Plinio Corrêa de Oliveira
A importância do fator religioso nos rumos de um bloco-chave de países: a América Latina
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"Catolicismo", n° 414, Junho de 1985 AO LEITOR (...) Não é fácil para um brasileiro compreender toda esta complexa problemática, em que a crise do plano espiritual tem profunda conexão com a crise do terreno temporal. Se esta dificuldade de intelecção é óbvia para a média de nossos compatriotas, a fortiori ela terá sido muito maior para os participantes de um congresso de destacados intelectuais e homens de ação, realizado recentemente nos Estados Unidos, o qual contou com a participação especialmente de norte-americanos e europeus, em geral pouco familiarizados - uns e outros - com os problemas não só brasileiros, mas latino-americanos. E alguns com exíguo conhecimento da grave crise que o progressismo instalou e vem ampliando nos ambientes católicos do Brasil, como também de outros países latino-americanos. Convidado para fazer uma conferência nesse encontro da Junta Diretiva do "International Policy Forum", o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira não pôde comparecer, mas enviou, para ser distribuído no certame, o texto escrito do que diria. Tal texto apresenta uma visão de conjunto - notavelmente penetrante e concatenada - de toda essa problemática. A reunião da Junta Diretiva do "International Policy Forum" realizou-se em Dallas, Texas, nos dias 26 e 27 de abril último. Julgamos oportuno reproduzir nas páginas seguintes a íntegra desse importante trabalho, cuja leitura certamente será de grande proveito para nossos leitores. O "International Policy Forum" é uma entidade que congrega destacados líderes conservadores e anti-socialistas do mundo inteiro. Seu presidente, o Sr. Morton Blackwell, um prestigioso amigo do Brasil, foi assistente especial do Presidente Reagan durante três anos, e é líder exponencial da conhecida corrente intitulada Nova Direita. Esta é um movimento que abrange políticos dos dois grandes partidos norte-americanos, além de líderes dos mais diversos grupos sociais. Sua atuação a favor da candidatura Reagan em 1980 foi considerada decisiva para a derrota do Presidente Carter. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira é membro do "Board Governors" do "International Policy Forum". O trabalho do insigne pensador católico brasileiro causou profunda impressão nos participantes do Encontro dessa entidade, realizado em Dallas. * * * A importância do fator religioso nos rumos de um bloco-chave de países: a América Latina SAUDANDO CORDIALMENTE os preclaros participantes do "International Policy Forum" em Dallas, e de modo especial seu insigne e benemérito presidente Morton Blackwell, manifesto meu pesar pela impossibilidade na qual me acho - como Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), posto em face da crítica conjuntura nacional ocasionada pelo falecimento do Presidente eleito, Dr. Tancredo Neves - de expor pessoalmente a meus pares algumas ponderações concernentes à América do Sul. Envio-as, pois, por escrito. I - A IBERO-AMÉRICA NO MUNDO DE HOJE ESTOU PERSUADIDO de que este grande bloco - aliás indissociável do todo latino-americano, que inclui também a América Central e o México - tem, no mundo de hoje, um peso muito maior do que imagina considerável número de europeus e norte-americanos, ainda influenciados por clichês e hábitos mentais desatualizados. 1. Persistência negativa dos velhos clichês Estou longe de ser adversário sistemático de todos os clichês e hábitos mentais. Eles têm seu papel benéfico na continuidade da elaboração intelectual e do agir humanos. Mas de quando em quando é forçoso atualizá-los ou substituí-los. Estou certo de que, no referente à América Latina, a necessária substituição (que seja, portanto, mais ainda do que uma mera atualização) está sendo feita com morosidade. Tal morosidade se explica. Pois a atenção do homem contemporâneo é solicitada em todas as direções, pelos aspectos cada vez mais graves da crise universal de nossos dias. Isto leva a que, por vezes, ele não tem tempo para se aprofundar nos temas sul-americanos. De outro lado, as transmissões dos mass media, muitas vezes incompletas quanto aos fatos latino-americanos, ou então unilaterais na apreciação deles, orientam habitualmente os espíritos