Plinio Corrêa de Oliveira
Recolher do passado as lições indispensáveis para a construção de um mundo novo
|
|
Washington, 23 de setembro de 1993 Mensagem de saudação gravada em vídeo-cassete para ser transmitida no simpósio por ocasião do lançamento da edição norte-americana de Nobreza e Elites Análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana [Sem revisão do autor]
Meus distintos amigos norte-americanos e provenientes de outros países para participarem, com os norte-americanos, do simpósio para o lançamento do livro sobre a nobreza e elites análogas, segundo os ensinamentos de Pio XII. Antes de tudo, começo por vos saudar cordialmente. Saudar-vos cordialmente porque um traço comum nos une. É a preocupação de conhecer a fundo o pensamento desse grande pontífice, que deixou a respeito da matéria – muito menos conhecida e estudada no tempo dele do que no nosso – ensinamentos de uma importância privilegiada e sobre a qual convém dizermos algumas palavras nesses instantes inaugurais. Com efeito, o que se pode dizer é que nos Estados Unidos se verifica agora uma grande ação. A América do Norte foi cumulada pela Providência de dons e dotes de toda a ordem: grande território; nesse território, uma grande riqueza; esse território e essa riqueza colocados numa situação geográfica que lhes assegura comunicação fácil e inteira com os dois grandes mares deste mundo. E, por outro lado, uma possibilidade de exploração de todas as riquezas, pela continuidade territorial, que torna as comunicações internas e externas deste mundo americano muito fácil não só com todo o mundo externo, mas com as partes internas da produção dessa riqueza. Ora, tudo isto constitui valores realmente muito grandes e que fizeram dos Estados Unidos um país de grande significação para o mundo novo que se abriu mais ou menos com a declaração da independência dos Estados Unidos e com a Revolução Francesa. O mundo dito do progresso, o mundo dito da evolução que vai se desenvolvendo até os dias de hoje, em que infelizmente as circunstâncias mostram que as ilusões do começo de nosso século que previam tantas maravilhas para o fim da centúria, para o fim deste milênio, esse progresso trouxe consigo também desapontamentos terríveis, trouxe consigo apreensões também terríveis. E que as perspectivas com que o mundo transpõe o novo milênio são perspectivas muito mais carregadas e sombrias do que aquelas que o transpôs, no meio de festas, de prazeres, de expansões e de satisfação de toda a ordem, o centenário deste século. Acontece precisamente que nas situações em que nós estamos, o mundo habituado a olhar para os Estados Unidos para pedir uma orientação e uma colaboração, para esclarecimento dos problemas gerais que se põe, se colocava diante de uma incógnita. Ficou provado que simplesmente com o desenvolvimento da máquina, da evolução e do progresso material, o mundo não chegaria a grande coisa; que sob o fardo de suas descobertas e de suas riquezas novas, o mundo encontraria novos problemas e novas dificuldades, e que o fim do século haveria de ser muito mais duro e muito mais difícil do que foi o começo deste século. Como resolver os múltiplos problemas aparecidos na Humanidade em conseqüência de um progresso que, alheando-se de Deus, alheando-se da Fé, acabou se construindo sob bases exclusivamente materiais, como é esse progresso de todos os povos no século XX? A grande verdade é essa: nós não poderíamos viver apenas pensando no presente e no futuro, mas que nós deveríamos nos voltar também para o passado e recolher do passado as lições indispensáveis para a construção de um mundo novo. E entre as lições que o passado nos deixou e que mais ou menos aloucadamente o mundo que se lhe seguiu relegou para o lado, que nesse passado uma das grandes lições era a importância das elites. A importância das elites que cada vez mais ao longo do século XX foi sendo negada, foi sendo posta à margem por uma Humanidade preocupada muito mais com as massas, com o poder das massas, com a orientação que as massas imaginadas soberanas haveriam de comunicar aos acontecimentos, do que preocupada com a qualidade das diretrizes que essas massas receberiam