Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

“Face ao comunismo, coexistência ou luta?”

 

 

Conferência no Instituto de Educação, em Belo Horizonte,

15 de agosto de 1965

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

NR: A presente conferência foi pronunciada durante visita do Prof. Plinio a Belo Horizonte por ocasião da inauguração do Diretório Seccional de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP. Uma reportagem completa dessa visita e de seu impacto junto à opinião pública local pode ser vista em  "A TFP de Minas recebe solenemente o Presidente do Diretório Nacional"

 

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As referências tão amistosas e tão extensas que o caro amigo houve por bem fazer à minha pessoa nesta noite, essas referências tão generosas poderiam ser sintetizadas em uma só referência mais rápida e que a todas abrangeria: um homem se mede em grande parte pelos amigos que tem. Ter o pugilo de amigos que me honram com sua amizade em Belo Horizonte, e dos quais são símbolos o Presidente, o secretário e o tesoureiro da seção de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, é um padrão de honra para mim, é uma causa de alegria e de satisfação que eu coloco entre as mais insignes.  Eu faço questão de inserir, nesta longa enumeração como homenagem de confiança e reconhecimento a tão prestantes, tão diletos e tão exímios amigos.

Isso dito, passo a tratar da matéria de que deveria tratar na noite de hoje e que trata de um assunto de um interesse tão grande que a simples presença, em um dia de trabalho, a esse local, de um auditório como o vosso, para tomar conhecimento de matéria tão árdua, já prova bem a atualidade e a importância do assunto. Trata-se de saber, minhas senhoras e meus senhores, se em face do comunismo há uma via de coexistência e de colaboração, ou se a única atitude possível da parte daqueles que lutam pela civilização cristã, e que lutam por um Brasil verdadeiramente brasileiro, é a luta. Questão que sobre todas se impõe no momento atual, porque não há dúvida de que a encruzilhada do mundo contemporâneo é essa. Nós temos diante de nós o perigo comunista e a questão é de saber se o mundo de amanhã vai ser comunista ou vai ser anticomunista; se ele vai ser edificado sobre os fundamentos do comunismo ou se, pelo contrário, ele rejeitará esses fundamentos, caso no qual um porvir magnífico para ele se delineia, porque quando uma coletividade humana rejeita um fundamento falso, ela ipso facto se firma no fundamento verdadeiro. E nós que, infelizmente, cambaleamos muitas vezes sobre os fundamentos verdadeiros, nesse ato de opção que nos aguarda, se tomarmos a atitude da recusa completa e total, nós firmaremos as nossas próprias raízes. E então o Brasil caminhará para ser aquela grande nação cristã que foi sonhada pelos portugueses, pelos missionários, pelos brasileiros das antigas gerações, aquela grande nação cristã que sem favor nenhum, ao lado das suas co-irmãs da América Latina, será o centro do mundo de amanhã.

É, portanto, o futuro próximo do Brasil, mas é também o futuro próximo do mundo sobre o qual pesa com tanta força o futuro do Brasil, é esse que está em jogo num tema que se enuncia em palavras tão rápidas e tão simples: comunismo, colaboração, coexistência, ou então luta. E é sobre esse tema que eu vou vos dizer umas palavras na noite de hoje, com a convicção que o tema é árduo, de que o tema é árido, mas de que a importância da matéria, a vossa vigilância e a vossa atenção darão possibilidade de que ele se estenda adequadamente, de maneira a nos dar um aspecto total da solução a ser dada a esse importante problema.

Para que nós compreendamos o problema da colaboração com o comunismo é necessário, antes de tudo, que nós nos coloquemos na posição em que os comunistas se acham, e que nós possamos entender os problemas mundiais a partir do prisma comunista. E como é que se colocam esses problemas?

