüentenário da revolução paulista:

No belo brasão de armas com que acaba de ser dotado o Estado de São Paulo, figura, como sinal heráldico principal, a espada com que a Igreja costuma representar o Apóstolo São Paulo, o indomável evangelizador dos gentios. É intenção da Igreja salientar assim o espírito combativo do grande Apóstolo.

Nosso Estado, no momento da luta, ao escolher seu brasão de armas, homenageia seu Patrono, ostentando-lhe a espada, como que a indicar que a sua energia combativa, posta sempre a serviço da causa de Deus, é o grande modelo em que se inspiram os heroísmos de que nosso Estado tem sido fecundo.

E foi desembainhando esta espada posta a serviço da causa da Pátria, da família, e da propriedade, que, no dia 9 de julho, o Estado São Paulo se erguia como um só homem, para depor a Ditadura chefiada pelo Dr. Getúlio Vargas.

Desde os primeiros instantes de luta, a maravilhosa unanimidade dos habitantes de Piratininga se revelava através de uma estreita colaboração, que se ia estabelecendo entre todos os fatores econômicos, políticos, sociais, intelectuais e espirituais do progresso paulista.

Hoje, 1º de setembro, depois de 51 dias de luta, a Ditadura pode constatar sua impotência em sufocar a revolução nascida em São Paulo. Em todas as frentes, os comunicados oficiais anunciam o fracasso das ofensivas tentadas por nossos adversários. Suas investidas encontraram na resistência paulista uma barreira intransponível; contra a qual se arremessaram em vão os esforços da artilharia e os ardis maquiavélicos que, de há muito, o Direito prescreveu das guerras entre exércitos civilizados.

Ainda que outros fatos mais favoráveis não existissem, esta resistência tenaz dos paulistas já nos poderia sorrir como auspicioso prenúncio da vitória.

O Brasil, porém, acode todo ele pressuroso ao chamado de São Paulo. O Rio Grande do Sul se convulsiona. Agita-se o Rio de Janeiro. Irrompe um levante em Minas. Motins ensangüentam a Bahia. Por toda a parte, enfim, uma reação decidida mostra à evidência que a condenação do escol dos brasileiros cai severamente sobre a Ditadura, abandonada por todos, e defendida apenas por um pequeno grupo de fiéis, que vão haurir no desespero toda a sua energia combativa.

Como a árvore, que faz estalar sua velha casca, um Brasil novo surge e se manifesta, que por toda a parte se revolta contra a rede de interventores que o Governo Provisório espalhou sobre nosso território.

A vitória se aproxima, portanto. Não nos esqueçamos, porém, nas alegrias do triunfo, das preocupações inerentes à reorganização nacional. Napoleão Bonaparte afirmava que vencer é pouco; o importante é aproveitar o sucesso. Modificando ligeiramente a afirmação do grande general corso, poderíamos dizer que vencer é muito, mas de nada vale, se não for bem aproveitada a vitória.

Ora, a vitória não será bem aproveitada, enquanto não forem definitivamente removidos, até nas suas causas as mais remotas, os fatos que nos forçaram a apelar para o recurso extremo das armas.

Não nos iludamos sobre as causas profundas da tremenda crise que o Brasil atravessa, e que enche de angústias a mais tormentosa quadra de nossa História. A crise do Brasil apresenta sintomas econômicos, sociais, políticos. Sua raiz, porém, é de ordem moral, e exclusivamente moral.

E se alguém ainda duvidasse da existência ou da profundidade do mal, dir-lhe-íamos que atendesse ao fato simplesmente inquietante de, em um País que tem quatro séculos de História honrada e cheia de brilho, aparecer subitamente uma Ditadura cujos atos mereceriam figurar em operetas, e não em compêndios de História, que arvora a anarquia administrativa em sistema de governo, e a arte de despistar em arte de governar.

Qual o ponto de apoio desta Ditadura? Como o sepulcro de Maomé, suspenso entre o Céu e a terra, a Ditadura nenhum apoio tem, quer de Deus, quer dos homens.

Quais os defensores desta Ditadura? Um grupo reduzido de ditadores do ditador, a lhe impor determinações, a tutelar Estados, e dividir o Brasil em Interventorias e vice-reinados, como crianças que entre si dividem um lote de brinquedos!