para meras elucubrações declamatórias, de caráter humanitário, acentuadamente salpicadas de demagogismo. Sem dar aqui um elenco completo dos clichês e hábitos mentais concernentes à América Latina, cuja substituição me parece necessária e urgente, digo desde logo que os três temas latino-americanos, os quais mais freqüentemente aparecem no noticiário internacional - o problema das dívidas das nações da área, notadamente da Argentina, do Brasil ou do México, os riscos muito autênticos que a ocupação da Nicarágua pelo comunismo sandinista faz correr à estabilidade da América Central e da América do Norte, e o estado de indigência em que se encontram ponderáveis setores populacionais - estão longe de compendiar em si todos os riquíssimos aspectos da realidade nessa área do mundo, e nas nações que nela vicejam. 2. A face positiva da realidade Com efeito, a realidade também tem outra face. Isto é, a face positiva. Para que alguém se dê conta disto, basta enumerar os recursos incalculavelmente amplos (na terra como no mar) de quase toda a zona, o processo de desenvolvimento que se vai estendendo com passo sempre mais célere por áreas cada vez mais extensas, de sorte a já fazer de muitas cidades ibero-americanas centros populacionais pujantes, em franca expansão industrial e comercial (por exemplo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo e México figuram hoje entre as cidades mais importantes do globo). Todo este progresso tem sua base em uma agricultura racionalizada, mecanizada e expansionista, a qual vai invadindo vitoriosamente zonas outrora dominadas em parte pela modorra e pela rotina, e em parte não desbravadas pelo homem. De tal sorte que se pode afirmar, já hoje, ser o bloco latino-americano destinado a constituir a grande potência de projeção mundial, a emergir nos albores do século XXI. 3. Um aspecto positivo, especialmente importante para o futuro: a unidade latino-americana Falo aqui da América Latina como um só bloco, do ponto de vista não só geográfico, mas também étnico, cultural e histórico. Portugal (do qual procede o Brasil) e a Espanha (da qual procedem todas as demais nações da Ibero-América) constituem na Europa um só todo étnico e cultural, com uma longa era de passado histórico comum. E isto influenciou a fundo as colônias americanas dessas nações. Mais ou menos como a procedência britânica, étnica e cultural, se faz sentir nos Estados Unidos como no Canadá inglês. A isso acrescem outros valiosos fatores de concórdia. Quase todos os países ibero-americanos ainda dispõem de amplos espaços internos desocupados, onde expandir-se. O que torna sem atualidade todas ou quase todas as questões limítrofes entre eles. E as suas mútuas competições econômicas estão longe de ser agudas como as de outras nações. É muito de se notar, ademais, que todos os povos latino-americanos são católicos romanos, em conseqüência da própria herança ibérica. As grandes correntes imigratórias do século XIX constaram, de modo muito acentuado, de povos católicos, como os italianos e os sírios, o que, por sua vez, beneficiou a unidade religiosa do bloco. Assim se pôde asseverar em lema ibero-americano (com ênfase oratória um pouco exagerada) o princípio "tudo nos une e nada nos separa". O que, em todo caso, muito dificilmente se poderia dizer, com igual realidade, de outras grandes áreas da Terra. Importa acrescentar que essa nota católica romana se conservou na América Latina com um matiz especialmente ibérico, de profundo acatamento à Sede romana e às autoridades eclesiásticas locais. Estão assim expostas algumas das principais razões pelas quais importa ao estudioso das questões contemporâneas conhecer a posição latino-americana ante a alternativa comunismo-anticomunismo. II - OS MÉTODOS DE EXPANSÃO COMUNISTA SE MODIFICARAM A PARTIR DOS ANOS 40 1. As vias de expansão do comunismo até os anos 40 DESDE MARX até os anos 40, em que se deu o término da II Guerra Mundial, o comunismo utilizou duas vias de expansão mais ou menos simultâneas: a) o proselitismo doutrinário, consistente na pregação aberta e categórica da crítica de Marx ao sistema capitalista, e do regime sócio-econômico (totalitário e por fim anarquista) por ele preconizado; b) o assalto ao Poder pela violência, concretizada ora em atentados terroristas contra indivíduos, ora em revoluções sociais. Tudo isso despertou como contragolpe uma "reação igual e em sentido contrário", pois assim se pode qualificar, de algum modo, a "revanche" nazista e fascista. 