Nós diríamos, à primeira vista, que a situação do comunismo é brilhante. Se nós tomarmos em consideração que o Manifesto de Karl Marx foi publicado, em números redondos, há cem anos atrás e do papel em que as linhas desse Manifesto estavam, saía um tal número de guerras e de revoluções, que o comunismo ocupa hoje uma grande parte do globo e domina uma grande parte da humanidade; se nós considerarmos que o domínio comunista começa no Muro da Vergonha de Berlim e ele vai ao longo do Elba e do Danúbio, e que ele se estende depois pela Rússia, pela China até a Indochina e ameaça ganhar, no momento, a Malásia e a Indonésia; se nós calcularmos que o comunismo abriu uma ferida no continente americano e essa ferida se chama a infeliz nação cubana; se nós tomarmos em consideração que, sem serem explicitamente comunistas, outras nações da terra estão também em regime que já é próximo do comunismo; se nós pensarmos no Egito, na Argélia, na Tunísia, se nós pensarmos na Bolívia, nós compreenderemos  então que nesses cem anos a expansão do comunismo foi colossal. Se a isso nós acrescermos que o desenvolvimento da ciência colocou nas mãos do bárbaro moscovita a bomba atômica e que o chinês, pervertido ao comunismo, também já afirma possuir a bomba atômica e a brande sobre o Ocidente, nós temos então a sensação de um poder avassalador e nós imaginamos que os dirigentes soviéticos se encontram no ápice de seu poder e se acham já senhores do mundo.

Mas uma análise mais detida do problema comunista, uma análise mais exata do que valem esses resultados aos olhos do próprio pensamento comunista, nos induzirá a considerações de ordem diferente. E é a partir dessas considerações que o tema da colaboração com o comunismo verdadeiramente se formula segundo os seus verdadeiros termos.

Realmente nós podemos dizer que o comunismo obteve todas as vitórias que a força e a astúcia lhe poderiam dar. Foi por meio de força que ele derrubou o regime czarista e se impôs na Rússia. Foi por meio da força que ele penetrou na Europa oriental e ali estabeleceu o seu domínio. Foi por meio da força e da astúcia que ele se estabeleceu na China. É por meio da força que ele continua a se propagar. Ele obteve, por meio da astúcia, a tremenda vitória do tratado de Yalta; ele obteve, por meio da astúcia, a tremenda catástrofe para o Ocidente que foi a adoção da política de Marshall na China.

Mas para o comunismo, de que valem essas vitórias obtidas pela força a pela astúcia? Para o comunismo, o que significa propriamente o ter coberto com seu poder uma tão grande parte da terra? Para compreendermos bem isso, temos que tomar em consideração o que é o comunismo.

À vista da leitura dos jornais quotidianos, fala-se em Partido Social Democrático, em União Democrática Nacional, em Partido de Representação Popular, em Democracia Cristã e fala-se também em comunismo. E as pessoas têm a ilusão de que o Partido Comunista é um partido como outro qualquer e que não é senão uma agremiação de caráter político que existe no terreno político como existem as outras agremiações. E esse é um primeiro erro que importa fortemente desmentir. O comunismo não é sobretudo um partido político. O comunismo é, sobretudo, uma seita filosófica. Uma seita filosófica, quer dizer é um conjunto de pessoas que tem uma filosofia própria. Essa filosofia envolve uma visão do universo; essa visão do universo envolve o desejo de configurar todas as instituições políticas, sociais e econômicas do mundo segundo um determinado modelo.

E para os comunistas, a evolução, que é a própria trama da história e que impõe à história o seu rumo, a evolução é um fato universal. Ou se dá a evolução no mundo inteiro rumo ao comunismo, ou a natureza, que é o grande agente da evolução, não encontrou verdadeiramente o seu caminho. De maneira que é preciso, então, conseguir que toda a natureza seja integrada nesse movimento. Para conseguir que a natureza seja integrada nesse movimento, é necessário conseguir, de outro lado, que todas as nações nele sejam integrados; que todos os homens se tornem comunistas por convicção. Porque enquanto os homens não se tornaram comunistas por convicção, a ideologia comunista não terá penetrado nas profundezas da humanidade e não terá produzido na humanidade aquela forma especial de transformação indispensável para que a humanidade evolucione.