É tal sua força convincente, tal o ardor com que fazem a apologia do estranho governo que apoiam que conseguiram a adesão de diversos elementos de boa fé. Excluídos, porém, estes elementos, que são um mero joguete nas mãos do Clube 3 de Outubro, temos o espetáculo inédito de um sindicato de políticos, a feitorizar a Nação por um ano e meio, forçando finalmente a população a se levantar para impor um regime de ordem e de lei, contra o desejo — suprema ironia — das autoridades que deveriam ser as defensoras natas da mesma ordem e da mesma lei!

Este fato gravíssimo nos força à reflexão. E, por menos que reflitamos, vemos claramente que é na moralidade fraca de certos elementos, que reside a causa de tantas desgraças.

E, enquanto não for sanada a causa de tal debilidade moral, estará aberta a porta a novas lutas, que condenarão o Brasil ao suplício tantálico de ver fugir-lhe dos lábios ressequidos a paz e a ordem que tanto almeja, logo que estas se aproximem por momentos de sua boca sedenta.

Eternamente a construir revoluções e a destruir desencantado e desiludido a obra que levantara, o Brasil consumirá nesta tarefa ingrata o melhor de seu tempo, em lugar de caminhar decididamente para a alta missão que lhe reserva a Providência.

Não constitui argumento alegar que é pequeno o número de elementos nefastos que provocaram e agora defendem a lamentável situação atual, que só conseguimos remover com o recurso às armas. O micróbio se vale justamente de sua pequenez, para iludir a atenção dos incautos, e vitimar em pouco tempo os mais robustos organismos.

Agora que São Paulo, arrastando consigo todo o Brasil, enche páginas e páginas de glória, que legará ao futuro, é imprescindível que cogitemos seriamente das providências necessárias para a definitiva pacificação do Brasil.

A grandeza do heroísmo com que lutam nossos soldados, a beleza da abnegação com que aflui às arcas do Tesouro o que de mais precioso continham as economias dos pobres e os cofres dos ricos, o edificante exemplo de solidariedade cívica que damos hoje ao mundo inteiro, tudo isto precisa ser resguardado dos perigos que virão depois da vitória.

É imprescindível que, quanto antes, se dote o Brasil de uma Constituição realmente conforme às tradições espirituais e históricas do País. É imprescindível que novas leis venham pôr cobro a abusos que já se tornam velhos.

Mas, de que valerão as melhores leis, e a mais perfeita Constituição, se uma profunda moralidade não lhes assegurar o cumprimento?

Do que vale o voto, se não é dado pelo eleitor com sinceridade, e aceito pelo candidato com reta intenção?

Do que serve um Congresso, se nele não se cuida dos interesses do Brasil, mas dos de uma facção?

De que nos serve o mais bem municiado dos exércitos, se se desvia da ética militar, e se arvora em tutor ou feitor do País? Do que vale um perfeito aparelhamento escolar, se por seu intermédio se ensina a história do Egito ou a composição do sistema solar, mas se omite intencionalmente o estudo dos deveres para com a Religião e a Pátria?

Todo o seu aparelhamento administrativo, que deveria ser para a Nação como o maquinismo que conduz o navio ao porto, não será outra coisa senão um fardo pesadíssimo e impossível de sustentar, se não for por toda a parte disseminada a seiva de uma profunda moralidade.

E esta moralidade nova, o Brasil não deverá buscá-la nos ensinamentos amorais de um Lênin, ou nas fantasias mais ou menos sedutoras de algum filósofo contemporâneo.

Folheie o Brasil as páginas de sua própria História. Indague de Anchieta qual o fundamento de sua admirável abnegação apostólica; pergunte a Vieira qual a chama que acendeu em prol das mais nobres causas o talento de sua inexcedível eloqüência; pergunte a Amador Bueno qual o princípio em virtude do qual se julgava obrigado a guardar fidelidade a seu Rei; interrogue o Duque de Caxias sobre o segredo que tornou gloriosa a sua espada no Paraguai; investigue as razões que levaram a Princesa Isabel a abolir o cativeiro, com o sacrifício do próprio trono. E todos, a uma voz, apontarão para nosso céu estrelado, mostrando o Cruzeiro do Sul, símbolo bendito da Redenção, que a Providência desenhou em nosso firmamento.”


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