2. A tática comunista após a II Guerra Mundial Após a II Guerra Mundial, a tática comunista passou por alterações importantes: a) toma muito maior importância a expansão imperialista, não só bélica mas, de modo sempre mais acentuado, também política, econômica e cultural; b) quanto à expansão bélica, continua ela a desempenhar um considerável papel. Mas, tanto quanto possível, tem disfarçado seu cunho de "cruzada contra a Cruz", com motivações "patrióticas" geopolíticas, econômicas e outras; c) o proselitismo ideológico explícito continua, mas algum tanto adelgaçado. Em geral os povos livres se manifestam imunes a ele; d) as ideologias vizinhas do comunismo, nas quais este se incuba para circular mais facilmente, tomam uma importância preponderante na ação proselitista, que usa as correntes "vizinhas" com um caráter proselitista preparatório, subjacente e implícito. Será mais fácil à pregação comunista explícita (à qual a grande maioria das populações se mostra sempre mais infensa) recrutar em seguida as pessoas desta maneira preparadas; e) a tática de infiltração nas organizações não comunistas se torna sempre mais sofisticada, e se aplica muito largamente, com a ajuda dos "inocentes úteis" e "companheiros de viagem", e a utilização de artifícios como a "tática do salame", a "queda das barreiras ideológicas" e a "détente". f) "inocentes úteis" e "companheiros de viagem", esgueirados em postos e em ambientes dirigentes da sociedade burguesa, desempenham, por vezes, a par de uma imponderável ação proselitista, também outra forma de atividade. Quer em setores políticos, militares, universitários, publicitários, religiosos ou outros, conseguem eles pôr em circulação, em momentos-chave, "informações" e "conselhos" ardilosamente adaptados às conveniências de Moscou, sugerir manobras que redundem em insucesso para o mundo livre, ou então transmitir aos comparsas comunistas o conhecimento de fatos importantes; g) a pressão de certos meios publicitários de esquerda e, menos freqüentemente embora, de certas personalidades ou correntes que se afirmam contraditoriamente de centro ou de direita, leva os Estados e as economias públicas e privadas a assumir, com gradualidade cada vez mais rápida, formas mais estatistas, com o que se vão aproximando mais e mais do capitalismo de Estado integral. Nasce assim a "guerra psicológica" revolucionária, isto é, a serviço da revolução comunista mundial, a qual também abrange, aliás, muitos outros aspectos que não haveria espaço para enumerar aqui. III – OS AMBIENTES E OS TEMAS RELIGIOSOS NA GUERRA PSICOLÓGICA REVOLUCIONÁRIA DA IBERO-AMÉRICA OS AMBIENTES e os temas religiosos (como também os aspectos religiosos e morais de certos temas não intrinsecamente religiosos) têm na América do Sul (como na Ibero-América em geral), uma importância muito consideravelmente maior que em outras partes do mundo. E isto especialmente em se tratando da opção comunismo-anticomunismo. De forma que um dos principais empenhos do expansionismo comunista vem consistindo, desde os longínquos anos 40 - e mesmo desde meados da década de 30 - na infiltração ideológica dos setores religiosos. Pode-se dizer que, uma vez coroada eventualmente de êxito esta infiltração, o comunismo terá ganho ipso facto a batalha. * * * Para compreender bem esta realidade, é preciso desembaraçar a temática de certas noções, erradas enquanto contêm apenas parcelas da realidade, e que são inculcadas como contendo a realidade inteira: 1. Má distribuição da riqueza: velho clichê da propaganda comunista A primeira delas é a de que, na América do Sul como na América Central e no México, a má distribuição da riqueza teria criado uma estrutura econômica monstruosa, na qual umas poucas fortunas nababescas constituiriam um pólo, e a multidão faminta o outro pólo. As camadas intermediárias não existiriam. De onde uma contínua fricção entre os dois pólos, geradora de atritos que estariam prontos atualmente a degenerar em uma luta de classes espontânea e incontenível. E em revolução social. Em suma, este quadro brutalmente simplista e desprovido de matizes - se bem que real em alguma medida - constitui de modo geral uma repetição monótona dos clichês de propaganda que em 1917 serviram para explicar ao mundo atônito a revolução comunista da Rússia. Esse quadro, no qual o fator econômico é apresentado como o único motor da revolução social, deixa transparecer assim a influência da ideologia comunista, segundo a qual a economia é, em última análise, a única mola-mestra da História. 