O problema comunista do ponto de vista político não consiste tanto em dominar uma determinada parte da terra, mas consiste em persuadir os homens; e o domínio da terra não é outra coisa, para os comunistas, senão um meio para a persuasão dos homens. De maneira que a pergunta que se coloca para o comunismo, ao cabo de cem anos de vitórias realmente grandes obtidas pela força e pela astúcia, o problema é o seguinte: Nós, comunistas, conseguimos persuadir com nossas teses comunistas a humanidade? Nós conseguimos convencer os homens de que o comunismo é a doutrina verdadeira, é a filosofia verdadeira que deve, de fato, reger a evolução sincrônica, simultânea e proporcionada de todas as partes da humanidade para o ideal que o comunismo tem em vista?

Ora, quando nós imaginamos um comunista que se faz essa pergunta, nós devemos reconhecer que a resposta, para os comunistas, é singularmente decepcionante. E singularmente decepcionante por que? A doutrina comunista, ao cabo de cem anos, durante cem anos fez uma propaganda intensa. Essa propaganda interna contou com todo o dinheiro necessário; ela contou com toda a técnica necessária; ela teve liberdade de se expandir nos países do Ocidente, como bem entendeu. Ao cabo desses cem anos, o que acontece? É que os comunistas, nos países do Ocidente, não ganharam uma só eleição. Sistematicamente durante cem anos convocam-se eleições. O Partido Comunista tem liberdade de registrar os seus candidatos. Ele os registra. Os seus candidatos dizem aos trabalhadores manuais, os seus candidatos dizem aos pobres: "Vede todas essas riquezas. Essas riquezas serão vossas, se vós nos elegerdes!" Os pobres vão às urnas com os ricos, e nunca o Partido Comunista alcançou uma vitória. Nunca os pobres disseram: "nós queremos saquear os ricos". A maioria dos pobres nunca disse isso. Nunca ela deu os votos aos comunistas. Os comunistas foram sistematicamente derrotados. Quer dizer, mesmo quando se dirigiram àqueles que teriam um falso interesse, é verdade, mas um interesse veemente em atender aos reclamos do comunismo, mesmo nesse caso os comunistas não conseguiram resultados ponderáveis. Muito pelo contrário, cada vez eles tiveram - da maioria da população - uma negativa formal.

Alguém poderia dizer: "Mas, professor, não se trata bem disso. Para os comunistas trata-se de conquistar o poder com uma maioria, por um golpe de força. Depois eles modulam a opinião pública. Eles não a modulam durante o regime democrático".

Primeiro, não se pode conceber bem porque não a modulem no regime democrático. Em última análise, o regime democrático lhes dá toda a liberdade de falar, lhes dá toda a liberdade de argumentar. Por que não convencem? Por que não arrastam as massas atrás de si? Por que, de cada vez que uma eleição se convoca, há um fracasso? Depois, em segundo lugar, é verdade que tomando conta do poder eles convenceriam as massas? O que aconteceu nos lugares onde eles tomaram conta do poder? Se nós pensamos na Rússia, onde se faz um turismo dirigido e onde o turista não pode falar com uma pessoa do povo, onde não pode visitar qualquer coisa porque eles têm medo que o povo diga horrores; se nós pensamos que a Rússia é uma espécie de imenso campo de concentração do qual não se pode sair e no qual não se pode entrar; se nós pensamos no Muro de Vergonha e no número enorme de pessoas que com o risco da vida fogem desse esquisito paraíso, nós seremos levados a achar que realmente eles não convenceram ninguém dentro do país mesmo onde eles conseguiram vencer.

Pior ainda, e isso é mais significativo: eles não só não conseguiram convencer, mas não conseguiram organizar. Um pouco por toda parte do mundo bolchevista se determinam movimentos de pessoas descontentes. E para atenuar esse descontentamento, os bolchevistas o que fazem? Anunciam que vão mitigar o regime de propriedade coletiva através de concessões à propriedade privada. Mera manobra, como veremos adiante, mas que é assim mesmo muito significativa. Porque ao cabo de 50 anos de implantado na Rússia, de 20 anos de implantado na Europa, o regime comunista para sobreviver é obrigado a pedir um apoio a uma força adversa, ao princípio mesmo que ele combate. E é fazendo incongruências na sua própria doutrina que ele espera obter algum resultado de organização. Isso é o fracasso dos fracassos.