para encontrarem os rumos certos da história que se deveria desenvolver a partir deste século e daqui para diante. Assim aconteceu que, segundo todas as aparências, cada vez mais as elites foram perdendo a sua atualidade, foram perdendo a sua importância, deixou-se de falar nelas, teve-se até a impressão de que elas estavam num processo de decomposição e de morte. Mas em determinado momento, quando os sociólogos mais atualizados e mais argutos começaram a se dar conta de que as elites faltavam para o mundo contemporâneo, que era preciso reconstituí-las, que era preciso revigorá-las, quando essa convicção começou a se firmar, ela se firmou em larga medida entre intelectuais norte-americanos de ótimo vôo de pensamento, que constituíram uma corrente elitista de repercussão no mundo inteiro. Mas mais ainda. Assim como o solo americano contém uma porção de riquezas que nem sequer o povo americano conseguiu explorar na sua integridade, tantas são elas, assim também a realidade americana é muito profunda, e ela tem uma série de riquezas que a perspicácia dos homens contemporâneos só agora vai percebendo. Entre essas riquezas, a singular riqueza de que, bem analisada a estrutura social norte-americana, se verifica que ao invés de ser construída contra as elites, num movimento mais ou menos impulsivo de oposição às elites, pelo contrário, as elites continuaram a existir nos Estados Unidos. A existir discretamente, a existir sobriamente, a existir, entretanto, eficazmente, com uma eficácia bastante grande para que se possa dizer que elas conservaram consigo tesouros de alma, tesouros de sabedoria e de ciência provenientes do passado que se supunha que não existissem mais. Elas aparecem, portanto, na História, elas vêm à tona nas pesquisas dos especialistas, com as mãos carregadas de lições, carregadas de ensinamentos, guardadas discretamente de lado para o dia em que a nação americana ou de que o mundo inteiro precisasse delas. É esta a grande verdade – verdade edificante, verdade estimulante, que nos dá a alegria de reconhecer uma nova riqueza nos Estados Unidos para o bem do mundo inteiro – que se celebra neste simpósio. Neste simpósio, em que americanos dos quatro cantos da América, americanos ligados a amigos com pensamento afim dos vários pontos do mundo, todos eles se reúnem para estudar nas palavras de sabedoria eterna do Evangelho, nas palavras de sabedoria eterna de nosso Divino Mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo, interpretadas por esse imorredouro e sempre pranteado pontífice que foi Pio XII. [Eles se reúnem para] encontrar ali uma série de pensamentos, de princípios e de diretrizes que haveriam de revigorar o pensamento tradicional em pleno século XX, e fazer com que no século XX se pudesse dizer que quando ele chegasse mais ou menos ao seu fim muitas coisas que se julgavam que nele seriam imorredouras estão ameaçadas de morte, mas que uma coisa que se julgava que estava morta, esta coisa está viva, e essa coisa é a tradição. E com essa tradição ele vive e transpõe animosamente o limiar do novo século e do novo milênio. Como não nos alegrarmos juntos, ilustres amigos, com esta grande realidade? Como não sentirmos alegria de que, participando todos nós dessa convicção, podemos dar um impulso certeiro ao progresso verdadeiro, ao progresso inteligente, maduro e bem pensado de todo o gênero humano? É evidente que é nesse sentido que nós estamos aqui reunidos. Digo que estamos reunidos e infelizmente a realidade me leva a dizer que vós estais reunidos, mas que infelizmente eu não participo dessa reunião convosco. Quanto eu desejei estar convosco nessa ocasião, em que vossa generosidade põe em valor, põe em realce um livro destinado precisamente a facilitar o estudo do pensamento de Pio XII sobre o assunto das elites tradicionais e análogas, que se multiplicam em vosso país, e que, se nós prestarmos bem atenção, veremos também que vão se tornando mais numerosas, mais animadas e mais cônscias de sua importância e de sua utilidade no mundo inteiro. Entretanto, as circunstâncias muitas vezes nos impedem de fazer o que nós desejamos. Por causa disso, eis que eu sou reduzido a vos