2. A Hierarquia eclesiástica, o "V Poder" Cumpre agora relacionar com este quadro as cogitações religiosas. É bem verdade que, com exceção da Argentina, a qual mantém um regime de união entre a Igreja Católica e o Estado, aliás principalmente simbólico e quase inteiramente vazio de conseqüências jurídicas, todas as outras nações sul-americanas são oficialmente laicas. Isto não impede porém que, em todas elas, a influência da Igreja Católica seja em certo sentido tão largamente preponderante, que a Hierarquia eclesiástica constitua, em cada uma dessas repúblicas, o "V Poder". Segundo esta numeração, o Executivo seria o primeiro, o Legislativo o segundo, e o Judiciário o terceiro Poder do Estado. O macro-capitalismo publicitário seria o quarto Poder, localizado na esfera privada. E a Hierarquia eclesiástica (também situada na esfera privada, segundo os ditames do Estado leigo) seria o quinto Poder. Na América do Sul, esses poderes sempre viveram em paz uns com os outros. Suas respectivas influências se compensam. De tal sorte que a nenhuma cabe uma preponderância sistemática e invariável. Essa preponderância se desloca discretamente de um Poder a outro segundo as circunstâncias, e é sempre exercida pelo Poder preponderante com moderação, relativamente aos outros Poderes. 3. Os três poderes do Estado em face do comunismo Os três Poderes do Estado têm sido empregados, às vezes pró e às vezes contra a conquista da opinião pública e do Estado pelo comunismo. Não só o Chile de Allende mas - se vistas em profundidade as coisas - também o Peru de Velasco Alvarado e a Bolívia em vários períodos da História contemporânea, tiveram Poderes públicos (I, II e III) utilizados para modelar o Estado e a sociedade (por meio do que, também a opinião pública) em sentido fortemente proclive ao comunismo. Porém, até o momento isto pouco rendeu. Com efeito, o IV e o V Poderes ajudaram sem dúvida a propensão comunista dos Poderes do Estado. Mas, por razões circunstanciais autênticas, o IV e o V Poder julgaram necessário, nestes países, não se engajarem de modo total, ostensivo e enfático, em favor do comunismo. O Poder público fez então grande parte de sua trajetória desacompanhado da cobertura ostensiva destes Poderes. Ele tentou assim dar "passos maiores do que suas pernas", por uma política reformista. E caiu na caminhada. No Brasil e no Chile, pelo contrário, os Poderes do Estado foram largamente utilizados para a ação anticomunista. 4. No Brasil, o Episcopado se cerrou a qualquer colaboração com a ação anticomunista do Estado No primeiro desses países, o Episcopado (o mais numeroso do mundo, atualmente com 368 Bispos) se cerrou a qualquer colaboração com a ação anticomunista do Estado. Grande parte dos dirigentes do V Poder favoreceu discretamente (e em alguns casos muito indiscretamente) a guerra psicológica revolucionária movida por uma ala dos comunistas: isto é, não o Partido Comunista do Brasil - PC do B (violento, terrorista e duramente reprimido pela policia), mas sim o Partido Comunista Brasileiro - PCB (pacífico, ideológico, proselitista), largamente infiltrado nos meios intelectuais, inclusive seminários católicos, e nos círculos snobs de certa alta e média burguesia. E infiltrado também - jamais será suficiente realçá-lo - nas equipes de colaboradores e redatores da grande imprensa, como entre os artistas, atores e locutores de rádio e de televisão, e nos meios teatrais. O PCB gozou, sob o regime militar, de uma liberdade quase completa. 