Talvez os senhores já se tenham posto diante da idéia do que seria para o mundo um proceder contrário dos comunistas. De repente abria-se a Cortina de Ferro, permitia-se que todo mundo entre, que todo mundo visite a Rússia. A gente vai falar com os operários: operários médios, satisfeitos, risonhos, tranqüilos. "Como vivem vocês?" - "Oh, muito bem! Depois que o comunismo tomou conta do poder isso aqui é um paraíso! Olhe minha casa, olhe a casa daquele. Meu senhor, entre por toda parte, examine o que quiser, o senhor verá como nós somos felizes!" Eleições controladas pela ONU, liberdade plena. Povo russo votando unanimemente a favor do comunismo. Os senhores querem melhor propaganda para o comunismo? Por que os comunistas não fazem essa propaganda? Evidentemente eles não a fazem porque sentem que não podem fazê-la. E por que não podem fazer? Porque eles não convenceram os povos que eles presentemente estão dominando.

Dentro dessa perspectiva, o verdadeiro problema para o comunismo consiste em saber o seguinte: o que fazer para, de fato, ganhar a batalha da opinião pública? O que fazer para, de fato, convencer dentro de nosso país e fora de nosso país as pessoas que, até agora, nós [comunistas] não conseguimos convencer? E então, debaixo desse ponto de vista, nós notamos a fundamental e congênita fraqueza do comunismo.

Essa observação feita, nós devemos então dizer que os comunistas devem, nos seus altos conciliábulos, afirmar o seguinte: que de um lado eles estão dispostos a conservar todo o aparelhamento de fraude e de força que até aqui lhes valeu tanto recurso; mas que, de outro lado, eles querem  também organizar e montar um aparelhamento novo, aparelhamento esse que lhes é algo que a fraude e a força não lhe deram; um sistema de persuasão diferente. E é no sistema de persuasão comunista que nós devemos fixar as nossas vistas para entender qual é essa colaboração de que os comunistas falam.

Qual é o sistema até aqui adotado pelos comunistas? O sistema é o seguinte: eles fundam numa determinada cidade um centro comunista. Esse centro ou é fundado por gente que vem de fora, ou é fundado por pessoas do próprio local que lêem livros comunistas, se tornam comunistas e se põem em contato com a direção comunista. A partir do momento que esse centro está funcionando, começa então o proselitismo ativo. Esse proselitismo consiste em dar a doutrina comunista, em se afirmar comunista, em fazer a propaganda do comunismo, em publicar jornais comunistas etc. Dentro de algum tempo nessa cidade, um certo número de pessoas se torna comunista. Mas o que a experiência prova é que depois de um, dois, cinco anos talvez, para a expansão comunista e todos os bolchevizáveis daquele ambiente já estão agregados ao Partido Comunista e o partido não cresce mais, ou cresce muito pouco. Então, o problema não é de destruir esse partido comunista. Mas o problema é de fazer a crítica desse processo de propaganda.

Com efeito, se essa propaganda não deu resultado - e é uma propaganda explícita, clara -, a razão principal está em que o nome do comunismo causa horror a muita gente. E que por isso, ao mesmo tempo que afirmando-se comunistas eles ganham todos simpatizantes, afirmando-se comunistas eles fecham as portas, ou melhor, fazem fechar-lhes as portas por parte de todos aqueles que lhes têm antipatia. E então, em vez de uma propaganda explicitamente comunista, em vez de uma propaganda declaradamente comunista, ou melhor ainda, ao lado de uma propaganda explicita e declaradamente comunista, é preciso que se adote uma outra forma de propaganda que não seja nem explícita nem declarada, na esperança de por essa forma levar as pessoas a uma verdadeira colaboração com o comunismo. E sem que as pessoas percebam, levar as pessoas a serem comunistas.

Então, a tática antiga era declarar que o comunista é comunista e propor ao não comunista que fique comunista. A tática nova é que alguns não declarem que são comunistas ou que façam um jogo por meio do qual aqueles a quem eles se dirigem fiquem comunistas sem perceber que estão ficando comunistas. Ou se não ficarem diretamente comunistas, fiquem favoráveis a uma política de entrega, a uma política de pânico, a uma política de medo em relação ao comunismo.