dizer algumas palavras de longe, e no meio dessas palavras incluir a afirmação de meu pesar de não estar em meio a vós. Mas os dias em que vivemos me obrigaram a isso. Vós sabeis bem que outro país – enorme por sua extensão territorial, enorme por seu papel na parte do continente onde existe, enorme por suas riquezas de inteligência e de cultura, um país cujo nome eu o pronuncio com emoção e que é Brasil – este país se encontra às voltas com uma dificílima crise que põe em xeque quase todos os aspectos de sua própria existência. Ora, aconteceu que sendo eu o presidente da TFP brasileira, estando, portanto, à testa da maior organização anticomunista e católica de meu país, que é a TFP, julguei que não poderia me ausentar do território nacional nos dias especialmente críticos – e seria perder muito tempo a analisar convosco todo o crítico dos aspectos dessa situação. E que nesses aspectos especialmente críticos eu não poderia deixar o meu país, ainda que fosse para uma finalidade tão justa quanto era a de nos reunirmos, e ainda que fosse vencendo tão rapidamente as distâncias como nos é possível hoje pela aviação, de maneira a podermos nos encontrar e sermos um só durante alguns dias de convívio intelectual e espiritual. Mas outra circunstância mais grave se somou a essa: é a crise internacional. Não é o momento de vos falar aqui de todos os riscos e de todos os problemas que foram postos em xeque pela crise recente ocorrida na Rússia. Vós bem o vistes pelos jornais, vós já o sabíeis antes que tudo quanto na Rússia há de incerteza, de dúvidas, de inquietação, de agitação, que tudo isto forma um caldeirão de desordens e de caos, que fazem com que de um momento para outro a nação russa possa ser objeto da deflagração de uma desordem interna que passa rapidamente para a desordem internacional. Três países da maior importância geográfica e também importância sob vários outros títulos no mundo, o maior deles os Estados Unidos, logo depois o Brasil e a Rússia, nesses três países precisamente o Brasil e a Rússia passavam por momentos de dificuldade e de angústia nos dias desse simpósio internacional. E passando o Brasil e a Rússia por essa angústia, naturalmente ela vos preocupava também a vós, porque ela punha em xeque, próxima ou remotamente, direta ou indiretamente, uma série de ideais, uma série de metas, uma série de conquistas que vós conseguistes acumular e que um conflito internacional poderia atirar ao chão de um momento para outro. Essa crise infelizmente não passou. Mas ela se adelgaçou, ela se tornou mais débil, ela deixou um pouco mais firmes as esperanças de que ela se desfaça. Isto no momento em que já os dias do simpósio vão caminhando para o seu fim. Não me é possível, portanto, estar a tempo aí. Deixo-vos, entretanto, com essas palavras, as minhas saudações, os meus cumprimentos, a expressão de toda a minha solidariedade, tudo isso expresso pelo meu jovem e brilhante presidente da TFP norte-americana, Raymond Drake, que falando-vos em inglês vos dirá aquilo que está, a propósito destes grandes temas, no coração de todo aquele que entregou o seu idealismo para ser contido e definido no lema Tradição, Família e Propriedade. Os que amam a Tradição, amam a Família e a Propriedade. Estes se reúnem aqui sem compromissos, sem obrigações próximas ou remotas, apenas no impulso de fazer o bem. E eles se reúnem com um objetivo a respeito do qual eu pronuncio aqui uma prece a Deus Onipotente, e a Deus por meio de Nossa Senhora, Sua Mãe e Medianeira Universal, Nossa Senhora Medianeira entre os homens e Ele, eu pronuncio uma súplica que se exprime apenas nessas poucas palavras: Consolatrix afflictorum, ora pro nobis! Ó Mãe Santíssima, aos aflitos que pelo mundo se tornam tão abundantes, abri Vosso Coração, rogai por todos nós, e fazei com que, fiéis à tradição e desejando um futuro cheio de esperanças cristãs, de fato consigamos erguer o mundo por cima do lodaçal em que se encontra e abrir para ele novos dias de esperança e de paz. [Para aprofundar o tema, vide Livro de Plinio Corrêa de Oliveira repercute intensamente na Europa e nos Estados Unidos - Desde o jornal comunista até Princesas comentam] |