5. A força verdadeiramente decisiva do movimento reformista é, no Brasil, a Hierarquia eclesiástica As forças comunistas tiveram assim um papel aparatoso (insisto na palavra, para indicar que este papel foi inflado, além da medida do real, pelos mass media) ao longo do processo de abertura. Ambos os PCs vêm sendo utilizados atualmente como espantalho pelos comunistas e por seus asseclas socialistas, para fazer imaginar aos proprietários de terras, de empresas industriais e comerciais, bem como de imóveis urbanos, que serão em breve tragados pela violência comunista, se não consentirem em "reformas sociais" urgentes, as quais deixarão mutilado, falho de equilíbrio intrínseco, e portanto cambaleante, o instituto da propriedade privada. A grande, a única força verdadeiramente decisiva desse movimento reformista, que aliás se vai alastrando por todo o País (e que se tiver êxito, o deixará concretamente a poucos passos do regime sócio-econômico comunista), é o V Poder. A Hierarquia eclesiástica tem impulsionado fortemente o movimento reformista. Como adiante veremos, para tal não tem faltado a colaboração dos quatro outros Poderes, inclusive sob o regime militar, em que o número de empresas estatais e subsidiárias praticamente quintuplicou. Com efeito, se no final da década de 50 o número de empresas controladas pelo Estado era de 121, no final da década de 70, que coincide com o encerramento do mandato do Presidente Geisel (1974-1979), esse número ascendia a 560. No momento atual, a derrocada do Brasil rumo a um regime socialista "avançadíssimo", fortemente proclive ao comunismo, é essencialmente impulsionada pela esquerda católica. E por isto mesmo dependendo fundamentalmente da seguinte questão: - Até que ponto a imensa maioria católica se deixará guiar neste rumo pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) (cfr. n°. IV, 4 abaixo)? 6. Brasil e Chile: diversidade de atitudes No Chile, as linhas gerais do quadro têm sido bastante análogas às do Brasil. No entanto, de permeio com outros sérios elementos de diversificação que distinguem a imensa República atlântica da nação chilena, de tão extenso litoral no Pacífico, sobreleva notar uma diversidade fundamental. O regime militar brasileiro evitou - até com pânico - qualquer atrito global com a CNBB, e se limitou às fricções que a imprudência deste ou daquele Bispo ou Sacerdote, individualmente considerado, tornava inevitáveis. No Chile, o regime militar, mais clarividente, não tem recuado em enfrentar atritos globais com a Conferência Episcopal do Chile (CECH) e, de outro lado, a liberdade que dá à linha cultural e "pacífica" do comunismo chileno é menor. Isto tem cerceado, em alguma medida, a guerra psicológica revolucionária naquele pais, proporcionando ao regime militar condições para uma duração que, segundo parece no momento, pode ser longa. E criando condições para que, em determinado momento, uma reversão do pais para o regime civil se faça em condições em que este possa defender-se por si mesmo, e de modo eficaz, contra o comunismo. 7. Também no Paraguai a colaboração do Estado com o IV e V Poderes se vai deteriorando Do Paraguai, onde também tem vigência um regime militar, pouco tratam os meios de comunicação social. E, de minha parte, não estou de tal maneira informado da situação interna daquele país, que me sinta animado a dizer algo sobre ele. Posso apenas afirmar que a colaboração do Estado com o IV e V Poderes se vem deteriorando gradualmente, o que talvez conduza a problemas análogos aos que se delinearam no Brasil e no Chile. Mas o curso eventual dos fatos no Paraguai está profundamente condicionado ao estado de saúde do idoso Presidente da República, General Stroessner, cujo prestígio pessoal no país é tão grande, que constitui só por si um grave empecilho a todo surto oposicionista. IV - O FUTURO - FATORES RELIGIOSOS DE POSSE DESSES dados, resta lançar agora um olhar interrogativo sobre o dia de hoje: que dia de amanhã nos prepara ele? Naturalmente, conheço melhor os fatos que se passam em meu próprio País. Reporto-me, pois, especialmente a ele, no que passo a dizer. Mas conheço o suficiente da realidade sul-americana para afirmar que, em linhas gerais, o quadro é o mesmo para os demais países deste subcontinente. Cumpre-me advertir preliminarmente que começarei a me referir a "politizado", usando o vocábulo em um sentido especial. Isto é, para designar a qualidade de quem está culturalmente habilitado a considerar o interesse coletivo, tanto em seu aspecto de conjunto, como em seus fatores capitais; mais ainda, a observar as relações entre o bem comum e o bem individual, e a avaliar devidamente o primado comedido e harmonioso daquele sobre este. Em rigor, a politização assim entendida pode concernir tanto a sociedade temporal (o Estado) quanto a sociedade espiritual (a Igreja). O indivíduo totalmente politizado será então o que possua a capacidade de conhecer e de ponderar adequadamente o bem comum de uma e outra sociedade. Falarei também da "conscientização" no sentido de um estágio preliminar da politização. Conscientizado será o indivíduo que tomou "consciência" das suas necessidades e de seus direitos (reais ou fictícios) individuais, inclusive na medida em que estes existem também para multidões, e constituem assim problemas da polis. O indivíduo plenamente conscientizado é ipso facto politizado. 