Esse modo de fazer corresponde a uma tática nova do comunismo e por causa disso os senhores vêem no mundo inteiro o comunismo mudar de aspeto. Nós tivemos Stalin, o ditador tremendo, bigodudo, de olhos de ferro, de força de aço, com algo da força tremenda do demônio e que representou para o mundo a face da severidade do comunismo. Mas Stalin morreu. E a Stalin sucedeu, rotundo, bem bardeadinho, com cara alegre, piadas de palhaço, sempre bem humorado, Kruschev. E com Kruschev, o comunismo adotou um new look. Não mais a cara dura e enigmática de Molotov; não mais o niet, o "não" característico dos diplomatas comunistas, mas o sorriso, a gentileza por toda parte, as visitas, as cortesias. Algo parecia mudar.

Ao mesmo tempo em que isso se dava, havia evoluções na Rússia e pequenas notícias de todo lado insinuando que na Rússia começa a haver alguma liberdade, e que a Rússia não é, portanto, mais aquela senzala ou aquele campo de concentração que nós imaginávamos. Ao par dessas circunstâncias, começa a Rússia a propor uma colaboração com os ocidentais, afirmando que é preciso fazer uma coexistência e que essa coexistência deve evitar a guerra, que é um grande mal, e evitando a guerra, que é grande mal, estabelecer um regime de colaboração para o bem comum entre os países comunistas e não comunistas. Por sua vez, essa mudança de atitude da Rússia foi seguida de um fato muito curioso. E esse fato foi a abertura - mais acentuada e mais pronunciada do que nunca - de uma divisão nas fileiras dos ocidentais. Muitas vozes, entre os ocidentais, começaram a se erguer, dizendo que a coexistência com o comunismo era possível, que a coexistência com o comunismo era desejável, que essa colaboração era vantajosa e que haveria talvez um meio de estabelecer uma relação tal que nunca mais houvesse guerra mundial; e, além de não haver guerra mundial, talvez nunca mais houvesse  também conflitos ideológicos, porque os conflitos ideológicos iriam desaparecendo.

Qual foi o modo pelo qual isso se travou? Começou a aparecer uma ala de comunistas declarando o seguinte: "nós, comunistas, não queremos perseguir a religião; nós não queremos fechar o culto. Nós pedimos apenas aos católicos que renunciem ao direito de propriedade. A partir do momento em que eles cessem de lutar pelo direito de propriedade, a partir desse momento, os comunistas não perseguirão mais os católicos. E como a propriedade privada é uma coisa da terra e não é do Céu; como, afinal de contas, se pode ir para o Céu sem a propriedade privada, nós, comunistas, chamamos sobre nós a responsabilidade de sugerir o seguinte: renunciem à propriedade privada e terão toda a liberdade religiosa. Se vocês dizem que são perseguidos por nós, não digam que essa perseguição vem por causa da religião. Digam que é porque vocês são asseclas dos proprietários; vocês tratam de uma causa econômica e não de uma causa religiosa. Vocês são fariseus". E com isso os comunistas procuram colocar muita gente do seu lado.

Pior ainda: conseguem embair muitos católicos que, sem perceber o que há de capcioso e de falso nessa tática, começam então a sorrir para o comunismo. E aqui está então uma divisão aberta entre os adversários do comunismo, em que uma parte dos adversários do comunismo começa a aceitar uma colaboração com o comunismo no momento mesmo - e essa coincidência é das mais chocantes - no momento mesmo em que ao comunismo convinha isso para iniciar a sua tática de embair a opinião mundial.

Outro aspecto do problema é o que diz respeito ao diálogo. Os comunistas lançam certas palavras que já têm um conteúdo filosófico, ou então um conteúdo social vago, mas muito bonito. Por exemplo, coexistência pacífica; por exemplo, justiça social; por exemplo, luta contra os privilégios. E eles procuram despertar na própria sociedade burguesa pessoas que se afirmam favoráveis à luta contra a guerra, favoráveis a uma plena justiça social, favoráveis a uma coexistência pacífica; que se afirmam tais, mas em termos tais, com tanta demagogia, com tanta indignação, que verdadeiramente não se sabe se é a favor disso que essas pessoas estão lutando ou se não é à causa comunista que elas querem servir.

Esse processo de agir vai produzir então uma ação psicológica em cadeia, da qual eu vos darei alguns traços daqui a alguns instantes. Aí se trata da tática chamada da baldeação ideológica inadvertida. Os senhores conhecem bem no que essa tática consiste. A baldeação é uma expressão muito corrente: é a operação pela qual uma pessoa que está num trem que toma um rumo, deixa esse trem e toma outro trem que toma outro rumo. Uma baldeação ideológica é o abandono de uma ideologia para adotar outra ideologia. E a baldeação ideológica inadvertida se dá quando a pessoa faz a baldeação sem perceber que está fazendo a baldeação. E a baldeação como se faz, nesse caso?

É um sistema muito conhecido: em primeiro lugar, os comunistas colocam uma preocupação qualquer e exageram o cume dessa preocupação. Vamos dizer, por exemplo, a luta contra os privilégios. Todos nós sabemos que um privilégio pode ser algo de justo, e pode ser algo de injusto. Nós sabemos também que quando o privilégio é injusto ele é odioso, como são odiosas todas as injustiças. Nós sabemos também que quando um privilégio é odioso é virtuoso o lutar contra ele. E então se toma uns tantos privilégios odiosos que existem hoje e então se começa a falar contra os privilégios. Mas se começa a falar contra os privilégios sem dizer bem exatamente que privilégios são, falando de privilégios num sentido genérico e lançando frases como essa: "Afinal, o senhor é favorável à manutenção dos privilégios injustos de hoje em dia?" Ou então, outra frase: "o senhor quer que os privilegiados continuem a esmagar aqueles que não são privilegiados?"

E com frases dessas cria-se um ódio contra os tais privilégios que a gente, no ar, nem sabe bem exatamente quais são. Mas depois disso, começa então a falar de privilégio como se a propriedade privada fosse um privilégio. E então a pessoa que começou a protestar contra os privilégios injustos, sem perceber é levada a protestar contra a propriedade privada. Depois, então, vem a terceira fase da luta: não é mais protestar contra a propriedade privada, mas é dizer que todo indivíduo que luta pela propriedade privada é um favorecedor das injustiças. E que, pelo contrário, o comunista é o verdadeiro amigo da justiça e que se encontra mais amor à justiça entre os comunistas do que entre os anticomunistas. E ao cabo de algum tempo a pessoa, sem perceber, está vivendo com os comunistas, está colaborando com os comunistas e, por fim, acaba fazendo o jogo do comunismo. E então houve uma baldeação ideológica inadvertida porque a pessoa começou por se afirmar anticomunista; mas ela vai andando, vai andando e quando ela dá acordo de si ela está comunista sem ter percebido a volta que estava dando.

A mesma coisa a coexistência pacífica. Alguém pode ser contra a coexistência pacífica? Distingo: se a coexistência pacífica é o não haver guerra, nós devemos ser a favor da coexistência pacífica. Mas é uma coexistência pacífica armada até os dentes; é uma coexistência pacífica com uma luta ideológica incessante. Vêm os comunistas e dizem: "Não!" Ou então vêm os inocentes úteis do comunismo - talvez não inocentes, certamente muito úteis - e dizem: "Não. Nós vamos ser a favor da coexistência pacífica". Mas a coexistência pacífica é uma colaboração. E para haver colaboração é preciso vir balé russo para cá, é preciso ir estudantes brasileiros para a Rússia; é preciso vir professores russos lecionar aqui; é preciso fazer propaganda russa com raiz na embaixada russa etc. E com isso se vai desarmando aquela muralha de oposição de um lado e do outro e quando a gente se dá de acordo no caso a coexistência pacífica se transformou, em última análise, numa colaboração.