1. Católicos politizados: progressistas, conservadores e reacionários Neste sentido, os católicos politizados formam dentro da Igreja uma minoria dividida. Uns se dizem progressistas. Para eles o progresso consiste numa caminhada da Igreja (e pari passu da sociedade temporal) rumo a uma cada vez mais acentuada igualdade. Mais especificamente na Igreja, entre Bispos, clérigos e leigos, e uma concomitante erosão do prestígio e dos poderes do Papado. Na esfera temporal, esses politizados tendem analogamente a uma sociedade cada vez mais igualitária, cujo termo final seria a autogestão integralmente horizontalizada e igualitária, preconizada por Marx como etapa sucessiva ao capitalismo de Estado. Simetricamente há, nos meios católicos, os politizados que se afirmam conservadores, que em matéria espiritual desejam não ir além das reformas do Vaticano II. Na esfera temporal, é freqüente que tendam para a conservação da sociedade atual, talvez parcamente reformada num ponto ou noutro. Por fim, há os católicos reacionários, nostálgicos da situação religiosa tal qual esta se conservou até o Pontificado de Pio XII. Na esfera temporal, não é raro que desejem a abolição de socializações e de leis igualitárias promulgadas a partir dos anos quarenta até agora. 2. Distribuição desigual entre progressistas, conservadores e reacionários, no Clero e no laicato O grosso do Episcopado, do Clero e dos Religiosos se divide, aliás muito desigualmente, nessas três correntes. Isto é, os progressistas são uma minoria decidida e ativa, os conservadores uma maioria indecisa e indolente, e os reacionários quase não os há. No laicato, entretanto, a situação é sensivelmente diversa. Com efeito, os progressistas leigos constituem uma minoria proporcionalmente muito menor do que no Clero. E seus componentes são menos resolutos. Pelo contrário, os conservadores são muito mais numerosos, e ainda mais irresolutos no laicato. E os reacionários algum tanto mais numerosos, e sobretudo muito mais decididos. Os conservadores do Clero e do laicato, pacatos por índole e quase por definição, se manifestam pouco. Seu peso, aliás principalmente estático, é considerável. Progressistas e reacionários polemizam bastante entre si. Move-os muito menos a esperança de conquistar adeptos no campo oposto, do que de atrair, pelo ruído da polêmica, a atenção e a simpatia de novos adeptos nesta verdadeira "terra-de-ninguém" que é o setor conservador. Este último é constituído, na sua forte maioria, de pessoas escassamente politizadas, quando não despolitizadas de todo. A posição delas é muito menos uma convicção raciocinada do que uma tradição, um hábito ao qual aderem do fundo da alma. 3. Peso do fator religioso na determinação dos rumos da América do Sul Por isto mesmo, as minorias progressista e reacionária vão ganhando gradualmente terreno na maioria conservadora. Qual deles ganhará a luta? As potências, os meios de ação e as táticas, de uns e de outros, são tão desiguais, que a luta entre uns e outros lembra algum tanto a do gladiador com tridente e escudo contra o gladiador com elmo, couraça, escudo e espada curta. De qualquer forma, o êxito final será de quem tenha conseguido incorporar a si a parcela mais influente, mais dinâmica e maior, de conservadores. É segundo estes dados poucos claros, que se podem prever, passo a passo, os rumos possíveis da opinião católica no Brasil e, mutatis mutandis, nos demais países da América do Sul. Rumos da opinião católica? Sim. Mas como que do Brasil (ou de cada uma das outras nações) por inteiro. Pois, no subcontinente, a maioria católica se identifica (cfr. n°. I, 3) quase completamente com a Nação. O futuro da América do Sul se está decidindo, pois, no momento atual, em função do debate dentro da Igreja. Se a maioria católica pender, em nome da Fé, para o igualitarismo