Há, assim, portanto, uma série de slogans que vão transferindo para a área próxima do comunismo aqueles que não são comunistas; para a área do comunismo, aqueles que estão próximos do comunismo. E por essa forma se consegue um abrandamento, uma distensão, se consegue um afrouxamento da resistência do Ocidente. Muitos ficam comunistas, de um lado e, de outro lado, muitos deixam de lutar contra o comunismo. E, por essa forma, o comunismo ganha a sua mais assinalada vitória. Ele não conseguiria isso com uma doutrinação explicita. Ele não conseguiria isso com uma reação enérgica e violenta. Ele consegue isso por meio de brandura. E então o que foi a colaboração com o comunismo? Não foi outra coisa senão um meio lançado pelo comunismo para amolecer as muralhas que ele não conseguiu derrubar; para derrubar os obstáculos que outrora para ele eram intransponíveis. Ele terá, por meio de uma mágica maravilhosa, eliminado o adversário, posto o adversário anestesiado a sorrir para ele. E ele terá penetrado na cidadela na qual, até então, ele não podia penetrar.

O que se deve pensar a respeito dessa tática? Qual é a atitude que em face dessa tática se deve tomar? A atitude que se deve tomar é só uma: essa tática é uma tática de luta, é uma tática de guerra oculta em palavras blandiciosas. O verdadeiro dever daqueles que lutam pela tradição cristã consiste em denunciar essa tática, consiste em mostrar o que ela tem de perigoso; consiste em, de todos os modos, por todas as formas se apresentar diante do adversário e, sobretudo, se apresentar diante dos ingênuos e dos inocentes e dizer-lhes: "essas são faces de uma tática". E explicar no que a tática consiste. Então, mais essa imensa manobra envolvente do comunismo se desfará e o comunismo terá perdido a sua grande batalha do século XX.

É, portanto, preciso, mais do que nunca, que em face da alternativa comunismo-colaboração, ou melhor, comunismo-luta ou coexistência, nós saibamos dizer, com toda a energia e com toda a força: comunismo: Luta, sim! Coexistência, não!

Minhas senhoras e meus senhores. Esse dever que a todos nós se impõe, impõe-se especialmente ao Estado de Minas Gerais. São recentes os dias gloriosos em que o Estado de Minas Gerais foi a cidadela da reação brasileira contra a bolchevização do país. Minas Gerais mostrou, nesse momento, verdadeiramente o que era. Embora as palavras Tradição, Família e Propriedade não se tivessem ainda desfraldado sobre esse Estado, os atuais componentes do núcleo de Tradição, Família e Propriedade, em articulação com outras forças vivas do Estado de Minas Gerais, souberam criar as condições psicológicas que tornaram possível o grande movimento para o qual os mineiros acudiram à uma; o grande movimento em que ao lado dos mineiros e baseados nos mineiros, os brasileiros todos souberam dizer a um governo que insinuava a colaboração com o comunismo, souberam dizer: coexistência, não! Luta, sim!  E a tradição, família e a propriedade eram os três grandes ideais que moviam a sociedade mineira em peso nessa luta. E isso se notava, sobretudo, pelo papel preponderante que a mulher mineira - cujo coração é um santuário de tradição, cuja família é um santuário de moralidade e cuja propriedade é o fundamento da moralidade e da tradição do lar -, a mulher mineira soube, ela mesma, rezando heroicamente o Rosário diante dos asseclas de um Presidente que caçoara do Rosário, soube - ela mesma - de um modo empolgante, desencadear a reação do Brasil.

Foi ontem a festa de Santa Clara de Assis. A história nos marca que quando a cidade de Assis estava situada pelos sarracenos e o pequeno convento de São Damião, que era a sede dos frades franciscanos estava também cercado, houve uma mulher que saiu de Santíssimo Sacramento em punho e se apresentou diante dos sarracenos e todos fugiram. Era a grande Santa Clara, a matriarca das franciscanas. E quando eu, numa roda de amigos, fazia o elogio dessa santa, eu pensava de mim para comigo: algo de parecido fez a mulher mineira. De Rosário em punho ela avançou e todo o Brasil em torno dela; de Rosário em punho, ela disse diante do comunismo: cooperação, não! jamais! Nós preferimos a morte, mas nós não queremos uma coexistência feita de ilusões, feita de fraude e cheia dos piores resultados para amanhã. Nós preferimos a luta, porque a luta é a característica de todos aqueles que querem viver piedosamente com Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho dito.