teológico e sócio-econômico, a América do Sul será comunista. Se ela resistir a tal igualitarismo em nome da Fé, ela será contrária ao comunismo. Faço notar de passagem que, no primeiro caso, ela será anti-norte-americana, e suas doze nações serão tão inteiramente títeres de Moscou quanto a Tchecoslováquia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Cuba de Fidel ou a Nicarágua de Ortega, para citar apenas algumas das infelizes nações sob o jugo comunista. Assim, a América do Sul pode ser comparada - do ponto de vista norte-americano - a um gigantesco pêndulo de 260 milhões de habitantes, com 17,8 milhões de quilômetros quadrados, e com potencialidades econômicas e estratégicas incalculáveis, que oscila entre Moscou e Washington. Tal oscilação, de alcance internacional, político e sócio-econômico imenso, não determinará seu ponto estático pela mera influência do fator religioso (cfr. n°. III, 2), convém repetir. Mas, segundo me parece, esse fator terá, no processo de opção que essa oscilação simboliza, o papel chave que neste trabalho estou me empenhando em descrever concatenadamente. 4. As duas figuras da Igreja entre as quais o católico conservador é chamado a optar Em que termos lógicos e psicológicos se põe, então, para o católico conservador, a opção que deve exercer? Por sua formação religiosa, e especialmente pelo matiz ibérico desta (cfr. n°. I, 3), ele não procurará resolver o problema segundo suas meras preferências pessoais. Mas ele desejará saber, acima de tudo, com quem está a Hierarquia da Igreja. Por isto, no seu interior, ele terá que optar entre duas figuras da Igreja: a) a que ele vê na continuidade majestosa e rutilante do ensino sócio-econômico da Igreja desde São Pedro a Pio XII, e que o convidará a interpretar os ensinamentos e a conduta do Vaticano e do Concílio segundo esses ensinamentos; b) e, de outro lado, a figura "rejuvenescida", renovada ou inovada, mais do futuro do que do presente, que lhe é descrita pelos que procuram interpretar tudo quanto a Igreja vem ensinando e fazendo, a partir de João XXIII (e inclusive o Concílio), segundo o sentido progressista, e até mesmo interpretando, neste sentido, os ensinamentos da Igreja pré-medieval. Essa última concepção apresenta os períodos medieval e tridentino como religiosamente falhos e decadentes, o que horroriza os conservadores. Como também horrorizam os conservadores algumas críticas de certos reacionários à Igreja do Vaticano II e à era pós-conciliar. Tudo isso, que vem sendo afirmado da temática política e sócio-econômica, se pode dizer tanto ou mais da Teologia e da Moral (permissivismo versus fidelidade à Lei de Deus e à Igreja), corno ainda da Liturgia, da Exegese etc. Mas, pela natureza de meu trabalho, é só o terreno sócio-econômico que tenho em vista. 5. Na ordem concreta, toca a João Paulo II o grande papel na opção dos conservadores Entre os católicos, é reduzido o número dos sede-vacantistas, isto é, dos que - talvez mais numerosos do que muitos pensam - negam a autenticidade de João XXIII e de seus sucessores. É, portanto, pouco provável que eles exerçam uma influência muito ponderável nesta trágica opção dos católicos conservadores. E fica assim patente que, na ordem concreta dos fatos, a João Paulo II toca o grande papel nessa opção dos conservadores. Em princípio, pareceria que as coisas serão como ele quiser. 6. Não é fácil prever em que medida o atual Pontífice fará uso de suas atribuições Mas a realidade bem pode não ser esta, ou pelo menos bem pode não ser inteiramente esta. Com efeito, consideradas as coisas apenas no plano humano, incontáveis são - máxime nas épocas de confusão e de convulsão - os fatores que podem levar um Papa a não dizer ou não fazer algo ou muito do que queira. Basta recordar, neste sentido, os casos de Pio VI e Pio VII, que sucessivamente regeram a Igreja durante a Revolução Francesa e na era napoleônica. Assim - e prestando embora, de muito bom grado, as devidas homenagens aos sábios e oportunos ensinamentos de João Paulo II, dados por si próprio ou através do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal J. Ratzinger - não é nada fácil prever em que medida o atual Pontífice quererá fazer uso de suas atribuições, nessa imensa encruzilhada histórica em que se encontra a América do Sul. Encruzilhada esta, a partir da qual os passos dela provavelmente não poderiam levar atrás de si um mundo organizado e unido. Mas, talvez, levem atrás de si, em dadas circunstâncias, fragmentos decisivos de nosso mundo hodierno, profundamente conturbado e radicalmente dividido. Seja como for, quem poderá calcular a pluralidade de pressões contraditórias às quais, face a este problema (e para não falar senão deste!) está sujeito um Papa? Pressões... Pressões estas as quais a virtude cristã manda que se tomem algumas em conta e outras se desafiem com Fé e confiança em Deus, como se de nada valessem. Com que graças abundantes ou superabundantes assistirá o Papa, a todo passo, a Providência Divina, sempre amorosa da Santa Igreja? Como reagirá a cada instante o livre arbítrio do Pontífice? Augustos e sublimes mistérios, os quais não nos é dado sondar. É bem verdade que nada se passa no mundo sem o mando ou a permissão de Deus, já que nem um passarinho cai sem que Ele o queira, e até os cabelos de nossa cabeça estão contados (cfr. Mt. 10, 29-30). Mas é igualmente bem certo que, por desígnios insondáveis da sabedoria e da bondade de Deus, podem acontecer, no decurso da História da Igreja, como já tem acontecido no passado dela, tanto desastres imprevisíveis que aterrorizam, quanto triunfos que surpreendem e deslumbram mesmo os espíritos mais críticos. O certo é que, na ordem das realidades em curso na América do Sul, e em toda a América Latina, a luta doutrinária entre católicos progressistas e reacionários, e a atitude dos conservadores face a essa luta, se revela, em seguida a uma análise acurada do panorama atual, revestida de uma importância capital. O que me pareceu útil submeter à atenção dos participantes deste provecto encontro. V - VISTA DE CONJUNTO A PRESENTE vista de conjunto se compõe de assertivas, das quais algumas são geralmente notórias, outras não o são, e contrariam de tal modo velhos clichês consagrados, que estariam a pedir demonstração. Entretanto, como sói acontecer com as vistas de conjunto muito amplas, elas correm o risco de tomarem proporções de enciclopédia, se se embrenharem em tais demonstrações. Tais vistas de conjunto podem ser úteis a leitores que possuam sobre o tema em foco dados fragmentários, caóticos e quiçá até contraditórios. Elas podem ajudá-los a se situarem em um ângulo a partir do qual esses elementos esparsos podem se tornar explicáveis e coerentes. Com isso, uma vista de conjunto pode servir de estímulo para a reflexão, a análise e a síntese que o leitor normalmente deseja operar. E o pode estimular para a pesquisa de dados novos, a respeito dos quais ele tenha então meios de encaixar dentro de um todo bem concatenado. Para concluir, apraz-me dizer que tenho em vista o fato de que este Congresso se realiza na América do Norte, com a iniciativa e acolhida fraterna de nossos comuns amigos da Nova Direita, a tantos títulos beneméritos de seu país, e com isto também do Ocidente e do mundo inteiro. E notadamente dos incontáveis homens e mulheres não comunistas que arrastam uma existência penosa nas nações-masmorra situadas detrás da cortina de ferro, ou localizadas em tantos outros pontos da terra. Por fim, também beneméritos, com tudo isto, dos preciosos restos de civilização cristã que ainda se acham esparsos pelo mundo. Sou brasileiro e sul-americano. Discorrendo sobre problemas de minha Pátria e dos países vizinhos e irmãos, meu olhar se alongou, mais de uma vez, pela América Central e pelo México, igualmente irmãos, se bem que não vizinhos. Pois irmãos somos todos nós das três Américas. Por que, ao concluir este trabalho, meu olhar não se alonga pois, fraternalmente, para as terras que se estendem para além da divisa do Rio Grande? Ponho cordialmente as reflexões que ele contém em mãos dos norte-americanos e canadenses presentes ao Congresso. Quem sabe se o quadro delineado neste trabalho, pelas analogias e diversidades que apresente em relação ao que ocorre nos países setentrionais de nosso Continente, lhes pode ajudar em alguma parcela, na elucubração dos seus próprios temas nacionais? Quanto me alegra a perspectiva de que tal lhes seja útil! Nisto também haverá, de uma forma ou de outra, vantagem para as nações de nossa querida Europa, nas mãos de cujos representantes também deposito o presente trabalho, ao mesmo tempo que, com sentimentos de ardorosa simpatia, os saúdo. |